Veja 03 de março de 2010 Sumário O terrível show da tarde ............................................................................................................................................. 3 Orca mata treinadora, e volta à tona a pergunta que só humanos podem fazer (e responder): é certo exibir animais selvagens?............................................................................................................................... 3 Datas ................................................................................................................................................................................... 4 Holofote ............................................................................................................................................................................. 5 Sobe Desce ........................................................................................................................................................................ 6 "Eu faturo 12 000 reais por semana" .................................................................................................................... 7 Há vinte anos, Luis Claudio Barros decidiu reforçar o orçamento vendendo nas praias do Rio de Janeiro uma espécie de sorvete caseiro embalado em um saquinho plástico, sem palito, batizado de sucolé. Foi um sucesso. Hoje, Claudinho do Sucolé, como é chamado, tem 16 empregados e fatura alto........................................................................................................................................................................ 7 Números ............................................................................................................................................................................ 7 Radar .................................................................................................................................................................................. 8 Veja Essa ......................................................................................................................................................................... 10 Gente................................................................................................................................................................................. 12 Agora, sem edredom ................................................................................................................................................. 12 A mágica nos ombros ............................................................................................................................................... 13 O maior lobista do país.............................................................................................................................................. 14 José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma bilionária operação que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e, claro, fazer a fortuna de alguns bons companheiros.............................................................................................................................................................. 14 É PRECISO ARRANCAR A RAIZ ............................................................................................................................ 16 Drástica, mas legal, intervenção parece ser o único remédio contra a praga da corrupção na capital ......................................................................................................................................................................................... 17 A cassação que foi sem nunca ter sido ................................................................................................................ 17 1 Ao ordenar o cancelamento do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, um juiz de primeira instância contraria o TSE e põe em risco a segurança jurídica ................................................... 17 " MEU CARO PRESIDENTE..." ............................................................................................................................... 18 Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais .......... 19 Sorte madrasta ............................................................................................................................................................. 22 Trinta e oito gaúchos acertaram na Mega-Sena, mas não ganharam nada. A lotérica não registrou a aposta ............................................................................................................................................................................ 23 É melhor prevenir ....................................................................................................................................................... 23 O compulsório dos bancos subiu. Isso fortalece o BC - mas também indica medo de inflação ......... 23 O alvo? Cadê o alvo? ................................................................................................................................................... 24 Um ano depois da posse, Obama continua obcecado em reformar o sistema de saúde, mas os estudiosos estão mostrando que o que parece problema talvez seja a solução ..................................... 25 Bate e arrebenta ........................................................................................................................................................... 26 Gordon Brown já tinha cara e fama de mau. Agora aparecem os depoimentos de assessores e funcionários sobre xingamentos e até agressões ............................................................................................ 26 De olhos bem fechados .............................................................................................................................................. 27 Dissidente tem o mau gosto de morrer bem no dia em que Lula chegou a Cuba. Mas, se tivesse avisado antes, o presidente "teria pedido para ele parar a greve de fome" .............................................. 27 A ciência a favor da beleza ....................................................................................................................................... 29 Como a descoberta do sistema de hidratação profunda da pele, feita por um prêmio Nobel, abriu caminho para uma revolução nos cosméticos .................................................................................................. 29 Bonjour, Quebec .......................................................................................................................................................... 35 Com escassez de mão de obra e baixa taxa de natalidade, a província canadense lança um programa para atrair ainda mais imigrantes brasileiros.................................................................................. 35 Sexo tem cura?.............................................................................................................................................................. 36 É possível. Sendo sexo, nesse caso, não aquele que traz prazer físico e satisfação emocional, mas o que foge ao controle e provoca atitudes autodestrutivas ........................................................................... 36 O óleo da massa ............................................................................................................................................................ 37 O azeite conquista os emergentes – mas não apenas para alimentação ................................................... 37 A lição do Mérito .......................................................................................................................................................... 38 As primeiras experiências brasileiras de premiar os melhores professores em sala de aula começam a dar resultado — e sinalizam um bom caminho para tirar nossos alunos das últimas colocações nos rankings mundiais....................................................................................................................... 38 Eles fazem diferença .................................................................................................................................................. 40 Com criatividade, disposição para o trabalho e experiência no atendimento às doenças típicas das regiões pobres, os brasileiros ganham destaque na organização Médicos Sem Fronteiras e viram referência nas missões espalhadas pelo mundo .............................................................................................. 40 O teste das fraldas ....................................................................................................................................................... 43 2 Ao completar 2 anos e meio, uma criança terá usado até 5 000 fraldas descartáveis. No bolso dos papais, isso significa um gasto entre 1 450 e 4 400 reais. Apesar de os ambientalistas torcerem o nariz para elas - porque levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza -, essas fraldas são o que há de mais prático e confortável para os bebês. ........................................................................... 43 Os preferidos dos papais .......................................................................................................................................... 45 La mutación de Jade................................................................................................................................................... 47 A Globo ressuscita a mocinha muçulmana de O Clone num remake da trama de Glória Perez voltado ao público latino .......................................................................................................................................... 47 Ela se diverte ................................................................................................................................................................. 48 Desde que estreou no cinema, há três décadas, Meryl Streep é um paradigma de excelência. Mas hoje ela não é só admirada, como antes. Aprendeu a ser leve e calorosa e fez o que ninguém imaginava ser possível para uma atriz de 60 anos em Hollywood: virou campeã de bilheteria........... 49 A razão e as paixões .................................................................................................................................................... 51 O historiador Niall Ferguson é mais um na larga lista dos sábios que agem como tolos na vida privada ........................................................................................................................................................................... 51 Touro sentado ............................................................................................................................................................... 52 Aos 84 anos, B.B. King, o último pioneiro vivo do blues, se apresenta no Brasil. Já não toca de pé mas não perdeu nada da perícia à guitarra ......................................................................................................... 52 O lucro não é vergonha ............................................................................................................................................. 53 Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade ......................................................................... 53 Alegres e ignorantes ................................................................................................................................................... 55 "Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares" ............................................................................................................................... 55 O ano eleitoral - uma prévia .................................................................................................................................... 56 "Nas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma campanha pobre de uma rica será acompanhar o movimento dos olhos do candidato" ...................... 56 O terrível show da tarde Orca mata treinadora, e volta à tona a pergunta que só humanos podem fazer (e responder): é certo exibir animais selvagens? Vilma Gryzinski • As baleias assassinas não são baleias nem assassinas, embora tenha ficado mais difícil defender a reputação dos magníficos animais depois da morte da treinadora Dawn Brancheau, durante uma apresentação no mais famoso parque marinho dos Estados Unidos (na foto acima, ela aparece com outra orca, muito antes do ataque fatídico). Tilikum, um macho dominante de 30 anos e quase 6 toneladas, pulou no ar e agarrou a 3 treinadora pelo cabelo quando ela ia passar a mão em sua cabeça, durante o show da tarde. Sacudiu-a como as orcas fazem com seu prato predileto – focas –, diante dos olhos horrorizados do público, e não queria largá-la de jeito nenhum. Responsáveis pelo parque tentaram insinuar que a treinadora havia escorregado e caído na água, o que explicaria uma reação agressiva da orca. Todas as testemunhas discordaram. É claro que o caso suscitou uma discussão que pega fundo: é certo manter animais selvagens em cativeiro, para entretenimento dos humanos? Num futuro não muito distante, é provável que sejamos vistos como romanos no Coliseu pelas barbaridades infligidas aos nossos primos genéticos por pura diversão. Mas não é razoável dizer "benfeito", como fizeram certos defensores dos direitos dos animais diante da morte de Dawn. Tilikum, que tem outros dois casos na ficha (um treinador no Canadá e um desavisado que entrou no tanque dele, na Flórida), não será sacrificado nem solto no mar, como aconteceu com Keiko, o protagonista de Free Willy, que não se adaptou à liberdade e morreu de pneumonia. Relembrando: as orcas são as parentes maiores dos golfinhos e desde a Antiguidade levam o epíteto de assassinas por matarem baleias de verdade. Nada que combine com bichinhos de pelúcia. Datas Morreu José Carlos de Almeida Azevedo, aos 78 anos, de infecção pulmonar, em Brasília, na terça 23 de fevereiro. Azevedo foi reitor da UnB, a Universidade de Brasília, entre 1976 e 1985, período que precedeu a redemocratização. O regime militar deflagrara seu processo de abertura política, aceitando greves nas fábricas e manifestações estudantis, que eram reprimidas com uso moderado de força. Azevedo foi o símbolo desse período. Era chamado pelos estudantes de "reitor de Mar e Guerra, capitão da UnB", em razão de sua carreira militar na Marinha. Formado em engenharia, arquitetura naval e nuclear, era Ph.D. em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Foi um dos mais rigorosos pensadores brasileiros. Ultimamente vinha apontando, em artigos irretocáveis, o caráter religioso e pouco científico das teorias explicativas do aquecimento global. SEG|22|FEV|2010 Descobertas ruínas de uma muralha que pode ter pertencido ao templo do rei Salomão, em Jerusalém. A construção tem 70 metros de comprimento por 6 de altura e data do século X antes de Cristo. A descoberta da última semana causou espanto, pois muitos estudiosos acreditam que Salomão jamais existiu - seu reinado pertenceria ao terreno dos mitos. Novas escavações serão feitas para tentar confirmar o achado. TER|23|FEV|2010 Adam Dean O vale da morte Fotos do Afeganistão feitas para VEJA concorrem a prêmio internacional Classificado como finalista do prêmio Sony World Photography Awards 2010 o fotógrafo inglês Adam Dean. Ele foi selecionado na categoria Atualidades pela reportagem "O vale da morte", realizada para VEJA em 2009, no Afeganistão. Dean acompanhou tropas americanas que lutam contra o Talibã no Vale do Korengal, onde vêm sendo travadas algumas das batalhas mais violentas da guerra. Chris Pizzello/AP 4 Anunciado que se internou em uma clínica de reabilitação o ator americano Charlie Sheen, da série Two and a Half Men. O astro-problema é viciado em álcool e cocaína e já se internou outras vezes, sem resultado. E ele está piorando: Sheen chegou a ser preso, acusado de agressão a sua mulher, durante uma briga com facas no último Natal. Caso tenha nova recaída, ele pode voltar para trás das grades. QUA|24|FEV|2010 Concedido ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o direito de contar o tempo que ele passou no exílio para efeitos de aposentadoria. Charlie Sheen O astro de Two and a Half Agora, ele poderá pendurar os coletes dez anos antes do Men foi parar na rehab previsto. Minc foi guerrilheiro durante a ditadura, até ser preso, em 1969. Em 1970, foi libertado em troca da vida do embaixador da Alemanha Ocidental, que havia sido sequestrado. Viveu no exterior, em Portugal e na França, entre 1970 e 1979. Esse é o tempo que será usado para, agora, adiantar sua aposentadoria. Pois é. QUi|25|FEV|2010 Camisa reciclada Alexandre Pato mostra o novo uniforme da seleção Apresentada a nova camisa da seleção brasileira, que será usada na Copa da África do Sul. O tecido é feito a partir de garrafas pet recicladas. Oito delas são necessárias para produzir uma camisa. O modelo não tem costura, apenas cola, e pesa apenas 160 gramas - 15% menos que o anterior. O segredo vinha sendo guardado a sete chaves pela Nike, fabricante da camisa. Mas o maior mistério envolvendo a seleção continua: Ronaldinho Gaúcho vai para a Copa, Dunga? Holofote Felipe Patury Perdeu no ar e na terra A Justiça Trabalhista arrestou duas fazendas do empresário Wagner Canhedo. Elas poderão ser vendidas para pagar parte do 1,5 bilhão de reais em direitos trabalhistas aos funcionários da antiga Vasp, que parou de voar há cinco anos. Situadas em Goiás, as terras pertencem à Agropecuária Vale do Araguaia e foram listadas como garantia em um acordo firmado por Canhedo com seus ex-empregados. A maior está avaliada em 500 milhões de reais. A menor, em 100 milhões de reais. Se a sentença for confirmada, será a primeira vez que bens são excluídos de um processo de falência para cobrir dívidas trabalhistas. Os advogados do empresário temem, agora, que outros ativos dele sejam usados para quitar a falência, como suas empresas de ônibus em Brasília. O seriado mais quente da televisão Seis ministros relutam em gravar o seriado 7 Anos em 7 Minutos. Na semana passada, eles foram cobrados a filmar logo sua participação. Para quem não sabe – e ninguém sabe –, trata-se de uma série de depoimentos na qual os 36 ministros enumeram as virtudes do governo em sua área por sete minutos. No total, a ladainha terá mais de quatro horas. Encomendados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, os programas estão sendo exibidos pela TV Brasil, de Tereza Cruvinel. A audiência, provavelmente, será maior do que a do filme Lula, o Filho do Brasil. Parece que o Brasil não se interessa No fim do ano passado, representantes da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos informaram que seu governo gostaria de apoiar um brasileiro à sucessão do colombiano Luis Alberto Moreno na presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Seria necessário, apenas, que o país apresentasse algum nome com perfil adequado para a função. Como até o momento o Brasil não indicou ninguém, os mesmos funcionários da Secretaria do Tesouro afirmam que seu país está inclinado a apoiar a manutenção de Moreno no cargo. A TV de Sobral Regis Filho ABR R. Marques/Folha Imagem Marcos Arcoverde/AE 5 Amigos do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) atribuem os ataques feitos pelo parlamentar ao PMDB a uma tentativa desse partido de lhe roubar seu curral eleitoral: a cidade de Sobral. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, concedeu uma TV à Fundação José Possidônio Peixoto. Costa é do PMDB e a fundação é ligada a um deputado do partido. Ciro tenta desfazer o negócio na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Olacyr de Moraes vende a Constran Gustavo Scatena O nome de Olacyr de Moraes é lendário no mundo empresarial brasileiro. Fez fortuna como empreiteiro, usou o dinheiro para fundar um banco e se tornar o maior produtor de soja do mundo nos anos 80. Seu império desmoronou na década seguinte, quando ele ousou construir uma ferrovia para ligar a zona da soja ao Porto de Santos. Nos próximos dias, ele se desfará da construtora Constran, sobre a qual erigiu seu império. Ela deve ser adquirida por 100 milhões de reais pela UTC, uma empreiteira que foi fundada pela OAS e adquirida há cinco anos por alguns de seus ex-funcionários. Atuando na área de gás e energia, já se aproxima do faturamento de sua antiga matriz e, agora, passa a concorrer no mundo de obras de infraestrutura. Sobe Desce 6 Índice • Seções • Panorama • Brasil • Economia • Internacional • Geral • Guia • Artes e Espetáculos • ver capa Conversa com Claudinho do Sucolé "Eu faturo 12 000 reais por semana" Há vinte anos, Luis Claudio Barros decidiu reforçar o orçamento vendendo nas praias do Rio de Janeiro uma espécie de sorvete caseiro embalado em um saquinho plástico, sem palito, batizado de sucolé. Foi um sucesso. Hoje, Claudinho do Sucolé, como é chamado, tem 16 empregados e fatura alto André Eler Eduardo Martino/Documentography Quem inventou o sucolé? A receita é conhecida no subúrbio, mas todo mundo chama de sacolé: polpa de fruta batida com água. Eu troquei a água por leite e não uso polpa, só fruta natural. Para diferenciar, lancei este nome: sucolé. Pegou. E vende bem? Vende tanto que tive de contratar um monte de gente para me ajudar. Tenho seis pessoas na fábrica, em Duque de Caxias, na Baixada, e dez vendedores que passam o dia na praia. Quanto fatura sua equipe? Este verão está sendo maravilhoso, porque está muito calor. Estou fazendo, bruto, 12 000 reais por fim de semana. Qual sua estratégia de vendas? Quando trabalhava sozinho, cantava e fazia versos para cativar os clientes, coisas do tipo: "Chupa, chupa, chupa! Chupa, meu amor! Chupa, chupa, chupa. O sucolé é um terror". Tem que vender alegre, né? Claudinho: sucesso Você tem clientes famosos? que veio da Baixada Vários artistas compram sucolé: Luana Piovani, Jonas Bloch, Preta Gil... Já fui convidado até para o aniversário do Marco Nanini. Ah, e tem também aquela menina, filha do Fábio Jr., como é que ela chama? Cleo Pires! Ela também chupa Números Jamie O'Rourke/Reuters 7 Radar Lauro Jardim [email protected] Brasil É perversa a natureza humana Preso e sem perspectiva de volta ao poder no DF, José Roberto Arruda virou saco de pancada. O Ministério Público agora recebeu "denúncia" de que ele estaria acumulando recursos repassados pelo caixa dois de empresas para "comprar" sua candidatura à Vice-Presidência. Ninguém tem a menor ideia Façam suas apostas: quem estará no posto de governador do Distrito Federal na festa do cinquentenário da capital, em 21 de abril? Jogatina liberada O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, pretende votar ainda em março a liberação dos bingos, apoiada pelo governo. Vaccarezza já comunicou a decisão aos líderes da base aliada. Eleições 2010 Ailton de Freitas/Ag. O Globo Homem certo, no lugar certo Antonio Palocci é o meio-campo escalado pelos petistas para acalmar os empresários temerosos de eventuais radicalismos de Dilma Rousseff. E já entrou no gramado. Hábil Palocci: tranquilizando os ansiosos Ordens do chefe Lula já mandou avisar ao PT paulista ("mandou avisar" é um eufemismo que equivale a uma ordem): se Ciro Gomes não topar mesmo, o candidato ao governo de São Paulo vai ser Aloizio Mercadante. Se Mercadante também pular fora, o escolhido será Fernando Haddad. E fim de papo. Cuidando do quintal O próximo programa de televisão do PMDB, que vai ao ar em abril, deve ser dedicado aos governadores do partido. Apesar da aliança pró-Dilma, a prioridade da legenda é eleger o maior número possível de governadores. A tendência é que as loas ao governo federal surjam a partir das falas dos candidatos. Federação partidária O PMDB deverá ter até quinze candidatos a governador. Hoje dez nomes já estão assegurados nas disputas e outros cinco estão em negociação avançada. Dos fundos para a política Guilherme Lacerda, desde 2003 presidente do terceiro maior fundo de pensão do Brasil, a Funcef, prepara sua candidatura a deputado federal pelo PT. Economia Procura-se banqueiro O Morgan Stanley está em busca de um novo presidente para a sua subsidiária brasileira. Tempo de engorda Aliás, os bancos americanos voltaram a pensar em aumentar sua estrutura no Brasil. A Goldman Sachs e a Merrill Lynch puxam a fila. Não estou nem aí Em palestra na semana passada no Instituto Brasileiro de Petróleo, o presidente da Petrobras Distribuidora, José de Andrade Neto, surpreendeu a turma do setor. Perguntado sobre a campanha de combate à clandestinidade 8 patrocinada pelas companhias de GLP (o gás de cozinha), desdenhou: "A campanha não é do interesse dos consumidores, mas das empresas". Lima Neto também é o presidente do conselho de administração da Liquigás, uma das líderes do GLP. Recentemente, o setor lançou uma campanha na qual recolheu 250 000 botijões do mercado informal. Show business Os shows da Globo As Organizações Globo vão criar uma megaempresa de eventos. Um dos focos será a contratação de grandes shows de artistas internacionais. Nos planos está inclusive comprar (ou se associar a) duas casas de espetáculos, uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo. Futebol Nelson Antoine/AP O custo Robinho Robinho será o novo garoto-propaganda da Volkswagen até pelo menos a Copa do Mundo. O contrato foi fechado na quarta-feira pelo Santos, que detém os direitos de imagem do atacante. São contratos como esse (o clube pretende fechar outros) que tornarão menos doloroso para o Santos o pagamento do 1 milhão de reais que Robinho recebe a cada trinta dias. Dinheiro suado Robinho: contrato com a VW para ajudar a pagar o seu salário Na TV, Ciro sugere: "Skaf, guardem este nome" Fotos Eduardo Knapp/Folha Imagem e Dida Sampaio/AE Confusão Ciro (à dir.) admitiu ser candidato ao governo paulista; mas na TV lança Skaf (à esq.) Foi gravado na manhã de quinta-feira um comercial político do PSB destinado a fazer barulho nesta pré-campanha. Será apresentado em São Paulo na terça-feira. Nele, Ciro Gomes diz coisas como: "Paulo Skaf, guardem este nome". Ou seja, um dia depois de reunir-se com petistas paulistas e admitir pela primeira vez que poderia ser candidato ao governo de São Paulo, como quer Lula, Ciro estrelou um comercial do PSB ao lado do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, praticamente lançando-o para o mesmo posto. Numa das tomadas que gravou, 9 Ciro aponta para Skaf e afiança: "Só com gente assim combateremos a corrupção na política". Skaf agradece o apoio com um "obrigado, Ciro". Pelo visto, Ciro gosta de fazer política ao estilo Chacrinha – prefere confundir a explicar Veja Essa Editado por Julio Cesar de Barros [email protected] Leonardo Carvalho/Folha Imagem "Sou um fofinho. Posso não agradar a todos, mas sou casado e fiel há 31 anos." Wilson Lima, presidente da Câmara Legislativa, que assumiu o governo do Distrito Federal "É tão vergonhoso, é tão escandaloso, e eu fico numa indignação, eu fico numa vergonha." Joaquim Roriz, ex-governador, que renunciou ao mandato de senador para não ser cassado por corrupção, bancando o indignado com o mensalão do Distrito Federal "Roriz é um tremendo cara de pau." Roberto Jefferson, presidente do PTB, comentando a fala de Roriz "Ministro, anote aí: eu não concordo. Se isso for feito, eu denuncio imediatamente." Roberto Requião, governador do Paraná, atribuindo ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a intenção de superfaturar a obra de um ramal ferroviário em 400 milhões de reais "Eu sou muito melhor do que qualquer outro candidato." Ciro Gomes, o modesto, referindo-se à eventualidade de se candidatar à Presidência da República "O presidente Lula é o líder indiscutível de nossa região, ele dá equilíbrio e força à América Latina." Felipe Calderón, presidente do México, na reunião de países da América Latina em Cancún "Seja homem. Estes temas se discutem nestes fóruns. Você é corajoso para falar a distância e covarde para falar de frente." Ilustração Dálcio Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, desafiando Hugo Chávez, da Venezuela, a repetir, na reunião de países da América Latina em Cancún, a acusação de que teria mandado matá-lo 10 "Ao sabermos de sua visita, nós nos dirigimos ao senhor para pedir que, nas conversações que manterá com os líderes do governo cubano, se lembre da nossa situação e defenda a nossa libertação." Carta de presos políticos cubanos, que acreditavam no mesmo que Calderón, ao presidente Lula, em visita ao país dos Castro "Isso se deve à confrontação que temos com os EUA. Temos perdido milhares de cubanos." Explicação do ditador cubano Raúl Castro para a morte por greve de fome de um dos prisioneiros políticos que pediram ajuda a Lula "Nós temos de lamentar por alguém que morreu. E morreu porque decidiu fazer uma greve de fome." Do presidente Lula, mostrando insensibilidade diante da morte que não tentou evitar "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro." Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, banalizando a morte do preso cubano Cristiano Mariz "Vocês veem muitos filmes de James Bond." Avigdor Liberman, ministro de Assuntos Exteriores de Israel, evitando comentar a suposta participação do Mossad no assassinato de um dirigente do Hamas em Dubai "(O golpe de 64) foi um mal necessário, tendo em conta o que se avizinhava." Marco Aurélio Mello, ministro do STF, no programa É Notícia, da RedeTV! "Eu diria que o crime no Brasil é pior. Acho que é o único país onde um helicóptero foi derrubado por criminosos." 11 Bheki Cele, comissário de polícia da África do Sul, para quem o crime em seu país não será problema durante a Copa "Não se é campeão na base da chibatada, mas no carinho e no respeito." Joel Santana, explicando como levou o Botafogo de time desacreditado a vencedor da Taça Guanabara Daniel Klajmic/Gloss "Sou um clichê nipônico. Se apareço fazendo uma salada na TV, vai ter kani no meio. Se vou jantar fora, é para comer sushi. E, sempre que tenho uma cena de amor, me vestem com um quimono." Daniele Suzuki, a médica Ellen da novela Viver a Vida, falando à revista Gloss de março Gente Editado por Lizia Bydlowski Agora, sem edredom J. R. Duran/Playboy 12 • O que nem o namorado big brother Michel Turtchin teve tempo de ver (ah, tá bom, ela é quem diz), o país vai poder conferir na edição de março da PLAYBOY: a curitibana TESSÁLIA SERIGHELLI, 22 anos, sem edredom algum, ocupada com sorvetes, pirulitos e outras alusões ao que aconteceu-não aconteceu sob as cobertas na casa famosa. "As fotos brincam com uma coisa que não houve. Mas, se o povo gosta de fantasiar, que fantasie", provoca Tessália, cujo nome vem de uma região da Grécia "porque meu pai gosta de história". Enquanto aguarda propostas, a publicitária e tuiteira famosa planeja investir os honorários pós-BBB em uma empresa. Só não sabe ainda do quê. Edredons? Lindas de morrer Earl/Clements/Splash News • Nunca na história da moda se viu enterro tão elegante quanto o de Alexander McQueen, 40 anos, o genial estilista inglês que se suicidou há duas semanas – e olhem que Yves Saint Laurent morreu há não muito tempo. Na cerimônia para família e "amigos íntimos" marcaram presença, de preto dos pés à cabeça, a modelo KATE MOSS, de estola de pele, luvas e Louboutins salto 12; STELLA MCCARTNEY, de botas, jeans e bolsa assinados por ela mesma, e a chique multimilionária DAPHNE GUINESS, dramaticamente enrolada em véu e capa de coleções passadas do falecido. Ainda no mais puro estilo McQueen, o pai, Ronald, e os cinco irmãos usavam as cores do clã escocês da família. A mágica nos ombros • O segredo mais bem guardado do Carnaval carioca deste ano situa-se sobre os ombros das bailarinas da comissão de frente da Unidos da Tijuca: botões de pressão que, abertos, faziam a parte de cima do figurino cair sobre a de baixo e formar um novo vestido – foram seis, ao todo. O número, conhecido como quick change (troca rápida), foi usado na avenida pelo casal de bailarinos TATIANA MELLO, 29 anos, e FABRÍCIO NEGRI, 25, ao lado de outras técnicas de ilusionismo, como a "cebola" (camadas de pano sobrepostas) e o "paraquedas" (dobrar sem fazer volume). Tudo foi milimetricamente estudado ao longo de quatro meses, do tecido ideal – liganete, uma malha sintética – à quantidade exata de papel picado (2 quilos) usada em uma das trocas. "Foi um sacrifício. Os ensaios eram de madrugada, para ninguém ver, mas valeu a pena", diz Tatiana. A comissão de frente não para de receber convites para repetir o show, entre eles o de uma noiva brasileira que quer contratar o grupo como atração de sua festa de casamento. Ernani D'Almeida Mulherão no Oscar Como diz seu nome, ela é big – mede 1,82 metro de altura. KATHERYN BIGELOW (pronuncia-se Bíguelou) também é bonita e hollywoodianamente conservada para os 58 anos. Concorrente ao Oscar de melhor diretora, tem a seu favor mais do que o desejo politicamente correto de premiar uma mulher. Seu filme, Guerra ao Terror, sobre um esquadrão antibomba no Iraque, já ganhou dois prêmios importantes, derrotando o do ex-marido dela, James Cameron, Avatar. Ex-pedreira e ex-pintora, Katheryn já escalou os 4 600 metros do Monte Kilimanjaro, na África, gosta de fazer mergulho em alto-mar, tem namorado mas não conta quem é e mora sozinha com dois cachorros e um gato. "Sou fascinada por mulheres fortes. Mas homens me inspiram da mesma forma", informa. Colaboraram Cristiane Sinatura e Ronaldo 13 O maior lobista do país José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma bilionária operação que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e, claro, fazer a fortuna de alguns bons companheiros Fábio Portela e Ronaldo França Eliaria Andrade/Ag. O Globo DO OUTRO LADO DO BALCÃO Dirceu abandonou a militância e só pensa em sua "consultoria" De tempos em tempos, o governo Lula se vê obrigado a explicar ne-gócios obscuros, lobbies bilionários, maletas de dinheiro voadoras e beneficiamento a grupos privados. Já é uma espécie de tradição petista. E o que une todos esses casos explosivos? José Dirceu, o ex-militante de esquerda e ex-ministro-chefe da Casa Civil que se transformou no maior lobista da República. Onde quer que brote um caso suspeito incluindo gente do PT e dinheiro alto, cedo ou tarde o nome de Dirceu aparecerá. Ele tem se esgueirado nas sombras, como intermediador de negócios entre a iniciativa privada e o governo desde 2005, quando foi expurgado do cargo de ministro por causa do escândalo do mensalão. Sem emprego, argumentou que precisava ganhar a vida e se reinventou como "consultor", o eterno eufemismo para "lobista". Passou a oferecer, então, duas mercadorias: informação (dos tempos de Casa Civil, guarda os planos do governo para os mais diversos setores da economia) e influência (como o próprio Dirceu adora dizer, quando ele dá um telefonema para o governo, "é O telefonema"). Em ambos os casos, cobra bem caro por seus serviços. Na semana passada, um dos serviços do "consultor" José Dirceu causou um terremoto em Brasília. Os jornalistas Marcio Aith e Julio Wiziack revelaram que ele está metido até a raiz dos cabelos implantados em uma operação bilionária para criar a maior operadora de internet em banda larga do país. O negócio está sendo coordenado pelo governo desde 2003 e vai custar uma montanha de dinheiro público – fala-se em até 15 bilhões de reais. Deverá fazer a alegria de um grupo de investidores privados que, ao que tudo indica, tiveram acesso a informações privilegiadas e esperam aproveitar as ações do governo para embolsar uma fortuna. O Plano Nacional de Banda Larga – nome oficial do projeto sob suspeita – começou a ser gestado no início do governo Lula, quando Dirceu 14 ainda era ministro. A ideia era criar uma estatal para oferecer internet em alta velocidade a preços subsidiados em todo o país – uma espécie de "Bolsa Família da web". Dirceu passou a defender a ideia de que a nova empresa fosse erguida a partir de outras duas, já existentes, mas que estavam em frangalhos: a Telebrás, que depois da privatização do sistema de telefonia, em 1998, ficou sem função, e a Eletronet, dona de uma rede de fibra óptica que cobre dezoito estados. A Eletronet era uma parceria da Eletrobrás e da americana AES, mas, por ser deficitária, estava em processo de falência. O projeto de Dirceu era capitalizar as duas companhias e fazer com que a Telebrás oferecesse internet em alta velocidade usando a rede da Eletronet. O presidente Lula aprovou a proposta – afinal, não é todo dia que se antevê uma estatal inteira, pronta para ser aparelhada. Apesar de o projeto ter sido desenhado em 2003, só começou a se tornar público em 2007. E este foi o pulo do gato: quem ficou sabendo dos planos oficiais com antecedência teve a chance de investir nas ações das duas empresas e, agora, poderá ganhar um bom dinheiro com o desenlace do plano. O maior beneficiário em potencial atende pelo nome de Nelson dos Santos – lobista, como Dirceu, mas de menor calibre. Em 2004, Santos (ainda não se sabe por qual canal) tomou conhecimento da intenção do governo de usar a Eletronet para viabilizar o sistema de banda larga. A maior parte do capital da Eletronet (51%) estava nas mãos da AES. Santos conhecia bem a companhia: em 2003, havia feito lobby para renegociar uma dívida de 1,3 bilhão de dólares da AES com o BNDES, e teve sucesso. Quando descobriu que a falida Eletronet poderia virar ouro, convenceu a direção da AES a lhe repassar suas ações na empresa pelo valor simbólico de 1 real. A AES topou. Achou que estava se livrando de um problemão, pois a Eletronet acumulava dívidas de 800 milhões de reais. Na reta final do negócio, Santos foi surpreendido por três outros grupos que também se interessaram pela compra – o GP Investimentos, a Cemig e a Companhia Docas, do empresário Nelson Tanure –, mas o lobista venceu a disputa. Por orientação dele, as ações da AES na Eletronet foram transferidas à Contem Canada. VEJA descobriu que a Contem de Canadá só tem o nome. Ela é uma offshore controlada por brasileiros que investem no setor de energia. Como está fora do país, ninguém sabe ao certo quem são seus cotistas. Posteriormente, metade dessas ações foi repassada à Star Overseas, outra offshore, das Ilhas Virgens Britânicas, pertencente a Santos. Offshore é a praia de Dirceu. Com essa negociação amarrada, Santos e seus companheiros da Contem passaram a viver, então, a expectativa de que parte do dinheiro público a ser investido na Eletronet siga diretamente para seus bolsos. Para se certificar de que as iniciativas oficiais confluiriam para seus interesses, contrataram os serviços de quem mais entendia desse tipo de operação no país: José Dirceu, o "consultor". Entre 2007 e 2009, Santos lhe pagou 20 000 reais por mês, totalizando 620 000 reais. O contrato entre os dois registra o seguinte objeto: "assessoramento para assuntos latinoamericanos". Se tudo corresse como o planejado, a falência da Eletronet seria suspensa e a empresa, incorporada pela Telebrás. Santos e os outros cotistas da Contem seriam, assim, ressarcidos. O lobista calculava sair do negócio com 200 milhões de reais. O que Dirceu fez exatamente por seu cliente é um mistério. O que se sabe é que em 2009 o governo tentou depositar 270 milhões de reais em juízo para levantar a falência da Eletronet e passar a operar sua rede. O caso embolou porque os credores da empresa alegaram que, se algum dinheiro pingasse, deveria ser deles, que forneceram os materiais usados na rede de fibras ópticas, e não do grupo do lobista. O imbróglio segue na Justiça. Joe Pugliese/Corbis Outline/Latinstock 15 Paralelamente, houve quem ganhasse na outra ponta do negócio, a da Telebrás – que está cotada para operar o sistema de banda larga e, portanto, também pode vir a valer muito dinheiro. Antes de o PT chegar ao poder, o lote de 1 000 ações valia menos de 1 centavo de real. No decorrer do primeiro mandato de Lula, o preço subiu para 9 centavos por lote. No segundo mandato, veio o grande salto. Figuras de proa do governo começaram a fazer circular, de forma extraoficial, informações sobre o resgate da Telebrás. As ações dispararam com a especulação. Sua valorização já chega a 30 000%, sem que nenhuma mudança concreta tenha sido realizada. Tudo na base do boato. O caso é tão estranho que levantou a suspeita da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão responsável por manter a lisura no mercado de ações. A CVM quer saber quem se beneficiou desse aumento estratosférico e, principalmente, se esses investidores tiveram acesso a informações privilegiadas saídas de dentro do Palácio do Planalto. A explosiva criação da estatal de banda larga é só mais um dos muitos negócios em que Dirceu está metido. Desde que foi defenestrado do governo, o ex-militante de esquerda foi contratado por alguns dos empresários mais ricos do planeta para "prestar consultoria". O magnata russo Boris Berezovsky, proibido pela Justiça de seu país de voltar para casa, contratou O MAIS RICO Dirceu para tentar receber asilo político no Brasil e facilitar suas operações O mexicano Carlos Slim pagou financeiras por aqui. O terceiro homem mais rico do mundo, o mexicano pela consultoria do ex-ministro Carlos Slim, dono da Claro e da Embratel, pagou a Dirceu para que ele defendesse seus interesses junto aos órgãos reguladores da telefonia brasileira. No Brasil, sua lista de "clientes" inclui a empreiteira OAS, a Telemar (que o contratou quando precisava convencer o governo a mudar a legislação brasileira para viabilizar sua fusão com a Brasil Telecom), a AmBev, e muitos outros pesos-pesados. A atuação tão animada de Dirceu vem causando arrepios no governo. "Fazer lobby e aproveitar contatos no exterior para ganhar dinheiro, tudo bem. Mas fazer tráfico de influência com informação privilegiada do governo é um risco enorme", avalia um dirigente petista. As "consultorias" de Dirceu podem se tornar uma bomba para o PT durante as eleições deste ano. . Fotos O Globo e Mario Souza e Bertrand Langlois LISTA EXTENSA Daniel Birmann, rei do biodiesel de mamona, e o russo Boris Berezovsky também são clientes do petista É PRECISO ARRANCAR A RAIZ 16 Drástica, mas legal, intervenção parece ser o único remédio contra a praga da corrupção na capital Gustavo Ribeiro Celso Junior/AE Carlos Silva/D.A Press QUADRILHA Intervenção pedida pelo procurador Roberto Gurgel (à esq.) pode ceifar o mandato de Wilson Lima (à dir.), velho aliado de Arruda Há duas semanas, a Justiça mandou prender e afastar o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, para impedi-lo de sabotar as investigações sobre o escândalo do mensalão de Brasília. A medida, inédita desde a redemocratização, preservou a investigação criminal - mas produziu um buraco negro político na capital do país. O vice-governador Paulo Octávio, suspeito de embolsar um terço das propinas, renunciou doze dias depois de assumir. Na semana passada, o presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima, tomou posse como governador, mas com grande risco de não ter tempo sequer de esquentar a cadeira. Réu por improbidade administrativa, Lima é aliado de Arruda e deve ao governador preso sua indicação para presidir a Câmara. Sua ascensão é vista como uma forma de a quadrilha continuar mantendo os tentáculos espalhados por onde quer que se olhe. Por isso, a intervenção federal surge como o único mecanismo que pode extirpar definitivamente a corrupção que se apossou das instituições. Ela já foi solicitada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Intervenção federal é uma medida excepcional. É tão extrema que, apesar de prevista na Constituição, nunca foi usada no Brasil. Especialistas ouvidos por VEJA, porém, veem na medida a única solução para a crise. "A situação já tomou proporções caóticas. As instituições de Brasília estão todas contaminadas", analisa o cientista político Claudio Abramo. A corrupção, enraizada no governo de Arruda, se entranhou no Legislativo, em que oito dos 24 deputados distritais são suspeitos de receber propina, e até no Judiciário, em que três desembargadores foram acusados de integrar o esquema. Os deputados flagrados recebendo dinheiro foram decisivos para a eleição de Wilson Lima ao comando da Câmara e sua consequente chegada ao governo da capital. Diante de um quadro tão contaminado, é provável que somente a intervenção seja capaz de exterminar as ramificações criminosas de Arruda e seu bando. A simples ameaça de isso acontecer já produziu resultados. Em uma semana, a Câmara Distrital aprovou a abertura do processo de impeachment contra o governador afastado, o vice-governador e três deputados suspeitos. Entre eles, Leonardo Prudente, o deputado da meia, que renunciou na última sexta. O próprio Arruda, antes irredutível em relação a uma eventual renúncia, já pensa em afastar-se definitivamente. A situação política de Brasília é tão caótica que nem o PT parece animado com a possibilidade de o presidente Lula indicar um interventor. Sem contar a enorme dificuldade em encontrar alguém disposto a cumprir a missão de enfiar a cabeça, os pés e as mãos no lamaçal em que se transformou a política da capital do país A cassação que foi sem nunca ter sido Ao ordenar o cancelamento do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, um juiz de primeira instância contraria o TSE e põe em risco a segurança jurídica Laura Diniz Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem 17 KASSAB na campanha de 2008: doações conforme a lei O dever dos juízes de decidir de acordo com suas convicções é imperativo a ponto de incluir o direito de um juiz divergir de outros juízes – desde que o faça dentro dos limites da lei. O juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, valeu-se das duas primeiras premissas para proferir sentença determinando a cassação do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e de sua vice, Alda Marco Antonio. Ocorre que ele tomou a decisão com base em um argumento já rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso significa que o juiz não apenas divergiu de outro magistrado, mas contrariou decisão de uma instância superior, mandando assim às favas um princípio fundamental do direito – o da segurança jurídica. Ao preconizar a uniformidade e previsibilidade das decisões judiciais, tal princípio pretende oferecer aos cidadãos uma noção clara do padrão de comportamento a seguir – o que se pode e o que não se pode fazer. Em 2006, ao aprovarem a prestação de contas da campanha à reeleição do presidente Lula, os ministros do TSE decidiram que acionistas de grupos concessionários de serviços públicos estão, sim, autorizados a fazer doações a candidatos, como fizeram para Lula. Proibidas são as doações vindas dos próprios concessionários. O raciocínio obedece à necessidade de desvincular a atividade pública do processo eleitoral. Assim, além de não poderem receber dinheiro de concessionárias de serviços públicos nem de empresas que tenham contratos com o governo, os candidatos também estão impedidos de aceitar doações de sindicatos, igrejas, entidades beneficentes e esportivas e ONGs – instituições que recebem dinheiro público ou têm isenção fiscal. O PROMOTOR Lopes: carreira de episódios tão controversos quanto as alegações que embasaram a senteça Essa é a regra que deve orientar o comportamento dos doadores nas eleições. E que já valia em 2008, quando Kassab e sua vice captaram dinheiro para sua campanha com acionistas de concessionários de serviços públicos – fato ignorado pelo juiz Silveira. Decisões dessa natureza não são regra na vida do magistrado, tido como um juiz de sentenças estritamente técnicas. Já o promotor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, que apresentou as teses acatadas por Silveira, é uma figura conhecida e polêmica no mundo do direito. Entre os vários episódios controversos de sua carreira está a investigação por acusação de plágio de parte de sua tese de livre-docência, aprovada em 1998. O processo aberto na corregedoria do Ministério Público terminou antes de chegar a uma conclusão – foi arquivado porque a eventual falta funcional estaria prescrita. Na apuração de outra falta, o promotor conseguiu anular um procedimento que lhe aplicou pena de suspensão, afirmando, entre outras coisas, que estava em depressão e era incapaz de se autorrepresentar. A sentença proferida pelo juiz Silveira contra Kassab e sua vice foi suspensa pelo próprio juiz quatro dias depois. Muito provavelmente não terá nenhuma outra consequência além das que já produziu até agora: tumulto e um factoide que os opositores do prefeito e de seu partido não perderão a oportunidade de usar. " MEU CARO PRESIDENTE..." 18 Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais Diego Escosteguy Montagem sobre fotos de Manoel Novaes/Iconografia CARINHO EPISTOLAR O afeto entre JK (à esq.) e Tancredo cresceu conforme cresciam as adversidades políticas enfrentadas por ambos no decorrer da ditadura: mesmo de longe, viraram amigos Na noite de 13 de junho de 1964, pouco mais de dois meses após o golpe militar que estabeleceu uma ditadura no Brasil, o ex-presidente Juscelino Kubitschek embarcava solitariamente no Rio de Janeiro rumo ao exílio voluntário na Europa. JK, o festejado presidente bossa-nova, tivera o mandato e os direitos políticos cassados pelos militares. Despedia-se do país sob o rugido aziago das turbinas do avião da Ibéria que o levaria a Madri. No jato, partiam Juscelino e os anos dourados. Em terra, ficavam os militares e os anos de chumbo. Quando Juscelino subiu as escadas do avião, um braço o alcançou. Era Tancredo de Almeida Neves, que completaria 100 anos nesta semana, em 4 de março. Aos 54 anos, Tancredo era deputado, crítico do regime, mas ainda não tinha o tamanho de Juscelino. Deixaram-no ficar. Juscelino, porém, projetava uma sombra democrática por demais incômoda aos militares. "Meu caro Tancredo", escreveu Juscelino de Paris, dois meses depois do embarque, numa das primeiras cartas de uma correspondência que se avolumaria no decorrer daqueles tempos lúgubres, "lembro-me bem de que a sua foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião. Naquele instante de brutalidade, a sua presença me confortou." Foi em meio à brutalidade do regime militar que a amizade entre ambos amadureceu, transcendendo as conveniências da política - e amadureceu por meio das epístolas que ambos trocavam. VEJA teve acesso a um conjunto de dez cartas inéditas, escritas por eles durante o regime militar. Começam em julho de 1964, quando Tancredo descreve os movimentos do regime para destruir a reputação de JK, e terminam em julho de 1975, quando o ex-presidente agradece por mais uma leva de discursos remetidos pelo amigo. A correspondência percorre um arco de onze anos, nos quais Tancredo esteve no Congresso, enfrentando a ditadura por dentro. Ele tentava dissolver na legalidade um regime que operava fora dela. Por fora também agia JK, que, amaldiçoado pelos militares, amargava um limbo público, exilado ora no exterior, ora no Brasil. No plano político, as missivas expõem a convergência de afinidades entre dois grandes estadistas. Desde a despedida no aeroporto do Rio, Tancredo trabalhou para retomar a democracia no país. Foi deputado, senador e governador. Eleito presidente por um colégio eleitoral em 1985, adoeceu um dia antes de tomar posse, morrendo pouco mais de um mês depois - mas sua obra já estava terminada: o poder foi entregue aos civis. Arquivo Editora Block 19 CONGRESSO NO PAU DE ARARA Logo depois do golpe, em abril de 1964, os militares enquadram o Parlamento: nos anos de chumbo, Tancredo se transformou no mais astuto articulador político em favor da democracia No dia 24 de julho de 1964, quase quatro meses após o golpe militar, Tancredo enviou uma emocionada carta a JK. Escreveu o então deputado: "Sinto que se aproxima do fim o eclipse que nos envergonha diante das nações civilizadas e que já está à vista o dia em que iremos restaurar o clima de dignidade democrática por que anseiam todos os brasileiros, com a revisão das brutais iniquidades que maculam nossa história política". Tancredo sabia que o regime não agonizava. Queria confortar o amigo. A morte da ditadura só viria vinte anos depois, com a eleição dele à Presidência. Nas cartas trocadas entre os dois, há ideias, há projetos políticos, há a genuína preocupação com os atalhos autoritários tomados pelos militares. Há, sobretudo, a obsessão em restaurar a democracia no país. São linhas escritas com sinceridade por homens que compreendiam as exigências daquela tormentosa circunstância histórica e, mais do que isso, sabiam quais sacrifícios eram necessários para superá-la. JK e Tancredo usam expressões como "dignidade democrática", "objetivo maior" e "bravura moral". Não há nenhuma menção a cargos, emendas, empregos para a família... Nada do que tanto faz salivar a maioria dos políticos do nosso tempo está naquelas linhas, numa mostra constrangedora do declínio ético e intelectual da classe política brasileira. Num ambiente infestado nos últimos anos pelo cinismo dos mensaleiros e pela mendacidade dos deputados propineiros de Brasília, 20 as epístolas servem de guia para outra categoria de políticos - aqueles poucos que reúnem coragem suficiente para caminhar na direção contrária do que exige a cultura partidária do país. Alberto Ferreira DE PRESIDENTE A PÁRIA JK desembarca no Brasil ao lado da esposa, dona Sarah, após três anos no exílio: cartas revelam angústia com a radicalização do regime As catas estavam dispersas pelos arquivos tanto de JK quanto de Tancredo. Algumas foram encontradas por Andrea Neves, a neta mais velha de Tancredo, junto aos pertences pessoais do avô. Outras estavam nos papéis de Juscelino, cuidadosamente preservadas por Maria Estela Kubitschek, filha do ex-presidente, que guardava a correspondência para si até hoje. Ela explica por quê: "Demorei seis anos para conseguir abri-las. São como um pedaço do meu pai, do qual não quero me desfazer". Andrea Neves, que era afeiçoada ao avô, compilou o material. Diz ela: "Meu avô teve uma importância capital na minha vida. É preciso preservar o legado dele". O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto de Tancredo e seu herdeiro político, conta que aprendeu a fazer política com o avô, durante a transição para a democracia: "Ele ensinava que não se pode transigir jamais com os objetivos, apenas com a estratégia". "Se hoje temos uma experiência democrática, devemos isso historicamente a Juscelino e a Tancredo", afirma o filósofo Newton Bignotto, da Universidade Federal de Minas Gerais. A correspondência começa com as palavras de um Tancredo ainda perplexo pelos rumos do país. Escreveu ele: "Na sucessão dos dias, (a nação) mais consciência vai tomando de que, com a ignóbil cassação do seu mandato e a suspensão dos seus direitos políticos, cassados e suspensos ficaram os direitos do povo". O discreto e parcimonioso Tancredo registra também, numa abundância de adjetivos incomum para a sua personalidade: "Em meio a um panorama desolador e aviltante, estamos colecionando muitas decepções dos que desertam, se acovardam ou se acomodam". Como que para consolar JK, o deputado afirma que, apesar dos ataques do regime contra o amigo, crescia a gratidão do povo, "cada vez mais viva e profunda". Carlos Namba 21 MAGO DA CONCILIAÇÃO Tancredo, o político que consagrou a vida e a morte à democracia, é eleito presidente em 1985: deveres políticos não impediram lealdade a Juscelino (ao lado) Generosas palavras, partindo de quem partiam, parecem ter conquistado em definitivo um JK já sensibilizado pelo gesto de Tancredo no Aeroporto do Galeão. A partir daí, as cartas crescem em cumplicidade e afeto. De "meu caro", Juscelino passa a qualificar Tancredo de "querido", que por sua vez se despede do ex-presidente com o carinhoso "sempre seu". Nos anos subsequentes, enquanto se exilava no exterior, JK sempre encontrava tempo para escrever a Tancredo. Numa correspondência, redigida em Nova York no dia 2 de maio de 1966, JK mostra-se melancólico, "tentando escrever alguma coisa num triste domingo". Até que, relata, deparou com uma entrevista do amigo: "A tarde estava chuvosa, e eu senti que um raio de sol a atravessava, ao ler a página que poucos homens teriam a coragem de escrever, nessa hora que pesa como uma campânula de chumbo sobre o nosso pobre país". Os dois entendiam de sacrifícios pessoais. Numa carta de dezembro de 1966, JK explica a Tancredo por que iria aliar-se a Carlos Lacerda, seu "mais terrível adversário". Escreveu o ex-presidente: "Era o único serviço que eu podia prestar ao meu país, mostrando a todos os brasileiros que é possível superar divergências profundas quando se tem em vista um bem maior". A aliança deu errado, mas o sacrifício mostrou até que ponto ambos estavam dispostos a ir para expulsar os militares do poder. Quando essa possibilidade parecia mais remota, no Natal de 1971, JK antevia que, se houvesse democracia novamente no país, ela passaria por Tancredo: "Nada que venha de você pode me surpreender. A trajetória que o caro amigo está deixando na vida brasileira, tão pobre de homens com a grandeza do seu caráter, é marcada por um rastro de bravura moral". Antes do golpe, Tancredo e Juscelino mantinham uma relação de cordialidade política, embora cultivassem várias divergências. Apesar de ser um homem de diálogo e conciliação, Tancredo era contra qualquer acordo com os militares golpistas. Juscelino, cujo governo sobrevivera graças ao apoio de setores das Forças Armadas, acreditava ser possível um governo de coalizão quando surgiram os primeiros sinais de ruptura institucional. A cassação de Juscelino e tudo que veio a acontecer depois mostraram que Tancredo estava certo. Lidas agora, palavras tão fortes podem aproximar-se do melodramático, do cabotino. A emoção que transborda das cartas, contudo, resulta dos esforços que lhes eram exigidos: para JK, deixar o país, a família, sua obra; para Tancredo, estar sob a mira constante de um regime que pouco hesitava em torturar. JK morreu em 1976, ainda perseguido e humilhado, e não teve a chance de assistir ao fim da ditadura. Tancredo sacrificou seus últimos dias de vida para assegurar que morresse junto com a ditadura, recusando-se a receber atendimento médico quando já estava muito doente por temer que os militares não entregassem o poder a seu vice, José Sarney. Não deu apenas sua vida à democracia: deu sua morte também. Sorte madrasta 22 Trinta e oito gaúchos acertaram na Mega-Sena, mas não ganharam nada. A lotérica não registrou a aposta Igor Paulin Miro de Souza/Ag. RBS/Ag. O Globo AZAR NO JOGO Apostadores protestam na lotérica Esquina da Sorte. Parte deles irá à Justiça para receber o prêmio Trinta e oito moradores de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, dedicaram a comemorações a noite do sábado 20 de fevereiro. Eles haviam comprado cotas de um bolão feito pela lotérica Esquina da Sorte para a Mega-Sena – e acertaram as dezenas sorteadas. Depois de conferir o resultado, Roberto Hoffman, um corretor de seguros de 52 anos, beijou a mulher, prometeu dar um imóvel a cada um de seus cinco filhos, quitar sua casa e comprar um carro com ar-condicionado. Como o prêmio total chegava a 53 milhões de reais, Hoffman calculou que receberia 1,3 milhão de reais. Mesmo com uma aposta alta, de 440 reais, como a feita no bolão, a chance de acerto na MegaSena é ínfima: 1 em 758 000. "Acordei milionário no domingo", lembra Hoffman. Mas então Eliana, sua mulher, resolveu visitar o site da Caixa Econômica Federal. Percebeu que havia algo errado ao constatar que o banco não assinalara acertadores e que o prêmio havia acumulado. "Fui à lotérica reclamar e encontrei uma cambada de gente na minha situação", disse o corretor. A Esquina da Sorte não havia registrado os bilhetes. O dono do estabelecimento, José Paulo Abend, tornou-se suspeito de estelionato. Ag. RBS/Ag. O Globo A polícia investiga se ele vendia bolões sem inscrevê-los nos computadores da Caixa, para embolsar o dinheiro dos fregueses. Abend diz ter comprado três das cotas do bolão e que, portanto, foi o maior prejudicado. O empresário atribui o erro a sua funcionária Diane Samar da Silva, que teria se esquecido de registrar os bilhetes. Para provar sua versão, ele entregou à polícia um vídeo feito pela câmera de segurança da loja. O filme mostra Diane, que também entrou no bolão, indo à casa lotérica para conferir o jogo logo depois da realização do sorteio. Lá, ela constatou seu descuido. Uma parte dos lesados exige que a Caixa lhes pague o prêmio. "Vou à Justiça", avisa Josmari Peixoto, que advoga para 22 apostadores. Ela argumenta que as lotéricas funcionam como extensões do banco, já que nelas é possível fazer operações como depósitos, saques e pagamentos de contas. Em sua defesa, a Caixa afirma que as lotéricas não estão autorizadas a vender bolões, ainda que essa seja uma prática disseminada. Três dias depois da confusão, a sorte voltou a Novo Hamburgo. Na quarta-feira, um apostador acertou cinco das seis dezenas da Mega-Sena e recebeu 21 000 reais. Ele comprou o bilhete em outra lotérica. A Esquina da Sorte foi fechada pela Caixa. ESQUINA DA URUCA O dono da lotérica, José Paulo Abend, comprou três cotas, perdeu o prêmio e é suspeito de estelionato É melhor prevenir O compulsório dos bancos subiu. Isso fortalece o BC - mas também indica medo de inflação Benedito Sverberi Reportagem de Luís Guilherme Barrucho 23 Sergio Lima/Folha Imagem COFRE REFORÇADO Henrique Meirelles, presidente do BC: "Olhamos sempre para a frente" O Banco Central anunciou na semana passada que aumentará, a partir de 22 de março, os recolhimentos compulsórios de alguns tipos de depósito (veja o quadro). Na prática, os bancos terão de entregar ao BC uma parcela maior dos recursos que recebem de seus clientes. O resultado será a retirada de 71 bilhões de reais da economia - quase três quartos de todo o dinheiro que havia sido liberado em 2008, quando houve o afrouxamento dessas mesmas regras por causa da crise global. A preocupação subjacente a essa medida é o risco de aumento da inflação. Moeda no sistema bancário, ou liquidez, é combustível para a economia: os bancos transformam depósitos em novos empréstimos, o que estimula famílias e empresas a consumir mais. O ambiente fica, assim, mais propício à alta dos preços. Ora, o país já dá sinais de que está a todo o vapor. A taxa de desemprego de janeiro (7,2%), por exemplo, foi a menor para esse mês desde que o IBGE começou a medi-la, em 2002. Tanto a inflação voltou a preocupar que bancos e consultorias ouvidos periodicamente pelo BC estimam que, medida pelo índice oficial, o IPCA, ela poderá encerrar 2010 em 4,86% acima da meta estipulada pelo governo, de 4,50%. "A diminuição da liquidez causada por um compulsório maior ajuda a política monetária. Pode, inclusive, reduzir a alta dos juros, que, acreditamos, é inevitável neste ano", avalia o estrategista-chefe do WestLB, Roberto Padovani. A taxa de juros continua sendo o principal instrumento do BC para controlar a inflação. O compulsório, como diz Padovani, apenas ajuda nessa tarefa. Sua função essencial, na verdade, é outra: dotar um banco central de recursos para agir em momentos de turbulência. Segundo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, as discussões no Comitê de Basileia - fórum em que BCs do mundo todo propõem formas de aprofundar a solidez do sistema financeiro global - já têm um consenso: o compulsório é a ferramenta ideal para prover liquidez de emergência quando o dinheiro some da economia. O Brasil, como tem sido usual nos últimos anos, antecipou-se ao anúncio de novas regras. Os sinais de que a economia mundial ainda não está 100% saudável, como evidenciam as agruras de países como Grécia, Portugal e Irlanda, confirmam que a cautela é acertada. "O Banco Central não faz regulação olhando o espelho retrovisor. Nós olhamos sempre para a frente", diz Meirelles. O alvo? Cadê o alvo? 24 Um ano depois da posse, Obama continua obcecado em reformar o sistema de saúde, mas os estudiosos estão mostrando que o que parece problema talvez seja a solução André Petry, de Nova York Saul Loeb/AFP SHOW, MAS SÓ SHOW Obama, na reunião de seis horas com aliados e adversários e transmissão ao vivo pela TV: terminou como começou O grande assunto da política americana – a reforma do sistema de saúde – produziu muitas mistificações. Já se disse que as regras parlamentares no Congresso estão ultrapassadas, que o governo americano perdeu o seu louvável vigor executivo, que a política americana caiu vítima de um sectarismo intransponível, que a própria democracia carece de uma reforma. Tudo porque, mais de um ano depois da posse do presidente Barack Obama, sua principal bandeira de campanha está magistralmente encalacrada no Congresso. Na semana passada, Obama finalmente apresentou uma proposta formal de reforma e, três dias depois, reuniu-se numa cúpula com democratas e republicanos para discutir o tema. A cúpula foi uma extraordinária demonstração de apreço pela troca de ideias – onde mais um presidente se senta durante seis horas para discutir com aliados e adversários com transmissão ao vivo pela TV? Mesmo assim, o encontro terminou como começou: democratas de um lado, republicanos de outro. O assunto é palpitante e, apesar de ser tratado como tema da agenda doméstica, tem implicações mundiais. Com um sistema que movimenta 2,5 trilhões de dólares e reúne mais de 1 300 empresas privadas que dão assistência a mais de 200 milhões de pessoas, os Estados Unidos praticam a medicina mais avançada do planeta. São a maior e a melhor fonte de inovações na área da saúde. Se essa usina de pesquisas e descobertas entrar em colapso, os americanos não serão os únicos prejudicados. À primeira vista, a reforma da saúde tem alvo claro: como o sistema é caríssimo e exclui 47 milhões de cidadãos, é preciso cortar custos e ampliar o acesso. A discórdia começa no próprio alvo. Entre os 47 milhões de desassistidos, não há pobres nem idosos (ambos têm direito à cobertura oferecida pelo governo) e há jovens abastados, que não têm plano de saúde porque não querem. Cabe ao governo lhes dar assistência? O outro aspecto é mais complexo: o sistema de saúde americano precisa cortar custos? "A discussão pública está mal colocada", afirma o professor Robert Fogel, que estuda a economia da saúde. "É preciso distinguir se o custo é alto porque os prestadores do serviço de saúde são ineficientes ou se o custo é alto porque a qualidade é cada vez melhor. O preocupante é quando o sistema é caro e ruim, mas esse não é o caso do sistema americano", completa Fogel (veja entrevista na página 82). O gasto com saúde – nos EUA ou no Brasil – aumentou tremendamente ao longo do século XX, mas não é preciso ser especialista para saber que somos mais saudáveis hoje do que há 100 anos. Em 1929, os americanos gastavam 3% do PIB com saúde e a expectativa de vida não chegava a 60 anos. Hoje, gastam 16% do PIB e vivem quase 80 anos. Prevê-se que, em três décadas, o gasto ficará perto de 30% do PIB, e há estudos projetando a expectativa de vida para a faixa dos 90 anos. Esses números sugerem que a vida vem se prolongando, mas os gastos estão ficando exorbitantes. A boa notícia é que não é bem assim. Os americanos gastam mais com saúde porque têm mais dinheiro sobrando. A velha e boa produtividade explica o milagre. Há um século, uma família americana gastava mais de 70% de sua renda em comida, roupa e habitação. Como a produtividade nessas três áreas aumentou barbaramente, hoje essa mesma 25 família compromete menos de 15% de sua renda para comer, morar e vestir-se. O dinheiro que sobra vai para onde? Os estudos de comportamento financeiro mostram que, quando há renda extra, o destino preferencial é, em primeiríssimo lugar, lazer. Depois, saúde. Em seguida, educação. É por isso que os americanos de hoje, comparados aos do passado, se divertem tanto, e gastam tanto em saúde e em educação. A previsão mais perturbadora é que, com os crescentes avanços tecnológicos, a saúde ficará insuportavelmente cara. Mas, para entender seu custo real, é preciso ajustá-lo à qualidade. Se uma tecnologia melhora um pouco a saúde do paciente e lhe prolonga um pouco a vida, e faz isso a preços exorbitantes, o custo-benefício não é dos melhores. Mas, de novo, há uma boa notícia. Os professores David Cutler (Harvard) e Mark McClellan (Stanford) colheram dados de crianças com peso baixo ao nascer e pacientes com ataque cardíaco, depressão, cataratas ou câncer de mama – campos em que houve notórios avanços científicos. Só no câncer de mama a relação custobenefício das novas tecnologias manteve-se estável. Ou seja: nem os benefícios superaram os custos, nem o inverso – o que já é bom. Nos outros quatro casos, os benefícios foram imensos. Nos cardíacos, para cada dólar gasto houve ganho de 7 dólares. Isso mostra que, ao contrário do que diz o senso comum, as novas tecnologias da saúde não elevam os custos da medicina. Elas os reduzem. "Isso tem muitas implicações para as políticas públicas de saúde", dizem os autores da pesquisa. Uma delas está no centro do debate sobre a reforma da saúde: é necessário reduzir custos? Em seis horas de discussão ao vivo pela TV, democratas e republicanos concordaram em regular melhor as empresas de saúde e discordaram sobre quem deve fazê-lo. Concordaram que o governo deve ajudar pequenas empresas a oferecer plano de saúde aos funcionários e discordaram sobre o leque mínimo de benefícios. Nessa gangorra, nem triscaram a questão do custo e suas adjacências tecnológicas. Talvez isso explique por que a reforma não sai do papel Saúde é a locomotiva Saul Loeb/AFP O economista Robert Fogel, 84 anos, ganhador de um Nobel e professor da Universidade de Chicago, é um dos pensadores mais originais sobre economia da saúde. O avanço da medicina nas últimas décadas foi tão fenomenal que pode estar perto de se desacelerar? Acredito que não. Na economia do século XXI, a saúde terá uma importância semelhante à da eletricidade no século passado. Vai puxar a economia. A assistência à saúde, com seus avanços na biotecnologia, é um setor de ponta e servirá de locomotiva para o avanço de outras áreas, como educação, comunicação, finanças e até construção. Como a saúde lida com a vida e a economia lida com a frieza dos números, é difícil tratar da saúde como assunto econômico? Compare com a indústria automobilística. Se ela estivesse GASTO COM GOSTO vendendo o dobro de automóveis, todo mundo ia festejar, Fogel, da Universidade de Chicago: os americanos pois é um sinal de que a economia está forte e vibrante. gostam de gastar em saúde Mas, quando se vende mais serviço de saúde, as pessoas reclamam, dizem que está errado, que não terão como pagar. Os americanos estão gastando cada vez mais em saúde. Isso é ruim? Pelo contrário. Isso é bom. Primeiro, porque os preços em saúde são dirigidos pela demanda, que, por sua vez, decorre do nível de renda. Segundo, porque as pessoas querem gastar em saúde. Queremos o melhor tratamento de saúde possível. É um erro dizer que gastamos mais com saúde porque estamos mais doentes. Gastamos mais com saúde justamente porque queremos permanecer mais saudáveis por mais tempo Bate e arrebenta Gordon Brown já tinha cara e fama de mau. Agora aparecem os depoimentos de assessores e funcionários sobre xingamentos e até agressões Surpreender o público está ficando mais difícil para os políticos. Eleitores, afinal, já viram de tudo. Bill Clinton quase perdeu a Presidência por fazer sexo com uma estagiária ao lado do Gabinete Oval, na época rebatizado de Oral. O italiano Silvio Berlusconi teve suas atividades lúbricas com "modelos" gravadas e as festinhas fotografadas. Exmulheres que contam tudo, dinheiro enfiado em lugares estranhos, cinismo como prática de vida – precisa dizer 26 onde isso acontece? Mas partir para a agressão física, somada a palavrões e ataques de fúria assassina, é uma nada bem-vinda inovação incluída no manual do mau comportamento político pelo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Ele é o protagonista do livro O Fim da Festa, exaustivamente investigado e escrito pelo jornalista Andrew Rawnsley (veja trechos ao lado). Rawnsley entrevistou centenas de amigos, assessores e funcionários da célebre casa na Downing Street, número 10, onde reside e despacha o chefe de governo. Conhecido pelos maus bofes e pela eterna cara de quem saiu de um encontro desagradável com gatos de rua, Brown parece pior à luz de quem o conhece de perto: um homem de formidável inteligência, mas profundamente inseguro, com mania de perseguição, explosivo e raivoso a ponto de agarrar um assessor pelo paletó e empurrar uma secretária, para tomar seu lugar à frente do computador, entre outras baixarias. Aos entrevistados por Rawnsley somou-se o depoimento de Christine Pratt, diretora de uma associação que recebe queixas por telefone de pessoas que sofrem assédio moral no trabalho. Ela afirmou que tem registros de ligações diretas de Downing Street, com denúncias de funcionários apavorados pelo clima de terror. A única coisa que, em termos de comportamento, contava pontos a favor de Brown – sua teimosa recusa em parecer bonzinho – tombou no clima de pré-campanha para as eleições de junho. Entrevistado num programa de televisão, falou, de olhos marejados, num assunto que sempre havia evitado: a morte da filhinha recém-nascida, em 2002, vítima de hemorragia cerebral. Brown, que é cego de um olho, respondeu a perguntas do tipo: "O que você tem a dizer sobre ser um escocês idiota e caolho?". O entrevistador, estranhamente, sobreviveu A fera de Downing Street Os ataques de fúria, os delírios persecutórios e a boca Alastair Grant/Reuters suja do primeiro-ministro Gordon Brown, segundo o livro O Fim da Festa, do jornalista Andrew Rawnsley "Brown ficou uma fera com Bob Shrum. ‘Como você fez essa *** comigo, Bob?’, gritou Gordon Brown. Depois, começou a berrar com outros assessores: ‘Todo mundo para fora dessa *** de sala’." A reação do primeiro-ministro ao saber que o consultor americano havia reaproveitado frases usadas em discursos de Bill Clinton "Gordon Brown estava tão furioso que ele disparou pela sala. Agarrando o apavorado Kelly pela lapela do paletó, Brown grunhiu: ‘Eles querem me pegar!’" Sobre o comportamento violento e irracional com o assessor Gavin Kelly, encarregado de comunicar o desvio de dois disquetes da Receita, com informações pessoais e bancárias de 20 milhões de contribuintes "Ao longo dos anos, todo tipo de coisa foi jogada em mim — jornais, canetas e latas de Coca." Relato de um assessor que trabalha há muito tempo com Brown. São constantes também os gritos e grosserias com telefonistas, secretárias e outros funcionários do quadro fixo de Downing Street, a sede do governo "Por que você está me obrigando a ver essa *** dessa gente? Não quero ver essa *** dessa gente!" Ao amigo de faculdade e assessor Stewart Wood, por ter marcado um almoço com os embaixadores da União Europeia "Com cara de fúria, Brown levantou o braço e fechou o punho. O assessor se encolheu, pensando que o primeiro-ministro ia dar um soco na sua cara. Brown esmurrou as costas do assento de passageiro em frente a ele. O segurança se retraiu." Cena no carro oficial, com um infeliz encar-regado de falar de assunto desagradável. Brown batia tanto no banco do Jaguar, com a mão ou a caneta, que o couro bege ficou todo marcado. Nenhum guarda-costas queria se sentar ali. De olhos bem fechados Dissidente tem o mau gosto de morrer bem no dia em que Lula chegou a Cuba. Mas, se tivesse avisado antes, o presidente "teria pedido para ele parar a greve de fome" Duda Teixeira Ricardo Stuckert/PR 27 JUVENTUDE SOCIALISTA Lula afaga Fidel: bem de saúde e no pleno domínio do notório saber econômico O corpo alquebrado de Orlando Zapata Tamayo está chegando ao cemitério. Durante 85 dias, o homem humilde, um pedreiro que se transformou em defensor da liberdade, resistiu. Com a única arma de que dispunha, a greve de fome, ele resistiu. Condenado a 56 anos de prisão, "reduzidos" a 25, pelo crime de clamar pela democracia, foi enterrado vivo numa cela minúscula. Apanhava, era maltratado, xingado de verme. "O fato de ser negro contribuiu para a gana psicológica dos carcereiros. É o velho argumento de que por ser negro não se tem direito a protestar, porque a revolução te deu tudo", contou outro resistente, Manuel Costa Morúa. Supliciado em vida, nem na morte Zapata teve paz. Outros dissidentes que tentaram lhe prestar uma derradeira homenagem foram detidos. O caixão foi carregado por agentes da polícia política. O presidente Lula chegou a Cuba exatamente no dia da morte de Zapata. Suas declarações a respeito: "Temos de lamentar, como ser humano, sobre alguém que morreu porque decidiu fazer greve de fome, que vocês sabem que eu sou contra porque fiz greve de fome. Se essas pessoas tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele parar a greve e quem sabe teria evitado que ele morresse. Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome". Lula foi visitar os irmãos ditadores, Fidel, o afastado, e Raúl Castro, o ativo no comando. Ao receber o presidente e sua sorridente comitiva, Raúl, ao contrário de Lula, não culpou o morto. De quem foi a culpa? Dos americanos. "Isso se deve à confrontação que temos com os Estados Unidos. Aqui não houve nenhuma execução extrajudicial." Mais sorrisos, mais alegria. A morte de Zapata já era esperada por seus companheiros de oposição. Ele estava tão exaurido que não haveria mais retorno. Mesmo assim, tentaram se comunicar por carta com o visitante ilustre para pedir ajuda. Mas cometeram um grave erro de etiqueta. As declarações do presidente Lula a respeito: "As pessoas precisam parar com o hábito de fazer cartas, guardar para si e depois dizer que mandaram para os outros. Quando uma pessoa manda uma carta para um presidente, no mínimo, só pode dizer que o presidente a recebeu se protocolar a carta". O autor da carta em questão é o economista cubano Oscar Espinosa Chepe. Preso em 2003 com Zapata, foi solto mais tarde, por problemas de saúde. Chepe consultou 42 prisioneiros políticos e escreveu um apelo ao presidente brasileiro. Na quinta-feira, dia 18, ligou para a Embaixada do Brasil em Havana e apresentou o pedido de uma reunião com o embaixador para entregar a carta. "Nossa política é de não receber dissidentes cubanos", disse a secretária, segundo seu relato. "Eu achei que Lula, por ter sido um trabalhador preso injustamente, iria se solidarizar conosco. Sua reação foi uma surpresa para todos", disse Chepe a VEJA. 28 Adalberto Roque/AFP Quando querem ser acolhidos, os dissidentes cubanos sabem que precisam bater na porta da Embaixada dos Estados Unidos ou de países da União Europeia, mesmo ao custo de serem rotulados de agentes do imperialismo. A ideia de que qualquer um que se oponha ao eixo cubano-venezuelano seja um servo dos interesses americanos tem uma história longa no arsenal de ofensas destinadas a desqualificar, por princípio, qualquer adversário. Veja-se o que o PT, através do documento "A política externa do governo Lula", tem a dizer a respeito: "A política externa implementada pelo governo Lula é uma política de estado. Mas parcela da classe dominante brasileira rejeita os fundamentos desta política, conferindo reduzida importância à integração regional, desejando menor protagonismo multilateral e preferindo maior subordinação aos interesses dos EUA". Antes de deixar Havana, Lula comentou a saúde de ferro e o vigor intelectual de Fidel, em especial seu notório saber econômico, que fez de Cuba a invejada potência mundial. Suas declarações a respeito: "Fiquei muito satisfeito, muito feliz ao encontrá-lo bem de saúde. Sua cabeça funciona melhor que a minha, falando de economia como se fosse um jovem". Em protesto pela morte de Zapata, quatro presos políticos e um jornalista iniciaram greve ZAPATA VIVE de fome. Ah, sim: se desta vez conseguirem protocolar sua carta, talvez os oposicionistas Oposicionista morre depois de 85 dias cubanos consigam dar a desagradável notícia a Lula. de greve de fome A ciência a favor da beleza Como a descoberta do sistema de hidratação profunda da pele, feita por um prêmio Nobel, abriu caminho para uma revolução nos cosméticos Carolina Romanini Laílson Santos Aposta na ciência Gonzaga no laboratório da Natura, em São Paulo: 2 500 pesquisas para criar uma linha de hidratantes Há duas décadas, as pesquisas sobre a preservação da juventude da pele proporcionaram a primeira revolução no mundo dos cosméticos. À frente dela estava o ácido retinoico, que se provou eficiente no tratamento dos sinais da idade mais tênues. Agora, graças ao trabalho de um prêmio Nobel, uma segunda revolução se aproxima. Um novo continente foi descoberto no planeta do conhecimento científico sobre o metabolismo das células da pele. As perspectivas são extraordinárias no campo da prevenção. O que se pode esperar das aplicações práticas vindas da descoberta da ciência pura é, simplesmente, manter por quase toda a vida a mesma aparência jovial que a pele apresentava aos 20 anos de idade. Nunca a indústria de cosméticos esteve tão próxima da ciência de vanguarda. 29 Durante um século, desde que a polonesa Helena Rubinstein criou o conceito moderno de produtos de beleza, mulheres e homens preocupados com a aparência tiveram recursos muito limitados para manter a pele livre das rugas, da flacidez e das manchas trazidas pelo processo natural de envelhecimento. Os cremes e as loções disponíveis no mercado, à base de glicerina e outras substâncias gordurosas, apenas mantinham a hidratação natural da epiderme nas horas seguintes à sua aplicação. A prevenção de rugas ou a manutenção de uma pele jovem e saudável ao chegar à meia-idade, façanhas prometidas nas embalagens, ainda têm pouca correspondência no mundo real. Os pesquisadores da área de cosméticos sempre souberam por que é tão difícil evitar as marcas do tempo na pele por meio de produtos químicos. Basicamente, porque não se sabia como interferir nas camadas mais profundas da epiderme. Agora, como resultado de diversas frentes de pesquisa científica, vive-se o início da mais notável revolução já vista no mundo dos produtos de beleza. As empresas de cosméticos anunciam que estão a um passo de encontrar fórmulas químicas capazes de manter a hidratação nas camadas inferiores da pele. O ponto de partida para essa revolução nos tratamentos de beleza é a descoberta do cientista americano Peter Agre que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em 2003. Agre descreveu o funcionamento do principal sistema de irrigação dos tecidos do corpo humano. Ele é composto de canais formados por proteínas que atravessam a membrana celular e permitem a entrada e saída de água. O pesquisador batizou esses canais de aquaporinas. Os órgãos do corpo humano são formados majoritariamente de água – 79% no caso do coração, 76% no do cérebro e, na pele, 70%. Por isso, as aquaporinas são indispensáveis para o funcionamento do organismo. Mas, como todo processo bioquímico de manutenção da vida, a eficácia das aquaporinas diminui com o passar dos anos, tornando os órgãos mais fracos e vulneráveis. A diminuição no desempenho das aquaporinas da pele a torna seca e enrugada. O grande salto que as empresas de cosméticos estão prestes a empreender é prolongar o funcionamento perfeito da aquaporina 3, específica da pele, por tempo indeterminado. Para isso, elas têm várias estratégias. A principal delas é a produção de cremes com proteínas sintéticas semelhantes às naturais. "Saber como funciona cada elemento que compõe a pele se tornou imprescindível para encontrarmos fórmulas cada vez mais específicas para tratá-la, e a aquaporina foi um passo gigante nessa direção", disse a VEJA o francês Lionel De Benetti, diretor da indústria de cosméticos francesa Clarins, de Paris. Não apenas para a pele, diga-se. A descoberta dos mecanismos de circulação celular de água e outras substâncias nutritivas começa a produzir soluções para os mais diversos problemas de saúde. Uma das mais esperadas é uma terapia que pode manter os rins funcionando em padrão ótimo por quase toda a vida de uma pessoa. Aos 85 anos, um ser humano normal tem a capacidade de filtragem dos rins reduzida em média a meros 30% – ainda assim se ele tiver um organismo sadio. Pessoas que são obrigadas a tomar diariamente medicamentos para doenças crônicas, como o diabetes, exigem mais dos rins. Elas podem chegar aos 85 anos com o poder de filtragem renal de apenas 10% do normal. A possibilidade de manter ou reativar os processos que ocorrem nas aquaporinas é uma esperança para a pele perfeita e para o prolongamento da juventude e do bem-estar geral do organismo. Sob o número EP 1 885 477 B1, acaba de ser concedida na União Europeia a primeira patente de um produto criado com base nas aquaporinas. Ela foi obtida por uma empresa dinamarquesa que produziu com aquaporina uma membrana capaz de filtrar e purificar a água nas condições mais adversas. O uso imediato vislumbrado pelos dinamarqueses é em grandes usinas de dessalinização de água do mar, o que, com a nova tecnologia, pode ser feito mais rapidamente e com mais eficiência do que qualquer outro processo anterior. O ramo médico da empresa está focado em aplicações que vão produzir soluções para doenças renais e outras em que o problema é a produção ou filtragem de fluidos no organismo. Na cosmética, a manutenção do bom funcionamento das aquaporinas através das décadas é a principal arma da nova revolução dos produtos de beleza, mas não a única. Os cientistas têm conseguido avanços também em outras frentes na busca pela preservação da pele jovem. A principal delas é a regeneração celular. A técnica da finalização transepidérmica, atualmente em fase de testes em vários laboratórios da Europa, procura retardar a perda da capacidade de produção celular que se intensifica a partir dos 40 anos. Moléculas de substâncias estimuladoras da renovação celular, como o retinol, são introduzidas em uma única célula da pele. A partir daí, as proteínas celulares se encarregam de levar o elemento estimulador às demais células. A utilização da finalização transepidérmica na regeneração celular também pode se dar por meio dos chamados fatores de crescimento. São proteínas naturais da pele que estimulam a produção de novas células, principalmente as responsáveis pela síntese de queratina e colágeno, substâncias que garantem a elasticidade e a firmeza da pele. Prevê-se que os produtos que utilizam a finalização transepidérmica cheguem às prateleiras das farmácias nos próximos seis meses. A nanotecnologia também tem sido uma aliada poderosa no desenvolvimento da nova geração de cosméticos. Com ela, é possível fragmentar a molécula de uma substância ativa ao menor tamanho possível, o nanômetro, e fazê-la penetrar facilmente em qualquer tecido. Já existem vários produtos no mercado fabricados por meio dessa tecnologia. Entre os principais estão os filtros solares, que garantem até 100% de proteção contra a ação do sol. As 30 moléculas fragmentadas, além de penetrar mais profundamente a pele, têm também maior capacidade de absorção, o que garante que o produto se espalhe de maneira mais uniforme. Uma grande vantagem das nanopartículas é a capacidade de penetrar as camadas da pele e o interior das células sem a interferência dos receptores, as sentinelas da membrana celular. Os receptores são como válvulas que têm como função selecionar o conteúdo que chega até o interior das células. Para que uma substância atravesse essa membrana, molécula e receptor devem se encaixar perfeitamente, como duas peças de um quebra-cabeça. "Os ingredientes de um cosmético funcionam como um gatilho. Eles atingem certos receptores na epiderme, e isso produz uma reação em cadeia capaz de estimular as células das camadas mais profundas da pele", disse a VEJA a americana Ni’Kita Wilson, vice-presidente da firma de cosméticos Cosmetech Laboratories. O conhecimento cada vez mais apurado da pele faz com que as novas linhas de pesquisas dermatológicas lidem com uma quantidade muito maior de variáveis do que no passado. Tradicionalmente, considerava-se a existência de apenas quatro tipos de pele: normal, seca, mista e oleosa. Há quatro anos, num estudo hoje amplamente aceito pela ciência, a dermatologista americana Leslie Baumann, do Baumann Cosmetic & Research Institute, em Miami, propôs que na realidade existem dezesseis tipos de pele. Cada um deles deriva de uma combinação de quatro fatores – hidratação, sensibilidade, textura e pigmentação. Recentemente, descobriu-se também que a idade biológica é fundamental para a escolha do tipo de tratamento da pele. Até os 25 anos, o corpo se encarrega de produzir naturalmente as substâncias que lhe garantem beleza e juventude. Cabe aplicar apenas um hidratante simples e fazer uso do protetor solar com regularidade. Dos 25 aos 40 anos, a produção das substâncias responsáveis pela juventude da pele começa a diminuir. É preciso usar hidratantes mais intensos. Dos 40 aos 60 anos, a pele necessita de estímulos vigorosos para continuar produzindo as substâncias que a mantêm. Recomenda-se a utilização de cremes altamente concentrados para a prevenção do envelhecimento. A ciência também reforça cada vez mais a importância dos hábitos de vida na preservação da juventude da pele. "É um conjunto de fatores que determina o viço da pele", diz Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e tecnologia da Natura. Na corrida pela revolução dos novos produtos de beleza, a indústria de cosméticos vem aumentando seus investimentos em pesquisas e também na qualificação dos pesquisadores. A francesa L’Oreal, a maior empresa de cosméticos do mundo, elevou seu investimento em pesquisas em 23% nos últimos cinco anos – de 496 milhões de euros em 2005 para 609 milhões de euros neste ano. Os farmacêuticos, que no passado eram os maiores responsáveis pela elaboração dos cosméticos, são hoje minoria entre os Ph.Ds. e doutores que pilotam os principais laboratórios do mundo. Na L’Oreal, dos 3 268 pesquisadores que trabalham em trinta áreas dos laboratórios, 2 000 deles são Ph.Ds. em diversas disciplinas. As principais empresas cosméticas, além de manter laboratórios próprios, firmam convênios com as mais aclamadas universidades. Em geral, leva-se entre cinco e dez anos para criar um produto. A Natura, para uma única linha de hidratantes faciais a ser lançada nos próximos meses, fez mais de 2 500 pesquisas, que incluíram desde o comportamento do consumidor até testes específicos com os diferentes tipos de pele das mulheres brasileiras. Diz o carioca Omar Lupi, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia: "A revolução definitiva na eficiência dos cosméticos ocorrerá nos próximos dez anos, quando as pesquisas genéticas básicas levarem à elaboração de produtos praticamente customizados A pele lisa eterna Humberto Michalchuk 31 Lifting do futuro Pele artificial produzida na Bionext, em Curitiba: possível uso em tratamentos estéticos A maioria dos princípios ativos atualmente adotados pela indústria cosmética para aliviar as rugas associadas ao envelhecimento foi antes usada como remédio contra queimaduras. Não será total novidade, portanto, quando as peles sintéticas, hoje de grande utilidade nos hospitais, passarem a ter aplicações estéticas. É uma questão de tempo, apenas. Atualmente, em algumas terapias estéticas que envolvem descamações mais radicais da pele, os dermatologistas têm como recurso cobrir a área afetada com pele artificial. Enquanto a epiderme natural se recupera do trauma, sua equivalente sintética, feita de celulose, se encarrega de evitar infecções e de manter a hidratação. O uso de peles feitas com tecido humano, porém, ainda não fornece resultados estéticos satisfatórios. Diz Ronaldo Golcman, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, de São Paulo: "Ainda não é possível substituir a pele natural por enxertos feitos em laboratórios para fins estéticos porque essas peles não têm a mesma qualidade. Elas podem se retrair ou apresentar pigmentação diferente". Existe hoje uma dezena de tipos de pele artificial em uso nos hospitais ou ainda em fase de testes nos laboratórios. A pele é um dos órgãos do corpo que mais sofrem rejeição ao ser transplantados. Apenas gêmeos univitelinos podem doar a pele um ao outro com baixo risco de fracasso. A pele artificial contorna esse obstáculo natural. Ela pode ser feita com material sintético ou com células humanas. No caso de queimaduras graves, as mais usadas são a de colágeno e a de biocelulose. Esta é produto do metabolismo das bactérias Acetobacter xylinum, que se alimentam de carbono e secretam fibras de celulose. Depois de desidratadas, as fibras se transformam em membranas que lembram finos papéis de seda. À medida que a nova pele vai nascendo, a cobertura artificial se desprende. Gerardo Mendonza, da Bionext, fabricante de peles de biocelulose no Paraná, explica: "A trama da pele artificial é larga o suficiente para permitir a respiração dos tecidos, mas estreita o bastante para impedir a entrada de agentes infecciosos". Mulheres principalmente, mas também muitos homens, com mais dinheiro do que senso, têm pago nos Estados Unidos e na Europa mais de 1 000 dólares por uma emulsão facial cuja matéria-prima viria de um laboratório militar secreto na Rússia, onde os cientistas da defunta União Soviética teriam produzido uma pele sintética quase perfeita. Desde 2005, sob o nome comercial de Amatokin, é vendida no exterior uma linha de cremes antirrugas com preço médio de 200 dólares que declara essa mesma e intrigante origem. Isso tudo soa incerto. O certo é que logo as pesquisas sobre a pele artificial vão abrir mesmo novos caminhos para tratamentos estéticos com resultados radicais A luta interna contra os radicais livres Rick Gomez/Corbis/Latin Stock 32 Quando os cientistas começaram a desvendar com maior precisão os mecanismos do envelhecimento da pele, surgiram duas frentes nas pesquisas sobre como preservar a juventude por mais tempo. Uma levou aos cremes e a outros produtos de aplicação tópica, característicos da cosmetologia. A outra, cujas perspectivas eram igualmente promissoras, resultou em produtos de uso interno: compostos principalmente de pílulas de vitaminas, proteínas ou sais minerais que, ingeridas, ajudam a manter a pele saudável, eles receberam o nome genérico de nutricosméticos. Os primeiros apareceram no início da década de 90 e eram feitos à base de colágeno. Essa proteína presente no tecido conjuntivo é determinante na sustentação e firmeza da pele. Hoje, os nutricosméticos mais populares são fabricados com betacaroteno, vitaminas A, C e E, zinco, colágeno, licopeno, isoflavona e silício orgânico. Alguns desses componentes podem ser encontrados em combinação numa só pílula. O principal objetivo continua a ser o original: preservar e estimular a produção de colágeno. A maioria das substâncias é oferecida por frutas e legumes (o licopeno está presente no tomate e a isoflavona na soja). Mas as pílulas reúnem uma concentração de elementos ativos que dificilmente se consome na alimentação diária. "A eficiência é maior que a dos cosméticos tópicos porque os nutricosméticos partem de dentro do corpo", disse a VEJA a engenheira química francesa Patricia Manissier, diretora de pesquisa e desenvolvimento dos Laboratórios Innéov, em Paris. Cada substância presente nas pílulas contribui de determinada maneira no esforço de combater os radicais livres, átomos de hidrogênio que ficam entre as células e que danificam as estruturas proteicas que dão sustentação à pele, entre elas o próprio colágeno. O stress, o cansaço, a má alimentação e a exposição ao sol aumentam a quantidade dos radicais livres. "O betacaroteno é uma das substâncias mais eficazes nesse processo, formando uma camada de proteção na pele que reduz os efeitos nocivos do sol", diz a dermatologista paulista Ligia Kogos. O licopeno, por sua vez, responsável pela coloração vermelha dos alimentos, estimula a produção de melanina e proporciona um bronzeado com aspecto mais natura. Busca antiga Orlando/Thee Lions/Getty Images 33 Antes de qualquer preocupação estética, a humanidade pintou o rosto por razões de saúde. Na pré-história, a doença era percebida como efeito da magia e a maquiagem era uma tentativa de afugentar espíritos perversos. O conhecimento sobre os detalhes da pele só avançou depois da descoberta do microscópio, no século XVI. O grego Hipócrates, que nasceu em 460 a.C. e é chamado de o pai da medicina, sustentava que as doenças de pele poderiam ser, na verdade, benéficas ao homem. As "crises felizes", como ele as denominou, teriam o poder de purificar o organismo e não deveriam ser tratadas. Muitos tratamentos de eficiência comprovada foram adotados graças à observação da relação causa-efeito. Os antigos egípcios pintavam o contorno dos olhos com uma pasta de carvão e chumbo. Era excelente para evitar a infecção ocular causada por uma bactéria. Em compensação, os metais pesados usados na mistura iam lentamente intoxicando a população. Cleópatra, a última rainha do Egito, tomava banhos com leite de cabra e passava óleos vegetais. São ingredientes usados hoje, com aprovação científica, em cremes hidratantes. Só no início do século XX, quando Helena PIONEIRA Helena Rubinstein foi a primeira a produzir cosméticos Rubinstein identificou quatro tipos de pele e criou cosméticos específicos para cada um deles, a cosmetologia entrou na era da específicos para cada tipo de pele ciência . The Bridgeman/Other Image RAINHA DO EGITO Cleópatra acertou ao usar como hidratantes o banho de leite e os óleos vegetais Museu Kerameikos 34 POTES DA GRÉCIA ANTIGA Cosméticos feitos de óleos e barro Com reportagem de Laura Ming, Alexandre Salvador e Nataly Emigração Bonjour, Quebec Com escassez de mão de obra e baixa taxa de natalidade, a província canadense lança um programa para atrair ainda mais imigrantes brasileiros Thiago Mattos Ao menos em alguns aspectos, é certo dizer que Brasil e Canadá guardam muito pouco em comum. O segundo maior país do mundo em extensão territorial tem invernos de temperaturas glaciais, um esporte nacional que não poderia parecer mais exótico aos brasileiros (o hóquei no gelo) e tão poucos problemas que a escapada de um urso da floresta costuma ser considerada uma notícia eletrizante por lá. Pois nenhum desses fatores tem impedido que brasileiros que emigram para aquele país se adaptem muito bem nele, obrigado. ADIEU, BRASIL O casal Octávio e Carolina Paixão, que embarca em breve para o Canadá (o labrador também vai emigrar) Prova disso é que só em Quebec, a parte francesa do território canadense, o número de brasileiros com status de residente permanente aumentou cinco vezes desde 2004. Em todo o Canadá, eles são 11 000. Já formam a quarta comunidade latino-americana, depois dos colombianos, mexicanos e jamaicanos. E esse contingente vai crescer. O recémaberto escritório do governo de Quebec em São Paulo prepara o lançamento de uma campanha com o objetivo de divulgar os encantos da província francófona e convencer brasileiros das vantagens de trocar os ares tropicais por uma paisagem de geleiras – mais a possibilidade de viver e aposentar-se em um país cuja renda per capita é de 41 000 dólares e cujos indicadores de criminalidade são de dar inveja até a finlandês (a taxa de homicídios foi de 1,8 por 100 000 habitantes em 2006). Sim, Quebec quer os brasileiros, mas não qualquer um. Basicamente, interessa à província recrutar homens e mulheres capazes de ajudá-la a resolver dois problemas: o risco de encolhimento da população (a taxa de fecundidade em Quebec é de 1,7 por mulher, abaixo, portanto, do nível mínimo de reposição, de 2,1) e a escassez de mão de obra qualificada em áreas estratégicas, como tecnologia e química (veja no quadro o perfil do imigrante ideal). São problemas que atingem não apenas Quebec, mas todo o Canadá. A diferença é que a província colonizada por franceses tomou a dianteira no trato do problema. "Foi a primeira a escolher seus imigrantes, mas agora as outras já estão seguindo o seu exemplo e aumentando o investimento nos programas de recrutamento", diz David Foot, professor de economia da Universidade de Toronto, ele mesmo um imigrante britânico. 35 Com uma densidade demográfica de 4,6 habitantes por quilômetro quadrado – pouco mais povoada do que a Região Norte do Brasil –, Quebec tem espaço de sobra e precisa preenchê-lo. Para isso, oferece o que tem de melhor. Os candidatos aprovados no programa de recrutamento da província ganham visto de residente permanente. Assim que chegam ao destino, passam a ter todos os direitos de um cidadão canadense, incluindo o acesso ao sistema gratuito de saúde e educação. No caso de permanecerem no Canadá por mais de três anos, ganham ainda direito a voto e a passaporte. Para muitos candidatos, porém, o mais atraente do pacote é a possibilidade de trabalhar na própria área de formação. "Mandei duzentos e-mails procurando emprego no Brasil e não tive sequer uma resposta. Mandei quarenta a empresas de Quebec e recebi quarenta respostas", afirma Octávio Paixão, de 42 anos, técnico em manutenção de aeronaves. Ele e a mulher, Carolina, de 29, formada em hotelaria, embarcam neste ano para Quebec – levando, inclusive, o labrador de estimação. "Não pretendemos voltar mais", diz. A campanha "Você tem um lugar em Quebec" será lançada em abril. Além do Brasil, está programada para ocorrer em apenas outros dois países, França e México. A presença do Brasil no rol das nações preferenciais da província canadense tem a seguinte explicação, segundo Soraia Tandel, diretora do escritório de imigração de Quebec em São Paulo: "Os brasileiros são culturalmente flexíveis, qualificados e se integram facilmente tanto na sociedade quanto no mercado de trabalho canadense. Brasileiro não forma gueto", afirma. E, a contar pelo número crescente de emigrantes, também não teme entrar numa gelada. Sexo tem cura? É possível. Sendo sexo, nesse caso, não aquele que traz prazer físico e satisfação emocional, mas o que foge ao controle e provoca atitudes autodestrutivas Um acidente, uma mulher enfurecida e mais de dez amantes reveladas, Jennifer Mitchel/Splash News tudo em menos tempo do que um torneio de golfe leva para começar e acabar, e o prodigioso campeão Tiger Woods, reputação jogada na lama, tomou o caminho mais natural nesses casos, pelo menos nos Estados Unidos: internou-se numa clínica de reabilitação de viciados em sexo. Saiu, reencontrou a mulher, a sueca Elin Nordegren, e protagonizou um patético pedido de desculpas ao mundo inteirinho. "É difícil admitir, mas preciso de ajuda. Durante 45 dias, do fim de dezembro ao começo de fevereiro, fiquei internado e recebi orientação sobre meus problemas. Ainda tenho um longo caminho a percorrer", declarou, antes de voltar para a clínica. É mais fácil saber como ele dava suas muitas escapadas do que ter detalhes do tratamento. Mas, à medida que essas clínicas vão ampliando sua clientela – existem hoje uns dez estabelecimentos que oferecem programas de rehab para sexo compulsivo nos Estados Unidos –, mais se conhece sobre os métodos de tratamento. Como saber se sexo faz mal é uma resposta que só pode ser dada por quem está prejudicando a própria vida a ponto de procurar ajuda terapêutica. Os métodos, em geral, consistem em meditação, terapia individual, de grupo e familiar (Elin tem participado de algumas sessões) e adesão a programas passo a passo. O mea-culpa de Woods foi justamente um desses passos. É tudo muito parecido com o sistema popularizado pelos Alcoólicos Anônimos. Especialistas calculam que de 2% a 3% da população mundial sofra de algum tipo de comportamento compulsivo em relação ao sexo, sendo 90% homens. No Brasil, onde não existem clínicas como as dos Estados CAMINHO SUAVE WOODS: desculpas Unidos, o Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas da ao mundo inteiro e volta para a clínica de Universidade de São Paulo é dos poucos a tratar de transtornos da reabilitação sexualidade, entre eles a compulsão sexual – diagnóstico de pouco mais de 1% dos pacientes. "O período crítico do tratamento dura em média um ano, com atendimento por psiquiatra, acompanhamento psicoterápico e reeducação sexual", explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do projeto. Outro serviço, gratuito e de frequência voluntária, é o Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa), que atua desde 1993 como a versão brasileira de uma adaptação dos Alcoólicos Anônimos criada há mais de trinta anos nos Estados Unidos. "Rico", pseudônimo usado pelo presidente da Dasa no Brasil, explica que as sessões são em grupo, para fortalecer o espírito de ajuda mútua, com programa de doze passos e discussão de experiências entre os participantes. 36 GESTÃO APROVADA A escola Rita Pinto de Araújo, em São Paulo: salto de qualidade com metas e um currículo organizado No prospecto distribuído pela Pine Grove Behavioral Health & Addiction Services, a clínica no Mississippi onde Woods se internou (com cerca esticada por painéis de plástico preto para aumentar a privacidade), o programa Gentle Path, ou Caminho Suave, é específico para "ajudar homens e mulheres a se livrar de relações e comportamentos sexuais compulsivos". Quem se interna acorda às 6h30, vai para o quarto às 22h30 e tem um colega mais experiente em regime de acompanhamento permanente. Celular e laptop são proibidos, telefonemas e visitas controlados. Namoros entre pacientes estão fora de cogitação e os quartos podem passar por revista a qualquer momento. Exigem-se sapato o tempo todo (chinelo, só dentro do quarto), camisa com manga e pijama para dormir. Televisão, só no centro comunitário e em horários e canais preestabelecidos. O programa completo custa quase 40 000 dólares. Durante o tratamento, o paciente tem de remexer em traumas passados, admitir que se permite pornografia, masturbação e outros atos sexuais, todos excessivamente ("Podemos não mudar o comportamento, mas estragamos o prazer", garante o especialista americano Rob Weiss), e descobrir estratégias para evitar recaídas – ou, como dizem, permanecer sóbrio. POR TRÁS DO MURO Para proteger Woods, a clínica Pine Grove ergueu "A questão não é praticar a abstinência pelo resto da vida, mas aprender a reencontrar a felicidade no sexo", explica Benoit Denizet-Lewis, ex-compulsivo e autor de um livro sobre viciados em sexo. Douglas passou temporada numa clínica no Arizona em 1990, quando ainda era casado com Diandra, e até hoje jura que foi por excesso de bebida. O casamento com a atriz Catherine Zeta-Jones parece ter resolvido o problema, não pelos motivos que todo mundo está pensando, mas pelo acordo pré-nupcial prevendo, em caso de divórcio, multa de 3 milhões de dólares para cada infidelidade dele que ela documentar. Em 2008, depois de negar durante anos que tivesse problemas nesse departamento, o ator David Duchovny, da extinta série Arquivo X e da atual Californication, internou-se para tratar de sua compulsão e assim salvar o casamento com a atriz Téa Leoni. Já o abusadíssimo comediante inglês Russell Brand, hoje caidinho pela cantora Katy Perry, transformou os vícios em piada: publicou um livro contando suas passagens por rehabs tanto de drogas quanto de sexo. "Muita gente acha que é uma desculpa inventada para ajudar estrelas de Hollywood a não assumir a responsabilidade por seus excessos priápicos. Mas eu acredito nelas", disse sobre as clínicas para viciados em sexo. "Certo dia, tive de fazer uma lista das minhas vítimas, com os nomes de todas as mulheres que havia prejudicado com meu vício sexual. Eu me senti como Saddam Hussein tendo de escolher vítimas entre os curdos." O óleo da massa O azeite conquista os emergentes – mas não apenas para alimentação Renata Betti 37 Ao lado do vinho, a região do Mediterrâneo tem uma cesta de produtos nobres cujo consumo nos países em desenvolvimento, até recentemente, era restrito às classes altas. Nos últimos cinco anos, porém, artigos como frutas secas, vinagre balsâmico, nozes e castanhas começaram a ganhar mercado nos emergentes. Nos quatro maiores, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), nenhum avançou mais rápido que o azeite. Desde 2005, as vendas do produto nesses países tiveram, em média, crescimento de 235%. Nos Estados Unidos, o segundo maior mercado mundial de azeite, atrás apenas da União Europeia, o número ficou na casa dos 20%. Dois fatores ajudam a entender a difusão do óleo de oliva nos Brics. O primeiro é a expansão da renda: uma classe média maior gasta mais, tanto em volume quanto em qualidade. Tão importante quanto isso, no entanto, foi o fato de que os fabricantes de azeite entenderam que cada lugar tem as suas especificidades (veja o quadro). Na Índia, por exemplo, o produto passou a ser vendido na seção de produtos de beleza dos supermercados. Além de nutrir os cabelos das indianas, ele é usado na pele, para prevenir estrias. Entre os integrantes dos Brics, o Brasil é o que tem, de longe, o maior mercado de azeite: o consumo deverá atingir 50 000 toneladas em 2010. Como o país tem forte influência espanhola, italiana e portuguesa (os mais importantes produtores mundiais), o hábito de usar o óleo em pizzas e saladas é mais comum do que nos outros do grupo – e as empresas do ramo praticamente não mudam suas táticas de venda no mercado brasileiro. Na China, o comércio do produto varia conforme o calendário. Em datas festivas, as pessoas trocam vidros de azeite como presente. As empresas se preparam para essa época e fazem embalagens especiais, já que a finalidade do produto é enfeitar as estantes das casas. "Os chineses quase não comem salada. Tivemos de encontrar maneiras alternativas para vender lá", diz David Prats, presidente do grupo espanhol Borges, um dos maiores fabricantes de azeite do mundo. A companhia, que há quinze anos vende seus produtos no Brasil por meio de importadoras, decidiu no ano passado abrir uma filial no país. "O mercado brasileiro está fervilhando. Enquanto as nossas vendas ficaram estáveis em alguns países, no Brasil elas subiram 30% em 2009", completa o espanhol. A lição do Mérito As primeiras experiências brasileiras de premiar os melhores professores em sala de aula começam a dar resultado — e sinalizam um bom caminho para tirar nossos alunos das últimas colocações nos rankings mundiais Ronaldo França Com 98% das crianças na escola, o Brasil já ombreia com os países mais desenvolvidos no indicador da quantidade — mas figura até hoje entre os piores do mundo na qualidade do ensino. Nesse cenário de flagrante atraso, é bem-vinda a notícia de que um conjunto relevante de colégios públicos brasileiros começa a implantar sistemas baseados na meritocracia, princípio que ajudou, décadas atrás, a empurrar países como Coreia do Sul e Finlândia rumo à excelência acadêmica. GESTÃO APROVADA A escola Rita Pinto de Araújo, em São Paulo: salto de qualidade com metas e um currículo organizado O conceito se espelha em prática comum no mundo das empresas privadas: nas redes de ensino, a ideia é distinguir, com base em avaliações, as boas das más escolas, provendo incentivos financeiros e perspectivas à carreira para aqueles professores e diretores à frente dos melhores resultados. A adoção de mecanismos simples para premiar os mais eficientes e talentosos profissionais em escolas merece atenção por sinalizar, antes de tudo, uma mudança numa velha mentalidade ainda arraigada na educação brasileira: a de que todos os professores devem ganhar o mesmo e sempre mais — à revelia do mau desempenho em sala de aula e 38 também do que mostram as pesquisas científicas. Uma das mais detalhadas, conduzida pelo economista Eric Hanushek, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conclui: "Sem meritocracia, não há como atrair as melhores cabeças de um país para a docência". TREINADA PARA ENSINAR Kátia Ferreira, de Pernambuco: aulas de biologia mais atraentes Na educação, os avanços sempre se dão por um conjunto de inovações e políticas — e não por um único fator. Os especialistas concordam, porém, que a implantação da meritocracia numa centena de municípios brasileiros e em estados como São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco começa a reverter em favor do ensino. Avalia o economista Cláudio Ferraz, à frente de um estudo sobre o assunto no Banco Mundial: "A adoção desse princípio significa uma mudança de cultura tão radical na condução de uma escola que, apesar de recente, não é exagero afirmar que já está beneficiando a sala de aula". Os números mais novos que apontam nessa direção, obtidos por VEJA com exclusividade, vêm de São Paulo, um dos primeiros no país a adotar o bônus nas escolas, em 2008. Segundo o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), ba-sea-do numa prova aplicada aos estudantes, só no último ano 18% dos alunos da 4ª série do ensino fundamental foram alçados, em português, do nível insuficiente para o adequado. Aos 9, eles não conseguiam escrever um bilhete, tampouco compreender o sentido de um texto curto (caso ainda de 22% do total). Em matemática, o grupo dos piores — aquele em que os alunos se paralisam ao tentar resolver um problema envolvendo operações de soma e subtração — encolheu de 39% para 31%. PARECE EMPRESA Escola Leon Renault, em Minas: o bônus deu novo animo Os últimos dados de Minas Gerais apontam para progresso semelhante na sala de aula (veja os números no quadro). Bons, porém ainda modestos perto da dimensão do problema a equacionar, os resultados de São Paulo e Minas ajudam a aferir a eficácia de um pacote de boas práticas de gestão que, só agora, passam a ser implantadas em escolas brasileiras. Diz o economista Fernando Ve-loso, especialista em educação: "Os estados e municípios que mais avançam são justamente aqueles que estão conseguindo se livrar da velha cultura corporativista e, pouco a pouco, modernizam a gestão de suas redes de ensino". No conjunto das 180 000 escolas públicas brasileiras, estima-se que 20% delas começam a se organizar de acordo com metas acadê-micas, estabelecidas com base em avaliações, e já são cobradas e premiadas pelo seu bom cumprimento. É um modelo cuja eficácia foi exaustivamente aferida em outros países e, no Brasil, já se faz notar no dia a dia de colégios como o estadual Leon Renault, de Belo Horizonte. "Sinto pela primeira vez como se estivesse chefiando uma equipe de uma grande empresa privada, tal é a obsessão na escola em relação aos resultados", resume a diretora Maria de Lourdes Fassy, 50 anos, na função há quatro. 39 A lição das escolas brasileiras que se modernizam lança luz ainda para a eficácia em ater-se ao básico — e não sair em busca de soluções mirabolantes. Nesse sentido, a experiência reforça a ideia de que poucas medidas têm tanto impacto na qualidade do ensino quanto a formulação de um bom currículo. Um levantamento com base em dados da Prova Brasil, aplicada em escolas públicas pelo Ministério da Educação (MEC), constata que, quando o professor se ancora em roteiros detalhados sobre o que e como ensinar, as notas sempre sobem. Num país como o Brasil, onde o nível geral dos professores é baixo, um currículo se torna imperativo — mas é ainda coisa rara. Apenas seis dos 27 estados contam com um, e isso é recente. Os efeitos já se fazem sentir, ainda que modestamente. Será preciso esperar mais para colher os frutos de outra frente de iniciativas promissoras, estas voltadas para melhorar o nível dos professores — o principal obstáculo ao avanço brasileiro. Na rede estadual paulista, criou-se uma escola com o propósito de dar reforço a professores recém-aprovados nos concursos. Antes de assumir o posto, eles serão treinados a lidar com situações reais da sala de aula, o que não aprendem na faculdade. Os efeitos podem ser imensos. Ao longo de sua vida útil, um único professor atende cerca de 1 000 alunos. A primeira turma dessa escola de professores em São Paulo contará com 10 000 profissionais, com chances, portanto, de ajudar 10 milhões de crianças. Desde que o nível do ensino começou a ser medido no Brasil, na década de 90, não houve registro de nenhum avanço relevante. Em certos anos, a qualidade chegou até a cair. É verdade que os números pioraram na medida em que mais gente ingressou na escola, mas esse processo de massificação na sala de aula encerrou-se uma década atrás, e nem por isso o Brasil deixou a rabeira nos rankings internacionais de ensino. Enquanto os americanos fazem hoje conversões de unidades e se saem bem em problemas matemáticos de razoável complexidade, os brasileiros se atrapalham ao ler as horas num relógio e penam com a multiplicação — um atraso gritante. O que pode ajudar a mudar isso é o fato de que, pela primeira vez, se vê razoável consenso quanto à direção do caminho a percorrer, independentemente do matiz ideológico. Na semana passada, a meritocracia na educação, que já foi vista com imensa resistência no governo Lula, foi defendida pelo ministro Fernando Haddad: "Ela não desmerece, mas só valoriza os profissionais". Reconhecer isso é, no mínimo, um bom começo. Eles fazem diferença Com criatividade, disposição para o trabalho e experiência no atendimento às doenças típicas das regiões pobres, os brasileiros ganham destaque na organização Médicos Sem Fronteiras e viram referência nas missões espalhadas pelo mundo Naiara Magalhães, de Maputo Com 20 milhões de habitantes, Moçambique, na costa oriental da África Subsaariana, é um dos mais preocupantes focos do vírus HIV em todo o mundo. Nos grandes centros, como a capital, Maputo, ou a cidade de Tete, a aids se faz presente em toda parte. Nas ruas, é raro cruzar com pessoas mais velhas. A expectativa de vida no país é de 47 anos para os homens e de 49 para as mulheres. Ao lado de outras doenças epidêmicas, os outdoors não deixam esquecer: "O que tiveste na tua última relação sexual: amor, sexo ou HIV?". Cartazes sobre cuidados com as crianças não reforçam apenas a importância da vacinação contra as afecções típicas da infância. Num deles, na legenda da fotografia de uma garotinha acompanhada pelos pais, lê-se: "Eu já vou fazer o teste do HIV". Um em cada sete adultos moçambicanos está contaminado – o equivalente a 15% dessa população. Em algumas regiões, como a de Maputo, o índice é de um em quatro habitantes. Para se ter uma ideia do tamanho da tragédia, no Brasil, a taxa de contaminação pelo HIV é de menos de 1%. Até pouco tempo atrás, muitos moçambicanos nunca haviam ouvido falar em aids. Para eles, seus parentes e amigos morriam vítimas de alguma feitiçaria. Ainda hoje é comum que os doentes recorram aos curandeiros na esperança de cura. Em um país dilacerado pela miséria e por quase trinta anos de guerra encerrada apenas em 1992, a precariedade do acesso aos cuidados básicos de saúde e a falta de informação sobre prevenção e tratamento compõem o cenário ideal para a disseminação do HIV. Metade dos quase 100 000 mortos pela doença todos os anos tem entre 30 e 44 anos – está na plenitude produtiva. O país padece da falta de profissionais qualificados. O número de médicos em Moçambique não ultrapassa os 500. O de curandeiros, entretanto, supera os 70 000. Por isso, a ajuda estrangeira é crucial na luta contra a aids – tanto do ponto de vista financeiro quanto da mão de obra especializada. A primeira e maior organização humanitária a desenvolver projetos de combate ao HIV em Moçambique foi a Médicos Sem Fronteiras (MSF), em 2001. Prêmio Nobel da Paz de 1999, a MSF foi fundada em 1971, por médicos e jornalistas franceses, e hoje conta com 27 000 profissionais, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, arquitetos, administradores, economistas e engenheiros. Ela atua em 65 países conflagrados ou em situação de emergência sanitária (veja o mapa). Atualmente, a equipe da MSF em Moçambique é composta de 31 profissionais – sete dos quais brasileiros. Esses médicos e enfermeiras têm um perfil ideal para o trabalho desenvolvido pela instituição, porque ainda lidam por aqui com doenças típicas de países pobres, como tuberculose, malária e leishmaniose visceral. "No Brasil, muitos médicos não apenas estudaram tais moléstias como tiveram a experiência de tratá-las", 40 diz Simone Rocha, diretora executiva da MSF-Brasil. Soma-se a isso o traquejo dos brasileiros para atender as populações mais carentes, de baixo nível educacional. "Eles sabem como transmitir uma mensagem de jeito simples para que o paciente consiga seguir o tratamento", diz o coordenador de um dos projetos da MSF em Moçambique, o enfermeiro inglês Christopher Peskett. Moçambique não é apenas o país com o maior número de brasileiros atuando na MSF, mas é também onde o Brasil faz escola. Um dos projetos mais bem-sucedidos é o da médica paulista Raquel Yokoda, de 29 anos. O programa desenvolvido pela jovem vem ajudando a mudar um dos cenários mais cruéis da aids em Moçambique – o das crianças portadoras do HIV. Atualmente, 147 000 meninos e meninas de até 14 anos estão contaminados. As crianças entre zero e 4 anos mortas pela aids chegam a inacreditáveis 19% de todos os óbitos registrados pela doença. Com uma ideia extremamente simples, em seis meses Raquel conseguiu reduzir a taxa de mortalidade infantil em 80% no Hospital Dia de Moatize, nos arredores da cidade de Tete, no centro do país. Ela transformou a sala de espera num lugar acolhedor para as crianças – uma espécie de brinquedoteca, decorada com motivos infantis. Com isso, ir ao médico passou a ser uma diversão para meninos e meninas que vivem em estado de miséria. Ajudada por moradores locais, Raquel adaptou histórias e jogos infantis à cultura moçambicana para explicar às crianças que elas são portadoras de uma doença que requer cuidados para toda a vida. Como o idioma oficial, o português, é falado por apenas 40% da população, as cartilhas de Raquel tiveram de ser traduzidas para o dialeto nhungue, característico da região. Numa das histórias para as crianças de 5 anos, a aids é simbolizada pela mudança da cor do pelo dos leões. Doente, uma leoa vai atrás dos conselhos de um velho hipopótamo. O tratamento prescrito: a água de um mar vermelho, as folhas verdes das árvores e os raios de sol, todos os dias, para sempre. Ela morre, mas recomenda a seu filhote, o simpático leãozinho Bekhi, que siga à risca as orientações do sábio hipopótamo. O peso de uma criança Para que seus filhos tenham acesso aos cuidados mais elementares de saúde, nas áreas rurais de Tete, muitas mulheres têm de percorrer a pé, descalças, sob um sol inclemente, até 15 quilômetros Ele obedece e consegue crescer forte e feliz. "Os pais têm muita dificuldade para contar a seus filhos que eles são portadores do HIV, e que terão de seguir um tratamento até o fim da vida", diz Alain Kassa, coordenador-geral da missão da MSF em Moçambique. "O projeto de Raquel mudou esse processo, aumentando a participação das crianças no tratamento." As cartilhas da jovem médica servem hoje de referência em todos os países de atuação da MSF. "Nós só conseguimos fazer um bom trabalho quando entendemos e usamos a cultura local para nos aproximar dos pacientes", explica Raquel. Ela voltou para o Brasil no fim de 2007, e agora cabe à historiadora goiana Wânia Correia, de 33 anos, dar continuidade ao projeto. Uma das grandes inspirações para Raquel foi Laura Lichade, enfermeira moçambicana de 56 anos, com quem trabalhou ao longo de sua estada na África. Durante a guerra civil, enquanto fugia de um tiroteio, Laura pisou no estilhaço de uma mina. Por causa das complicações do ferimento, em 1994, teve o pé esquerdo amputado. Apesar de todas as adversidades, ela se dedica a cuidar de 56 bebês, crianças e adolescentes órfãos. Seis deles vivem na casa de Laura, com paredes de barro e chão de terra batida. Os demais, em um orfanato próximo. Laura fez com que todos fossem testados para o HIV e recebessem o tratamento adequado. Em Moçambique, 1 milhão de crianças não têm mãe. Delas, 400 000 ficaram órfãs por causa da aids. "Costumo dizer às crianças com HIV que os remédios são como as minhas muletas, que me mantêm de pé", conta ela. "Se elas acharem que podem parar o tratamento porque estão se sentindo bem, cairão, como eu caio sem as minhas muletas." Cerca de 70% dos moçambicanos estão nas áreas rurais. Vivem da agricultura de subsistência nas machambas, como são chamadas as pequenas propriedades agrárias. Os centros de saúde e os hospitais ficam longe e a condução de ida e volta é cara – 200 meticais, o equivalente a 12 reais. Curandeiros, por sua vez, há por toda parte. Um dos rituais mais comuns no caso de doentes graves é a tatuagem. São feitos cortes de meio centímetro de comprimento nos braços e pernas dos pacientes, e uma mistura de raízes trituradas é aplicada sobre os ferimentos. 41 As lâminas são reutilizadas e os potes de ervas compartilhados entre várias pessoas. Ou seja, a tatuagem é fonte de disseminação do HIV. Somente quando se dão conta de que as ervas e os banhos dos curandeiros não funcionam, os moçambicanos recorrem aos médicos. Algumas pessoas chegam a caminhar 15 quilômetros até o hospital mais próximo, muitas vezes descalças, sob temperaturas impiedosas. Ao circular pela área rural de Tete, no início de uma tarde de verão, tem-se a sensação de que há alguma queimada por perto. Mas não há vegetação em incêndio, apenas o sol que arde sobre a terra batida. Até resolver ir ao hospital, o militar aposentado Kaneti Chavunda, de 67 anos, sofreu durante quase um ano com uma tosse persistente e uma lesão dolorida nos pés e nas pernas – quadro característico do sarcoma de Kaposi, o câncer mais comum entre os soropositivos. De sua casa ao Hospital Provincial de Tete, ele viajou duas horas na boleia de um caminhão. Em 25 minutos, Chavunda recebeu o diagnóstico positivo para o HIV. Não demonstrou angústia nem desespero. Olhar parado, em voz baixa, ele comentou: "Vou fazer o que os médicos mandam". Essa é uma reação comum. Como a maioria das pessoas da zona rural, ele parecia não ter a dimensão da gravidade da notícia que acabara de receber. Os testes rápidos de HIV e as orientações sobre prevenção e tratamento são conduzidos pelos chamados conselheiros – moradores locais treinados pela equipe da MSF. Dessa forma, os poucos enfermeiros e médicos disponíveis podem se dedicar a atividades de maior exigência técnica. Uma das enfermeiras responsáveis pela formação dos conselheiros é a paulista Eliana Arantes, de 33 anos, há nove meses em Moçambique. Um de seus parceiros de trabalho mais experientes é o local Felisberto Dindas, de 36 anos. Ele lembra com precisão a data em que entrou para a MSF, a fim de trabalhar como segurança: 23 de outubro de 2001. Naquele dia, sua vida mudaria em vários aspectos. A princípio, representava a conquista de um bom emprego. Um ano depois, Dindas foi convidado a se tornar conselheiro. "Eu tenho facilidade para me comunicar e conheço muita gente", diz, com orgulho. Foi também graças ao trabalho na MSF que ele foi diagnosticado como soropositivo. Conselheiros com o perfil de Dindas são sempre bem-vindos. Só quem tem o vírus sabe como é receber a notícia do HIV. Só quem vive em Moçambique conhece as dificuldades de seguir o tratamento. Só quem consegue conviver com a infecção, sem cair doente, é capaz de passar a importância da prevenção e do tratamento. Profissão: mãe "Há 25 anos, fui gravemente ferida ao pisar no estilhaço de uma mina terrestre e fiz um voto de ajudar todas as pessoas que chegassem a mim pedindo auxílio. A vida me mandou crianças órfãs. Cheguei a ter cinquenta delas em casa. Hoje consegui que um orfanato fosse construído para abrigá-las. Muitas delas perderam mãe e pai por causa da aids. Por isso, além de cuidar para que elas se alimentem bem e estudem, eu faço questão de que todas passem pelo teste de HIV e, se necessário, recebam o tratamento adequado." Laura Lichade, enfermeira Resposta imediata "Resolvi entrar para os Médicos Sem Fronteiras porque me realizo no atendimento em situações de emergência. A resposta dos pacientes, nessas ocasiões, é muito rápida. Para um enfermeiro, que é quem cuida dos doentes mais de perto, isso é muito gratificante. Em minha primeira missão na organização, ajudei a conter um surto de cólera no Zimbábue. Agora, em Moçambique, me dedico às gestantes soropositivas, na tentativa de evitar que elas contaminem seus bebês. É um trabalho difícil, disponho de poucos recursos. Para calcular a idade gestacional do feto, por exemplo, tenho de medir a barriga da paciente com uma fita métrica. Num cenário como esse, cada pequena conquista é 42 motivo de orgulho." Janaína Carmello, enfermeira obstetra Apoio emocional "Uma das minhas tarefas é dar continuidade ao trabalho iniciado pela médica Raquel Yokoda. Nossa intenção é estender o projeto de atendimento às crianças soropositivas a todos os centros de saúde e hospitais da capital Maputo. É importante trabalhar a questão da aids com as crianças, porque ainda hoje é muito difícil fazer com que os adultos mudem de hábitos por causa da doença. Muitos moçambicanos só agora começam a tomar conhecimento da existência do HIV." Wânia Correia, historiadora A precariedade do sistema de saúde em Moçambique é aterradora. Acompanhar um dia de trabalho da enfermeira paranaense Janaína Carmello é recuar meio século na história da medicina. Aos 28 anos, ela é responsável pelo atendimento a grávidas no Centro de Saúde de Domué, na zona rural do distrito de Angónia, no noroeste do país. Sua principal missão é diminuir os riscos da transmissão vertical: a contaminação do bebê por sua mãe. Em suas consultas, não há aparelho de ultrassom ou sonar. A enfermeira tem de trabalhar com a fita métrica e o estetoscópio de Pinard. A fita serve para medir a barriga da mãe e calcular a idade gestacional do feto, já que a maioria das gestantes não tem ideia de quando engravidou. Em geral, elas só procuram assistência médica no sexto mês de gravidez. O estetoscópio, desenvolvido no início do século XIX, que Janaína só conhecia dos livros de história da medicina, é usado para medir os batimentos cardíacos do feto. Janaína encosta a boca do instrumento na barriga da gestante, aproxima o ouvido na outra ponta do estetoscópio e ouve o coraçãozinho na barriga da mãe. Enquanto nos países desenvolvidos uma mãe soropositiva é desaconselhada de amamentar seu bebê, de modo a reduzir o risco de infecção da criança, em Moçambique Janaína recomenda que o aleitamento materno seja feito até os 6 meses. "Aqui, as mães não têm condições mínimas de higiene para preparar o leite artificial, ainda que você o forneça. As crianças ficam com diarreia, perdem peso, adoecem e podem até morrer", diz ela. Ainda assim, quando as mulheres soropositivas seguem o tratamento à risca, a transmissão vertical do HIV é reduzida. É dessa forma, com pequenas vitórias, que se trava o combate contra a aids em Moçambique. Desde a chegada da MSF, o número diário de novas contaminações caiu de 500 para 440. Pode parecer pouco, mas é uma grande conquista em se tratando de um país da África Subsaariana. E os brasileiros, como Raquel, Wânia, Eliana e Janaína, fazem a diferença em um universo tão esquálido. O teste das fraldas Ao completar 2 anos e meio, uma criança terá usado até 5 000 fraldas descartáveis. No bolso dos papais, isso significa um gasto entre 1 450 e 4 400 reais. Apesar de os ambientalistas torcerem o nariz para elas - porque levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza -, essas fraldas são o que há de mais prático e confortável para os bebês. Anna Paula Buchalla [email protected] NOITES BEM-DORMIDAS Paula, de 1 ano e 3 meses, passou a dormir melhor desde que sua mãe, a administradora de empresas Juliana Castro Paes de Barros, de 36 anos, achou a fralda ideal. Ela testou vários modelos até encontrar um que impedisse vazamentos sem irritar a pele da meninas Mas, em geral, é preciso testar vários modelos e marcas até chegar à fralda que melhor se adapte à anatomia do filhote. Há diferenças significativas entre as fraldas descartáveis. É o que revela um estudo técnico comparativo feito a pedido da Pro Teste, entidade de defesa do consumidor. Foram avaliados nove modelos de tamanho médio das marcas Pampers, Turma da Mônica, Johnson’s Baby, Pom Pom e Sapeka. No teste, "bebês robôs" dos sexos masculino e feminino em movimento, sentados, em pé e deitados de frente, de lado e de costas eliminaram urina sintética na mesma quantidade, 43 frequência e velocidade de uma criança entre 2 e 8 meses. Ficou claro que alguns modelos são mais indicados para meninos e outros para meninas - por questão de anatomia. Quando o assunto é ventilação, nota baixa para quase todas. A maioria das fraldas não permite a respiração da pele do bebê. "Quanto mais leve e fina, mais confortável é a fralda", diz Marina Jakubowski, química da Pro Teste. Absorção Como deve ser: uma fralda eficaz deve absorver 250 mililitros sem vazar. Durante o dia, quando as trocas são mais frequentes, a capacidade de 200 mililitros é suficiente. Mas, à noite, o ideal é que a absorção seja um pouco maior, para não atrapalhar o sono do bebê nem molhar o colchão do berço O que o teste apontou: durante o dia, todas as fraldas foram aceitáveis para as meninas - cujo jato de urina é centralizado. Já para os meninos (que fazem xixi para cima, para baixo e para todo lado), alguns modelos se mostraram ineficientes antes mesmo de atingir 164 mililitros. Mediu-se o volume de urina absorvido até a fralda vazar Fotos divulgação Assaduras e alergias Como deve ser: a fralda deve permitir que a pele "respire". Quando isso não acontece, o calor e a umidade favorecem a ação de fungos e bactérias que causam problemas dermatológicos O que o teste apontou: apenas uma marca se mostrou eficaz nesse quesito. Mais fina que as demais, é também a que apresenta o toque mais suave. As outras permitiram apenas uma pequena ou nenhuma entrada de ar A melhor do teste: Pampers Total Confort - Por seu material, foi a única que realmente deixou o ar circular internamente. Depois da avaliação, a fralda se mostrou mais seca que as outras Conforto Como deve ser: leve e fina O que o teste apontou: a maioria das fraldas tem em torno de 25 gramas, mas algumas chegam a pesar 32 gramas, ou seja, 30% a mais do que a média. A espessura também varia bastante. A mais grossa do teste, por exemplo, tem quase o dobro de espessura da primeira colocada As melhores do teste 1º Pampers Total Confort: 25,4 gramas e 7,9 milímetros de espessura 2º Pampers Supersec: 23,2 gramas e 9 milímetros de espessura 3º Pom Pom Top Confort: 27,8 gramas e 10 milímetros de espessura Preço* 44 A mais barata: Sapeka Azul. O pacote com 24 unidades custa entre 6,98 e 9,90 reais. O valor da unidade varia entre 29 e 41 centavos A mais cara: Pampers Total Confort. O pacote com trinta unidades custa entre 18,50 e 26,40 reais. O valor da unidade varia entre 62 e 88 centavos O que o teste apontou: 1) A quantidade de fraldas nas embalagens varia de uma marca para outra, o que pode induzir os pais ao erro. O que conta mesmo é o preço de cada unidade, que se obtém dividindo o preço pelo número de fraldas 2) É preciso ter sempre em mente o peso da criança e verificar, na embalagem de cada produto, qual o tamanho adequado a ela. O tamanho médio de uma marca pode ser equivalente ao pequeno de outra. Fraldas de tamanho menor são em geral mais baratas 3) Como a eficácia das fraldas varia para meninos e meninas, é importante fazer testes. Uma vez encontrado o melhor modelo, a economia pode ser de até 700 reais em um ano 4) É importante pesquisar preços. Algumas marcas, por exemplo, são mais baratas nos hipermercados. Outras custam menos nas drogarias. Os preferidos dos papais Laurence Monneret/Getty Images Para fazer a higiene do bebê, bom mesmo é usar água morna e algodão, dizem os pediatras. Mas há ocasiões - em viagens, por exemplo - em que os lenços umedecidos são a alternativa mais prática. "Eles devem ser usados em crianças com mais de 3 meses. Antes disso, o risco de elas desenvolverem dermatites é maior", explica o pediatra Marcelo Reibscheid, do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. Na hora da compra, saiba o que se deve levar em conta: 1) Capacidade de hidratação O que observar: prefira produtos que contenham lanolina em sua fórmula. A substância tem efeito emoliente, ou seja, ajuda o produto a penetrar na pele, aumentando o poder de hidratação. Aloe vera e alantoína também são funcionais. A primeira tem efeito bactericida e cicatrizante. A segunda, bastante utilizada em pomadas contra assadura, acelera a regeneração da pele 45 2) Rendimento O que observar: lenços grandes e espessos são mais fáceis de manusear. Além disso, com eles evita-se o consumo de várias unidades para uma limpeza efetiva. Aparentemente mais caros, eles podem ser mais econômicos, dependendo da quantidade usada a cada troca de fralda 3) Resistência O que observar: lenços muito finos rasgam-se com mais facilidade. Eca! 4) Preço O que observar: em geral, não vale a pena comprar os lenços umedecidos em supermercados. Nas farmácias, os preços costumam ser menores, avaliou um estudo recente da Pro Teste Toalete de gente pequena O que há de novo para tornar os cuidados pessoais mais divertidos para os bebês - e, em alguns casos, mais seguros para os pais Fotos divulgação Assento giratório para banho: com as perninhas encaixadas na cadeira, o bebê fica praticamente solto na banheira. Por ser giratório, o equipamento proporciona um banho mais animado para a criança. Ele é fixado na borda da banheira e vem com um apoio para o braço do adulto. O assento pesa 3,4 quilos Preço: 276 reais Fralda de transição: destinado a crianças que estão migrando para o peniquinho, o modelo Pull-Ups, da Huggies, vem com desenhos, como estrelinhas, que somem quando a fralda fica molhada. É um estímulo para não fazer xixi nela. Preço: 15 reais (pacote com doze unidades) Cortador de unhas com lupa: aumenta em até cinco vezes as unhas do bebê, o que ajuda a evitar acidentes. O cabo com desenho anatômico acomoda os dedos, o que torna o manuseio mais seguro e preciso Preço: 15 reais 46 Pintura no banho: indicado para crianças a partir de 2 anos, o produto garante a distração na banheira ou no chuveiro. São cinco tintas que podem ser usadas para pintar o próprio corpo. Segundo o fabricante, elas não fazem mal à pele - nem mancham os azulejos. A bagunça é eliminada no próprio banho. Vem com uma esponja em formato de peixe e uma paleta para tintas em forma de mão. Preço: 65 reais Empresas consultadas: Alô Bebê e Safety 1st Com reportagem de Gabriella La mutación de Jade A Globo ressuscita a mocinha muçulmana de O Clone num remake da trama de Glória Perez voltado ao público latino Marcelo Marthe, de Bogotá Manoel Marques PAN-AMÉRICA Sandra Echeverría como Jade no centro de Bogotá, a 2 640 metros de altitude: estrela mexicana de uma novela brasileira ambientada em Miami - e gravada na Colômbia O Terminal del Sur - uma movimentada rodoviária de Bogotá, capital da Colômbia - foi tomado por uma horda de muçulmanos fajutos na última quarta-feira. As placas em espanhol foram substituídas por outras escritas em árabe. Sessenta figurantes completavam a ambientação de um aeroporto fictício do Marrocos. Um Marrocos, frise-se, bem familiar para os brasileiros. A novela El Clon é a versão hispânica de O Clone, melodrama de Glória Perez que fez sucesso na Globo em 2001. Em exibição há duas semanas na Telemundo, rede voltada ao público latino dos Estados Unidos, a produção manteve intacto o tal núcleo muçulmano. Mas, em vez do Rio de Janeiro, tem Miami como cenário principal. O folhetim está sendo gravado na Colômbia com atores de diversos países hispânicos, de Cuba a Argentina. Interpretada pela carioca Giovanna Antonelli na história original, a protagonista Jade ganhou o corpo da mexicana Sandra Echeverría. Acostumada a papéis de moça sofredora nas telenovelas de sua terra natal, ela se diverte com as agruras que Glória Perez reservou à personagem - na cena do aeroporto, Jade é presa e humilhada ao tentar fugir do Marrocos. "Me impressiona como essa Rade (o nome fica assim na pronúncia castelhana), coitadinha, é chorosa", diz Sandra. A coprodução com a Telemundo, braço latino da rede americana NBC, representa uma nova estratégia da emissora brasileira nos esforços para exportar suas novelas. Desde os anos 70, quando vendeu O Bem-Amado para uma rede mexicana, a Globo lucra com a comercialização de suas tramas. Exibida em noventa países, O Clone é uma das mais bem-sucedidas nesse mercado. Mas a venda de novelas "em lata", como se diz no jargão dos executivos de TV, esbarra num obstáculo. "Sempre que o público estrangeiro (assim como o brasileiro) tem a opção de ver 47 produções que reflitam seus gostos e costumes, acaba por preferi-las em detrimento das produções importadas", afirma Guilherme Bokel, diretor de produção internacional da Globo. Em anos recentes, emissoras que antes eram clientes tradicionais da Globo em diversas latitudes passaram a apostar em sua própria teledramaturgia. A emissora continua a licenciar novelas, mas elas agora quase não vão mais para o horário nobre, e sim para a faixa da tarde ou para a TV a cabo. Nessas situações, o rendimento proporcionado pela venda de um capítulo de novela pode ser até um décimo daquele alcançado quando a exibição é no horário nobre (de 40 000 dólares, em média). Comercializar a fórmula, em vez do produto pronto, tornou-se uma alternativa a ser explorada. MOÇA SOFREDORA Cena em que Jade dá à luz no Marrocos de El Clon: gravações cronometradas para garantir um ritmo ágil - bem diferente do original brasileiro El Clon não é a primeira coprodução da Globo e da Telemundo. Oito anos atrás, elas se uniram para fazer Vale Todo. O remake do sucesso de 1988 tinha elenco hispânico e exibia algumas adaptações (os personagens tomavam tequila em vez de caipirinha, por supuesto). Mas o cenário era o Rio de Janeiro e, de resto, a trama remetia em tudo à original. Não funcionou. "A lição que tiramos é que só ter atores hispânicos não garante a identificação com o público", diz Ricardo Scalamandré, diretor de negócios internacionais da Globo. A nova empreitada procura sanar essa fa-lha multiplicando os detalhes modificados conforme o gosto da freguesia. Saíram de cena Copacabana e o piscinão de Ramos, para dar lugar à badalada Miami Beach. O famigerado bar da Dona Jura foi trocado por uma boate de salsa - não só por adequação musical, mas também para permitir a exploração de corpões semidesnudos. A perua madura representada por Vera Fischer foi substituída por uma jovem "loba" - como os hispânicos se referem a uma mulher espalhafatosa e vulgar. "Há muitas criaturas assim à caça de partidos ricos em nossos países", diz Geraldine Zivic, a loira argentina que faz a personagem. A mudança que chama mais atenção - para melhor - é de tom e de ritmo. O dramalhão ganhou registro de comédia e a trama se desenrola sem firulas: as longas tomadas do diretor Jayme Monjardim foram podadas em favor da ação. Cada cena é cronometrada para ser o mais veloz possível. Essa receita se revelou, até agora, acertada. Nos primeiros dias, El Clon ficou em primeiro lugar em audiência entre os canais latinos em Miami. A escolha da Colômbia como sede das gravações não é fortuita. O país emergiu como um polo internacional de produção de TV depois que as ações do governo do presidente Álvaro Uribe diminuíram o clima de insegurança nas grandes cidades. Contribuem ainda a distância relativamente pequena dos Estados Unidos (cinco horas de voo até Miami) e a visibilidade alcançada por uma novela colombiana, Betty, a Feia - que desde sua primeira exibição, em 1999, ganhou versões em vinte países (a mais recente das quais no Brasil, pela Record). Hoje, a Fox e a Sony mantêm estúdios na Colômbia. E as produções da Telemundo atraem estrelas de vários países. É o caso de Saúl Lisazo, um similar argentino do brasileiro José Mayer e o nome mais famoso de El Clon. Lisazo, que na juventude foi jogador de futebol (atuou por um ano no Juventus paulistano), reclama nos bastidores da precariedade dos estúdios da Telemundo. "Nas cenas externas, não tenho direito nem a um camarim privativo", diz o astro argentino. Sandra Echeverría, de 28 anos, foi cantora de um grupo juvenil de sucesso e protagonizou duas novelas no México. Hoje vive em Los Angeles, onde fez um filme com um dos atores adolescentes de High School Musical, Corbin Bleu. Desde novembro, porém, trocou Hollywood por Bogotá. Suas primeiras semanas de gravação foram prejudicadas pela soroche, o mal-estar de que sofrem os recém-chegados à altitude de 2 640 metros da capital colombiana. "Só sarei depois de tomar muito chá de coca", conta ela. Ela se diverte 48 Desde que estreou no cinema, há três décadas, Meryl Streep é um paradigma de excelência. Mas hoje ela não é só admirada, como antes. Aprendeu a ser leve e calorosa e fez o que ninguém imaginava ser possível para uma atriz de 60 anos em Hollywood: virou campeã de bilheteria Isabela Boscov Andrea Barbe/Corbis/Latinstock DO JEITO QUE ELA É Meryl, que no dia 7 concorre pela 16ª vez ao Oscar: a técnica é o primor de sempre e a aparência é sem retoques. Só a espontaneidade não era natural, e veio com o tempo Desde a sua primeira personagem de destaque, em O FrancoAtirador, de 1978, Meryl Streep estabeleceu uma reputação que nunca esteve perto de ser abalada: a de ser um dos talentos Videogaleria mais fulgurantes da história do cinema. Não havia papel que ela Personagens de Meryl Streep não pudesse fazer; não havia idioma que ela não aprendesse ou aparência que não fosse capaz de adquirir. Meryl interpretava mães que abandonam filhos (Kramer vs. Kramer, 1979), mães que escolhem qual filho entregar aos nazistas (A Escolha de Sofia, 1982), aristocratas europeias que se acham donas de tribos africanas (Entre Dois Amores, 1985), alcoólatras terminais (Ironweed, 1987), mães suspeitas de assassinar filhos (Um Grito na Escuridão, 1988). E, em vez de colher antipatia, colhia indicações a prêmios e aclamação. Mas não tietagem. Sua beleza patrícia não é bem a matéria-prima de que se fazem as fantasias. Seu ar era meio distante, cortante até, e sua técnica extraordinária chegava a intimidar. Meryl, enfim, era perfeita demais e calculada demais. Era fácil admirá-la; gostar dela, nem tanto. Hoje, entretanto, é preciso puxar pela memória para lembrar que ela um dia provocou esse tipo de reação. Pouco a pouco, de uns quinze anos para cá, ela foi se tornando uma das atrizes mais queridas do cinema americano. E, precisamente há quatro anos, virou algo que mulher nenhuma na meia-idade espera ser em Hollywood: uma campeã de bilheteria, que bate fácil rivais bem mais jovens (veja o quadro). Meryl, é evidente, se destaca porque nunca deixou diminuir as qualidades que já possuía. Mas está nessa situação privilegiada porque aprendeu a única coisa que ainda não sabia sobre atuar: a se divertir, e divertir-se muito. Até com coisas de gosto duvidoso como Simplesmente Complicado (It’s Complicated, Estados Unidos, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país. Nessa espécie de catarse cômica para mulheres trocadas por outras com a metade de sua idade, Meryl é Jane, há dez anos divorciada de Jake. Ele se casou com a amante morena e esguia; ela ficou sozinha. Na festa de formatura do filho do meio, os dois se encontram num bar de hotel. Drinque vai, drinque vem, terminam na cama, onde Jake (Alec Baldwin, outro que está em sua melhor fase) descobre como é bom não ter de correr atrás de alguém com o VEJA TAMBÉM 49 dobro da energia e, arrebatado, lembra-se de como a mulher que ele deixou é espirituosa, encantadora e bonita. Não se exige nenhum esforço de imaginação para entender a recaída de Jake. Meryl, nesta sua fase tão calorosa, faz de Jane uma personagem pela qual é inevitável que tanto ele como a plateia se apaixonem. Não obstante o roteiro um bocado ordinário da diretora Nancy Meyers, cheio de vulgaridades gratuitas, Meryl faz tudo funcionar - até aquelas cenas que hoje provavelmente podem ser adquiridas como formulário em papelarias, em que um grupo de amigas se encontra para beber e fofocar. (Só uma coisa está além de sua habilidade: tornar crível seu flerte com o personagem de Steve Martin, tão abotoadinho que a ideia de um contato íntimo entre os dois causa certo pavor.) Divulgação PRAZER DESCOMPLICADO Meryl e Baldwin: catarse para mulheres trocadas por outras com a metade de sua idade Simplesmente Complicado, portanto, é um filme muito inferior à sua estrela. Mas não é o primeiro do qual se pode dizer isso; mais importante e curioso é que se trata exatamente do tipo de escolha com que ela reformulou sua carreira e ganhou a espontaneidad e e leveza que lhe faltavam. No fim da década de 80, depois que sua segunda menina com o escultor Don Gummer nasceu (ela tem um filho e três filhas), a atriz decidiu que ficara difícil demais conciliar o trabalho com a família. Passou, então, a mirar em projetos com os quais ela pudesse lidar como um emprego, do qual se volta para casa a tempo de preparar o jantar. Fez bobagens como Ela É o Diabo, A Morte Lhe Cai Bem e Rio Selvagem, foi acusada de se vender ao sistema e não deu a menor bola: estava aprendendo, não sem dificuldade, a exercitar algum humor e despretensão. Em 1995, finalmente, caiu-lhe nas mãos o papel que apontaria os seus instintos artísticos em uma nova direção - o da dona de casa frustrada que vive uma brevíssima paixão com um fotógrafo, em As Pontes de Madison, no qual Clint Eastwood, seu parceiro de cena e diretor, arrancou dela uma espontaneidade e um prazer descomplicado que, até ali, lhe escapavam. Meryl continua obsessivamente técnica, e muitos dos projetos em que se engaja exigem dela todo aquele arsenal que desde o início a distinguiu - como o fantasma de Ethel Rosenberg em Angels in America, a jornalista que embarca numa aventura com um caipira desdentado em Adaptação ou a freira fanática de Dúvida. Mas são essa espontaneidade e esse prazer, mais a segurança da idade (60 anos bem conservados e orgulhosamente sem retoques), que fizeram dela um sucesso sem precedentes. O Diabo Veste Prada a tornou um ícone. Mamma Mia!, 50 que sem ela seria insuportável, é o único filme encabeçado por uma atriz que está entre os cinquenta campeões mundiais de bilheteria. E, por Julie & Julia, ela concorre neste ano pela 16ª vez ao Oscar, um recorde absoluto entre intérpretes. Se sair vitoriosa (seria a terceira vez), provavelmente vai dar o show de sempre, comparecendo à cerimônia com um vestido inexplicável, óculos de leitura e penteado de quem terminou a faxina às pressas. Meryl já não tem a menor necessidade nem vontade de impressionar - e por isso mesmo fica cada vez mais impressionante. A razão e as paixões O historiador Niall Ferguson é mais um na larga lista dos sábios que agem como tolos na vida privada Bruno Meier Jemal Countess/Wireimages SÓ CORAÇÃO Ferguson e a namorada, Ayaan Hirsi Ali: ele corre o risco de ser depenado num divórcio A ideia de que a inteligência consegue domar as paixões é tão antiga quanto a filosofia grega - e nunca se comprovou. Bem ao contrário. Aqueles que se dedicam seriamente a cultivar o intelecto são com frequência os que se rendem de maneira mais espalhafatosa aos seus (maus) instintos. Veja-se o caso do historiador escocês Niall Ferguson, de 45 anos. Na última década, ele se tornou uma grande autoridade em história da economia. A revista Time o classificou como um dos pensadores mais influentes do mundo. Na semana passada, contudo, as infidelidades de Ferguson vieram a primeiro plano. Aparentement e encantado com o próprio sucesso (a razão sucumbindo às paixões...), ele desenvolveu hábitos de mulherengo e embarcou numa série de casos extraconjugais. O atual é com a escritora Ayaan Hirsi Ali, uma somali que os radicais muçulmanos juraram assassinar: submetida na infância a uma mutilação religiosa - a excisão do clitóris -, Ayaan tornou-se, com o tempo, umas das mais acerbas críticas do islamismo. Ferguson entregou-se de maneira tão inconsequente e pública ao 51 namoro que sua mulher, humilhada, agora só pensa em retaliar: tudo indica que o professor de finanças vai ser depenado num divórcio milionário. De fato, não são incomuns os escândalos e trapaças protagonizados por intelectuais. Na década de 40, por exemplo, todo mundo parava para comentar as baixarias entre o escritor americano Ernest Hemingway e sua mulher, a jornalista Martha Gellhorn. A rotina só se encerrou quando Hemingway passou a perna em Martha, fazendo-se contratar em seu lugar por uma revista. Martha, finalmente, tomou vergonha e se separou. Norman Mailer, outro grande da literatura americana, chegou a esfaquear a segunda de suas seis mulheres e, no fim da vida, era quase mais lembrado por gastar dinheiro com pensões do que por sua contribuição às letras do século XX. Escabroso, também, foi o caso do cineasta Woody Allen, que, em 1992, acabou posto para fora de casa por sua mulher, a atriz Mia Farrow, quando ela descobriu que o marido possuía fotos de uma das filhas adotivas do casal, Soon-Yi Prévin, nua. A história resultou num dos divórcios mais ruidosos das últimas décadas. Mentes brilhantes, comportamento infame. Essa é a galeria em que o economista Niall Ferguson entrou. Touro sentado Aos 84 anos, B.B. King, o último pioneiro vivo do blues, se apresenta no Brasil. Já não toca de pé - mas não perdeu nada da perícia à guitarra Sérgio Martins Larry Marano/Corbis/Latinstock TODAS AS PLATEIAS Nos anos 60, os jovens negros rejeitaram o blues como música dos tempos de escravidão e deram as costas para B.B. King, que passou a tocar para brancos: "Para mim, racismo não se combate com violência, mas com trabalho e educação" O guitarrista americano B.B. King tem 84 anos, sofre de diabetes há mais de duas décadas, é hipertenso e odeia • Quadro: Testemunha ocular da história ginástica. Nos últimos anos, o excesso de peso lhe trouxe problemas no joelho, que o obrigam a tocar sentado. Mas a saúde claudicante não lhe tirou o prazer de subir ao palco. Ele "reduziu o ritmo", ainda que faça mais de 100 apresentações por ano. Na segunda quinzena do mês, desembarca no Brasil para shows no Rio, em São Paulo e Brasília. "Há uma atividade física que não abandono, andar de um saguão do aeroporto para outro", diz. São apresentações imperdíveis. Ele criou um estilo próprio, com staccati e vi-bratos delicados, que nos anos 50 foram assimilados por artistas de rock. Sua música atravessou o oceano e influenciou artistas como Keith Richards e Eric Clapton, que na década seguinte invadiram as paradas de sucesso americanas. B.B. King é o último pioneiro vivo do blues. Riley B. King nasceu nos arredores de Indianola, cidade do estado americano de Mississippi, em 16 de setembro de 1925. Quando King completou 4 anos, seus pais se separaram. Ele foi morar com a mãe e a avó e, aos 10 anos, já trabalhava nos campos de algodão. Ganhava 35 centavos de dólar por dia. Nas plantações, ouvia os cantos entoados pelos catadores, que estão na raiz do blues. Uma de suas tias possuía um fonógrafo. Sua maior diversão passou a ser escutar os discos de Blind Lemon Jefferson e Mississippi John Hurt. Ele comprou sua primeira guitarra VEJA TAMBÉM 52 aos 12 anos. "Era acústica porque não havia eletricidade na minha casa", diz. Em 1946, mudou-se para Memphis decidido a se tornar músico e, três anos depois, já era um artista em ascensão. Adotou o nome artístico de B.B. King: o B.B. quer dizer Blues Boy. De todos os gêneros de música negra que floresceram no começo do século XX nos Estados Unidos, o blues foi o mais marcado pela memória da escravidão. O jazz tinha um espírito de liberdade e desafio (traduzido na improvisação), o rhythm’n’blues exaltava a sexualidade e o soul era celebratório. Mas o blues - palavra que em inglês quer dizer "tristeza" - remetia à vida nas senzalas ou à miséria dos negros no período posterior à abolição. Não por acaso, quando o movimento dos direitos civis ganhou força nos Estados Unidos, em meados do século XX, os jovens negros passaram a rejeitar esse tipo de música. "King então se voltou para a América branca. Ele apresentou o blues a esse público", explica Peter Guralnick, historiador e crítico musical. O fato de tocar para brancos lhe rendeu apelidos como "Pai Tomás" (em alusão à figura do negro dócil, eternizado no livro da escritora Harriet Beecher Stowe). "Os insultos me machucaram, mas não me destruíram. Para mim, o racismo não se combate com violência, mas com trabalho e educação", diz ele. O preconceito racial é um tema central da autobiografia de King. Ele o aborda com indignação, mas sem raiva. Lembra-se do bisavô escravo e de ter de caminhar 9 quilômetros, todos os dias, para chegar a uma escola que aceitava negros. Diz que as imagens de um linchamento que presenciou na infância o perseguem até hoje. E fala do período que passou no Exército, aos 18 anos: "Os soldados brancos preferiam sentar-se ao lado dos prisioneiros alemães a ficar conosco. Sentiam-se mais à vontade com pessoas que poucos dias antes estavam matando americanos". King tem quinze filhos com quinze mulheres (mas só se casou duas vezes) e atualmente está solteiro. É dono de uma rede de restaurantes - a B.B. King Blues Club & Grill -, mas a música é seu principal negócio: estima-se que ele tenha vendido mais de 40 milhões de discos ao redor do mundo. Nesta década, lançou álbuns importantes como Riding with the King, parceria com o discípulo Eric Clapton. Seu CD mais recente chama-se One Kind Favor e foi lançado em 2008. "Existe a história do bluesman que vende a alma ao diabo para tocar melhor. Talvez eu tenha topado com ele, mas nunca o reconheci", brinca. "E não é necessário ser triste e pobre para tocar blues. Sou um bluesman. E sou feliz. Entrevista: Aldemir Bendine O lucro não é vergonha Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade Giuliano Guandalini Os bancos públicos, aqueles controlados pelo governo, ainda têm um papel a cumprir no desenvolvimento do país, mas desde que trabalhem em busca contínua da eficiência e da rentabilidade. É sob essa perspectiva que Aldemir Bendine comanda, há dez meses, a maior instituição financeira do país, o Banco do Brasil. "Não precisamos ter vergonha de obter lucros", afirma Bendine. "Os lucros demonstram a eficiência na administração dos negócios." Nascido em 1963 em Paraguaçu Paulista, no interior de São Paulo, começou a trabalhar no banco como office boy aos 14 anos, quando ser funcionário do BB era sinal de status, principalmente nas cidades pequenas. Em 1982, foi admitido por concurso público. Formado em administração de empresas, casado e pai de duas filhas, Bendine – ou "Dida", como os amigos o chamam – chegou à presidência do banco, o topo da carreira na instituição, em abril do ano passado. Foi indicado pelo ministro da Fazenda, com a responsabilidade de reduzir as taxas de juros. Tal incumbência não impediu o BB de registrar, em 2009, o melhor resultado de sua história: lucro de 10,1 bilhões de reais, de acordo com números divulgados na semana passada. Bendine falou a VEJA. "Não me agrada o maniqueísmo entre público e privado. O modelo misto pode atender a uma economia melhor do que os dois extremos O Banco do Brasil alcançou em 2009 o melhor resultado de sua história, com um lucro superior a 10 bilhões de reais e crescimento de 15% em relação a 2008. Como foi possível isso em um ano em que a economia brasileira ficou estagnada? No início do ano passado, quando ainda imperava uma crise de confiança, havia um travamento das linhas de crédito no país. Isso aconteceu por causa do receio de que houvesse um contágio mais profundo da turbulência externa, como em outras crises do passado. Nesse ambiente de incertezas, a reação dos bancos foi restringir a concessão de empréstimos e elevar as 53 taxas de juros. Nossa estratégia, ao contrário, foi apostar na recuperação rápida da economia brasileira. Foi uma receita relativamente simples, mas que se revelou acertada e vencedora. Fizemos isso num momento em que o mercado estava bastante conservador. Mas, de acordo com informações de que dispúnhamos, esse conservadorismo era exagerado. A situação da economia real não justificava essa atitude. Mas havia uma determinação política do governo de reduzir os juros, motivo inclusive que o levou à presidência do banco. O BB foi até mesmo criticado por cobrar juros, em algumas linhas, maiores que os de bancos privados. De fato, o governo julgava que não havia razão para aquela reação exagerada, justificada apenas por uma crise de confiança. Houve, de minha parte e dos diretores que comigo assumiram em abril passado, uma confluência de visão com essa avaliação do governo. Acreditávamos que poderíamos reduzir os juros e tivemos o apoio para fazêlo. Um dos pontos a ser realçados é que fomos beneficiados pelo fato de, em meio a uma crise, o Banco do Brasil ser visto como um porto seguro para os depósitos. Atraímos assim clientes de qualidade. Hoje, a taxa de inadimplência de nossos clientes é inferior à média do mercado bancário nacional. Observada pelo retrovisor, essa "receita simples", como o senhor a classifica, comprovou-se eficaz. Mas não houve o risco de comprometer o patrimônio do banco? Não foi uma aposta irresponsável, desprovida de fundamentos. Apenas fomos mais corajosos. Tínhamos suporte técnico para tomar aquela decisão. Os juros bancários haviam subido bem acima do razoável, e decidimos reduzilos antes de nossos concorrentes. Houve um momento em que o mercado como um todo, inclusive o Banco do Brasil, fez uma leitura equivocada do que estava ocorrendo. Nós saímos na frente na correção dos excessos. Na sequência, os demais bancos fizeram o mesmo. Não existiam razões concretas para aquele travamento nas linhas de crédito. Se essa restrição perdurasse, aí sim haveria um contágio mais profundo da economia brasileira – algo que felizmente não ocorreu. A rentabilidade dos bancos brasileiros não é exagerada, particularmente no caso do BB, um banco público? É preciso desmitificar algumas questões. A rentabilidade dos bancos brasileiros, ao contrário do que se diz, não extrapola o que ocorre em outros países. Em segundo lugar, não é verdade que o setor financeiro seja o mais lucrativo do país. Há outras atividades mais rentáveis. O terceiro ponto é que não existem razões para sentirmos vergonha de ter lucro. Pelo contrário. Os lucros demonstram a eficiência na administração do negócio. Não é preciso ter timidez em evidenciar os resultados positivos dos bancos brasileiros. Trata-se de uma consequência da eficiência alcançada por essas instituições, que estão entre as mais competitivas do mundo. Corrigidos os excessos do momento de quebra de confiança, nos meses mais acerbos da crise, os juros bancários recuaram. Ainda assim, as taxas são elevadíssimas, entre as mais altas do mundo. Por quê? Na composição das taxas de juros, que nada mais são do que o valor a ser cobrado dos clientes para cada tipo de empréstimo, existem dois fatores que estão sob a influência direta do banco. Em primeiro lugar, a inadimplência, ou, visto de outra maneira, o risco de que haja perda do capital emprestado. O segundo componente é a própria eficiência operacional do banco. Agora, existem outros elementos que oneram os juros bancários, mas estão fora do controle das instituições financeiras: a elevada carga de tributos que recai sobre os financiamentos e também os depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos. Sem mexer nessas duas questões, não haverá como reduzir significativamente os juros bancários neste momento. O histórico de má administração e utilização política de bancos públicos já levou o governo a capitalizar essas instituições com dinheiro do Tesouro, bancado pelos contribuintes. Estamos livres desse risco? É preciso ficar bem claro que essa nova emissão de ações não tem nada a ver com a situação em que o banco se encontrava em 1995, por exemplo. Naquele momento houve a necessidade de uma aplicação de dinheiro público, inclusive elevando a participação do governo no bloco acionário, por causa de uma deficiência na contabilidade do banco. O que estamos fazendo agora, com essa nova emissão, não é para tapar buracos do passado. Pelo contrário, a intenção é ter capital para investir e crescer. A participação privada, agora, crescerá. Com relação à ingerência política, tenho certeza de que o banco está hoje muito mais protegido contra qualquer interferência maléfica. No passado, com a doença da inflação e a instabilidade financeira, não havia crédito suficiente para financiar o consumo e as empresas no país. A presença dos bancos estatais era justificada para suprir essa deficiência. Com a conquista da estabilidade, os bancos privados voltaram a financiar o setor produtivo. Qual a utilidade atual dos bancos públicos? Não me agrada uma discussão maniqueísta entre público e privado. O modelo misto pode atender a uma economia muito melhor do que os dois extremos. O BB representa muito bem esse modelo. Não é um banco 100% público. Possui ações negociadas em bolsa. Por isso temos a obrigação de apresentar resultados positivos não somente para o governo, que é nosso acionista majoritário, mas também para os nossos acionistas minoritários. Não tenho dúvida de que esses investidores estão felizes com a atual administração do banco. Mas não podemos nos guiar somente pela lógica de mercado. Se fosse para fazer apenas o que as instituições privadas já fazem, seria melhor privatizar o BB. Penso que ainda temos uma função de indutores do desenvolvimento do país. Executamos determinados papéis que às vezes não são atrativos para os bancos privados, desde que mantidas as premissas de rentabilidade que guiam a ação do banco. Somos responsáveis por 65% do crédito agrícola, por exemplo, e temos uma rentabilidade fantástica com essa carteira de clientes. 54 O crédito tem crescido rapidamente no Brasil, acima de 10% ao ano. O financiamento chegou a pessoas que, até pouco tempo atrás, não dispunham nem mesmo de conta bancária. Podemos sofrer uma crise similar à ocorrida nos Estados Unidos? A curto prazo, de maneira nenhuma. Não existe a menor possibilidade de termos uma bolha semelhante à americana. Os brasileiros, em sua maioria, ainda estão comprando o seu primeiro carro, a sua primeira casa. Há muito espaço para que o crédito continue crescendo no país. Ao contrário do que ocorreu no mercado americano, no qual as pessoas estavam comprando a sua terceira casa, o seu quinto automóvel. Além disso, o sistema financeiro do Brasil é bem mais conservador, não se norteia por apostas que não sejam lastreadas na economia real. Temos também uma regulação financeira mais rígida, que se mostrou exemplar e coíbe apostas meramente especulativas. Quais deverão ser os campos mais promissores nos próximos anos do ponto de vista da ampliação do crédito no país? Podemos esperar duas grandes expansões nos próximos anos. A primeira delas é a de investimentos em infraestrutura. Os financiamentos nessa área deverão avançar rapidamente, estimulados pelas obras necessárias à realização da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio. Haverá também a necessidade de levantar capital para a exploração do petróleo na camada do pré-sal. O segundo evento extraordinário que presenciaremos ocorrerá no setor imobiliário. Com o amadurecimento da economia, os financiamentos residenciais ganharão força. Além disso, estima-se que o país tenha um déficit de 8 milhões de moradias. A massa salarial dos trabalhadores vem crescendo, então as pessoas se sentem mais confiantes para financiar a casa própria. No capitalismo pós-crise, o sistema financeiro mundial parece caminhar para uma concentração. Como isso afeta o Brasil? O sistema bancário passa, de fato, por um processo de concentração. Ao contrário do que se possa pensar, isso é salutar. Como em outras atividades, ter escala é fundamental. Sem isso, não há como reduzir custos, oferecer preços mais atraentes e ser mais eficiente. Essa concentração tem sido observada no Brasil. Existem hoje no país dois grandes bancos públicos (BB e Caixa Econômica Federal), dois grandes privados de capital nacional (Itaú Unibanco e Bradesco) e dois grandes privados de capital estrangeiro (Santander e HSBC). Considero esse um bom modelo, com concorrência bastante acirrada. Nesse cenário, é natural que os bancos brasileiros ampliem sua participação no mercado internacional. No BB, temos uma meta de ampliar expressivamente nossas atividades lá fora. O primeiro passo será atender os milhares de brasileiros que vivem no exterior. Outro ponto importante é a internacionalização das empresas brasileiras. Existem hoje 200 grupos nacionais com presença significativa no comércio externo que necessitam de um suporte dos bancos brasileiros. É possível imaginar a fusão do Banco do Brasil com algum outro banco privado nacional, para assim criar uma potência financeira global? Não imagino, ao menos a curto prazo, uma fusão pura e simples. Fala-se de uma possível união com o Bradesco... Em determinados negócios, por que não? Já somos sócios em alguns empreendimentos. Temos uma cultura de administração muito parecida. Eu, particularmente, guardo uma grande admiração pelo seu Lázaro Brandão (presidente do conselho do Bradesco). Procuro me espelhar na fórmula de administração dele, baseada na simplicidade, na serenidade, no pragmatismo e em muito trabalho. Lya Luft Alegres e ignorantes "Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares" Há fases em que, inquieta, eu talvez aponte mais o lado preocupante da vida. Mas jamais esqueço a importância do bom humor, que na verdade me caracteriza no cotidiano, mais do que a melancolia. Meu amado amigo Erico Verissimo certa vez me disse: "Há momentos em que o humor é até mais importante do que o amor". Eu era muito jovem, na hora não entendi direito, mas a vida me ensinou: nem o amor resiste à eterna insatisfação, à tromba assumida, às reclamações constantes, à insatisfação sem tréguas. Bom humor zero. Desperdício de vida: acredito que, junto com dinheiro, sexo e amor, é a alegria que move o mundo para o lado positivo. Ódio, indignação fácil, rancores e inveja – e nossa natureza predadora – promovem mediocridade e atos cruéis. 55 Quando, seja na vida pessoal, seja como cidadãos ou habitantes deste planeta, a descrença e o desalento rosnam como animais no escuro no meio do mato, uma faísca de bom humor clareia a paisagem. Mas há coisas que nem todo o bom humor do mundo resolveria num riso forçado. Como senti ao ler, numa dessas pesquisas entre esclarecedoras e assustadoras (quando vêm de fonte confiável), que mais de 30% da nossa chamada elite é de uma desinformação avassaladora. Aqui o termo "elite" não tem a ver com aristocracia, roupa de grife, apartamento em Paris ou décima recostura do rosto, mas com a gente pensante. A que usa a cabeça para algo além de separar orelhas. Pois, segundo a pesquisa, entre nós a imensa maioria dos ditos pensantes não consegue dizer o nome de um só ministro desta nossa República. Senadores, nem falar. A turma que completa o 2º grau, que faz faculdade, que tem salário razoável, conta no banco, deveria ser a informada. Essa que não precisa comprar carro em noventa meses e deixar de pagar depois de quatro. A elite que consegue viajar conhece até algo do mundo, e poderia ter uma pequena biblioteca em casa. Em geral, não tem. Com sorte, lê jornal, assiste a boas entrevistas e noticiosos daqui e de fora, enfim, é gente do seu tempo. Para isso não se precisa de muita grana, acreditem. Mesmo assim, essa elite é pouco interessada numa realidade que afinal é dela. Resolvi testar a mim mesma: nomes de ministros atuais desta nossa República. Cheguei a meia dúzia. São quase quarenta. Então começo a bater no peito, em público, aliás. Num país onde mais da metade dos habitantes são analfabetos, pois os que assinam o nome não conseguem ler o que estão assinando, ou vivem como analfabetos, pois não leem nem o jornal largado na praça, os que sabem ler deveriam ser duplamente ativos, informados e participantes. Não somos. Nossos meninos raramente sabem o título de seus livros escolares ou o nome dos professores (sabem o dos jogadores de futebol, dos cantores de bandas, das atrizezinhas semieróticas). Agimos como se nada fora do nosso pequeno círculo pessoal nos atingisse. Além das desgraças longe e perto, vindas da natureza ou do homem, estamos num ano eleitoral. Inaugurado o circo de manobras, mentiras e traições escrachadas ou subliminares que conhecemos. Precisamos de claridade nas ideias, coragem nos desafios, informação e vontade, e do alimento dos afetos bons. Num livro interessante (não importa o assunto) alguém verbaliza velhas coisas que a gente só adivinhava; um filme pode nos lembrar a generosidade humana; uma conversa pode nos tirar escamas dos olhos. Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares. Mas, se somos desinformados, somos vulneráveis; se continuarmos alienados, bancaremos os tolos; sendo fúteis, cavamos a própria cova; alegremente ignorantes, podemos estar assinando nossa sentença de atraso, vestindo a mordaça, assumindo a camisa de força que, informados, não aceitaríamos. Alegria, espírito aberto, curiosidade, coisas boas desta vida, todos as merecemos. Mas me poupem do risinho tolo da burrice ou da desinformação: o vazio por trás dele não promete nada de bom Roberto Pompeu O ano eleitoral - uma prévia "Nas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma campanha pobre de uma rica será acompanhar o movimento dos olhos do candidato" Braços ao alto, mãos enlaçadas, eles e elas encenam uma coreografia de unidade que, não fossem a proeminente barriga de um, a careca de outro e uma geral dificuldade nos quesitos presteza e agilidade, poderia ser tomada como um ensaio a seco de balé aquático. Assistiremos a muitas cenas dessas. Elas constituem o momento de apoteose das convenções partidárias. O ritual é copiado das convenções americanas, mas com uma importante diferença. Nos Estados Unidos, só duas pessoas, os escolhidos para presidente e vice, compõem a cena. No sistema macropartidário e hipercoligativo vigente no Brasil, é uma multidão que se apresenta no palco – o candidato titular, o vice, seus padrinhos, os chefes partidários, os candidatos a outros cargos, os infiltrados. Em um ou outro dos protagonistas, o desempenho será enriquecido pela exibição de manchas de suor nas axilas, na hora de levantar os braços. Releve-se. É o preço que se paga pelo calor, real e simbólico, reinante no ambiente. Indiferentes aos percalços, eles e elas se exibem à plateia amiga com a mesma certeza do aplauso com que terminam seu ato as bailarinas de cancã. Na verdade, já tivemos uma primeira encenação desse número na convenção do PT que recentemente sagrou sua candidata, ou melhor, "pré-candidata". Mas, para mostrar que a futurologia do colunista está afiada, sigamos em frente com atos, cenas e rituais que, mesmo com a campanha oficial ainda não iniciada, já marcam presença em sua bola de cristal. Para continuar no capítulo do gestual, quando os candidatos falarem na TV será constante o recurso ao "martelinho". O martelinho é aquele gesto de, punho cerrado, golpear o ar, para reforçar o discurso. A intenção é transmitir firmeza e determinação. Nessas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma campanha pobre de uma rica, quando falharem os outros, será acompanhar o movimento dos olhos do candidato. Candidato de campanha pobre move os olhos, e o detalhe denuncia que está lendo. No candidato de 56 partido rico, os olhos permanecem tão fixos que até parece que fala de improviso. É a qualidade do teleprompter que se impõe. Depois virão os filmes – ah, os filmes! Eles sugerem o beatífico mundo que nos aguarda caso aquele partido, ou aquele candidato, saia vitorioso. Campos floridos, extasiantes horizontes, gente sorridente. A música de fundo é idílica, e pode terminar triunfante como a estocada final de uma ária de Puccini. Pessoas são entrevistadas na rua, e não poupam louvações ao candidato. Como esse candidato é querido! É só sair à rua, uma câmera na mão e um microfone na outra, e chovem os testemunhos de suas boas qualidades. Os filmes também exibirão crianças correndo alegres e soltas, jovens casais enlaçando-se sorridentes, mulheres grávidas contemplando confiantes a própria barriga. Se o leitor não sabe, fique sabendo que tanto as crianças como os jovens casais e as mulheres grávidas representam o futuro. No caso, o futuro de paz e felicidade que nos garantirá a eleição daquele candidato. O quê? Que diz o leitor amigo? Ah, sim, até agora só abordamos o lado cosmético da campanha eleitoral. Falta falar no conteúdo. Vejamos o que diz a respeito a bola de cristal. Os programas oficiais de governo será bom esquecer. Conterão só palavrório para cumprir uma formalidade. Entrevistas na TV com jornalistas independentes não haverá, e debate de verdade só no segundo turno, entre dois candidatos. Antes disso, tanto as entrevistas como os debates serão inviabilizados pela impossível exigência de igualdade entre todos os candidatos prevista em lei. Pronto. Estará composto o cenário para que, quanto ao conteúdo, a campanha transcorra rigorosamente dentro dos cânones de uma moderna campanha política, qual seja: sem conteúdo. Todo o esforço será antes para esconder o candidato do que para exibi-lo. A ideia será fantasiá-lo de modo a deixar exposto o mínimo possível de sua própria pele e osso. Se ocorrer um momento em que ele seja atalhado com uma pergunta direta sobre assunto polêmico, o bom candidato estará treinado para contornar o assunto. Não sejamos tão rigorosos. Descontemos que sempre será possível intuir como será o governo de alguém por seu perfil, sua biografia e suas ações. Mas, quem pretender uma resposta específica e direta sobre algum assunto controverso, desista. A própria bola de cristal do colunista confessa sua impotência, nesses casos. Cada um que consulte a sua 57