QUA|24|FEV|2010

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Veja 03 de março de 2010
Sumário
O terrível show da tarde ............................................................................................................................................. 3
Orca mata treinadora, e volta à tona a pergunta que só humanos podem fazer (e responder): é
certo exibir animais selvagens?............................................................................................................................... 3
Datas ................................................................................................................................................................................... 4
Holofote ............................................................................................................................................................................. 5
Sobe Desce ........................................................................................................................................................................ 6
"Eu faturo 12 000 reais por semana" .................................................................................................................... 7
Há vinte anos, Luis Claudio Barros decidiu reforçar o orçamento vendendo nas praias do Rio de
Janeiro uma espécie de sorvete caseiro embalado em um saquinho plástico, sem palito, batizado
de sucolé. Foi um sucesso. Hoje, Claudinho do Sucolé, como é chamado, tem 16 empregados e
fatura alto........................................................................................................................................................................ 7
Números ............................................................................................................................................................................ 7
Radar .................................................................................................................................................................................. 8
Veja Essa ......................................................................................................................................................................... 10
Gente................................................................................................................................................................................. 12
Agora, sem edredom ................................................................................................................................................. 12
A mágica nos ombros ............................................................................................................................................... 13
O maior lobista do país.............................................................................................................................................. 14
José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma bilionária operação
que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e, claro, fazer a fortuna de alguns bons
companheiros.............................................................................................................................................................. 14
É PRECISO ARRANCAR A RAIZ ............................................................................................................................ 16
Drástica, mas legal, intervenção parece ser o único remédio contra a praga da corrupção na capital
......................................................................................................................................................................................... 17
A cassação que foi sem nunca ter sido ................................................................................................................ 17
1
Ao ordenar o cancelamento do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, um juiz de
primeira instância contraria o TSE e põe em risco a segurança jurídica ................................................... 17
" MEU CARO PRESIDENTE..." ............................................................................................................................... 18
Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta
semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o
regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais .......... 19
Sorte madrasta ............................................................................................................................................................. 22
Trinta e oito gaúchos acertaram na Mega-Sena, mas não ganharam nada. A lotérica não registrou a
aposta ............................................................................................................................................................................ 23
É melhor prevenir ....................................................................................................................................................... 23
O compulsório dos bancos subiu. Isso fortalece o BC - mas também indica medo de inflação ......... 23
O alvo? Cadê o alvo? ................................................................................................................................................... 24
Um ano depois da posse, Obama continua obcecado em reformar o sistema de saúde, mas os
estudiosos estão mostrando que o que parece problema talvez seja a solução ..................................... 25
Bate e arrebenta ........................................................................................................................................................... 26
Gordon Brown já tinha cara e fama de mau. Agora aparecem os depoimentos de assessores e
funcionários sobre xingamentos e até agressões ............................................................................................ 26
De olhos bem fechados .............................................................................................................................................. 27
Dissidente tem o mau gosto de morrer bem no dia em que Lula chegou a Cuba. Mas, se tivesse
avisado antes, o presidente "teria pedido para ele parar a greve de fome" .............................................. 27
A ciência a favor da beleza ....................................................................................................................................... 29
Como a descoberta do sistema de hidratação profunda da pele, feita por um prêmio Nobel, abriu
caminho para uma revolução nos cosméticos .................................................................................................. 29
Bonjour, Quebec .......................................................................................................................................................... 35
Com escassez de mão de obra e baixa taxa de natalidade, a província canadense lança um
programa para atrair ainda mais imigrantes brasileiros.................................................................................. 35
Sexo tem cura?.............................................................................................................................................................. 36
É possível. Sendo sexo, nesse caso, não aquele que traz prazer físico e satisfação emocional, mas
o que foge ao controle e provoca atitudes autodestrutivas ........................................................................... 36
O óleo da massa ............................................................................................................................................................ 37
O azeite conquista os emergentes – mas não apenas para alimentação ................................................... 37
A lição do Mérito .......................................................................................................................................................... 38
As primeiras experiências brasileiras de premiar os melhores professores em sala de aula
começam a dar resultado — e sinalizam um bom caminho para tirar nossos alunos das últimas
colocações nos rankings mundiais....................................................................................................................... 38
Eles fazem diferença .................................................................................................................................................. 40
Com criatividade, disposição para o trabalho e experiência no atendimento às doenças típicas das
regiões pobres, os brasileiros ganham destaque na organização Médicos Sem Fronteiras e viram
referência nas missões espalhadas pelo mundo .............................................................................................. 40
O teste das fraldas ....................................................................................................................................................... 43
2
Ao completar 2 anos e meio, uma criança terá usado até 5 000 fraldas descartáveis. No bolso dos
papais, isso significa um gasto entre 1 450 e 4 400 reais. Apesar de os ambientalistas torcerem o
nariz para elas - porque levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza -, essas fraldas
são o que há de mais prático e confortável para os bebês. ........................................................................... 43
Os preferidos dos papais .......................................................................................................................................... 45
La mutación de Jade................................................................................................................................................... 47
A Globo ressuscita a mocinha muçulmana de O Clone num remake da trama de Glória Perez
voltado ao público latino .......................................................................................................................................... 47
Ela se diverte ................................................................................................................................................................. 48
Desde que estreou no cinema, há três décadas, Meryl Streep é um paradigma de excelência. Mas
hoje ela não é só admirada, como antes. Aprendeu a ser leve e calorosa e fez o que ninguém
imaginava ser possível para uma atriz de 60 anos em Hollywood: virou campeã de bilheteria........... 49
A razão e as paixões .................................................................................................................................................... 51
O historiador Niall Ferguson é mais um na larga lista dos sábios que agem como tolos na vida
privada ........................................................................................................................................................................... 51
Touro sentado ............................................................................................................................................................... 52
Aos 84 anos, B.B. King, o último pioneiro vivo do blues, se apresenta no Brasil. Já não toca de pé mas não perdeu nada da perícia à guitarra ......................................................................................................... 52
O lucro não é vergonha ............................................................................................................................................. 53
Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir mais
para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade ......................................................................... 53
Alegres e ignorantes ................................................................................................................................................... 55
"Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda
que sem ações espetaculares" ............................................................................................................................... 55
O ano eleitoral - uma prévia .................................................................................................................................... 56
"Nas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma
campanha pobre de uma rica será acompanhar o movimento dos olhos do candidato" ...................... 56
O terrível show da tarde
Orca mata treinadora, e volta à tona a pergunta que só humanos
podem fazer (e responder): é certo exibir animais selvagens?
Vilma Gryzinski
• As baleias assassinas não são
baleias nem assassinas, embora
tenha ficado mais difícil defender a
reputação dos magníficos animais
depois da morte da treinadora Dawn
Brancheau, durante uma
apresentação no mais famoso
parque marinho dos Estados Unidos
(na foto acima, ela aparece com
outra orca, muito antes do ataque
fatídico). Tilikum, um macho
dominante de 30 anos e quase 6
toneladas, pulou no ar e agarrou a
3
treinadora pelo cabelo quando ela ia passar a mão em sua cabeça, durante o show da tarde.
Sacudiu-a como as orcas fazem com seu prato predileto – focas –, diante dos olhos horrorizados do público, e não
queria largá-la de jeito nenhum. Responsáveis pelo parque tentaram insinuar que a treinadora havia escorregado e
caído na água, o que explicaria uma reação agressiva da orca. Todas as testemunhas discordaram. É claro que o
caso suscitou uma discussão que pega fundo: é certo manter animais selvagens em cativeiro, para entretenimento
dos humanos? Num futuro não muito distante, é provável que sejamos vistos como romanos no Coliseu pelas
barbaridades infligidas aos nossos primos genéticos por pura diversão. Mas não é razoável dizer "benfeito", como
fizeram certos defensores dos direitos dos animais diante da morte de Dawn. Tilikum, que tem outros dois casos na
ficha (um treinador no Canadá e um desavisado que entrou no tanque dele, na Flórida), não será sacrificado nem
solto no mar, como aconteceu com Keiko, o protagonista de Free Willy, que não se adaptou à liberdade e morreu de
pneumonia. Relembrando: as orcas são as parentes maiores dos golfinhos e desde a Antiguidade levam o epíteto
de assassinas por matarem baleias de verdade. Nada que combine com bichinhos de pelúcia.
Datas
Morreu
José Carlos de Almeida Azevedo, aos 78 anos, de infecção pulmonar, em Brasília, na terça 23 de fevereiro.
Azevedo foi reitor da UnB, a Universidade de Brasília, entre 1976 e 1985, período que precedeu a
redemocratização. O regime militar deflagrara seu processo de abertura política, aceitando greves nas fábricas e
manifestações estudantis, que eram reprimidas com uso moderado de força. Azevedo foi o símbolo desse período.
Era chamado pelos estudantes de "reitor de Mar e Guerra, capitão da UnB", em razão de sua carreira militar na
Marinha. Formado em engenharia, arquitetura naval e nuclear, era Ph.D. em física pelo Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT). Foi um dos mais rigorosos pensadores brasileiros. Ultimamente vinha apontando, em artigos
irretocáveis, o caráter religioso e pouco científico das teorias explicativas do aquecimento global.
SEG|22|FEV|2010
Descobertas
ruínas de uma muralha que pode ter pertencido ao templo do rei Salomão, em Jerusalém. A construção tem 70
metros de comprimento por 6 de altura e data do século X antes de Cristo. A descoberta da última semana causou
espanto, pois muitos estudiosos acreditam que Salomão jamais existiu - seu reinado pertenceria ao terreno dos
mitos. Novas escavações serão feitas para tentar confirmar o achado.
TER|23|FEV|2010
Adam Dean
O vale da morte
Fotos do Afeganistão feitas para VEJA concorrem a prêmio
internacional
Classificado
como finalista do prêmio Sony World Photography Awards 2010 o fotógrafo inglês Adam Dean. Ele foi selecionado
na categoria Atualidades pela reportagem "O vale da morte", realizada para VEJA em 2009, no Afeganistão. Dean
acompanhou tropas americanas que lutam contra o Talibã no Vale do Korengal, onde vêm sendo travadas algumas
das batalhas mais violentas da guerra.
Chris Pizzello/AP
4
Anunciado
que se internou em uma clínica de reabilitação o ator americano Charlie Sheen, da série
Two and a Half Men. O astro-problema é viciado em álcool e cocaína e já se internou
outras vezes, sem resultado. E ele está piorando: Sheen chegou a ser preso, acusado de
agressão a sua mulher, durante uma briga com facas no último Natal. Caso tenha nova
recaída, ele pode voltar para trás das grades.
QUA|24|FEV|2010
Concedido
ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o direito de contar
o tempo que ele passou no exílio para efeitos de aposentadoria. Charlie Sheen
O astro de Two and a Half
Agora, ele poderá pendurar os coletes dez anos antes do
Men foi parar na rehab
previsto. Minc foi guerrilheiro durante a ditadura, até ser preso,
em 1969. Em 1970, foi libertado em troca da vida do embaixador da Alemanha Ocidental,
que havia sido sequestrado. Viveu no exterior, em Portugal e na França, entre 1970 e
1979. Esse é o tempo que será usado para, agora, adiantar sua aposentadoria. Pois é.
QUi|25|FEV|2010
Camisa reciclada
Alexandre Pato mostra o novo uniforme da seleção
Apresentada
a nova camisa da seleção brasileira, que será usada na Copa da África do Sul. O tecido é feito
a partir de garrafas pet recicladas. Oito delas são necessárias para produzir uma camisa. O
modelo não tem costura, apenas cola, e pesa apenas 160 gramas - 15% menos que o anterior.
O segredo vinha sendo guardado a sete chaves pela Nike, fabricante da camisa. Mas o maior
mistério envolvendo a seleção continua: Ronaldinho Gaúcho vai para a Copa, Dunga?
Holofote
Felipe Patury
Perdeu no ar e na terra
A Justiça Trabalhista arrestou duas fazendas do empresário Wagner Canhedo. Elas poderão ser
vendidas para pagar parte do 1,5 bilhão de reais em direitos trabalhistas aos funcionários da antiga
Vasp, que parou de voar há cinco anos. Situadas em Goiás, as terras pertencem à Agropecuária
Vale do Araguaia e foram listadas como garantia em um acordo firmado por Canhedo com seus
ex-empregados. A maior está avaliada em 500 milhões de reais. A menor, em 100 milhões de
reais. Se a sentença for confirmada, será a primeira vez que bens são excluídos de um processo
de falência para cobrir dívidas trabalhistas. Os advogados do empresário temem, agora, que
outros ativos dele sejam usados para quitar a falência, como suas empresas de ônibus em Brasília.
O seriado mais quente da televisão
Seis ministros relutam em gravar o seriado 7 Anos em 7 Minutos. Na semana passada, eles foram
cobrados a filmar logo sua participação. Para quem não sabe – e ninguém sabe –, trata-se de uma
série de depoimentos na qual os 36 ministros enumeram as virtudes do governo em sua área por
sete minutos. No total, a ladainha terá mais de quatro horas. Encomendados pela Secretaria de
Comunicação da Presidência da República, os programas estão sendo exibidos pela TV Brasil, de
Tereza Cruvinel. A audiência, provavelmente, será maior do que a do filme Lula, o Filho do Brasil.
Parece que o Brasil não se interessa
No fim do ano passado, representantes da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos informaram
que seu governo gostaria de apoiar um brasileiro à sucessão do colombiano Luis Alberto Moreno
na presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Seria necessário, apenas, que
o país apresentasse algum nome com perfil adequado para a função. Como até o momento o
Brasil não indicou ninguém, os mesmos funcionários da Secretaria do Tesouro afirmam que seu
país está inclinado a apoiar a manutenção de Moreno no cargo.
A TV de Sobral
Regis Filho
ABR
R. Marques/Folha
Imagem
Marcos Arcoverde/AE
5
Amigos do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) atribuem os ataques feitos pelo parlamentar ao
PMDB a uma tentativa desse partido de lhe roubar seu curral eleitoral: a cidade de Sobral. O
ministro das Comunicações, Hélio Costa, concedeu uma TV à Fundação José Possidônio Peixoto.
Costa é do PMDB e a fundação é ligada a um deputado do partido. Ciro tenta desfazer o negócio
na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Olacyr de Moraes vende a Constran
Gustavo Scatena
O nome de Olacyr de Moraes é lendário no mundo empresarial
brasileiro. Fez fortuna como empreiteiro, usou o dinheiro para
fundar um banco e se tornar o maior produtor de soja do mundo nos
anos 80. Seu império desmoronou na década seguinte, quando ele
ousou construir uma ferrovia para ligar a zona da soja ao Porto de
Santos. Nos próximos dias, ele se desfará da construtora Constran,
sobre a qual erigiu seu império. Ela deve ser adquirida por 100
milhões de reais pela UTC, uma empreiteira que foi fundada pela
OAS e adquirida há cinco anos por alguns de seus ex-funcionários.
Atuando na área de gás e energia, já se aproxima do faturamento
de sua antiga matriz e, agora, passa a concorrer no mundo de obras
de infraestrutura.
Sobe Desce
6
Índice • Seções • Panorama • Brasil • Economia • Internacional • Geral • Guia • Artes e Espetáculos • ver capa
Conversa com Claudinho do Sucolé
"Eu faturo 12 000 reais por semana"
Há vinte anos, Luis Claudio Barros decidiu reforçar o orçamento vendendo nas
praias do Rio de Janeiro uma espécie de sorvete caseiro embalado em um
saquinho plástico, sem palito, batizado de sucolé. Foi um sucesso. Hoje,
Claudinho do Sucolé, como é chamado, tem 16 empregados e fatura alto
André Eler
Eduardo Martino/Documentography
Quem inventou o sucolé?
A receita é conhecida no subúrbio, mas todo mundo chama de
sacolé: polpa de fruta batida com água. Eu troquei a água por
leite e não uso polpa, só fruta natural. Para diferenciar, lancei
este nome: sucolé. Pegou.
E vende bem?
Vende tanto que tive de contratar um monte de gente para me
ajudar. Tenho seis pessoas na fábrica, em Duque de Caxias, na
Baixada, e dez vendedores que passam o dia na praia.
Quanto fatura sua equipe?
Este verão está sendo maravilhoso, porque está muito calor.
Estou fazendo, bruto, 12 000 reais por fim de semana.
Qual sua estratégia de vendas?
Quando trabalhava sozinho, cantava e fazia versos para cativar
os clientes, coisas do tipo: "Chupa, chupa, chupa! Chupa, meu
amor! Chupa, chupa, chupa. O sucolé é um terror". Tem que
vender alegre, né?
Claudinho: sucesso
Você tem clientes famosos?
que veio da Baixada
Vários artistas compram sucolé: Luana Piovani, Jonas Bloch,
Preta Gil... Já fui convidado até para o aniversário do Marco Nanini. Ah, e tem também aquela
menina, filha do Fábio Jr., como é que ela chama? Cleo Pires! Ela também chupa
Números
Jamie O'Rourke/Reuters
7
Radar
Lauro Jardim
[email protected]
Brasil
É perversa a natureza humana
Preso e sem perspectiva de volta ao poder no DF, José Roberto Arruda virou saco de pancada. O Ministério Público
agora recebeu "denúncia" de que ele estaria acumulando recursos repassados pelo caixa dois de empresas para
"comprar" sua candidatura à Vice-Presidência.
Ninguém tem a menor ideia
Façam suas apostas: quem estará no posto de governador do Distrito Federal na festa do cinquentenário da capital,
em 21 de abril?
Jogatina liberada
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, pretende votar ainda em março a liberação dos bingos,
apoiada pelo governo. Vaccarezza já comunicou a decisão aos líderes da base aliada.
Eleições 2010
Ailton de Freitas/Ag. O Globo
Homem certo, no lugar certo
Antonio Palocci é o meio-campo escalado pelos petistas para acalmar
os empresários temerosos de eventuais radicalismos de Dilma
Rousseff. E já entrou no gramado.
Hábil
Palocci: tranquilizando
os ansiosos
Ordens do chefe
Lula já mandou avisar ao PT paulista ("mandou avisar" é um eufemismo que equivale a uma ordem): se Ciro Gomes
não topar mesmo, o candidato ao governo de São Paulo vai ser Aloizio Mercadante. Se Mercadante também pular
fora, o escolhido será Fernando Haddad. E fim de papo.
Cuidando do quintal
O próximo programa de televisão do PMDB, que vai ao ar em abril, deve ser dedicado aos governadores do partido.
Apesar da aliança pró-Dilma, a prioridade da legenda é eleger
o maior número possível de governadores. A tendência é que as loas ao governo federal surjam a partir das falas
dos candidatos.
Federação partidária
O PMDB deverá ter até quinze candidatos a governador. Hoje dez nomes já estão assegurados nas disputas e
outros cinco estão em negociação avançada.
Dos fundos para a política
Guilherme Lacerda, desde 2003 presidente do terceiro maior fundo de pensão do Brasil, a Funcef, prepara sua
candidatura a deputado federal pelo PT.
Economia
Procura-se banqueiro
O Morgan Stanley está em busca de um novo presidente para a sua subsidiária brasileira.
Tempo de engorda
Aliás, os bancos americanos voltaram a pensar em aumentar sua estrutura no Brasil. A Goldman Sachs e a Merrill
Lynch puxam a fila.
Não estou nem aí
Em palestra na semana passada no Instituto Brasileiro de Petróleo, o presidente da Petrobras Distribuidora, José de
Andrade Neto, surpreendeu a turma do setor. Perguntado sobre a campanha de combate à clandestinidade
8
patrocinada pelas companhias de GLP (o gás de cozinha), desdenhou: "A campanha não é do interesse dos
consumidores, mas das empresas". Lima Neto também é o presidente do conselho de administração da Liquigás,
uma das líderes do GLP. Recentemente, o setor lançou uma campanha na qual recolheu 250 000 botijões do
mercado informal.
Show business
Os shows da Globo
As Organizações Globo vão criar uma megaempresa de eventos. Um dos focos será a contratação de grandes
shows de artistas internacionais. Nos planos está inclusive comprar (ou se associar a) duas casas de espetáculos,
uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo.
Futebol
Nelson Antoine/AP
O custo Robinho
Robinho será o novo garoto-propaganda da Volkswagen até pelo
menos a Copa do Mundo. O contrato foi fechado na quarta-feira pelo
Santos, que detém os direitos de imagem do atacante. São contratos
como esse (o clube pretende fechar outros) que tornarão menos
doloroso para o Santos o pagamento do
1 milhão de reais que Robinho recebe a cada trinta dias.
Dinheiro suado
Robinho: contrato com a VW
para ajudar a pagar o seu salário
Na TV, Ciro sugere: "Skaf, guardem este nome"
Fotos Eduardo Knapp/Folha Imagem e Dida Sampaio/AE
Confusão
Ciro (à dir.) admitiu ser candidato ao governo paulista; mas na
TV lança Skaf (à esq.)
Foi gravado na manhã de quinta-feira um comercial político do PSB destinado a fazer barulho
nesta pré-campanha. Será apresentado em São Paulo na terça-feira. Nele, Ciro Gomes diz
coisas como: "Paulo Skaf, guardem este nome". Ou seja, um dia depois de reunir-se com
petistas paulistas e admitir pela primeira vez que poderia ser candidato ao governo de São
Paulo, como quer Lula, Ciro estrelou um comercial do PSB ao lado do presidente da Fiesp,
Paulo Skaf, praticamente lançando-o para o mesmo posto. Numa das tomadas que gravou,
9
Ciro aponta para Skaf e afiança: "Só com gente assim combateremos a corrupção na política".
Skaf agradece o apoio com um "obrigado, Ciro". Pelo visto, Ciro gosta de fazer política ao
estilo Chacrinha – prefere confundir a explicar
Veja Essa
Editado por Julio Cesar de Barros [email protected]
Leonardo Carvalho/Folha Imagem
"Sou um fofinho. Posso não agradar
a todos, mas sou casado e fiel há 31 anos."
Wilson Lima, presidente da Câmara Legislativa, que assumiu
o governo do Distrito Federal
"É tão vergonhoso, é tão escandaloso, e eu fico numa indignação,
eu fico numa vergonha."
Joaquim Roriz, ex-governador, que renunciou ao mandato de senador para não
ser cassado por corrupção, bancando o indignado com o mensalão do Distrito Federal
"Roriz é um tremendo cara de pau."
Roberto Jefferson, presidente do PTB, comentando a fala de Roriz
"Ministro, anote aí: eu não concordo. Se isso for feito,
eu denuncio imediatamente."
Roberto Requião, governador do Paraná, atribuindo ao ministro do Planejamento,
Paulo Bernardo, a intenção de superfaturar a obra de um ramal ferroviário em 400 milhões de reais
"Eu sou muito melhor do que qualquer outro candidato."
Ciro Gomes, o modesto, referindo-se à eventualidade de se candidatar à Presidência da República
"O presidente Lula é o líder indiscutível de nossa região,
ele dá equilíbrio e força à América Latina."
Felipe Calderón, presidente do México, na reunião de países da América Latina em Cancún
"Seja homem. Estes temas se discutem nestes
fóruns. Você é corajoso para falar
a distância e covarde para falar de frente."
Ilustração Dálcio
Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, desafiando
Hugo Chávez, da Venezuela, a repetir, na reunião
de países da América Latina em Cancún, a acusação
de que teria mandado matá-lo
10
"Ao sabermos de sua visita, nós nos dirigimos ao senhor para pedir
que, nas conversações que manterá com os líderes do governo cubano,
se lembre da nossa situação e defenda a nossa libertação."
Carta de presos políticos cubanos, que acreditavam no mesmo que Calderón, ao presidente Lula,
em visita ao país dos Castro
"Isso se deve à confrontação que temos com os EUA.
Temos perdido milhares de cubanos."
Explicação do ditador cubano Raúl Castro para a morte por greve de fome
de um dos prisioneiros políticos que pediram ajuda a Lula
"Nós temos de lamentar por alguém que morreu.
E morreu porque decidiu fazer uma greve de fome."
Do presidente Lula, mostrando insensibilidade diante da morte que não tentou evitar
"Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro."
Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, banalizando a morte do preso cubano
Cristiano Mariz
"Vocês veem muitos filmes de James Bond."
Avigdor Liberman, ministro de Assuntos Exteriores de Israel,
evitando comentar a suposta participação do Mossad no
assassinato de um dirigente do Hamas em Dubai
"(O golpe de 64) foi um mal necessário, tendo em conta o que se avizinhava."
Marco Aurélio Mello, ministro do STF, no programa É Notícia, da RedeTV!
"Eu diria que o crime no Brasil é pior. Acho que é o único país
onde um helicóptero foi derrubado por criminosos."
11
Bheki Cele, comissário de polícia da África do Sul, para quem o crime
em seu país não será problema durante a Copa
"Não se é campeão na base da chibatada, mas no carinho e no respeito."
Joel Santana, explicando como levou o Botafogo de time desacreditado a vencedor da Taça Guanabara
Daniel Klajmic/Gloss
"Sou um clichê nipônico. Se apareço fazendo
uma salada na TV, vai ter kani no meio. Se vou
jantar fora, é para comer sushi. E, sempre
que tenho uma cena de amor, me vestem
com um quimono."
Daniele Suzuki, a médica Ellen da novela Viver a Vida,
falando à revista Gloss de março
Gente
Editado por Lizia Bydlowski
Agora, sem edredom
J. R. Duran/Playboy
12
• O que nem o namorado big brother Michel Turtchin teve tempo de ver (ah, tá bom, ela é quem diz), o país vai
poder conferir na edição de março da PLAYBOY: a curitibana TESSÁLIA SERIGHELLI, 22 anos, sem edredom
algum, ocupada com sorvetes, pirulitos e outras alusões ao que aconteceu-não aconteceu sob as cobertas na casa
famosa. "As fotos brincam com uma coisa que não houve. Mas, se o povo gosta de fantasiar, que fantasie", provoca
Tessália, cujo nome vem de uma região da Grécia "porque meu pai gosta de história". Enquanto aguarda propostas,
a publicitária e tuiteira famosa planeja investir os honorários pós-BBB em uma empresa. Só não sabe ainda do quê.
Edredons?
Lindas de morrer
Earl/Clements/Splash News
• Nunca na história da moda se viu enterro tão elegante quanto o de
Alexander McQueen, 40 anos, o genial estilista inglês que se suicidou
há duas semanas – e olhem que Yves Saint Laurent morreu há não
muito tempo. Na cerimônia para família e "amigos íntimos" marcaram
presença, de preto dos pés à cabeça, a modelo KATE MOSS, de estola
de pele, luvas e Louboutins salto 12; STELLA MCCARTNEY, de botas,
jeans e bolsa assinados por ela mesma, e a chique multimilionária
DAPHNE GUINESS, dramaticamente enrolada em véu e capa de
coleções passadas do falecido. Ainda no mais puro estilo McQueen, o
pai, Ronald, e os cinco irmãos usavam as cores do clã escocês da
família.
A mágica nos ombros
• O segredo mais bem guardado do Carnaval carioca deste ano
situa-se sobre os ombros das bailarinas da comissão de frente da
Unidos da Tijuca: botões de pressão que, abertos, faziam a parte
de cima do figurino cair sobre a de baixo e formar um novo vestido
– foram seis, ao todo. O número, conhecido como quick change
(troca rápida), foi usado na avenida pelo casal de bailarinos
TATIANA MELLO, 29 anos, e FABRÍCIO NEGRI, 25, ao lado de
outras técnicas de ilusionismo, como a "cebola" (camadas de pano
sobrepostas) e o "paraquedas" (dobrar sem fazer volume). Tudo foi
milimetricamente estudado ao longo de quatro meses, do tecido
ideal – liganete, uma malha sintética – à quantidade exata de
papel picado (2 quilos) usada em uma das trocas. "Foi um
sacrifício. Os ensaios eram de madrugada, para ninguém ver, mas
valeu a pena", diz Tatiana. A comissão de frente não para de
receber convites para repetir o show, entre eles o de uma noiva
brasileira que quer contratar o grupo como atração de sua festa de
casamento.
Ernani D'Almeida
Mulherão no Oscar
Como diz seu nome, ela é big – mede 1,82 metro de altura.
KATHERYN BIGELOW (pronuncia-se Bíguelou) também é bonita
e hollywoodianamente conservada para os 58 anos. Concorrente ao Oscar de melhor diretora, tem a seu favor mais
do que o desejo politicamente correto de premiar uma mulher. Seu filme, Guerra ao Terror, sobre um esquadrão
antibomba no Iraque, já ganhou dois prêmios importantes, derrotando o do ex-marido dela, James Cameron, Avatar.
Ex-pedreira e ex-pintora, Katheryn já escalou os 4 600 metros do Monte Kilimanjaro, na África, gosta de fazer
mergulho em alto-mar, tem namorado mas não conta quem é e mora sozinha com dois cachorros e um gato. "Sou
fascinada por mulheres fortes. Mas homens me inspiram da mesma forma", informa.
Colaboraram Cristiane Sinatura e Ronaldo
13
O maior lobista do país
José Dirceu, o "consultor" mais quente da República, aparece no meio de uma bilionária
operação que pretende botar em pé uma empresa estatal de internet e, claro, fazer a fortuna de
alguns bons companheiros
Fábio Portela e Ronaldo França
Eliaria Andrade/Ag. O Globo
DO OUTRO LADO DO BALCÃO
Dirceu abandonou a militância e só pensa em sua "consultoria"
De tempos em tempos, o governo Lula se vê obrigado a explicar ne-gócios obscuros, lobbies bilionários, maletas de
dinheiro voadoras e beneficiamento a grupos privados. Já é uma espécie de tradição petista. E o que une todos
esses casos explosivos? José Dirceu, o ex-militante de esquerda e ex-ministro-chefe da Casa Civil que se
transformou no maior lobista da República. Onde quer que brote um caso suspeito incluindo gente do PT e dinheiro
alto, cedo ou tarde o nome de Dirceu aparecerá. Ele tem se esgueirado nas sombras, como intermediador de
negócios entre a iniciativa privada e o governo desde 2005, quando foi expurgado do cargo de ministro por causa do
escândalo do mensalão. Sem emprego, argumentou que precisava ganhar a vida e se reinventou como "consultor",
o eterno eufemismo para "lobista". Passou a oferecer, então, duas mercadorias: informação (dos tempos de Casa
Civil, guarda os planos do governo para os mais diversos setores da economia) e influência (como o próprio Dirceu
adora dizer, quando ele dá um telefonema para o governo, "é O telefonema"). Em ambos os casos, cobra bem caro
por seus serviços.
Na semana passada, um dos serviços do "consultor" José Dirceu causou um terremoto em Brasília. Os jornalistas
Marcio Aith e Julio Wiziack revelaram que ele está metido até a raiz dos cabelos implantados em uma operação
bilionária para criar a maior operadora de internet em banda larga do país. O negócio está sendo coordenado pelo
governo desde 2003 e vai custar uma montanha de dinheiro público – fala-se em até 15 bilhões de reais. Deverá
fazer a alegria de um grupo de investidores privados que, ao que tudo indica, tiveram acesso a informações
privilegiadas e esperam aproveitar as ações do governo para embolsar uma fortuna. O Plano Nacional de Banda
Larga – nome oficial do projeto sob suspeita – começou a ser gestado no início do governo Lula, quando Dirceu
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ainda era ministro. A ideia era criar uma estatal para oferecer internet em alta velocidade a preços subsidiados em
todo o país – uma espécie de "Bolsa Família da web".
Dirceu passou a defender a ideia de que a nova empresa fosse erguida a partir de outras duas, já existentes, mas
que estavam em frangalhos: a Telebrás, que depois da privatização do sistema de telefonia, em 1998, ficou sem
função, e a Eletronet, dona de uma rede de fibra óptica que cobre dezoito estados. A Eletronet era uma parceria da
Eletrobrás e da americana AES, mas, por ser deficitária, estava em processo de falência. O projeto de Dirceu era
capitalizar as duas companhias e fazer com que a Telebrás oferecesse internet em alta velocidade usando a rede da
Eletronet. O presidente Lula aprovou a proposta – afinal, não é todo dia que se antevê uma estatal inteira, pronta
para ser aparelhada. Apesar de o projeto ter sido desenhado em 2003, só começou a se tornar público em 2007. E
este foi o pulo do gato: quem ficou sabendo dos planos oficiais com antecedência teve a chance de investir nas
ações das duas empresas e, agora, poderá ganhar um bom dinheiro com o desenlace do plano.
O maior beneficiário em potencial atende pelo nome de Nelson dos Santos – lobista, como Dirceu, mas de menor
calibre. Em 2004, Santos (ainda não se sabe por qual canal) tomou conhecimento da intenção do governo de usar a
Eletronet para viabilizar o sistema de banda larga. A maior parte do capital da Eletronet (51%) estava nas mãos da
AES. Santos conhecia bem a companhia: em 2003, havia feito lobby para renegociar uma dívida de 1,3 bilhão de
dólares da AES com o BNDES, e teve sucesso. Quando descobriu que a falida Eletronet poderia virar ouro,
convenceu a direção da AES a lhe repassar suas ações na empresa pelo valor simbólico de 1 real. A AES topou.
Achou que estava se livrando de um problemão, pois a Eletronet acumulava dívidas de 800 milhões de reais. Na
reta final do negócio, Santos foi surpreendido por três outros grupos que também se interessaram pela compra – o
GP Investimentos, a Cemig e a Companhia Docas, do empresário Nelson Tanure –, mas o lobista venceu a disputa.
Por orientação dele, as ações da AES na Eletronet foram transferidas à Contem Canada. VEJA descobriu que a
Contem de Canadá só tem o nome. Ela é uma offshore controlada por brasileiros que investem no setor de energia.
Como está fora do país, ninguém sabe ao certo quem são seus cotistas. Posteriormente, metade dessas ações foi
repassada à Star Overseas, outra offshore, das Ilhas Virgens Britânicas, pertencente a Santos. Offshore é a praia de
Dirceu.
Com essa negociação amarrada, Santos e seus companheiros da Contem passaram a viver, então, a expectativa de
que parte do dinheiro público a ser investido na Eletronet siga diretamente para seus bolsos. Para se certificar de
que as iniciativas oficiais confluiriam para seus interesses, contrataram os serviços de quem mais entendia desse
tipo de operação no país: José Dirceu, o "consultor". Entre 2007 e 2009, Santos lhe pagou 20 000 reais por mês,
totalizando 620 000 reais. O contrato entre os dois registra o seguinte objeto: "assessoramento para assuntos latinoamericanos". Se tudo corresse como o planejado, a falência da Eletronet seria suspensa e a empresa, incorporada
pela Telebrás. Santos e os outros cotistas da Contem seriam, assim, ressarcidos. O lobista calculava sair do negócio
com 200 milhões de reais. O que Dirceu fez exatamente por seu cliente é um mistério. O que se sabe é que em
2009 o governo tentou depositar 270 milhões de reais em juízo para levantar a falência da Eletronet e passar a
operar sua rede. O caso embolou porque os credores da empresa alegaram que, se algum dinheiro pingasse,
deveria ser deles, que forneceram os materiais usados na rede de fibras ópticas, e não do grupo do lobista. O
imbróglio segue na Justiça.
Joe Pugliese/Corbis Outline/Latinstock
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Paralelamente, houve quem ganhasse na outra ponta do negócio, a da
Telebrás – que está cotada para operar o sistema de banda larga e, portanto,
também pode vir a valer muito dinheiro. Antes de o PT chegar ao poder, o lote
de 1 000 ações valia menos de 1 centavo de real. No decorrer do primeiro
mandato de Lula, o preço subiu para 9 centavos por lote. No segundo
mandato, veio o grande salto. Figuras de proa do governo começaram a fazer
circular, de forma extraoficial, informações sobre o resgate da Telebrás. As
ações dispararam com a especulação. Sua valorização já chega a 30 000%,
sem que nenhuma mudança concreta tenha sido realizada. Tudo na base do
boato. O caso é tão estranho que levantou a suspeita da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), o órgão responsável por manter a lisura no
mercado de ações. A CVM quer saber quem se beneficiou desse aumento
estratosférico e, principalmente, se esses investidores tiveram acesso a
informações privilegiadas saídas de dentro do Palácio do Planalto.
A explosiva criação da estatal de banda larga é só mais um dos muitos
negócios em que Dirceu está metido. Desde que foi defenestrado do governo,
o ex-militante de esquerda foi contratado por alguns dos empresários mais
ricos do planeta para "prestar consultoria". O magnata russo Boris
Berezovsky, proibido pela Justiça de seu país de voltar para casa, contratou
O MAIS RICO
Dirceu para tentar receber asilo político no Brasil e facilitar suas operações
O mexicano Carlos Slim pagou
financeiras por aqui. O terceiro homem mais rico do mundo, o mexicano
pela consultoria do ex-ministro
Carlos Slim, dono da Claro e da Embratel, pagou a Dirceu para que ele
defendesse seus interesses junto aos órgãos reguladores da telefonia brasileira. No Brasil, sua lista de "clientes"
inclui a empreiteira OAS, a Telemar (que o contratou quando precisava convencer o governo a mudar a legislação
brasileira para viabilizar sua fusão com a Brasil Telecom), a AmBev, e muitos outros pesos-pesados. A atuação tão
animada de Dirceu vem causando arrepios no governo. "Fazer lobby e aproveitar contatos no exterior para ganhar
dinheiro, tudo bem. Mas fazer tráfico de influência com informação privilegiada do governo é um risco enorme",
avalia um dirigente petista. As "consultorias" de Dirceu podem se tornar uma bomba para o PT durante as eleições
deste ano.
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Fotos O Globo e Mario Souza e Bertrand Langlois
LISTA EXTENSA
Daniel Birmann, rei do biodiesel de mamona, e o russo Boris Berezovsky também
são clientes do petista
É PRECISO ARRANCAR A RAIZ
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Drástica, mas legal, intervenção parece ser o único remédio contra a praga da corrupção na
capital
Gustavo Ribeiro
Celso Junior/AE
Carlos Silva/D.A Press
QUADRILHA
Intervenção pedida pelo procurador Roberto Gurgel (à esq.) pode ceifar o mandato de Wilson Lima (à dir.),
velho aliado de Arruda
Há duas semanas, a Justiça mandou prender e afastar o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, para
impedi-lo de sabotar as investigações sobre o escândalo do mensalão de Brasília. A medida, inédita desde a
redemocratização, preservou a investigação criminal - mas produziu um buraco negro político na capital do país. O
vice-governador Paulo Octávio, suspeito de embolsar um terço das propinas, renunciou doze dias depois de
assumir. Na semana passada, o presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima, tomou posse como governador,
mas com grande risco de não ter tempo sequer de esquentar a cadeira. Réu por improbidade administrativa, Lima é
aliado de Arruda e deve ao governador preso sua indicação para presidir a Câmara. Sua ascensão é vista como
uma forma de a quadrilha continuar mantendo os tentáculos espalhados por onde quer que se olhe. Por isso, a
intervenção federal surge como o único mecanismo que pode extirpar definitivamente a corrupção que se apossou
das instituições. Ela já foi solicitada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Roberto
Gurgel.
Intervenção federal é uma medida excepcional. É tão extrema que, apesar de prevista na Constituição, nunca foi
usada no Brasil. Especialistas ouvidos por VEJA, porém, veem na medida a única solução para a crise. "A situação
já tomou proporções caóticas. As instituições de Brasília estão todas contaminadas", analisa o cientista político
Claudio Abramo. A corrupção, enraizada no governo de Arruda, se entranhou no Legislativo, em que oito dos 24
deputados distritais são suspeitos de receber propina, e até no Judiciário, em que três desembargadores foram
acusados de integrar o esquema. Os deputados flagrados recebendo dinheiro foram decisivos para a eleição de
Wilson Lima ao comando da Câmara e sua consequente chegada ao governo da capital.
Diante de um quadro tão contaminado, é provável que somente a intervenção seja capaz de exterminar as
ramificações criminosas de Arruda e seu bando. A simples ameaça de isso acontecer já produziu resultados. Em
uma semana, a Câmara Distrital aprovou a abertura do processo de impeachment contra o governador afastado, o
vice-governador e três deputados suspeitos. Entre eles, Leonardo Prudente, o deputado da meia, que renunciou na
última sexta. O próprio Arruda, antes irredutível em relação a uma eventual renúncia, já pensa em afastar-se
definitivamente. A situação política de Brasília é tão caótica que nem o PT parece animado com a possibilidade de o
presidente Lula indicar um interventor. Sem contar a enorme dificuldade em encontrar alguém disposto a cumprir a
missão de enfiar a cabeça, os pés e as mãos no lamaçal em que se transformou a política da capital do país
A cassação que foi sem nunca ter sido
Ao ordenar o cancelamento do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, um juiz de
primeira instância contraria o TSE e põe em risco a segurança jurídica
Laura Diniz
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
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KASSAB na campanha de 2008: doações conforme a lei
O dever dos juízes de decidir de acordo com suas convicções é imperativo a ponto de incluir o direito de um juiz
divergir de outros juízes – desde que o faça dentro dos limites da lei. O juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª
Zona Eleitoral de São Paulo, valeu-se das duas primeiras premissas para proferir sentença determinando a
cassação do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e de sua vice, Alda Marco Antonio. Ocorre que ele
tomou a decisão com base em um argumento já rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso significa que o
juiz não apenas divergiu de outro magistrado, mas contrariou decisão de uma instância superior, mandando assim
às favas um princípio fundamental do direito – o da segurança jurídica. Ao preconizar a uniformidade e
previsibilidade das decisões judiciais, tal princípio pretende oferecer aos cidadãos uma noção clara do padrão de
comportamento a seguir – o que se pode e o que não se pode fazer. Em 2006, ao aprovarem a prestação de contas
da campanha à reeleição do presidente Lula, os ministros do TSE decidiram que acionistas de grupos
concessionários de serviços públicos estão, sim, autorizados a fazer doações a candidatos, como fizeram para Lula.
Proibidas são as doações vindas dos próprios concessionários. O raciocínio obedece à necessidade de desvincular
a atividade pública do processo eleitoral. Assim, além de não poderem receber dinheiro de concessionárias de
serviços públicos nem de empresas que tenham contratos com o governo, os candidatos também estão impedidos
de aceitar doações de sindicatos, igrejas, entidades beneficentes e esportivas e ONGs – instituições que recebem
dinheiro público ou têm isenção fiscal.
O PROMOTOR
Lopes: carreira de episódios tão controversos quanto as
alegações que embasaram a senteça
Essa é a regra que deve orientar o comportamento dos
doadores nas eleições. E que já valia em 2008, quando
Kassab e sua vice captaram dinheiro para sua campanha
com acionistas de concessionários de serviços públicos –
fato ignorado pelo juiz Silveira. Decisões dessa natureza
não são regra na vida do magistrado, tido como um juiz
de sentenças estritamente técnicas. Já o promotor
Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, que apresentou as teses
acatadas por Silveira, é uma figura conhecida e polêmica
no mundo do direito. Entre os vários episódios
controversos de sua carreira está a investigação por acusação de plágio de parte de sua tese de livre-docência,
aprovada em 1998. O processo aberto na corregedoria do Ministério Público terminou antes de chegar a uma
conclusão – foi arquivado porque a eventual falta funcional estaria prescrita. Na apuração de outra falta, o promotor
conseguiu anular um procedimento que lhe aplicou pena de suspensão, afirmando, entre outras coisas, que estava
em depressão e era incapaz de se autorrepresentar. A sentença proferida pelo juiz Silveira contra Kassab e sua vice
foi suspensa pelo próprio juiz quatro dias depois. Muito provavelmente não terá nenhuma outra consequência além
das que já produziu até agora: tumulto e um factoide que os opositores do prefeito e de seu partido não perderão a
oportunidade de usar.
" MEU CARO PRESIDENTE..."
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Tancredo Neves, o homem que devolveu a democracia ao Brasil, completaria 100 anos nesta
semana. Cartas inéditas, trocadas entre ele e o ex-presidente Juscelino Kubitschek durante o
regime militar, oferecem uma lição de espírito público cada vez mais rara nos tempos atuais
Diego Escosteguy
Montagem sobre fotos de Manoel Novaes/Iconografia
CARINHO EPISTOLAR
O afeto entre JK (à esq.) e Tancredo cresceu conforme cresciam as adversidades
políticas enfrentadas por ambos no decorrer da ditadura: mesmo de longe, viraram
amigos
Na noite de 13 de junho de 1964, pouco mais de dois meses após o golpe militar que estabeleceu uma ditadura no
Brasil, o ex-presidente Juscelino Kubitschek embarcava solitariamente no Rio de Janeiro rumo ao exílio voluntário
na Europa. JK, o festejado presidente bossa-nova, tivera o mandato e os direitos políticos cassados pelos militares.
Despedia-se do país sob o rugido aziago das turbinas do avião da Ibéria que o levaria a Madri. No jato, partiam
Juscelino e os anos dourados. Em terra, ficavam os militares e os anos de chumbo. Quando Juscelino subiu as
escadas do avião, um braço o alcançou. Era Tancredo de Almeida Neves, que completaria 100 anos nesta semana,
em 4 de março. Aos 54 anos, Tancredo era deputado, crítico do regime, mas ainda não tinha o tamanho de
Juscelino. Deixaram-no ficar. Juscelino, porém, projetava uma sombra democrática por demais incômoda aos
militares. "Meu caro Tancredo", escreveu Juscelino de Paris, dois meses depois do embarque, numa das primeiras
cartas de uma correspondência que se avolumaria no decorrer daqueles tempos lúgubres, "lembro-me bem de que a
sua foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião. Naquele instante de brutalidade, a sua presença me
confortou."
Foi em meio à brutalidade do regime militar que a amizade entre ambos amadureceu, transcendendo as
conveniências da política - e amadureceu por meio das epístolas que ambos trocavam. VEJA teve acesso a um
conjunto de dez cartas inéditas, escritas por eles durante o regime militar. Começam em julho de 1964, quando
Tancredo descreve os movimentos do regime para destruir a reputação de JK, e terminam em julho de 1975,
quando o ex-presidente agradece por mais uma leva de discursos remetidos pelo amigo. A correspondência
percorre um arco de onze anos, nos quais Tancredo esteve no Congresso, enfrentando a ditadura por dentro. Ele
tentava dissolver na legalidade um regime que operava fora dela. Por fora também agia JK, que, amaldiçoado pelos
militares, amargava um limbo público, exilado ora no exterior, ora no Brasil. No plano político, as missivas expõem a
convergência de afinidades entre dois grandes estadistas. Desde a despedida no aeroporto do Rio, Tancredo
trabalhou para retomar a democracia no país. Foi deputado, senador e governador. Eleito presidente por um colégio
eleitoral em 1985, adoeceu um dia antes de tomar posse, morrendo pouco mais de um mês depois - mas sua obra já
estava terminada: o poder foi entregue aos civis.
Arquivo Editora Block
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CONGRESSO NO PAU DE ARARA
Logo depois do golpe, em abril de 1964, os militares enquadram
o Parlamento: nos anos de chumbo, Tancredo se transformou
no mais astuto articulador político em favor da democracia
No dia 24 de julho de 1964, quase quatro meses após o golpe militar,
Tancredo enviou uma emocionada carta a JK. Escreveu o então
deputado: "Sinto que se aproxima do fim o eclipse que nos envergonha
diante das nações civilizadas e que já está à vista o dia em que iremos
restaurar o clima de dignidade democrática por que anseiam todos os
brasileiros, com a revisão das brutais iniquidades que maculam nossa
história política". Tancredo sabia que o regime não agonizava. Queria
confortar o amigo. A morte da ditadura só viria vinte anos depois, com a
eleição dele à Presidência.
Nas cartas trocadas entre os dois, há ideias, há projetos políticos, há a genuína preocupação com os atalhos
autoritários tomados pelos militares. Há, sobretudo, a obsessão em restaurar a democracia no país. São linhas
escritas com sinceridade por homens que compreendiam as exigências daquela tormentosa circunstância histórica e, mais do que isso, sabiam quais sacrifícios eram necessários para superá-la. JK e Tancredo usam expressões
como "dignidade democrática", "objetivo maior" e "bravura moral". Não há nenhuma menção a cargos, emendas,
empregos para a família... Nada do que tanto faz salivar a maioria dos políticos do nosso tempo está naquelas
linhas, numa mostra constrangedora do declínio ético e intelectual da classe política brasileira. Num ambiente
infestado nos últimos anos pelo cinismo dos mensaleiros e pela mendacidade dos deputados propineiros de Brasília,
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as epístolas servem de guia para outra categoria de políticos - aqueles poucos que reúnem coragem suficiente para
caminhar na direção contrária do que exige a cultura partidária do país.
Alberto Ferreira
DE PRESIDENTE A PÁRIA
JK desembarca no Brasil ao lado da esposa, dona Sarah, após
três anos no exílio: cartas revelam angústia com a radicalização
do regime
As catas estavam dispersas pelos arquivos tanto de JK
quanto de Tancredo. Algumas foram encontradas por
Andrea Neves, a neta mais velha de Tancredo, junto aos
pertences pessoais do avô. Outras estavam nos papéis de
Juscelino, cuidadosamente preservadas por Maria Estela
Kubitschek, filha do ex-presidente, que guardava a
correspondência para si até hoje. Ela explica por quê:
"Demorei seis anos para conseguir abri-las. São como um
pedaço do meu pai, do qual não quero me desfazer".
Andrea Neves, que era afeiçoada ao avô, compilou o
material. Diz ela: "Meu avô teve uma importância capital
na minha vida. É preciso preservar o legado dele". O
governador de Minas Gerais, Aécio Neves, neto de
Tancredo e seu herdeiro político, conta que aprendeu a
fazer política com o avô, durante a transição para a
democracia: "Ele ensinava que não se pode transigir
jamais com os objetivos, apenas com a estratégia". "Se
hoje temos uma experiência democrática, devemos isso
historicamente a Juscelino e a Tancredo", afirma o filósofo Newton Bignotto, da Universidade Federal de Minas
Gerais.
A correspondência começa com as palavras de um Tancredo ainda perplexo pelos rumos do país. Escreveu ele: "Na
sucessão dos dias, (a nação) mais consciência vai tomando de que, com a ignóbil cassação do seu mandato e a
suspensão dos seus direitos políticos, cassados e suspensos ficaram os direitos do povo". O discreto e
parcimonioso Tancredo registra também, numa abundância de adjetivos incomum para a sua personalidade: "Em
meio a um panorama desolador e aviltante, estamos colecionando muitas decepções dos que desertam, se
acovardam ou se acomodam". Como que para consolar JK, o deputado afirma que, apesar dos ataques do regime
contra o amigo, crescia a gratidão do povo, "cada vez mais viva e profunda".
Carlos Namba
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MAGO DA CONCILIAÇÃO
Tancredo, o político que consagrou a vida e a morte à
democracia, é eleito presidente em 1985: deveres políticos não
impediram lealdade a Juscelino (ao lado)
Generosas palavras, partindo de quem partiam, parecem
ter conquistado em definitivo um JK já sensibilizado pelo
gesto de Tancredo no Aeroporto do Galeão. A partir daí,
as cartas crescem em cumplicidade e afeto. De "meu
caro", Juscelino passa a qualificar Tancredo de "querido",
que por sua vez se despede do ex-presidente com o
carinhoso "sempre seu". Nos anos subsequentes,
enquanto se exilava no exterior, JK sempre encontrava
tempo para escrever a Tancredo. Numa correspondência,
redigida em Nova York no dia 2 de maio de 1966, JK
mostra-se melancólico, "tentando escrever alguma coisa
num triste domingo". Até que, relata, deparou com uma
entrevista do amigo: "A tarde estava chuvosa, e eu senti que um raio de sol a atravessava, ao ler a página que
poucos homens teriam a coragem de escrever, nessa hora que pesa como uma campânula de chumbo sobre o
nosso pobre país".
Os dois entendiam de sacrifícios pessoais. Numa carta de dezembro de 1966, JK explica a Tancredo por que iria
aliar-se a Carlos Lacerda, seu "mais terrível adversário". Escreveu o ex-presidente: "Era o único serviço que eu
podia prestar ao meu país, mostrando a todos os brasileiros que é possível superar divergências profundas quando
se tem em vista um bem maior". A aliança deu errado, mas o sacrifício mostrou até que ponto ambos estavam
dispostos a ir para expulsar os militares do poder. Quando essa possibilidade parecia mais remota, no Natal de
1971, JK antevia que, se houvesse democracia novamente no país, ela passaria por Tancredo: "Nada que venha de
você pode me surpreender. A trajetória que o caro amigo está deixando na vida brasileira, tão pobre de homens com
a grandeza do seu caráter, é marcada por um rastro de bravura moral".
Antes do golpe, Tancredo e Juscelino mantinham uma relação de cordialidade política, embora cultivassem várias
divergências. Apesar de ser um homem de diálogo e conciliação, Tancredo era contra qualquer acordo com os
militares golpistas. Juscelino, cujo governo sobrevivera graças ao apoio de setores das Forças Armadas, acreditava
ser possível um governo de coalizão quando surgiram os primeiros sinais de ruptura institucional. A cassação de
Juscelino e tudo que veio a acontecer depois mostraram que Tancredo estava certo. Lidas agora, palavras tão fortes
podem aproximar-se do melodramático, do cabotino. A emoção que transborda das cartas, contudo, resulta dos
esforços que lhes eram exigidos: para JK, deixar o país, a família, sua obra; para Tancredo, estar sob a mira
constante de um regime que pouco hesitava em torturar. JK morreu em 1976, ainda perseguido e humilhado, e não
teve a chance de assistir ao fim da ditadura. Tancredo sacrificou seus últimos dias de vida para assegurar que
morresse junto com a ditadura, recusando-se a receber atendimento médico quando já estava muito doente por
temer que os militares não entregassem o poder a seu vice, José Sarney. Não deu apenas sua vida à democracia:
deu sua morte também.
Sorte madrasta
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Trinta e oito gaúchos acertaram na Mega-Sena, mas não ganharam nada. A lotérica não
registrou a aposta
Igor Paulin
Miro de Souza/Ag. RBS/Ag. O Globo
AZAR NO JOGO
Apostadores protestam na lotérica Esquina da Sorte.
Parte deles irá à Justiça para receber o prêmio
Trinta e oito moradores de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, dedicaram a comemorações a noite do sábado
20 de fevereiro. Eles haviam comprado cotas de um bolão feito pela lotérica Esquina da Sorte para a Mega-Sena – e
acertaram as dezenas sorteadas. Depois de conferir o resultado, Roberto Hoffman, um corretor de seguros de 52
anos, beijou a mulher, prometeu dar um imóvel a cada um de seus cinco filhos, quitar sua casa e comprar um carro
com ar-condicionado. Como o prêmio total chegava a 53 milhões de reais, Hoffman calculou que receberia 1,3
milhão de reais. Mesmo com uma aposta alta, de 440 reais, como a feita no bolão, a chance de acerto na MegaSena é ínfima: 1 em 758 000. "Acordei milionário no domingo", lembra Hoffman. Mas então Eliana, sua mulher,
resolveu visitar o site da Caixa Econômica Federal. Percebeu que havia algo errado ao constatar que o banco não
assinalara acertadores e que o prêmio havia acumulado. "Fui à lotérica reclamar e encontrei uma cambada de gente
na minha situação", disse o corretor. A Esquina da Sorte não havia registrado os bilhetes. O dono do
estabelecimento, José Paulo Abend, tornou-se suspeito de estelionato.
Ag. RBS/Ag. O Globo
A polícia investiga se ele vendia bolões sem inscrevê-los nos computadores da
Caixa, para embolsar o dinheiro dos fregueses. Abend diz ter comprado três das
cotas do bolão e que, portanto, foi o maior prejudicado. O empresário atribui o erro
a sua funcionária Diane Samar da Silva, que teria se esquecido de registrar os
bilhetes. Para provar sua versão, ele entregou à polícia um vídeo feito pela câmera
de segurança da loja. O filme mostra Diane, que também entrou no bolão, indo à
casa lotérica para conferir o jogo logo depois da realização do sorteio. Lá, ela
constatou seu descuido. Uma parte dos lesados exige que a Caixa lhes pague o
prêmio. "Vou à Justiça", avisa Josmari Peixoto, que advoga para 22 apostadores.
Ela argumenta que as lotéricas funcionam como extensões do banco, já que nelas
é possível fazer operações como depósitos, saques e pagamentos de contas. Em
sua defesa, a Caixa afirma que as lotéricas não estão autorizadas a vender bolões,
ainda que essa seja uma prática disseminada. Três dias depois da confusão, a
sorte voltou a Novo Hamburgo. Na quarta-feira, um apostador acertou cinco das
seis dezenas da Mega-Sena e recebeu 21 000 reais. Ele comprou o bilhete em
outra lotérica. A Esquina da Sorte foi fechada pela Caixa.
ESQUINA DA URUCA
O dono da lotérica, José Paulo
Abend, comprou três cotas,
perdeu o prêmio e é suspeito
de estelionato
É melhor prevenir
O compulsório dos bancos subiu. Isso fortalece o BC - mas também indica medo de inflação
Benedito Sverberi
Reportagem de Luís Guilherme Barrucho
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Sergio Lima/Folha Imagem
COFRE REFORÇADO
Henrique Meirelles, presidente do BC: "Olhamos sempre para a frente"
O Banco Central anunciou na semana passada que aumentará, a partir de 22 de março, os recolhimentos
compulsórios de alguns tipos de depósito (veja o quadro). Na prática, os bancos terão de entregar ao BC uma
parcela maior dos recursos que recebem de seus clientes. O resultado será a retirada de 71 bilhões de reais da
economia - quase três quartos de todo o dinheiro que havia sido liberado em 2008, quando houve o afrouxamento
dessas mesmas regras por causa da crise global. A preocupação subjacente a essa medida é o risco de aumento da
inflação. Moeda no sistema bancário, ou liquidez, é combustível para a economia: os bancos transformam depósitos
em novos empréstimos, o que estimula famílias e empresas a consumir mais. O ambiente fica, assim, mais propício
à alta dos preços. Ora, o país já dá sinais de que está a todo o vapor. A taxa de desemprego de janeiro (7,2%), por
exemplo, foi a menor para esse mês desde que o IBGE começou a medi-la, em 2002. Tanto a inflação voltou a
preocupar que bancos e consultorias ouvidos periodicamente pelo BC estimam que, medida pelo índice oficial, o
IPCA, ela
poderá
encerrar
2010 em
4,86% acima da
meta
estipulada
pelo
governo,
de 4,50%. "A diminuição da liquidez causada por um compulsório maior ajuda a política monetária. Pode, inclusive,
reduzir a alta dos juros, que, acreditamos, é inevitável neste ano", avalia o estrategista-chefe do WestLB, Roberto
Padovani.
A taxa de juros continua sendo o principal instrumento do BC para controlar a inflação. O compulsório, como diz
Padovani, apenas ajuda nessa tarefa. Sua função essencial, na verdade, é outra: dotar um banco central de
recursos para agir em momentos de turbulência. Segundo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, as
discussões no Comitê de Basileia - fórum em que BCs do mundo todo propõem formas de aprofundar a solidez do
sistema financeiro global - já têm um consenso: o compulsório é a ferramenta ideal para prover liquidez de
emergência quando o dinheiro some da economia. O Brasil, como tem sido usual nos últimos anos, antecipou-se ao
anúncio de novas regras. Os sinais de que a economia mundial ainda não está 100% saudável, como evidenciam as
agruras de países como Grécia, Portugal e Irlanda, confirmam que a cautela é acertada. "O Banco Central não faz
regulação olhando o espelho retrovisor. Nós olhamos sempre para a frente", diz Meirelles.
O alvo? Cadê o alvo?
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Um ano depois da posse, Obama continua obcecado em reformar o sistema de saúde, mas os
estudiosos estão mostrando que o que parece problema talvez seja a solução
André Petry, de Nova York
Saul Loeb/AFP
SHOW, MAS SÓ SHOW
Obama, na reunião de seis horas com aliados e adversários e transmissão ao vivo pela TV:
terminou como começou
O grande assunto da política americana – a reforma do sistema de saúde – produziu muitas mistificações. Já se
disse que as regras parlamentares no Congresso estão ultrapassadas, que o governo americano perdeu o seu
louvável vigor executivo, que a política americana caiu vítima de um sectarismo intransponível, que a própria
democracia carece de uma reforma. Tudo porque, mais de um ano depois da posse do presidente Barack Obama,
sua principal bandeira de campanha está magistralmente encalacrada no Congresso. Na semana passada, Obama
finalmente apresentou uma proposta formal de reforma e, três dias depois, reuniu-se numa cúpula com democratas
e republicanos para discutir o tema. A cúpula foi uma extraordinária demonstração de apreço pela troca de ideias –
onde mais um presidente se senta durante seis horas para discutir com aliados e adversários com transmissão ao
vivo pela TV? Mesmo assim, o encontro terminou como começou: democratas de um lado, republicanos de outro.
O assunto é palpitante e, apesar de ser tratado como tema da agenda doméstica, tem implicações mundiais. Com
um sistema que movimenta 2,5 trilhões de dólares e reúne mais de 1 300 empresas privadas que dão assistência a
mais de 200 milhões de pessoas, os Estados Unidos praticam a medicina mais avançada do planeta. São a maior e
a melhor fonte de inovações na área da saúde. Se essa usina de pesquisas e descobertas entrar em colapso, os
americanos não serão os únicos prejudicados. À primeira vista, a reforma da saúde tem alvo claro: como o sistema é
caríssimo e exclui 47 milhões de cidadãos, é preciso cortar custos e ampliar o acesso. A discórdia começa no
próprio alvo. Entre os 47 milhões de desassistidos, não há pobres nem idosos (ambos têm direito à cobertura
oferecida pelo governo) e há jovens abastados, que não têm plano de saúde porque não querem. Cabe ao governo
lhes dar assistência?
O outro aspecto é mais complexo: o sistema de saúde americano precisa cortar custos? "A discussão pública está
mal colocada", afirma o professor Robert Fogel, que estuda a economia da saúde. "É preciso distinguir se o custo é
alto porque os prestadores do serviço de saúde são ineficientes ou se o custo é alto porque a qualidade é cada vez
melhor. O preocupante é quando o sistema é caro e ruim, mas esse não é o caso do sistema americano", completa
Fogel (veja entrevista na página 82). O gasto com saúde – nos EUA ou no Brasil – aumentou tremendamente ao
longo do século XX, mas não é preciso ser especialista para saber que somos mais saudáveis hoje do que há 100
anos. Em 1929, os americanos gastavam 3% do PIB com saúde e a expectativa de vida não chegava a 60 anos.
Hoje, gastam 16% do PIB e vivem quase 80 anos. Prevê-se que, em três décadas, o gasto ficará perto de 30% do
PIB, e há estudos projetando a expectativa de vida para a faixa dos 90 anos.
Esses números sugerem que a vida vem se prolongando, mas os gastos estão ficando exorbitantes. A boa notícia é
que não é bem assim. Os americanos gastam mais com saúde porque têm mais dinheiro sobrando. A velha e boa
produtividade explica o milagre. Há um século, uma família americana gastava mais de 70% de sua renda em
comida, roupa e habitação. Como a produtividade nessas três áreas aumentou barbaramente, hoje essa mesma
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família compromete menos de 15% de sua renda para comer, morar e vestir-se. O dinheiro que sobra vai para
onde? Os estudos de comportamento financeiro mostram que, quando há renda extra, o destino preferencial é, em
primeiríssimo lugar, lazer. Depois, saúde. Em seguida, educação. É por isso que os americanos de hoje,
comparados aos do passado, se divertem tanto, e gastam tanto em saúde e em educação.
A previsão mais perturbadora é que, com os crescentes avanços tecnológicos, a saúde ficará insuportavelmente
cara. Mas, para entender seu custo real, é preciso ajustá-lo à qualidade. Se uma tecnologia melhora um pouco a
saúde do paciente e lhe prolonga um pouco a vida, e faz isso a preços exorbitantes, o custo-benefício não é dos
melhores. Mas, de novo, há uma boa notícia. Os professores David Cutler (Harvard) e Mark McClellan (Stanford)
colheram dados de crianças com peso baixo ao nascer e pacientes com ataque cardíaco, depressão, cataratas ou
câncer de mama – campos em que houve notórios avanços científicos. Só no câncer de mama a relação custobenefício das novas tecnologias manteve-se estável. Ou seja: nem os benefícios superaram os custos, nem o
inverso – o que já é bom. Nos outros quatro casos, os benefícios foram imensos. Nos cardíacos, para cada dólar
gasto houve ganho de 7 dólares.
Isso mostra que, ao contrário do que diz o senso comum, as novas tecnologias da saúde não elevam os custos da
medicina. Elas os reduzem. "Isso tem muitas implicações para as políticas públicas de saúde", dizem os autores da
pesquisa. Uma delas está no centro do debate sobre a reforma da saúde: é necessário reduzir custos? Em seis
horas de discussão ao vivo pela TV, democratas e republicanos concordaram em regular melhor as empresas de
saúde e discordaram sobre quem deve fazê-lo. Concordaram que o governo deve ajudar pequenas empresas a
oferecer plano de saúde aos funcionários e discordaram sobre o leque mínimo de benefícios. Nessa gangorra, nem
triscaram a questão do custo e suas adjacências tecnológicas. Talvez isso explique por que a reforma não sai do
papel
Saúde é a locomotiva
Saul Loeb/AFP
O economista Robert Fogel, 84 anos, ganhador de um
Nobel e professor da Universidade de Chicago, é um dos
pensadores mais originais sobre economia da saúde.
O avanço da medicina nas últimas décadas foi tão
fenomenal que pode estar perto de se desacelerar?
Acredito que não. Na economia do século XXI, a saúde
terá uma importância semelhante à da eletricidade no
século passado. Vai puxar a economia. A assistência à
saúde, com seus avanços na biotecnologia, é um setor de
ponta e servirá de locomotiva para o avanço de outras
áreas, como educação, comunicação, finanças e até
construção.
Como a saúde lida com a vida e a economia lida com a
frieza dos números, é difícil tratar da saúde como
assunto econômico?
Compare com a indústria automobilística. Se ela estivesse GASTO COM GOSTO
vendendo o dobro de automóveis, todo mundo ia festejar, Fogel, da Universidade de Chicago: os americanos
pois é um sinal de que a economia está forte e vibrante.
gostam de gastar em saúde
Mas, quando se vende mais serviço de saúde, as pessoas
reclamam, dizem que está errado, que não terão como pagar.
Os americanos estão gastando cada vez mais em saúde. Isso é ruim?
Pelo contrário. Isso é bom. Primeiro, porque os preços em saúde são dirigidos pela demanda, que, por sua vez,
decorre do nível de renda. Segundo, porque as pessoas querem gastar em saúde. Queremos o melhor tratamento
de saúde possível. É um erro dizer que gastamos mais com saúde porque estamos mais doentes. Gastamos mais
com saúde justamente porque queremos permanecer mais saudáveis por mais tempo
Bate e arrebenta
Gordon Brown já tinha cara e fama de mau. Agora aparecem os depoimentos de assessores e
funcionários sobre xingamentos e até agressões
Surpreender o público está ficando mais difícil para os políticos. Eleitores, afinal, já viram de tudo. Bill Clinton quase
perdeu a Presidência por fazer sexo com uma estagiária ao lado do Gabinete Oval, na época rebatizado de Oral. O
italiano Silvio Berlusconi teve suas atividades lúbricas com "modelos" gravadas e as festinhas fotografadas. Exmulheres que contam tudo, dinheiro enfiado em lugares estranhos, cinismo como prática de vida – precisa dizer
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onde isso acontece? Mas partir para a agressão física, somada a palavrões e ataques de fúria assassina, é uma
nada bem-vinda inovação incluída no manual do mau comportamento político pelo primeiro-ministro britânico,
Gordon Brown. Ele é o protagonista do livro O Fim da Festa, exaustivamente investigado e escrito pelo jornalista
Andrew Rawnsley (veja trechos ao lado). Rawnsley entrevistou centenas de amigos, assessores e funcionários da
célebre casa na Downing Street, número 10, onde reside e despacha o chefe de governo. Conhecido pelos maus
bofes e pela eterna cara de quem saiu de um encontro desagradável com gatos de rua, Brown parece pior à luz de
quem o conhece de perto: um homem de formidável inteligência, mas profundamente inseguro, com mania de
perseguição, explosivo e raivoso a ponto de agarrar um assessor pelo paletó e empurrar uma secretária, para tomar
seu lugar à frente do computador, entre outras baixarias.
Aos entrevistados por Rawnsley somou-se o depoimento de Christine Pratt, diretora de uma associação que recebe
queixas por telefone de pessoas que sofrem assédio moral no trabalho. Ela afirmou que tem registros de ligações
diretas de Downing Street, com denúncias de funcionários apavorados pelo clima de terror. A única coisa que, em
termos de comportamento, contava pontos a favor de Brown – sua teimosa recusa em parecer bonzinho – tombou
no clima de pré-campanha para as eleições de junho. Entrevistado num programa de televisão, falou, de olhos
marejados, num assunto que sempre havia evitado: a morte da filhinha recém-nascida, em 2002, vítima de
hemorragia cerebral. Brown, que é cego de um olho, respondeu a perguntas do tipo: "O que você tem a dizer sobre
ser um escocês idiota e caolho?". O entrevistador, estranhamente, sobreviveu
A fera de Downing Street
Os ataques de fúria, os delírios persecutórios e a boca
Alastair Grant/Reuters
suja do primeiro-ministro Gordon Brown, segundo o livro O
Fim da Festa, do jornalista Andrew Rawnsley
"Brown ficou uma fera com Bob Shrum. ‘Como você
fez essa *** comigo, Bob?’, gritou Gordon Brown.
Depois, começou a berrar com outros assessores:
‘Todo mundo para fora dessa *** de sala’."
A reação do primeiro-ministro ao saber que o consultor
americano havia reaproveitado frases usadas em
discursos de Bill Clinton
"Gordon Brown estava tão furioso que ele disparou
pela sala. Agarrando o apavorado Kelly pela lapela do
paletó, Brown grunhiu: ‘Eles querem me pegar!’"
Sobre o comportamento violento e irracional com o
assessor Gavin Kelly, encarregado de comunicar o desvio
de dois disquetes da Receita, com informações pessoais e
bancárias de 20 milhões de contribuintes
"Ao longo dos anos, todo tipo de coisa foi jogada em mim — jornais, canetas e latas de Coca."
Relato de um assessor que trabalha há muito tempo com Brown. São constantes também os gritos e grosserias com
telefonistas, secretárias e outros funcionários do quadro fixo de Downing Street, a sede do governo
"Por que você está me obrigando a ver essa *** dessa gente?
Não quero ver essa *** dessa gente!" Ao amigo de faculdade e assessor Stewart Wood, por ter marcado um almoço
com os embaixadores da União Europeia
"Com cara de fúria, Brown levantou o braço e fechou o punho. O assessor se encolheu, pensando que o
primeiro-ministro ia dar um soco na sua cara. Brown esmurrou as costas do assento de passageiro em
frente a ele. O segurança se retraiu."
Cena no carro oficial, com um infeliz encar-regado de falar de assunto desagradável. Brown batia tanto no banco do
Jaguar, com a mão ou a caneta, que o couro bege ficou todo marcado. Nenhum guarda-costas queria se sentar ali.
De olhos bem fechados
Dissidente tem o mau gosto de morrer bem no dia em que Lula chegou a Cuba. Mas, se tivesse
avisado antes, o presidente "teria pedido para ele parar a greve de fome"
Duda Teixeira
Ricardo Stuckert/PR
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JUVENTUDE SOCIALISTA
Lula afaga Fidel: bem de saúde e no pleno domínio do notório saber econômico
O corpo alquebrado de Orlando Zapata Tamayo está chegando ao cemitério. Durante 85 dias, o homem humilde,
um pedreiro que se transformou em defensor da liberdade, resistiu. Com a única arma de que dispunha, a greve de
fome, ele resistiu. Condenado a 56 anos de prisão, "reduzidos" a 25, pelo crime de clamar pela democracia, foi
enterrado vivo numa cela minúscula. Apanhava, era maltratado, xingado de verme. "O fato de ser negro contribuiu
para a gana psicológica dos carcereiros. É o velho argumento de que por ser negro não se tem direito a protestar,
porque a revolução te deu tudo", contou outro resistente, Manuel Costa Morúa. Supliciado em vida, nem na morte
Zapata teve paz. Outros dissidentes que tentaram lhe prestar uma derradeira homenagem foram detidos. O caixão
foi carregado por agentes da polícia política. O presidente Lula chegou a Cuba exatamente no dia da morte de
Zapata. Suas declarações a respeito: "Temos de lamentar, como ser humano, sobre alguém que morreu porque
decidiu fazer greve de fome, que vocês sabem que eu sou contra porque fiz greve de fome. Se essas pessoas
tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele parar a greve e quem sabe teria evitado que ele morresse.
Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome".
Lula foi visitar os irmãos ditadores, Fidel, o afastado, e Raúl Castro, o ativo no comando. Ao receber o presidente e
sua sorridente comitiva, Raúl, ao contrário de Lula, não culpou o morto. De quem foi a culpa? Dos americanos. "Isso
se deve à confrontação que temos com os Estados Unidos. Aqui não houve nenhuma execução extrajudicial." Mais
sorrisos, mais alegria.
A morte de Zapata já era esperada por seus companheiros de oposição. Ele estava tão exaurido que não haveria
mais retorno. Mesmo assim, tentaram se comunicar por carta com o visitante ilustre para pedir ajuda. Mas
cometeram um grave erro de etiqueta. As declarações do presidente Lula a respeito: "As pessoas precisam parar
com o hábito de fazer cartas, guardar para si e depois dizer que mandaram para os outros. Quando uma pessoa
manda uma carta para um presidente, no mínimo, só pode dizer que o presidente a recebeu se protocolar a carta".
O autor da carta em questão é o economista cubano Oscar Espinosa Chepe. Preso em 2003 com Zapata, foi solto
mais tarde, por problemas de saúde. Chepe consultou 42 prisioneiros políticos e escreveu um apelo ao presidente
brasileiro. Na quinta-feira, dia 18, ligou para a Embaixada do Brasil em Havana e apresentou o pedido de uma
reunião com o embaixador para entregar a carta. "Nossa política é de não receber dissidentes cubanos", disse a
secretária, segundo seu relato. "Eu achei que Lula, por ter sido um trabalhador preso injustamente, iria se solidarizar
conosco. Sua reação foi uma surpresa para todos", disse Chepe a VEJA.
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Adalberto Roque/AFP
Quando querem ser acolhidos, os dissidentes cubanos sabem que precisam bater na porta
da Embaixada dos Estados Unidos ou de países da União Europeia, mesmo ao custo de
serem rotulados de agentes do imperialismo. A ideia de que qualquer um que se oponha
ao eixo cubano-venezuelano seja um servo dos interesses americanos tem uma história
longa no arsenal de ofensas destinadas a desqualificar, por princípio, qualquer adversário.
Veja-se o que o PT, através do documento "A política externa do governo Lula", tem a
dizer a respeito: "A política externa implementada pelo governo Lula é uma política de
estado. Mas parcela da classe dominante brasileira rejeita os fundamentos desta política,
conferindo reduzida importância à integração regional, desejando menor protagonismo
multilateral e preferindo maior subordinação aos interesses dos EUA".
Antes de deixar Havana, Lula comentou a saúde de ferro e o vigor intelectual de Fidel, em
especial seu notório saber econômico, que fez de Cuba a invejada potência mundial. Suas
declarações a respeito: "Fiquei muito satisfeito, muito feliz ao encontrá-lo bem de saúde.
Sua cabeça funciona melhor que a minha, falando de economia como se fosse um jovem".
Em protesto pela morte de Zapata, quatro presos políticos e um jornalista iniciaram greve ZAPATA VIVE
de fome. Ah, sim: se desta vez conseguirem protocolar sua carta, talvez os oposicionistas Oposicionista morre
depois de 85 dias
cubanos consigam dar a desagradável notícia a Lula.
de greve de fome
A ciência a favor da beleza
Como a descoberta do sistema de hidratação profunda da pele, feita por um prêmio Nobel,
abriu caminho para uma revolução nos cosméticos
Carolina Romanini
Laílson Santos
Aposta na ciência
Gonzaga no laboratório da Natura, em São Paulo: 2 500 pesquisas para criar uma linha de hidratantes
Há duas décadas, as pesquisas sobre a preservação da juventude da pele proporcionaram a primeira revolução no
mundo dos cosméticos. À frente dela estava o ácido retinoico, que se provou eficiente no tratamento dos sinais da
idade mais tênues. Agora, graças ao trabalho de um prêmio Nobel, uma segunda revolução se aproxima. Um novo
continente foi descoberto no planeta do conhecimento científico sobre o metabolismo das células da pele. As
perspectivas são extraordinárias no campo da prevenção. O que se pode esperar das aplicações práticas vindas da
descoberta da ciência pura é, simplesmente, manter por quase toda a vida a mesma aparência jovial que a pele
apresentava aos 20 anos de idade. Nunca a indústria de cosméticos esteve tão próxima da ciência de vanguarda.
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Durante um século, desde que a polonesa Helena Rubinstein criou o conceito moderno de produtos de beleza,
mulheres e homens preocupados com a aparência tiveram recursos muito limitados para manter a pele livre das
rugas, da flacidez e das manchas trazidas pelo processo natural de envelhecimento. Os cremes e as loções
disponíveis no mercado, à base de glicerina e outras substâncias gordurosas, apenas mantinham a hidratação
natural da epiderme nas horas seguintes à sua aplicação. A prevenção de rugas ou a manutenção de uma pele
jovem e saudável ao chegar à meia-idade, façanhas prometidas nas embalagens, ainda têm pouca correspondência
no mundo real. Os pesquisadores da área de cosméticos sempre souberam por que é tão difícil evitar as marcas do
tempo na pele por meio de produtos químicos. Basicamente, porque não se sabia como interferir nas camadas mais
profundas da epiderme. Agora, como resultado de diversas frentes de pesquisa científica, vive-se o início da mais
notável revolução já vista no mundo dos produtos de beleza. As empresas de cosméticos anunciam que estão a um
passo de encontrar fórmulas químicas capazes de manter a hidratação nas camadas inferiores da pele.
O ponto de partida para essa revolução nos tratamentos de beleza é a descoberta do cientista americano Peter Agre
que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em 2003. Agre descreveu o funcionamento do principal sistema de
irrigação dos tecidos do corpo humano. Ele é composto de canais formados por proteínas que atravessam a
membrana celular e permitem a entrada e saída de água. O pesquisador batizou esses canais de aquaporinas. Os
órgãos do corpo humano são formados majoritariamente de água – 79% no caso do coração, 76% no do cérebro e,
na pele, 70%. Por isso, as aquaporinas são indispensáveis para o funcionamento do organismo. Mas, como todo
processo bioquímico de manutenção da vida, a eficácia das aquaporinas diminui com o passar dos anos, tornando
os órgãos mais fracos e vulneráveis. A diminuição no desempenho das aquaporinas da pele a torna seca e
enrugada. O grande salto que as empresas de cosméticos estão prestes a empreender é prolongar o funcionamento
perfeito da aquaporina 3, específica da pele, por tempo indeterminado. Para isso, elas têm várias estratégias. A
principal delas é a produção de cremes com proteínas sintéticas semelhantes às naturais. "Saber como funciona
cada elemento que compõe a pele se tornou imprescindível para encontrarmos fórmulas cada vez mais específicas
para tratá-la, e a aquaporina foi um passo gigante nessa direção", disse a VEJA o francês Lionel De Benetti, diretor
da indústria de cosméticos francesa Clarins, de Paris.
Não apenas para a pele, diga-se. A descoberta dos mecanismos de circulação celular de água e outras substâncias
nutritivas começa a produzir soluções para os mais diversos problemas de saúde. Uma das mais esperadas é uma
terapia que pode manter os rins funcionando em padrão ótimo por quase toda a vida de uma pessoa. Aos 85 anos,
um ser humano normal tem a capacidade de filtragem dos rins reduzida em média a meros 30% – ainda assim se
ele tiver um organismo sadio. Pessoas que são obrigadas a tomar diariamente medicamentos para doenças
crônicas, como o diabetes, exigem mais dos rins. Elas podem chegar aos 85 anos com o poder de filtragem renal de
apenas 10% do normal. A possibilidade de manter ou reativar os processos que ocorrem nas aquaporinas é uma
esperança para a pele perfeita e para o prolongamento da juventude e do bem-estar geral do organismo.
Sob o número EP 1 885 477 B1, acaba de ser concedida na União Europeia a primeira patente de um produto criado
com base nas aquaporinas. Ela foi obtida por uma empresa dinamarquesa que produziu com aquaporina uma
membrana capaz de filtrar e purificar a água nas condições mais adversas. O uso imediato vislumbrado pelos
dinamarqueses é em grandes usinas de dessalinização de água do mar, o que, com a nova tecnologia, pode ser
feito mais rapidamente e com mais eficiência do que qualquer outro processo anterior. O ramo médico da empresa
está focado em aplicações que vão produzir soluções para doenças renais e outras em que o problema é a
produção ou filtragem de fluidos no organismo.
Na cosmética, a manutenção do bom funcionamento das aquaporinas através das décadas é a principal arma da
nova revolução dos produtos de beleza, mas não a única. Os cientistas têm conseguido avanços também em outras
frentes na busca pela preservação da pele jovem. A principal delas é a regeneração celular. A técnica da finalização
transepidérmica, atualmente em fase de testes em vários laboratórios da Europa, procura retardar a perda da
capacidade de produção celular que se intensifica a partir dos 40 anos. Moléculas de substâncias estimuladoras da
renovação celular, como o retinol, são introduzidas em uma única célula da pele. A partir daí, as proteínas celulares
se encarregam de levar o elemento estimulador às demais células. A utilização da finalização transepidérmica na
regeneração celular também pode se dar por meio dos chamados fatores de crescimento. São proteínas naturais da
pele que estimulam a produção de novas células, principalmente as responsáveis pela síntese de queratina e
colágeno, substâncias que garantem a elasticidade e a firmeza da pele. Prevê-se que os produtos que utilizam a
finalização transepidérmica cheguem às prateleiras das farmácias nos próximos seis meses.
A nanotecnologia também tem sido uma aliada poderosa no desenvolvimento da nova geração de cosméticos. Com
ela, é possível fragmentar a molécula de uma substância ativa ao menor tamanho possível, o nanômetro, e fazê-la
penetrar facilmente em qualquer tecido. Já existem vários produtos no mercado fabricados por meio dessa
tecnologia. Entre os principais estão os filtros solares, que garantem até 100% de proteção contra a ação do sol. As
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moléculas fragmentadas, além de penetrar mais profundamente a pele, têm também maior capacidade de absorção,
o que garante que o produto se espalhe de maneira mais uniforme. Uma grande vantagem das nanopartículas é a
capacidade de penetrar as camadas da pele e o interior das células sem a interferência dos receptores, as
sentinelas da membrana celular. Os receptores são como válvulas que têm como função selecionar o conteúdo que
chega até o interior das células. Para que uma substância atravesse essa membrana, molécula e receptor devem se
encaixar perfeitamente, como duas peças de um quebra-cabeça. "Os ingredientes de um cosmético funcionam como
um gatilho. Eles atingem certos receptores na epiderme, e isso produz uma reação em cadeia capaz de estimular as
células das camadas mais profundas da pele", disse a VEJA a americana Ni’Kita Wilson, vice-presidente da firma de
cosméticos Cosmetech Laboratories.
O conhecimento cada vez mais apurado da pele faz com que as novas linhas de pesquisas dermatológicas lidem
com uma quantidade muito maior de variáveis do que no passado. Tradicionalmente, considerava-se a existência de
apenas quatro tipos de pele: normal, seca, mista e oleosa. Há quatro anos, num estudo hoje amplamente aceito pela
ciência, a dermatologista americana Leslie Baumann, do Baumann Cosmetic & Research Institute, em Miami, propôs
que na realidade existem dezesseis tipos de pele. Cada um deles deriva de uma combinação de quatro fatores –
hidratação, sensibilidade, textura e pigmentação. Recentemente, descobriu-se também que a idade biológica é
fundamental para a escolha do tipo de tratamento da pele. Até os 25 anos, o corpo se encarrega de produzir
naturalmente as substâncias que lhe garantem beleza e juventude. Cabe aplicar apenas um hidratante simples e
fazer uso do protetor solar com regularidade. Dos 25 aos 40 anos, a produção das substâncias responsáveis pela
juventude da pele começa a diminuir. É preciso usar hidratantes mais intensos. Dos 40 aos 60 anos, a pele
necessita de estímulos vigorosos para continuar produzindo as substâncias que a mantêm. Recomenda-se a
utilização de cremes altamente concentrados para a prevenção do envelhecimento. A ciência também reforça cada
vez mais a importância dos hábitos de vida na preservação da juventude da pele. "É um conjunto de fatores que
determina o viço da pele", diz Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e tecnologia da Natura.
Na corrida pela revolução dos novos produtos de beleza, a indústria de cosméticos vem aumentando seus
investimentos em pesquisas e também na qualificação dos pesquisadores. A francesa L’Oreal, a maior empresa de
cosméticos do mundo, elevou seu investimento em pesquisas em 23% nos últimos cinco anos – de 496 milhões de
euros em 2005 para 609 milhões de euros neste ano. Os farmacêuticos, que no passado eram os maiores
responsáveis pela elaboração dos cosméticos, são hoje minoria entre os Ph.Ds. e doutores que pilotam os principais
laboratórios do mundo. Na L’Oreal, dos 3 268 pesquisadores que trabalham em trinta áreas dos laboratórios, 2 000
deles são Ph.Ds. em diversas disciplinas. As principais empresas cosméticas, além de manter laboratórios próprios,
firmam convênios com as mais aclamadas universidades. Em geral, leva-se entre cinco e dez anos para criar um
produto. A Natura, para uma única linha de hidratantes faciais a ser lançada nos próximos meses, fez mais de 2 500
pesquisas, que incluíram desde o comportamento do consumidor até testes específicos com os diferentes tipos de
pele das mulheres brasileiras. Diz o carioca Omar Lupi, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia: "A
revolução definitiva na eficiência dos cosméticos ocorrerá nos próximos dez anos, quando as pesquisas genéticas
básicas levarem à elaboração de produtos praticamente customizados
A pele lisa eterna
Humberto Michalchuk
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Lifting do futuro
Pele artificial produzida na Bionext, em Curitiba: possível uso
em tratamentos estéticos
A maioria dos princípios ativos atualmente adotados pela indústria cosmética para aliviar as rugas associadas ao
envelhecimento foi antes usada como remédio contra queimaduras. Não será total novidade, portanto, quando as
peles sintéticas, hoje de grande utilidade nos hospitais, passarem a ter aplicações estéticas. É uma questão de
tempo, apenas. Atualmente, em algumas terapias estéticas que envolvem descamações mais radicais da pele, os
dermatologistas têm como recurso cobrir a área afetada com pele artificial. Enquanto a epiderme natural se recupera
do trauma, sua equivalente sintética, feita de celulose, se encarrega de evitar infecções e de manter a hidratação. O
uso de peles feitas com tecido humano, porém, ainda não fornece resultados estéticos satisfatórios. Diz Ronaldo
Golcman, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, de São Paulo: "Ainda não é possível substituir a pele natural
por enxertos feitos em laboratórios para fins estéticos porque essas peles não têm a mesma qualidade. Elas podem
se retrair ou apresentar pigmentação diferente".
Existe hoje uma dezena de tipos de pele artificial em uso nos hospitais ou ainda em fase de testes nos laboratórios.
A pele é um dos órgãos do corpo que mais sofrem rejeição ao ser transplantados. Apenas gêmeos univitelinos
podem doar a pele um ao outro com baixo risco de fracasso. A pele artificial contorna esse obstáculo natural. Ela
pode ser feita com material sintético ou com células humanas. No caso de queimaduras graves, as mais usadas são
a de colágeno e a de biocelulose. Esta é produto do metabolismo das bactérias Acetobacter xylinum, que se
alimentam de carbono e secretam fibras de celulose. Depois de desidratadas, as fibras se transformam em
membranas que lembram finos papéis de seda. À medida que a nova pele vai nascendo, a cobertura artificial se
desprende. Gerardo Mendonza, da Bionext, fabricante de peles de biocelulose no Paraná, explica: "A trama da pele
artificial é larga o suficiente para permitir a respiração dos tecidos, mas estreita o bastante para impedir a entrada de
agentes infecciosos".
Mulheres principalmente, mas também muitos homens, com mais dinheiro do que senso, têm pago nos Estados
Unidos e na Europa mais de 1 000 dólares por uma emulsão facial cuja matéria-prima viria de um laboratório militar
secreto na Rússia, onde os cientistas da defunta União Soviética teriam produzido uma pele sintética quase perfeita.
Desde 2005, sob o nome comercial de Amatokin, é vendida no exterior uma linha de cremes antirrugas com preço
médio de 200 dólares que declara essa mesma e intrigante origem. Isso tudo soa incerto. O certo é que logo as
pesquisas sobre a pele artificial vão abrir mesmo novos caminhos para tratamentos estéticos com resultados
radicais
A luta interna contra os radicais livres
Rick Gomez/Corbis/Latin Stock
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Quando os cientistas começaram a desvendar com maior precisão os mecanismos do envelhecimento da pele,
surgiram duas frentes nas pesquisas sobre como preservar a juventude por mais tempo. Uma levou aos cremes e a
outros produtos de aplicação tópica, característicos da cosmetologia. A outra, cujas perspectivas eram igualmente
promissoras, resultou em produtos de uso interno: compostos principalmente de pílulas de vitaminas, proteínas ou
sais minerais que, ingeridas, ajudam a manter a pele saudável, eles receberam o nome genérico de nutricosméticos.
Os primeiros apareceram no início da década de 90 e eram feitos à base de colágeno. Essa proteína presente no
tecido conjuntivo é determinante na sustentação e firmeza da pele. Hoje, os nutricosméticos mais populares são
fabricados com betacaroteno, vitaminas A, C e E, zinco, colágeno, licopeno, isoflavona e silício orgânico. Alguns
desses componentes podem ser encontrados em combinação numa só pílula. O principal objetivo continua a ser o
original: preservar e estimular a produção de colágeno.
A maioria das substâncias é oferecida por frutas e legumes (o licopeno está presente no tomate e a isoflavona na
soja). Mas as pílulas reúnem uma concentração de elementos ativos que dificilmente se consome na alimentação
diária. "A eficiência é maior que a dos cosméticos tópicos porque os nutricosméticos partem de dentro do corpo",
disse a VEJA a engenheira química francesa Patricia Manissier, diretora de pesquisa e desenvolvimento dos
Laboratórios Innéov, em Paris. Cada substância presente nas pílulas contribui de determinada maneira no esforço
de combater os radicais livres, átomos de hidrogênio que ficam entre as células e que danificam as estruturas
proteicas que dão sustentação à pele, entre elas o próprio colágeno. O stress, o cansaço, a má alimentação e a
exposição ao sol aumentam a quantidade dos radicais livres. "O betacaroteno é uma das substâncias mais eficazes
nesse processo, formando uma camada de proteção na pele que reduz os efeitos nocivos do sol", diz a
dermatologista paulista Ligia Kogos. O licopeno, por sua vez, responsável pela coloração vermelha dos alimentos,
estimula a produção de melanina e proporciona um bronzeado com aspecto mais natura.
Busca antiga
Orlando/Thee Lions/Getty Images
33
Antes de qualquer preocupação estética, a humanidade pintou o
rosto por razões de saúde. Na pré-história, a doença era percebida
como efeito da magia e a maquiagem era uma tentativa de
afugentar espíritos perversos. O conhecimento sobre os detalhes
da pele só avançou depois da descoberta do microscópio, no
século XVI. O grego Hipócrates, que nasceu em 460 a.C. e é
chamado de o pai da medicina, sustentava que as doenças de
pele poderiam ser, na verdade, benéficas ao homem. As "crises
felizes", como ele as denominou, teriam o poder de purificar o
organismo e não deveriam ser tratadas. Muitos tratamentos de
eficiência comprovada foram adotados graças à observação da
relação causa-efeito. Os antigos egípcios pintavam o contorno dos
olhos com uma pasta de carvão e chumbo. Era excelente para
evitar a infecção ocular causada por uma bactéria. Em
compensação, os metais pesados usados na mistura iam
lentamente intoxicando a população. Cleópatra, a última rainha do
Egito, tomava banhos com leite de cabra e passava óleos
vegetais. São ingredientes usados hoje, com aprovação científica,
em cremes hidratantes. Só no início do século XX, quando Helena PIONEIRA
Helena Rubinstein foi a primeira a produzir cosméticos
Rubinstein identificou quatro tipos de pele e criou cosméticos
específicos para cada um deles, a cosmetologia entrou na era da específicos para cada tipo de pele
ciência
.
The Bridgeman/Other Image
RAINHA DO EGITO
Cleópatra acertou ao usar como hidratantes
o banho de leite e os óleos vegetais
Museu Kerameikos
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POTES DA GRÉCIA ANTIGA
Cosméticos feitos de óleos e barro
Com reportagem de Laura Ming, Alexandre Salvador e Nataly
Emigração
Bonjour, Quebec
Com escassez de mão de obra e baixa taxa de natalidade, a província canadense lança um
programa para atrair ainda mais imigrantes brasileiros
Thiago Mattos
Ao menos em alguns aspectos, é certo dizer que Brasil e Canadá guardam muito pouco em comum. O segundo
maior país do mundo em extensão territorial tem invernos de temperaturas glaciais, um esporte nacional que não
poderia parecer mais exótico aos brasileiros (o hóquei no gelo) e tão poucos problemas que a escapada de um urso
da floresta costuma ser considerada uma notícia eletrizante por lá. Pois nenhum desses fatores tem impedido que
brasileiros que emigram para aquele país se adaptem muito bem nele, obrigado.
ADIEU, BRASIL
O casal Octávio e Carolina Paixão, que embarca
em breve para o Canadá (o labrador também
vai emigrar)
Prova disso é que só em Quebec, a parte
francesa do território canadense, o
número de brasileiros com status de
residente permanente aumentou cinco
vezes desde 2004. Em todo o Canadá,
eles são 11 000. Já formam a quarta
comunidade latino-americana, depois dos
colombianos, mexicanos e jamaicanos. E
esse contingente vai crescer. O recémaberto escritório do governo de Quebec
em São Paulo prepara o lançamento de
uma campanha com o objetivo de
divulgar os encantos da província
francófona e convencer brasileiros das
vantagens de trocar os ares tropicais por
uma paisagem de geleiras – mais a
possibilidade de viver e aposentar-se em um país cuja renda per capita é de 41 000 dólares e cujos indicadores de
criminalidade são de dar inveja até a finlandês (a taxa de homicídios foi de 1,8 por 100 000 habitantes em 2006).
Sim, Quebec quer os brasileiros, mas não qualquer um. Basicamente, interessa à província recrutar homens e
mulheres capazes de ajudá-la a resolver dois problemas: o risco de encolhimento da população (a taxa de
fecundidade em Quebec é de 1,7 por mulher, abaixo, portanto, do nível mínimo de reposição, de 2,1) e a escassez
de mão de obra qualificada em áreas estratégicas, como tecnologia e química (veja no quadro o perfil do imigrante
ideal). São problemas que atingem não apenas Quebec, mas todo o Canadá. A diferença é que a província
colonizada por franceses tomou a dianteira no trato do problema. "Foi a primeira a escolher seus imigrantes, mas
agora as outras já estão seguindo o seu exemplo e aumentando o investimento nos programas de recrutamento", diz
David Foot, professor de economia da Universidade de Toronto, ele mesmo um imigrante britânico.
35
Com uma densidade demográfica de 4,6 habitantes por quilômetro quadrado – pouco mais povoada do que a
Região Norte do Brasil –, Quebec tem espaço de sobra e precisa preenchê-lo. Para isso, oferece o que tem de
melhor. Os candidatos aprovados no programa de recrutamento da província ganham visto de residente
permanente. Assim que chegam ao destino, passam a ter todos os direitos de um cidadão canadense, incluindo o
acesso ao sistema gratuito de saúde e educação. No caso de permanecerem no Canadá por mais de três anos,
ganham ainda direito a voto e a passaporte. Para muitos candidatos, porém, o mais atraente do pacote é a
possibilidade de trabalhar na própria área de formação. "Mandei duzentos e-mails procurando emprego no Brasil e
não tive sequer uma resposta. Mandei quarenta a empresas de Quebec e recebi quarenta respostas", afirma Octávio
Paixão, de 42 anos, técnico em manutenção de aeronaves. Ele e a mulher, Carolina, de 29, formada em hotelaria,
embarcam neste ano para Quebec – levando, inclusive, o labrador de estimação. "Não pretendemos voltar mais",
diz.
A campanha "Você tem um lugar em Quebec" será lançada em abril. Além do Brasil, está programada para ocorrer
em apenas outros dois países, França e México. A presença do Brasil no rol das nações preferenciais da província
canadense tem a seguinte explicação, segundo Soraia Tandel, diretora do escritório de imigração de Quebec em
São Paulo: "Os brasileiros são culturalmente flexíveis, qualificados e se integram facilmente tanto na sociedade
quanto no mercado de trabalho canadense. Brasileiro não forma gueto", afirma. E, a contar pelo número crescente
de emigrantes, também não teme entrar numa gelada.
Sexo tem cura?
É possível. Sendo sexo, nesse caso, não aquele que traz prazer físico e satisfação emocional,
mas o que foge ao controle e provoca atitudes autodestrutivas
Um acidente, uma mulher enfurecida e mais de dez amantes reveladas,
Jennifer Mitchel/Splash News
tudo em menos tempo do que um torneio de golfe leva para começar e
acabar, e o prodigioso campeão Tiger Woods, reputação jogada na lama,
tomou o caminho mais natural nesses casos, pelo menos nos Estados
Unidos: internou-se numa clínica de reabilitação de viciados em sexo.
Saiu, reencontrou a mulher, a sueca Elin Nordegren, e protagonizou um
patético pedido de desculpas ao mundo inteirinho. "É difícil admitir, mas
preciso de ajuda. Durante 45 dias, do fim de dezembro ao começo de
fevereiro, fiquei internado e recebi orientação sobre meus problemas.
Ainda tenho um longo caminho a percorrer", declarou, antes de voltar para
a clínica. É mais fácil saber como ele dava suas muitas escapadas do que
ter detalhes do tratamento. Mas, à medida que essas clínicas vão
ampliando sua clientela – existem hoje uns dez estabelecimentos que
oferecem programas de rehab para sexo compulsivo nos Estados Unidos
–, mais se conhece sobre os métodos de tratamento. Como saber se sexo
faz mal é uma resposta que só pode ser dada por quem está prejudicando
a própria vida a ponto de procurar ajuda terapêutica. Os métodos, em
geral, consistem em meditação, terapia individual, de grupo e familiar (Elin
tem participado de algumas sessões) e adesão a programas passo a
passo. O mea-culpa de Woods foi justamente um desses passos. É tudo
muito parecido com o sistema popularizado pelos Alcoólicos Anônimos.
Especialistas calculam que de 2% a 3% da população mundial sofra de
algum tipo de comportamento compulsivo em relação ao sexo, sendo 90%
homens. No Brasil, onde não existem clínicas como as dos Estados
CAMINHO SUAVE WOODS: desculpas
Unidos, o Projeto Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas da
ao mundo inteiro e volta para a clínica de
Universidade de São Paulo é dos poucos a tratar de transtornos da
reabilitação
sexualidade, entre eles a compulsão sexual – diagnóstico de pouco mais
de 1% dos pacientes. "O período crítico do tratamento dura em média um ano, com atendimento por psiquiatra,
acompanhamento psicoterápico e reeducação sexual", explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do projeto.
Outro serviço, gratuito e de frequência voluntária, é o Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa), que atua
desde 1993 como a versão brasileira de uma adaptação dos Alcoólicos Anônimos criada há mais de trinta anos nos
Estados Unidos. "Rico", pseudônimo usado pelo presidente da Dasa no Brasil, explica que as sessões são em
grupo, para fortalecer o espírito de ajuda mútua, com programa de doze passos e discussão de experiências entre
os participantes.
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GESTÃO
APROVADA
A escola Rita Pinto
de Araújo, em São
Paulo: salto de
qualidade com metas
e um currículo
organizado
No prospecto
distribuído pela
Pine Grove
Behavioral Health
& Addiction
Services, a clínica
no Mississippi
onde Woods se internou (com cerca esticada por painéis de plástico preto para aumentar a privacidade), o programa
Gentle Path, ou Caminho Suave, é específico para "ajudar homens e mulheres a se livrar de relações e
comportamentos sexuais compulsivos". Quem se interna acorda às 6h30, vai para o quarto às 22h30 e tem um
colega mais experiente em regime de acompanhamento permanente. Celular e laptop são proibidos, telefonemas e
visitas controlados. Namoros entre pacientes estão fora de cogitação e os quartos podem passar por revista a
qualquer momento. Exigem-se sapato o tempo todo (chinelo, só dentro do quarto), camisa com manga e pijama para
dormir. Televisão, só no centro
comunitário e em horários e canais
preestabelecidos. O programa completo
custa quase 40 000 dólares. Durante o
tratamento, o paciente tem de remexer
em traumas passados, admitir que se
permite pornografia, masturbação e
outros atos sexuais, todos
excessivamente ("Podemos não mudar o
comportamento, mas estragamos o
prazer", garante o especialista
americano Rob Weiss), e descobrir
estratégias para evitar recaídas – ou,
como dizem, permanecer sóbrio.
POR TRÁS DO MURO
Para proteger Woods, a clínica Pine Grove
ergueu
"A questão não é praticar a abstinência pelo resto da vida, mas aprender a reencontrar a felicidade no sexo", explica
Benoit Denizet-Lewis, ex-compulsivo e autor de um livro sobre viciados em sexo.
Douglas passou temporada numa clínica no Arizona em 1990, quando ainda era casado com Diandra, e até hoje
jura que foi por excesso de bebida. O casamento com a atriz Catherine Zeta-Jones parece ter resolvido o problema,
não pelos motivos que todo mundo está pensando, mas pelo acordo pré-nupcial prevendo, em caso de divórcio,
multa de 3 milhões de dólares para cada infidelidade dele que ela documentar. Em 2008, depois de negar durante
anos que tivesse problemas nesse departamento, o ator David Duchovny, da extinta série Arquivo X e da atual
Californication, internou-se para tratar de sua compulsão e assim salvar o casamento com a atriz Téa Leoni. Já o
abusadíssimo comediante inglês Russell Brand, hoje caidinho pela cantora Katy Perry, transformou os vícios em
piada: publicou um livro contando suas passagens por rehabs tanto de drogas quanto de sexo. "Muita gente acha
que é uma desculpa inventada para ajudar estrelas de Hollywood a não assumir a responsabilidade por seus
excessos priápicos. Mas eu acredito nelas", disse sobre as clínicas para viciados em sexo. "Certo dia, tive de fazer
uma lista das minhas vítimas, com os nomes de todas as mulheres que havia prejudicado com meu vício sexual. Eu
me senti como Saddam Hussein tendo de escolher vítimas entre os curdos."
O óleo da massa
O azeite conquista os emergentes – mas não apenas para alimentação
Renata Betti
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Ao lado do vinho, a região do Mediterrâneo tem uma cesta de produtos nobres cujo consumo nos países em
desenvolvimento, até recentemente, era restrito às classes altas. Nos últimos cinco anos, porém, artigos como frutas
secas, vinagre balsâmico, nozes e castanhas começaram a ganhar mercado nos emergentes. Nos quatro maiores,
os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), nenhum avançou mais rápido que o azeite. Desde 2005, as vendas do
produto nesses países tiveram, em média, crescimento de 235%. Nos Estados Unidos, o segundo maior mercado
mundial de azeite, atrás apenas da União Europeia, o número ficou na casa dos 20%. Dois fatores ajudam a
entender a difusão do óleo de oliva nos Brics. O primeiro é a expansão da renda: uma classe média maior gasta
mais, tanto em volume quanto em qualidade. Tão importante quanto isso, no entanto, foi o fato de que os fabricantes
de azeite entenderam que cada lugar tem as suas especificidades (veja o quadro). Na Índia, por exemplo, o produto
passou a ser vendido na seção de produtos de beleza dos supermercados. Além de nutrir os cabelos das indianas,
ele é usado na pele, para prevenir estrias.
Entre os integrantes dos Brics, o Brasil é o que tem, de longe, o maior mercado de azeite: o consumo deverá atingir
50 000 toneladas em 2010. Como o país tem forte influência espanhola, italiana e portuguesa (os mais importantes
produtores mundiais), o hábito de usar o óleo em pizzas e saladas é mais comum do que nos outros do grupo – e as
empresas do ramo praticamente não mudam suas táticas de venda no mercado brasileiro. Na China, o comércio do
produto varia conforme o calendário. Em datas festivas, as pessoas trocam vidros de azeite como presente. As
empresas se preparam para essa época e fazem embalagens especiais, já que a finalidade do produto é enfeitar as
estantes das casas. "Os chineses quase não comem salada. Tivemos de encontrar maneiras alternativas para
vender lá", diz David Prats, presidente do grupo espanhol Borges, um dos maiores fabricantes de azeite do mundo.
A companhia, que há quinze anos vende seus produtos no Brasil por meio de importadoras, decidiu no ano passado
abrir uma filial no país. "O mercado brasileiro está fervilhando. Enquanto as nossas vendas ficaram estáveis em
alguns países, no Brasil elas subiram 30% em 2009", completa o espanhol.
A lição do Mérito
As primeiras experiências brasileiras de premiar os melhores professores em sala de aula
começam a dar resultado — e sinalizam um bom caminho para tirar nossos alunos das últimas
colocações nos rankings mundiais
Ronaldo França
Com 98% das crianças na escola, o Brasil já ombreia com os países mais desenvolvidos no indicador da quantidade
— mas figura até hoje entre os piores do mundo na qualidade do ensino.
Nesse cenário de flagrante atraso, é bem-vinda a notícia de que um conjunto relevante de colégios públicos
brasileiros começa a implantar
sistemas baseados na
meritocracia, princípio que
ajudou, décadas atrás, a
empurrar países como Coreia do
Sul e Finlândia rumo à
excelência acadêmica.
GESTÃO APROVADA
A escola Rita Pinto de Araújo, em São
Paulo: salto de qualidade com metas
e um currículo organizado
O conceito se espelha em
prática comum no mundo das
empresas privadas: nas redes de
ensino, a ideia é distinguir, com
base em avaliações, as boas
das más escolas, provendo
incentivos financeiros e
perspectivas à carreira para
aqueles professores e diretores
à frente dos melhores
resultados. A adoção de
mecanismos simples para premiar os mais eficientes e talentosos profissionais em escolas merece atenção por
sinalizar, antes de tudo, uma mudança numa velha mentalidade ainda arraigada na educação brasileira: a de que
todos os professores devem ganhar o mesmo e sempre mais — à revelia do mau desempenho em sala de aula e
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também do que mostram as pesquisas científicas. Uma das mais detalhadas, conduzida pelo economista Eric
Hanushek, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conclui: "Sem meritocracia, não há como atrair as
melhores cabeças de um país para a docência".
TREINADA PARA ENSINAR
Kátia Ferreira, de Pernambuco: aulas de biologia mais atraentes
Na educação, os avanços sempre se dão por um conjunto de inovações e políticas — e não por um único fator. Os
especialistas concordam, porém, que a implantação da meritocracia numa centena de municípios brasileiros e em
estados como São Paulo, Minas Gerais e
Pernambuco começa a reverter em favor do ensino.
Avalia o economista Cláudio Ferraz, à frente de um
estudo sobre o assunto no Banco Mundial: "A
adoção desse princípio significa uma mudança de
cultura tão radical na condução de uma escola que,
apesar de recente, não é exagero afirmar que já está
beneficiando a sala de aula". Os números mais
novos que apontam nessa direção, obtidos por VEJA
com exclusividade, vêm de São Paulo, um dos
primeiros no país a adotar o bônus nas escolas, em
2008. Segundo o Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(Saresp), ba-sea-do numa prova aplicada aos
estudantes, só no último ano 18% dos alunos da 4ª
série do ensino fundamental foram alçados, em
português, do nível
insuficiente para o
adequado. Aos 9, eles não
conseguiam escrever um
bilhete, tampouco
compreender o sentido de
um texto curto (caso ainda
de 22% do total). Em
matemática, o grupo dos
piores — aquele em que os
alunos se paralisam ao
tentar resolver um
problema envolvendo
operações de soma e
subtração — encolheu de
39% para 31%.
PARECE EMPRESA
Escola Leon Renault, em Minas:
o bônus deu novo animo
Os últimos dados de Minas
Gerais apontam para
progresso semelhante na sala de aula (veja os números no quadro).
Bons, porém ainda modestos perto da dimensão do problema a equacionar, os resultados de São Paulo e Minas
ajudam a aferir a eficácia de um pacote de boas práticas de gestão que, só agora, passam a ser implantadas em
escolas brasileiras.
Diz o economista Fernando Ve-loso, especialista em educação: "Os estados e municípios que mais avançam são
justamente aqueles que estão conseguindo se livrar da velha cultura corporativista e, pouco a pouco, modernizam a
gestão de suas redes de ensino". No conjunto das 180 000 escolas públicas brasileiras, estima-se que 20% delas
começam a se organizar de acordo com metas acadê-micas, estabelecidas com base em avaliações, e já são
cobradas e premiadas pelo seu bom cumprimento. É um modelo cuja eficácia foi exaustivamente aferida em outros
países e, no Brasil, já se faz notar no dia a dia de colégios como o estadual Leon Renault, de Belo Horizonte. "Sinto
pela primeira vez como se estivesse chefiando uma equipe de uma grande empresa privada, tal é a obsessão na
escola em relação aos resultados", resume a diretora Maria de Lourdes Fassy, 50 anos, na função há quatro.
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A lição das escolas brasileiras que se modernizam lança luz ainda para a eficácia em ater-se ao básico — e não sair
em busca de soluções mirabolantes. Nesse sentido, a experiência reforça a ideia de que poucas medidas têm tanto
impacto na qualidade do ensino quanto a formulação de um bom currículo. Um levantamento com base em dados
da Prova Brasil, aplicada em escolas públicas pelo Ministério da Educação (MEC), constata que, quando o professor
se ancora em roteiros detalhados sobre o que e como ensinar, as notas sempre sobem. Num país como o Brasil,
onde o nível geral dos professores é baixo, um currículo se torna imperativo — mas é ainda coisa rara. Apenas seis
dos 27 estados contam com um, e isso é recente. Os efeitos já se fazem sentir, ainda que modestamente. Será
preciso esperar mais para colher os frutos de outra frente de iniciativas promissoras, estas voltadas para melhorar o
nível dos professores — o principal obstáculo ao avanço brasileiro. Na rede estadual paulista, criou-se uma escola
com o propósito de dar reforço a professores recém-aprovados nos concursos. Antes de assumir o posto, eles serão
treinados a lidar com situações reais da sala de aula, o que não aprendem na faculdade. Os efeitos podem ser
imensos. Ao longo de sua vida útil, um único professor atende cerca de 1 000 alunos. A primeira turma dessa escola
de professores em São Paulo contará com 10 000 profissionais, com chances, portanto, de ajudar 10 milhões de
crianças.
Desde que o nível do ensino começou a ser medido no Brasil, na década de 90, não houve registro de nenhum
avanço relevante. Em certos anos, a qualidade chegou até a cair. É verdade que os números pioraram na medida
em que mais gente ingressou na escola, mas esse processo de massificação na sala de aula encerrou-se uma
década atrás, e nem por isso o Brasil deixou a rabeira nos rankings internacionais de ensino. Enquanto os
americanos fazem hoje conversões de unidades e se saem bem em problemas matemáticos de razoável
complexidade, os brasileiros se atrapalham ao ler as horas num relógio e penam com a multiplicação — um atraso
gritante. O que pode ajudar a mudar isso é o fato de que, pela primeira vez, se vê razoável consenso quanto à
direção do caminho a percorrer, independentemente do matiz ideológico. Na semana passada, a meritocracia na
educação, que já foi vista com imensa resistência no governo Lula, foi defendida pelo ministro Fernando Haddad:
"Ela não desmerece, mas só valoriza os profissionais". Reconhecer isso é, no mínimo, um bom começo.
Eles fazem diferença
Com criatividade, disposição para o trabalho e experiência no atendimento às doenças típicas
das regiões pobres, os brasileiros ganham destaque na organização Médicos Sem Fronteiras e
viram referência nas missões espalhadas pelo mundo
Naiara Magalhães, de Maputo
Com 20 milhões de habitantes, Moçambique, na costa oriental da África Subsaariana, é um dos mais preocupantes
focos do vírus HIV em todo o mundo. Nos grandes centros, como a capital, Maputo, ou a cidade de Tete, a aids se
faz presente em toda parte. Nas ruas, é raro cruzar com pessoas mais velhas. A expectativa de vida no país é de 47
anos para os homens e de 49 para as mulheres. Ao lado de outras doenças epidêmicas, os outdoors não deixam
esquecer: "O que tiveste na tua última relação sexual: amor, sexo ou HIV?". Cartazes sobre cuidados com as
crianças não reforçam apenas a importância da vacinação contra as afecções típicas da infância. Num deles, na
legenda da fotografia de uma garotinha acompanhada pelos pais, lê-se: "Eu já vou fazer o teste do HIV". Um em
cada sete adultos moçambicanos está contaminado – o equivalente a 15% dessa população. Em algumas regiões,
como a de Maputo, o índice é de um em quatro habitantes. Para se ter uma ideia do tamanho da tragédia, no Brasil,
a taxa de contaminação pelo HIV é de menos de 1%. Até pouco tempo atrás, muitos moçambicanos nunca haviam
ouvido falar em aids. Para eles, seus parentes e amigos morriam vítimas de alguma feitiçaria. Ainda hoje é comum
que os doentes recorram aos curandeiros na esperança de cura.
Em um país dilacerado pela miséria e por quase trinta anos de guerra encerrada apenas em 1992, a precariedade
do acesso aos cuidados básicos de saúde e a falta de informação sobre prevenção e tratamento compõem o cenário
ideal para a disseminação do HIV. Metade dos quase 100 000 mortos pela doença todos os anos tem entre 30 e 44
anos – está na plenitude produtiva. O país padece da falta de profissionais qualificados. O número de médicos em
Moçambique não ultrapassa os 500. O de curandeiros, entretanto, supera os 70 000. Por isso, a ajuda estrangeira é
crucial na luta contra a aids – tanto do ponto de vista financeiro quanto da mão de obra especializada.
A primeira e maior organização humanitária a desenvolver projetos de combate ao HIV em Moçambique foi a
Médicos Sem Fronteiras (MSF), em 2001. Prêmio Nobel da Paz de 1999, a MSF foi fundada em 1971, por médicos e
jornalistas franceses, e hoje conta com 27 000 profissionais, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, arquitetos,
administradores, economistas e engenheiros. Ela atua em 65 países conflagrados ou em situação de emergência
sanitária (veja o mapa). Atualmente, a equipe da MSF em Moçambique é composta de 31 profissionais – sete dos
quais brasileiros. Esses médicos e enfermeiras têm um perfil ideal para o trabalho desenvolvido pela instituição,
porque ainda lidam por aqui com doenças típicas de países pobres, como tuberculose, malária e leishmaniose
visceral. "No Brasil, muitos médicos não apenas estudaram tais moléstias como tiveram a experiência de tratá-las",
40
diz Simone Rocha, diretora executiva da MSF-Brasil. Soma-se a isso o traquejo dos brasileiros para atender as
populações mais carentes, de baixo nível educacional. "Eles sabem como transmitir uma mensagem de jeito simples
para que o paciente consiga seguir o tratamento", diz o coordenador de um dos projetos da MSF em Moçambique, o
enfermeiro inglês Christopher Peskett. Moçambique não é apenas o país com o maior número de brasileiros atuando
na MSF, mas é também onde o Brasil faz escola.
Um dos projetos mais bem-sucedidos é o da médica paulista Raquel Yokoda, de 29 anos. O programa desenvolvido
pela jovem vem ajudando a mudar um dos cenários mais cruéis da aids em Moçambique – o das crianças
portadoras do HIV. Atualmente, 147 000 meninos e meninas de até 14 anos estão contaminados. As crianças entre
zero e 4 anos mortas pela aids chegam a inacreditáveis 19% de todos os óbitos registrados pela doença. Com uma
ideia extremamente simples, em seis meses Raquel conseguiu reduzir a taxa de mortalidade infantil em 80% no
Hospital Dia de Moatize, nos arredores da cidade de Tete, no centro do país. Ela transformou a sala de espera num
lugar acolhedor para as crianças – uma espécie de brinquedoteca, decorada com motivos infantis. Com isso, ir ao
médico passou a ser uma diversão para meninos e meninas que vivem em estado de miséria. Ajudada por
moradores locais, Raquel adaptou histórias e jogos infantis à cultura moçambicana para explicar às crianças que
elas são portadoras de uma doença que requer cuidados para toda a vida. Como o idioma oficial, o português, é
falado por apenas 40% da população, as cartilhas de Raquel
tiveram de ser traduzidas para o dialeto nhungue, característico
da região.
Numa das histórias para as crianças de 5 anos, a aids é
simbolizada pela mudança da cor do pelo dos leões. Doente,
uma leoa vai atrás dos conselhos de um velho hipopótamo. O
tratamento prescrito: a água de um mar vermelho, as folhas
verdes das árvores e os raios de sol, todos os dias, para
sempre. Ela morre, mas recomenda a seu filhote, o simpático
leãozinho Bekhi, que siga à risca as orientações do sábio
hipopótamo.
O peso de uma criança
Para que seus filhos tenham acesso aos cuidados mais elementares de
saúde, nas áreas rurais de Tete, muitas mulheres têm de percorrer a pé,
descalças, sob um sol inclemente, até 15 quilômetros
Ele obedece e consegue crescer forte e feliz. "Os pais têm
muita dificuldade para contar a seus filhos que eles são
portadores do HIV, e que terão de seguir um tratamento até o
fim da vida", diz Alain Kassa, coordenador-geral da missão da
MSF em Moçambique. "O projeto de Raquel mudou esse
processo, aumentando a participação das crianças no
tratamento." As cartilhas da jovem médica servem hoje de
referência em todos os países de atuação da MSF. "Nós só
conseguimos fazer um bom trabalho quando entendemos e
usamos a cultura local para nos aproximar dos pacientes",
explica Raquel. Ela voltou para o Brasil no fim de 2007, e agora
cabe à historiadora goiana Wânia Correia, de 33 anos, dar continuidade ao projeto.
Uma das grandes inspirações para Raquel foi Laura Lichade, enfermeira moçambicana de 56 anos, com quem
trabalhou ao longo de sua estada na África. Durante a guerra civil, enquanto fugia de um tiroteio, Laura pisou no
estilhaço de uma mina. Por causa das complicações do ferimento, em 1994, teve o pé esquerdo amputado. Apesar
de todas as adversidades, ela se dedica a cuidar de 56 bebês, crianças e adolescentes órfãos. Seis deles vivem na
casa de Laura, com paredes de barro e chão de terra batida. Os demais, em um orfanato próximo. Laura fez com
que todos fossem testados para o HIV e recebessem o tratamento adequado. Em Moçambique, 1 milhão de
crianças não têm mãe. Delas, 400 000 ficaram órfãs por causa da aids. "Costumo dizer às crianças com HIV que os
remédios são como as minhas muletas, que me mantêm de pé", conta ela. "Se elas acharem que podem parar o
tratamento porque estão se sentindo bem, cairão, como eu caio sem as minhas muletas."
Cerca de 70% dos moçambicanos estão nas áreas rurais. Vivem da agricultura de subsistência nas machambas,
como são chamadas as pequenas propriedades agrárias. Os centros de saúde e os hospitais ficam longe e a
condução de ida e volta é cara – 200 meticais, o equivalente a 12 reais. Curandeiros, por sua vez, há por toda parte.
Um dos rituais mais comuns no caso de doentes graves é a tatuagem. São feitos cortes de meio centímetro de
comprimento nos braços e pernas dos pacientes, e uma mistura de raízes trituradas é aplicada sobre os ferimentos.
41
As lâminas são reutilizadas e os potes de ervas compartilhados entre várias pessoas. Ou seja, a tatuagem é fonte
de disseminação do HIV.
Somente quando se dão conta de que as ervas e os banhos dos curandeiros não funcionam, os moçambicanos
recorrem aos médicos. Algumas pessoas chegam a caminhar 15 quilômetros até o hospital mais próximo, muitas
vezes descalças, sob temperaturas impiedosas. Ao circular pela área rural de Tete, no início de uma tarde de verão,
tem-se a sensação de que há alguma queimada por perto. Mas não há vegetação em incêndio, apenas o sol que
arde sobre a terra batida. Até resolver ir ao hospital, o militar aposentado Kaneti Chavunda, de 67 anos, sofreu
durante quase um ano com uma tosse persistente e uma lesão dolorida nos pés e nas pernas – quadro
característico do sarcoma de Kaposi, o câncer mais comum entre os soropositivos. De sua casa ao Hospital
Provincial de Tete, ele viajou duas horas na boleia de um caminhão. Em 25 minutos, Chavunda recebeu o
diagnóstico positivo para o HIV. Não demonstrou angústia nem desespero. Olhar parado, em voz baixa, ele
comentou: "Vou fazer o que os médicos mandam". Essa é uma reação comum. Como a maioria das pessoas da
zona rural, ele parecia não ter a dimensão da gravidade da notícia que acabara de receber.
Os testes rápidos de HIV e as orientações sobre prevenção e tratamento são conduzidos pelos chamados
conselheiros – moradores locais treinados pela equipe da MSF. Dessa forma, os poucos enfermeiros e médicos
disponíveis podem se dedicar a atividades de maior exigência técnica. Uma das enfermeiras responsáveis pela
formação dos conselheiros é a paulista Eliana Arantes, de 33 anos, há nove meses em Moçambique. Um de seus
parceiros de trabalho mais experientes é o local Felisberto Dindas, de 36 anos. Ele lembra com precisão a data em
que entrou para a MSF, a fim de trabalhar como segurança: 23 de
outubro de 2001. Naquele dia, sua vida mudaria em vários
aspectos. A princípio, representava a conquista de um bom
emprego. Um ano depois, Dindas foi convidado a se tornar
conselheiro. "Eu tenho facilidade para me comunicar e conheço
muita gente", diz, com orgulho. Foi também graças ao trabalho na
MSF que ele foi diagnosticado como soropositivo. Conselheiros
com o perfil de Dindas são sempre bem-vindos. Só quem tem o
vírus sabe como é receber a notícia do HIV. Só quem vive em
Moçambique conhece as dificuldades de seguir o tratamento. Só
quem consegue conviver com a infecção, sem cair doente, é
capaz de passar a importância da prevenção e do tratamento.
Profissão: mãe
"Há 25 anos, fui gravemente ferida ao pisar no estilhaço de uma
mina terrestre e fiz um voto de ajudar todas as pessoas que
chegassem a mim pedindo auxílio. A vida me mandou crianças
órfãs. Cheguei a ter cinquenta delas em casa. Hoje consegui que
um orfanato fosse construído para abrigá-las. Muitas delas
perderam mãe e pai por causa da aids. Por isso, além de cuidar
para que elas se alimentem bem e estudem, eu faço questão de
que todas passem pelo teste de HIV e, se necessário, recebam o
tratamento adequado."
Laura Lichade, enfermeira
Resposta imediata
"Resolvi entrar para os Médicos Sem Fronteiras porque me realizo
no atendimento em situações de emergência. A resposta dos
pacientes, nessas ocasiões, é muito rápida.
Para um enfermeiro, que é quem cuida dos doentes mais de perto,
isso é muito gratificante. Em minha primeira missão na
organização, ajudei a conter um surto de cólera no Zimbábue.
Agora, em Moçambique, me dedico às gestantes soropositivas, na
tentativa de evitar
que elas contaminem seus bebês. É um trabalho difícil, disponho
de poucos recursos. Para calcular a idade gestacional do feto, por
exemplo, tenho de medir a barriga da paciente com uma fita
métrica. Num cenário como esse, cada pequena conquista é
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motivo de orgulho."
Janaína Carmello, enfermeira obstetra
Apoio emocional
"Uma das minhas tarefas é dar continuidade ao trabalho iniciado pela médica Raquel Yokoda. Nossa intenção é
estender o projeto de atendimento às crianças soropositivas a todos os centros de saúde e hospitais da capital
Maputo. É importante trabalhar a questão da aids com as crianças, porque ainda hoje é muito difícil fazer com que
os adultos mudem de hábitos por causa da doença. Muitos moçambicanos só agora começam a tomar
conhecimento da existência do HIV."
Wânia Correia, historiadora
A precariedade do sistema de saúde em Moçambique é aterradora. Acompanhar um dia de trabalho da enfermeira
paranaense Janaína Carmello é recuar meio século na história da medicina. Aos 28 anos, ela é responsável pelo
atendimento a grávidas no Centro de Saúde de Domué, na zona rural do distrito de Angónia, no noroeste do país.
Sua principal missão é diminuir os riscos da transmissão vertical: a contaminação do bebê por sua mãe. Em suas
consultas, não há aparelho de ultrassom ou sonar. A enfermeira tem de trabalhar com a fita métrica e o estetoscópio
de Pinard. A fita serve para medir a barriga da mãe e calcular a idade gestacional do feto, já que a maioria das
gestantes não tem ideia de quando engravidou. Em geral, elas só procuram assistência médica no sexto mês de
gravidez. O estetoscópio, desenvolvido no início do século XIX, que Janaína só conhecia dos livros de história da
medicina, é usado para medir os batimentos cardíacos do feto. Janaína encosta a boca do instrumento na barriga da
gestante, aproxima o ouvido na outra ponta do estetoscópio e ouve o coraçãozinho na barriga da mãe. Enquanto
nos países desenvolvidos uma mãe soropositiva é desaconselhada de amamentar seu bebê, de modo a reduzir o
risco de infecção da criança, em Moçambique Janaína recomenda que o aleitamento materno seja feito até os 6
meses. "Aqui, as mães não têm condições mínimas de higiene para preparar o leite artificial, ainda que você o
forneça. As crianças ficam com diarreia, perdem peso, adoecem e podem até morrer", diz ela. Ainda assim, quando
as mulheres soropositivas seguem o tratamento à risca, a transmissão vertical do HIV é reduzida.
É dessa forma, com pequenas vitórias, que se trava o combate contra a aids em Moçambique. Desde a chegada da
MSF, o número diário de novas contaminações caiu de 500 para 440. Pode parecer pouco, mas é uma grande
conquista em se tratando de um país da África Subsaariana. E os brasileiros, como Raquel, Wânia, Eliana e
Janaína, fazem a diferença em um universo tão esquálido.
O teste das fraldas
Ao completar 2 anos e meio, uma criança terá usado até 5 000 fraldas descartáveis. No bolso
dos papais, isso significa um gasto entre 1 450 e 4 400 reais. Apesar de os ambientalistas
torcerem o nariz para elas - porque levam cerca de 450 anos para se decompor na natureza -,
essas fraldas são o que há de mais prático e
confortável para os bebês.
Anna Paula Buchalla
[email protected]
NOITES BEM-DORMIDAS
Paula, de 1 ano e 3 meses, passou a dormir melhor desde que sua
mãe, a administradora de empresas Juliana Castro Paes de Barros,
de 36 anos, achou a fralda ideal. Ela testou vários modelos até
encontrar um que impedisse vazamentos sem irritar a pele da
meninas
Mas, em geral, é preciso testar vários modelos e marcas
até chegar à fralda que melhor se adapte à anatomia do
filhote. Há diferenças significativas entre as fraldas
descartáveis. É o que revela um estudo técnico
comparativo feito a pedido da Pro Teste, entidade de
defesa do consumidor. Foram avaliados nove modelos de
tamanho médio das marcas Pampers, Turma da Mônica,
Johnson’s Baby, Pom Pom e Sapeka. No teste, "bebês
robôs" dos sexos masculino e feminino em movimento,
sentados, em pé e deitados de frente, de lado e de costas
eliminaram urina sintética na mesma quantidade,
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frequência e velocidade de uma criança entre 2 e 8 meses. Ficou claro que alguns modelos são mais indicados para
meninos e outros para meninas - por questão de anatomia. Quando o assunto é ventilação, nota baixa para quase
todas. A maioria das fraldas não permite a respiração da pele do bebê. "Quanto mais leve e fina, mais confortável é
a fralda", diz Marina Jakubowski, química da Pro Teste.
Absorção
Como deve ser: uma fralda eficaz deve absorver 250 mililitros sem vazar. Durante o dia, quando as trocas são mais
frequentes, a capacidade de 200 mililitros é suficiente. Mas, à noite, o ideal é que a absorção seja um pouco maior,
para não atrapalhar o sono do bebê nem molhar o colchão do berço
O que o teste apontou: durante o dia, todas as fraldas foram aceitáveis para as meninas - cujo jato de urina é
centralizado. Já para os meninos (que fazem xixi para cima, para baixo e para todo lado), alguns modelos se
mostraram ineficientes antes mesmo de atingir 164 mililitros. Mediu-se o volume de urina absorvido até a fralda
vazar
Fotos divulgação
Assaduras e alergias
Como deve ser: a fralda deve permitir que a pele "respire". Quando isso não acontece, o calor e a umidade
favorecem a ação de fungos e bactérias que causam problemas dermatológicos
O que o teste apontou: apenas uma marca se mostrou eficaz nesse quesito. Mais fina que as demais, é também a
que apresenta o toque mais suave. As outras permitiram apenas uma pequena ou nenhuma entrada de ar
A melhor do teste:
Pampers Total Confort - Por seu material, foi a única que realmente deixou o ar circular internamente. Depois da
avaliação, a fralda se mostrou mais seca que as outras
Conforto
Como deve ser: leve e fina
O que o teste apontou: a maioria das fraldas tem em torno de 25 gramas, mas algumas chegam a pesar 32
gramas, ou seja, 30% a mais do que a média. A espessura também varia bastante. A mais grossa do teste, por
exemplo, tem quase o dobro de espessura da primeira colocada
As melhores do teste
1º Pampers Total Confort: 25,4 gramas e 7,9 milímetros de espessura
2º Pampers Supersec: 23,2 gramas e 9 milímetros de espessura
3º Pom Pom Top Confort: 27,8 gramas e 10 milímetros de espessura
Preço*
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A mais barata: Sapeka Azul.
O pacote com 24 unidades custa entre 6,98 e 9,90 reais. O valor da unidade varia entre 29 e 41 centavos
A mais cara: Pampers Total Confort.
O pacote com trinta unidades custa entre 18,50 e 26,40 reais. O valor da unidade varia entre 62 e 88 centavos
O que o teste apontou:
1) A quantidade de fraldas nas embalagens varia de uma marca para outra, o que pode induzir os pais ao erro. O
que conta mesmo é o preço de cada unidade, que se obtém dividindo o preço pelo número de fraldas
2) É preciso ter sempre em mente o peso da criança e verificar, na embalagem de cada produto, qual o tamanho
adequado a ela. O tamanho médio de uma marca pode ser equivalente ao pequeno de outra. Fraldas de tamanho
menor são em geral mais baratas
3) Como a eficácia das fraldas varia para meninos e meninas, é importante fazer testes. Uma vez encontrado o
melhor modelo, a economia pode ser de até 700 reais em um ano
4) É importante pesquisar preços. Algumas marcas, por exemplo, são mais baratas nos hipermercados. Outras
custam menos nas drogarias.
Os preferidos dos papais
Laurence Monneret/Getty Images
Para fazer a higiene do bebê, bom mesmo é usar água morna e algodão, dizem os pediatras. Mas há ocasiões - em
viagens, por exemplo - em que os lenços umedecidos são a alternativa mais prática. "Eles devem ser usados em
crianças com mais de 3 meses. Antes disso, o risco de elas desenvolverem dermatites é maior", explica o pediatra
Marcelo Reibscheid, do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. Na hora da compra, saiba o que se deve
levar em conta:
1) Capacidade de hidratação
O que observar: prefira produtos que contenham lanolina em sua fórmula. A substância tem efeito emoliente, ou
seja, ajuda o produto a penetrar na pele, aumentando o poder de hidratação. Aloe vera e alantoína também são
funcionais. A primeira tem efeito bactericida e cicatrizante. A segunda, bastante utilizada em pomadas contra
assadura, acelera a regeneração da pele
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2) Rendimento
O que observar: lenços grandes e espessos são mais fáceis de manusear. Além disso, com eles evita-se o
consumo de várias unidades para uma limpeza efetiva. Aparentemente mais caros, eles podem ser mais
econômicos, dependendo da quantidade usada a cada troca de fralda
3) Resistência
O que observar: lenços muito finos rasgam-se com mais facilidade. Eca!
4) Preço
O que observar: em geral, não vale a pena comprar os lenços umedecidos em supermercados. Nas farmácias, os
preços costumam ser menores, avaliou um estudo recente da Pro Teste
Toalete de gente pequena
O que há de novo para tornar os cuidados pessoais mais divertidos para os bebês - e, em alguns casos, mais
seguros para os pais
Fotos divulgação
Assento giratório para banho: com as perninhas encaixadas na cadeira, o bebê fica praticamente solto na
banheira. Por ser giratório, o equipamento proporciona um banho mais animado para a criança. Ele é fixado na
borda da banheira e vem com um apoio para o braço do adulto. O assento pesa 3,4 quilos
Preço: 276 reais
Fralda de transição: destinado a crianças que estão migrando
para o peniquinho, o modelo Pull-Ups, da Huggies, vem com
desenhos, como estrelinhas, que somem quando a fralda fica
molhada. É um estímulo para não fazer xixi nela.
Preço: 15 reais (pacote com doze unidades)
Cortador de unhas com lupa: aumenta em até cinco vezes as unhas do bebê, o que
ajuda a evitar acidentes. O cabo com desenho anatômico acomoda os dedos, o que torna
o manuseio mais seguro e preciso
Preço: 15 reais
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Pintura no banho: indicado para crianças a partir de 2 anos, o produto garante a distração
na banheira ou no chuveiro. São cinco tintas que podem ser usadas para pintar o próprio
corpo. Segundo o fabricante, elas não fazem mal à pele - nem mancham os azulejos. A
bagunça é eliminada no próprio banho. Vem com uma esponja em formato de peixe e uma
paleta para tintas em forma de mão.
Preço: 65 reais
Empresas consultadas: Alô Bebê e Safety 1st
Com reportagem de Gabriella
La mutación de Jade
A Globo ressuscita a mocinha muçulmana de O Clone num
remake da trama de Glória Perez voltado ao público latino
Marcelo Marthe, de Bogotá
Manoel Marques
PAN-AMÉRICA
Sandra Echeverría como Jade no centro de Bogotá, a 2 640
metros de altitude: estrela mexicana de uma novela brasileira
ambientada em Miami - e gravada na Colômbia
O Terminal del Sur - uma movimentada rodoviária de Bogotá, capital da Colômbia - foi tomado por uma horda de
muçulmanos fajutos na última quarta-feira. As placas em espanhol foram substituídas por outras escritas em árabe.
Sessenta figurantes completavam a ambientação de um aeroporto fictício do Marrocos. Um Marrocos, frise-se, bem
familiar para os brasileiros. A novela El Clon é a versão hispânica de O Clone, melodrama de Glória Perez que fez
sucesso na Globo em 2001. Em exibição há duas semanas na Telemundo, rede voltada ao público latino dos
Estados Unidos, a produção manteve intacto o tal núcleo muçulmano. Mas, em vez do Rio de Janeiro, tem Miami
como cenário principal. O folhetim está sendo gravado na Colômbia com atores de diversos países hispânicos, de
Cuba a Argentina. Interpretada pela carioca Giovanna Antonelli na história original, a protagonista Jade ganhou o
corpo da mexicana Sandra Echeverría. Acostumada a papéis de moça sofredora nas telenovelas de sua terra natal,
ela se diverte com as agruras que Glória Perez reservou à personagem - na cena do aeroporto, Jade é presa e
humilhada ao tentar fugir do Marrocos. "Me impressiona como essa Rade (o nome fica assim na pronúncia
castelhana), coitadinha, é chorosa", diz Sandra.
A coprodução com a Telemundo, braço latino da rede americana NBC, representa uma nova estratégia da emissora
brasileira nos esforços para exportar suas novelas. Desde os anos 70, quando vendeu O Bem-Amado para uma
rede mexicana, a Globo lucra com a comercialização de suas tramas. Exibida em noventa países, O Clone é uma
das mais bem-sucedidas nesse mercado. Mas a venda de novelas "em lata", como se diz no jargão dos executivos
de TV, esbarra num obstáculo. "Sempre que o público estrangeiro (assim como o brasileiro) tem a opção de ver
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produções que reflitam seus gostos e costumes, acaba por preferi-las em detrimento das produções importadas",
afirma Guilherme Bokel, diretor de produção internacional da Globo. Em anos recentes, emissoras que antes eram
clientes tradicionais da Globo em diversas latitudes passaram a apostar em sua própria teledramaturgia. A emissora
continua a licenciar novelas, mas elas agora quase não vão mais para o horário nobre, e sim para a faixa da tarde
ou para a TV a cabo. Nessas situações, o rendimento proporcionado pela venda de um capítulo de novela pode ser
até um décimo daquele alcançado quando a exibição é no horário nobre (de 40 000 dólares, em média).
Comercializar a fórmula, em vez do produto pronto, tornou-se uma alternativa a ser explorada.
MOÇA SOFREDORA
Cena em que Jade dá à luz no Marrocos de El Clon: gravações
cronometradas para garantir um ritmo ágil - bem diferente do
original brasileiro
El Clon não é a primeira coprodução da Globo e da Telemundo. Oito anos atrás, elas se uniram para fazer Vale
Todo. O remake do sucesso de 1988 tinha elenco hispânico e exibia algumas adaptações (os personagens
tomavam tequila em vez de caipirinha, por supuesto). Mas o cenário era o Rio de Janeiro e, de resto, a trama
remetia em tudo à original. Não funcionou. "A lição que tiramos é que só ter atores hispânicos não garante a
identificação com o público", diz Ricardo Scalamandré, diretor de negócios internacionais da Globo. A nova
empreitada procura sanar essa fa-lha multiplicando os detalhes modificados conforme o gosto da freguesia. Saíram
de cena Copacabana e o piscinão de Ramos, para dar lugar à badalada Miami Beach. O famigerado bar da Dona
Jura foi trocado por uma boate de salsa - não só por adequação musical, mas também para permitir a exploração de
corpões semidesnudos. A perua madura representada por Vera Fischer foi substituída por uma jovem "loba" - como
os hispânicos se referem a uma mulher espalhafatosa e vulgar. "Há muitas criaturas assim à caça de partidos ricos
em nossos países", diz Geraldine Zivic, a loira argentina que faz a personagem. A mudança que chama mais
atenção - para melhor - é de tom e de ritmo. O dramalhão ganhou registro de comédia e a trama se desenrola sem
firulas: as longas tomadas do diretor Jayme Monjardim foram podadas em favor da ação. Cada cena é cronometrada
para ser o mais veloz possível. Essa receita se revelou, até agora, acertada. Nos primeiros dias, El Clon ficou em
primeiro lugar em audiência entre os canais latinos em Miami.
A escolha da Colômbia como sede das gravações não é fortuita. O país emergiu como um polo internacional de
produção de TV depois que as ações do governo do presidente Álvaro Uribe diminuíram o clima de insegurança nas
grandes cidades. Contribuem ainda a distância relativamente pequena dos Estados Unidos (cinco horas de voo até
Miami) e a visibilidade alcançada por uma novela colombiana, Betty, a Feia - que desde sua primeira exibição, em
1999, ganhou versões em vinte países (a mais recente das quais no Brasil, pela Record). Hoje, a Fox e a Sony
mantêm estúdios na Colômbia. E as produções da Telemundo atraem estrelas de vários países. É o caso de Saúl
Lisazo, um similar argentino do brasileiro José Mayer e o nome mais famoso de El Clon. Lisazo, que na juventude foi
jogador de futebol (atuou por um ano no Juventus paulistano), reclama nos bastidores da precariedade dos estúdios
da Telemundo. "Nas cenas externas, não tenho direito nem a um camarim privativo", diz o astro argentino. Sandra
Echeverría, de 28 anos, foi cantora de um grupo juvenil de sucesso e protagonizou duas novelas no México. Hoje
vive em Los Angeles, onde fez um filme com um dos atores adolescentes de High School Musical, Corbin Bleu.
Desde novembro, porém, trocou Hollywood por Bogotá. Suas primeiras semanas de gravação foram prejudicadas
pela soroche, o mal-estar de que sofrem os recém-chegados à altitude de 2 640 metros da capital colombiana. "Só
sarei depois de tomar muito chá de coca", conta ela.
Ela se diverte
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Desde que estreou no cinema, há três décadas, Meryl Streep é um paradigma
de excelência. Mas hoje ela não é só admirada, como antes. Aprendeu a
ser leve e calorosa e fez o que ninguém imaginava ser possível para
uma atriz de 60 anos em Hollywood: virou campeã de bilheteria
Isabela Boscov
Andrea Barbe/Corbis/Latinstock
DO JEITO QUE ELA É
Meryl, que no dia 7 concorre pela 16ª vez ao Oscar: a técnica é o
primor de sempre e a aparência é sem retoques. Só a
espontaneidade não era natural, e veio com o tempo
Desde a sua primeira personagem de destaque, em O FrancoAtirador, de 1978, Meryl Streep estabeleceu uma reputação que
nunca esteve perto de ser abalada: a de ser um dos talentos
Videogaleria
mais fulgurantes da história do cinema. Não havia papel que ela
Personagens de Meryl Streep
não pudesse fazer; não havia idioma que ela não aprendesse ou
aparência que não fosse capaz de adquirir. Meryl interpretava
mães que abandonam filhos (Kramer vs. Kramer, 1979), mães
que escolhem qual filho entregar aos nazistas (A Escolha de Sofia, 1982), aristocratas europeias que se acham
donas de tribos africanas (Entre Dois Amores, 1985), alcoólatras terminais (Ironweed, 1987), mães suspeitas de
assassinar filhos (Um Grito na Escuridão, 1988). E, em vez de colher antipatia, colhia indicações a prêmios e
aclamação. Mas não tietagem. Sua beleza patrícia não é bem a matéria-prima de que se fazem as fantasias. Seu ar
era meio distante, cortante até, e sua técnica extraordinária chegava a intimidar. Meryl, enfim, era perfeita demais e
calculada demais. Era fácil admirá-la; gostar dela, nem tanto. Hoje, entretanto, é preciso puxar pela memória para
lembrar que ela um dia provocou esse tipo de reação. Pouco a pouco, de uns quinze anos para cá, ela foi se
tornando uma das atrizes mais queridas do cinema americano. E, precisamente há quatro anos, virou algo que
mulher nenhuma na meia-idade espera ser em Hollywood: uma campeã de bilheteria, que bate fácil rivais bem mais
jovens (veja o quadro). Meryl, é evidente, se destaca porque nunca deixou diminuir as qualidades que já possuía.
Mas está nessa situação privilegiada porque aprendeu a única coisa que ainda não sabia sobre atuar: a se divertir, e
divertir-se muito. Até com coisas de gosto duvidoso como Simplesmente Complicado (It’s Complicated, Estados
Unidos, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país.
Nessa espécie de catarse cômica para mulheres trocadas por outras com a metade de sua idade, Meryl é Jane, há
dez anos divorciada de Jake. Ele se casou com a amante morena e esguia; ela ficou sozinha. Na festa de formatura
do filho do meio, os dois se encontram num bar de hotel. Drinque vai, drinque vem, terminam na cama, onde Jake
(Alec Baldwin, outro que está em sua melhor fase) descobre como é bom não ter de correr atrás de alguém com o
VEJA TAMBÉM
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dobro da energia e, arrebatado, lembra-se de como a mulher que ele deixou é espirituosa, encantadora e bonita.
Não se exige nenhum esforço de imaginação para entender a recaída de Jake. Meryl, nesta sua fase tão calorosa,
faz de Jane uma personagem pela qual é inevitável que tanto ele como a plateia se apaixonem. Não obstante o
roteiro um bocado ordinário da diretora Nancy Meyers, cheio de vulgaridades gratuitas, Meryl faz tudo funcionar - até
aquelas cenas que hoje provavelmente podem ser adquiridas como formulário em papelarias, em que um grupo de
amigas se encontra para beber e fofocar. (Só uma coisa está além de sua habilidade: tornar crível seu flerte com o
personagem de Steve Martin, tão abotoadinho que a ideia de um contato íntimo entre os dois causa certo pavor.)
Divulgação
PRAZER DESCOMPLICADO
Meryl e Baldwin: catarse para mulheres trocadas por
outras com a metade de sua idade
Simplesmente Complicado, portanto, é um filme muito inferior à sua estrela. Mas não é o primeiro do qual se pode
dizer isso; mais importante e curioso é que se trata exatamente do tipo de escolha com que ela reformulou sua
carreira e
ganhou a
espontaneidad
e e leveza que
lhe faltavam.
No fim da
década de 80,
depois que
sua segunda
menina com o
escultor Don
Gummer
nasceu (ela
tem um filho e
três filhas), a
atriz decidiu
que ficara
difícil demais
conciliar o
trabalho com a
família.
Passou, então, a mirar em projetos com os quais ela pudesse lidar como um emprego, do qual se volta para casa a
tempo de preparar o jantar. Fez bobagens como Ela É o Diabo, A Morte Lhe Cai Bem e Rio Selvagem, foi acusada
de se vender ao sistema e não deu a menor bola: estava aprendendo, não sem dificuldade, a exercitar algum humor
e despretensão. Em 1995, finalmente, caiu-lhe nas mãos o papel que apontaria os seus instintos artísticos em uma
nova direção - o da dona de casa frustrada que vive uma brevíssima paixão com um fotógrafo, em As Pontes de
Madison, no qual Clint Eastwood, seu parceiro de cena e diretor, arrancou dela uma espontaneidade e um prazer
descomplicado que, até ali, lhe escapavam.
Meryl continua obsessivamente técnica, e muitos dos projetos em que se engaja exigem dela todo aquele arsenal
que desde o início a distinguiu - como o fantasma de Ethel Rosenberg em Angels in America, a jornalista que
embarca numa aventura com um caipira desdentado em Adaptação ou a freira fanática de Dúvida. Mas são essa
espontaneidade e esse prazer, mais a segurança da idade (60 anos bem conservados e orgulhosamente sem
retoques), que fizeram dela um sucesso sem precedentes. O Diabo Veste Prada a tornou um ícone. Mamma Mia!,
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que sem ela seria insuportável, é o único filme encabeçado por uma atriz que está entre os cinquenta campeões
mundiais de bilheteria. E, por Julie & Julia, ela concorre neste ano pela 16ª vez ao Oscar, um recorde absoluto entre
intérpretes. Se sair vitoriosa (seria a terceira vez), provavelmente vai dar o show de sempre, comparecendo à
cerimônia com um vestido inexplicável, óculos de leitura e penteado de quem terminou a faxina às pressas. Meryl já
não tem a menor necessidade nem vontade de impressionar - e por isso mesmo fica cada vez mais impressionante.
A razão e as paixões
O historiador Niall Ferguson é mais um na larga lista
dos sábios que agem como tolos na vida privada
Bruno Meier
Jemal Countess/Wireimages
SÓ CORAÇÃO
Ferguson e a namorada, Ayaan Hirsi Ali: ele
corre o risco de ser depenado num divórcio
A ideia de que a inteligência consegue domar as paixões é tão antiga quanto a filosofia grega - e nunca se
comprovou. Bem ao contrário. Aqueles que se dedicam seriamente a cultivar o intelecto são com frequência os que
se rendem de maneira mais espalhafatosa aos seus (maus) instintos. Veja-se o caso do historiador escocês Niall
Ferguson, de 45 anos. Na última década, ele se tornou uma grande autoridade em história da economia. A revista
Time o classificou como um dos pensadores mais influentes do mundo.
Na semana
passada,
contudo, as
infidelidades
de Ferguson
vieram a
primeiro plano.
Aparentement
e encantado
com o próprio
sucesso (a
razão sucumbindo às paixões...), ele desenvolveu hábitos de mulherengo e embarcou numa série de casos
extraconjugais. O atual é com a escritora Ayaan Hirsi Ali, uma somali que os radicais muçulmanos juraram
assassinar: submetida na infância a uma mutilação religiosa - a excisão do clitóris -, Ayaan tornou-se, com o tempo,
umas das mais acerbas críticas do islamismo. Ferguson entregou-se de maneira tão inconsequente e pública ao
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namoro que sua mulher, humilhada, agora só pensa em retaliar: tudo indica que o professor de finanças vai ser
depenado num divórcio milionário.
De fato, não são incomuns os escândalos e trapaças protagonizados por intelectuais. Na década de 40, por
exemplo, todo mundo parava para comentar as baixarias entre o escritor americano Ernest Hemingway e sua
mulher, a jornalista Martha Gellhorn. A rotina só se encerrou quando Hemingway passou a perna em Martha,
fazendo-se contratar em seu lugar por uma revista. Martha, finalmente, tomou vergonha e se separou. Norman
Mailer, outro grande da literatura americana, chegou a esfaquear a segunda de suas seis mulheres e, no fim da vida,
era quase mais lembrado por gastar dinheiro com pensões do que por sua contribuição às letras do século XX.
Escabroso, também, foi o caso do cineasta Woody Allen, que, em 1992, acabou posto para fora de casa por sua
mulher, a atriz Mia Farrow, quando ela descobriu que o marido possuía fotos de uma das filhas adotivas do casal,
Soon-Yi Prévin, nua. A história resultou num dos divórcios mais ruidosos das últimas décadas. Mentes brilhantes,
comportamento infame. Essa é a galeria em que o economista Niall Ferguson entrou.
Touro sentado
Aos 84 anos, B.B. King, o último pioneiro vivo do blues, se apresenta
no Brasil. Já não toca de pé - mas não perdeu nada da perícia à guitarra
Sérgio Martins
Larry Marano/Corbis/Latinstock
TODAS AS PLATEIAS
Nos anos 60, os jovens negros rejeitaram o blues como música
dos tempos de escravidão e deram as costas para B.B. King, que
passou a tocar para brancos: "Para mim, racismo não se
combate com violência, mas com trabalho e educação"
O guitarrista americano B.B. King tem 84 anos, sofre de
diabetes há mais de duas décadas, é hipertenso e odeia
• Quadro: Testemunha ocular da história
ginástica. Nos últimos anos, o excesso de peso lhe trouxe
problemas no joelho, que o obrigam a tocar sentado. Mas a
saúde claudicante não lhe tirou o prazer de subir ao palco. Ele "reduziu o ritmo", ainda que faça mais de 100
apresentações por ano. Na segunda quinzena do mês, desembarca no Brasil para shows no Rio, em São Paulo e
Brasília. "Há uma atividade física que não abandono, andar de um saguão do aeroporto para outro", diz. São
apresentações imperdíveis. Ele criou um estilo próprio, com staccati e vi-bratos delicados, que nos anos 50 foram
assimilados por artistas de rock. Sua música atravessou o oceano e influenciou artistas como Keith Richards e Eric
Clapton, que na década seguinte invadiram as paradas de sucesso americanas. B.B. King é o último pioneiro vivo do
blues.
Riley B. King nasceu nos arredores de Indianola, cidade do estado americano de Mississippi, em 16 de setembro de
1925. Quando King completou 4 anos, seus pais se separaram. Ele foi morar com a mãe e a avó e, aos 10 anos, já
trabalhava nos campos de algodão. Ganhava 35 centavos de dólar por dia. Nas plantações, ouvia os cantos
entoados pelos catadores, que estão na raiz do blues. Uma de suas tias possuía um fonógrafo. Sua maior diversão
passou a ser escutar os discos de Blind Lemon Jefferson e Mississippi John Hurt. Ele comprou sua primeira guitarra
VEJA TAMBÉM
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aos 12 anos. "Era acústica porque não havia eletricidade na minha casa", diz. Em 1946, mudou-se para Memphis
decidido a se tornar músico e, três anos depois, já era um artista em ascensão. Adotou o nome artístico de B.B.
King: o B.B. quer dizer Blues Boy.
De todos os gêneros de música negra que floresceram no começo do século XX nos Estados Unidos, o blues foi o
mais marcado pela memória da escravidão. O jazz tinha um espírito de liberdade e desafio (traduzido na
improvisação), o rhythm’n’blues exaltava a sexualidade e o soul era celebratório. Mas o blues - palavra que em
inglês quer dizer "tristeza" - remetia à vida nas senzalas ou à miséria dos negros no período posterior à abolição.
Não por acaso, quando o movimento dos direitos civis ganhou força nos Estados Unidos, em meados do século XX,
os jovens negros passaram a rejeitar esse tipo de música. "King então se voltou para a América branca. Ele
apresentou o blues a esse público", explica Peter Guralnick, historiador e crítico musical. O fato de tocar para
brancos lhe rendeu apelidos como "Pai Tomás" (em alusão à figura do negro dócil, eternizado no livro da escritora
Harriet Beecher Stowe). "Os insultos me machucaram, mas não me destruíram. Para mim, o racismo não se
combate com violência, mas com trabalho e educação", diz ele. O preconceito racial é um tema central da
autobiografia de King. Ele o aborda com indignação, mas sem raiva. Lembra-se do bisavô escravo e de ter de
caminhar 9 quilômetros, todos os dias, para chegar a uma escola que aceitava negros. Diz que as imagens de um
linchamento que presenciou na infância o perseguem até hoje. E fala do período que passou no Exército, aos 18
anos: "Os soldados brancos preferiam sentar-se ao lado dos prisioneiros alemães a ficar conosco. Sentiam-se mais
à vontade com pessoas que poucos dias antes estavam matando americanos".
King tem quinze filhos com quinze mulheres (mas só se casou duas vezes) e atualmente está solteiro. É dono de
uma rede de restaurantes - a B.B. King Blues Club & Grill -, mas a música é seu principal negócio: estima-se que ele
tenha vendido mais de 40 milhões de discos ao redor do mundo. Nesta década, lançou álbuns importantes como
Riding with the King, parceria com o discípulo Eric Clapton. Seu CD mais recente chama-se One Kind Favor e foi
lançado em 2008. "Existe a história do bluesman que vende a alma ao diabo para tocar melhor. Talvez eu tenha
topado com ele, mas nunca o reconheci", brinca. "E não é necessário ser triste e pobre para tocar blues. Sou um
bluesman. E sou feliz.
Entrevista: Aldemir Bendine
O lucro não é vergonha
Para o presidente do Banco do Brasil, as instituições financeiras públicas devem contribuir
mais para o crescimento do país sem abrir mão da rentabilidade
Giuliano Guandalini
Os bancos públicos, aqueles controlados pelo governo, ainda têm um papel a cumprir no desenvolvimento do país,
mas desde que trabalhem em busca contínua da eficiência e da rentabilidade. É sob essa perspectiva que Aldemir
Bendine comanda, há dez meses, a maior instituição financeira do país, o Banco do Brasil. "Não precisamos ter
vergonha de obter lucros", afirma Bendine. "Os lucros demonstram a eficiência na administração dos negócios."
Nascido em 1963 em Paraguaçu Paulista, no interior de São Paulo, começou a trabalhar no banco como office boy
aos 14 anos, quando ser funcionário do BB era sinal de status, principalmente nas cidades pequenas. Em 1982, foi
admitido por concurso público. Formado em administração de empresas, casado e pai de duas filhas, Bendine – ou
"Dida", como os amigos o chamam – chegou à presidência do banco, o topo
da carreira na instituição, em abril do ano passado. Foi indicado pelo
ministro da Fazenda, com a responsabilidade de reduzir as taxas de juros.
Tal incumbência não impediu o BB de registrar, em 2009, o melhor resultado
de sua história: lucro de 10,1 bilhões de reais, de acordo com números
divulgados na semana passada. Bendine falou a VEJA.
"Não me agrada o maniqueísmo entre público e privado. O modelo
misto pode atender a uma economia melhor do que os dois extremos
O Banco do Brasil alcançou em 2009 o melhor resultado de sua
história, com um lucro superior a 10 bilhões de reais e crescimento de
15% em relação a 2008. Como foi possível isso em um ano em que a
economia brasileira ficou estagnada?
No início do ano passado, quando ainda imperava uma crise de confiança,
havia um travamento das linhas de crédito no país. Isso aconteceu por
causa do receio de que houvesse um contágio mais profundo da turbulência
externa, como em outras crises do passado. Nesse ambiente de incertezas,
a reação dos bancos foi restringir a concessão de empréstimos e elevar as
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taxas de juros. Nossa estratégia, ao contrário, foi apostar na recuperação rápida da economia brasileira. Foi uma
receita relativamente simples, mas que se revelou acertada e vencedora. Fizemos isso num momento em que o
mercado estava bastante conservador. Mas, de acordo com informações de que dispúnhamos, esse
conservadorismo era exagerado. A situação da economia real não justificava essa atitude.
Mas havia uma determinação política do governo de reduzir os juros, motivo inclusive que o levou à
presidência do banco. O BB foi até mesmo criticado por cobrar juros, em algumas linhas, maiores que os de
bancos privados.
De fato, o governo julgava que não havia razão para aquela reação exagerada, justificada apenas por uma crise de
confiança. Houve, de minha parte e dos diretores que comigo assumiram em abril passado, uma confluência de
visão com essa avaliação do governo. Acreditávamos que poderíamos reduzir os juros e tivemos o apoio para fazêlo. Um dos pontos a ser realçados é que fomos beneficiados pelo fato de, em meio a uma crise, o Banco do Brasil
ser visto como um porto seguro para os depósitos. Atraímos assim clientes de qualidade. Hoje, a taxa de
inadimplência de nossos clientes é inferior à média do mercado bancário nacional.
Observada pelo retrovisor, essa "receita simples", como o senhor a classifica, comprovou-se eficaz. Mas
não houve o risco de comprometer o patrimônio do banco?
Não foi uma aposta irresponsável, desprovida de fundamentos. Apenas fomos mais corajosos. Tínhamos suporte
técnico para tomar aquela decisão. Os juros bancários haviam subido bem acima do razoável, e decidimos reduzilos antes de nossos concorrentes. Houve um momento em que o mercado como um todo, inclusive o Banco do
Brasil, fez uma leitura equivocada do que estava ocorrendo. Nós saímos na frente na correção dos excessos. Na
sequência, os demais bancos fizeram o mesmo. Não existiam razões concretas para aquele travamento nas linhas
de crédito. Se essa restrição perdurasse, aí sim haveria um contágio mais profundo da economia brasileira – algo
que felizmente não ocorreu.
A rentabilidade dos bancos brasileiros não é exagerada, particularmente no caso do BB, um banco público?
É preciso desmitificar algumas questões. A rentabilidade dos bancos brasileiros, ao contrário do que se diz, não
extrapola o que ocorre em outros países. Em segundo lugar, não é verdade que o setor financeiro seja o mais
lucrativo do país. Há outras atividades mais rentáveis. O terceiro ponto é que não existem razões para sentirmos
vergonha de ter lucro. Pelo contrário. Os lucros demonstram a eficiência na administração do negócio. Não é preciso
ter timidez em evidenciar os resultados positivos dos bancos brasileiros. Trata-se de uma consequência da eficiência
alcançada por essas instituições, que estão entre as mais competitivas do mundo.
Corrigidos os excessos do momento de quebra de confiança, nos meses mais acerbos da crise, os juros
bancários recuaram. Ainda assim, as taxas são elevadíssimas, entre as mais altas do mundo. Por quê?
Na composição das taxas de juros, que nada mais são do que o valor a ser cobrado dos clientes para cada tipo de
empréstimo, existem dois fatores que estão sob a influência direta do banco. Em primeiro lugar, a inadimplência, ou,
visto de outra maneira, o risco de que haja perda do capital emprestado. O segundo componente é a própria
eficiência operacional do banco. Agora, existem outros elementos que oneram os juros bancários, mas estão fora do
controle das instituições financeiras: a elevada carga de tributos que recai sobre os financiamentos e também os
depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos. Sem mexer nessas duas questões, não haverá como reduzir
significativamente os juros bancários neste momento.
O histórico de má administração e utilização política de bancos públicos já levou o governo a capitalizar
essas instituições com dinheiro do Tesouro, bancado pelos contribuintes. Estamos livres desse risco?
É preciso ficar bem claro que essa nova emissão de ações não tem nada a ver com a situação em que o banco se
encontrava em 1995, por exemplo. Naquele momento houve a necessidade de uma aplicação de dinheiro público,
inclusive elevando a participação do governo no bloco acionário, por causa de uma deficiência na contabilidade do
banco. O que estamos fazendo agora, com essa nova emissão, não é para tapar buracos do passado. Pelo
contrário, a intenção é ter capital para investir e crescer. A participação privada, agora, crescerá. Com relação à
ingerência política, tenho certeza de que o banco está hoje muito mais protegido contra qualquer interferência
maléfica.
No passado, com a doença da inflação e a instabilidade financeira, não havia crédito suficiente para
financiar o consumo e as empresas no país. A presença dos bancos estatais era justificada para suprir essa
deficiência. Com a conquista da estabilidade, os bancos privados voltaram a financiar o setor produtivo.
Qual a utilidade atual dos bancos públicos?
Não me agrada uma discussão maniqueísta entre público e privado. O modelo misto pode atender a uma economia
muito melhor do que os dois extremos. O BB representa muito bem esse modelo. Não é um banco 100% público.
Possui ações negociadas em bolsa. Por isso temos a obrigação de apresentar resultados positivos não somente
para o governo, que é nosso acionista majoritário, mas também para os nossos acionistas minoritários. Não tenho
dúvida de que esses investidores estão felizes com a atual administração do banco. Mas não podemos nos guiar
somente pela lógica de mercado. Se fosse para fazer apenas o que as instituições privadas já fazem, seria melhor
privatizar o BB. Penso que ainda temos uma função de indutores do desenvolvimento do país. Executamos
determinados papéis que às vezes não são atrativos para os bancos privados, desde que mantidas as premissas de
rentabilidade que guiam a ação do banco. Somos responsáveis por 65% do crédito agrícola, por exemplo, e temos
uma rentabilidade fantástica com essa carteira de clientes.
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O crédito tem crescido rapidamente no Brasil, acima de 10% ao ano. O financiamento chegou a pessoas que,
até pouco tempo atrás, não dispunham nem mesmo de conta bancária. Podemos sofrer uma crise similar à
ocorrida nos Estados Unidos?
A curto prazo, de maneira nenhuma. Não existe a menor possibilidade de termos uma bolha semelhante à
americana. Os brasileiros, em sua maioria, ainda estão comprando o seu primeiro carro, a sua primeira casa. Há
muito espaço para que o crédito continue crescendo no país. Ao contrário do que ocorreu no mercado americano, no
qual as pessoas estavam comprando a sua terceira casa, o seu quinto automóvel. Além disso, o sistema financeiro
do Brasil é bem mais conservador, não se norteia por apostas que não sejam lastreadas na economia real. Temos
também uma regulação financeira mais rígida, que se mostrou exemplar e coíbe apostas meramente especulativas.
Quais deverão ser os campos mais promissores nos próximos anos do ponto de vista da ampliação do
crédito no país?
Podemos esperar duas grandes expansões nos próximos anos. A primeira delas é a de investimentos em
infraestrutura. Os financiamentos nessa área deverão avançar rapidamente, estimulados pelas obras necessárias à
realização da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio. Haverá também a necessidade de levantar capital para a
exploração do petróleo na camada do pré-sal. O segundo evento extraordinário que presenciaremos ocorrerá no
setor imobiliário. Com o amadurecimento da economia, os financiamentos residenciais ganharão força. Além disso,
estima-se que o país tenha um déficit de 8 milhões de moradias. A massa salarial dos trabalhadores vem crescendo,
então as pessoas se sentem mais confiantes para financiar a casa própria.
No capitalismo pós-crise, o sistema financeiro mundial parece caminhar para uma concentração. Como isso
afeta o Brasil?
O sistema bancário passa, de fato, por um processo de concentração. Ao contrário do que se possa pensar, isso é
salutar. Como em outras atividades, ter escala é fundamental. Sem isso, não há como reduzir custos, oferecer
preços mais atraentes e ser mais eficiente. Essa concentração tem sido observada no Brasil. Existem hoje no país
dois grandes bancos públicos (BB e Caixa Econômica Federal), dois grandes privados de capital nacional (Itaú
Unibanco e Bradesco) e dois grandes privados de capital estrangeiro (Santander e HSBC). Considero esse um bom
modelo, com concorrência bastante acirrada. Nesse cenário, é natural que os bancos brasileiros ampliem sua
participação no mercado internacional. No BB, temos uma meta de ampliar expressivamente nossas atividades lá
fora. O primeiro passo será atender os milhares de brasileiros que vivem no exterior. Outro ponto importante é a
internacionalização das empresas brasileiras. Existem hoje 200 grupos nacionais com presença significativa no
comércio externo que necessitam de um suporte dos bancos brasileiros.
É possível imaginar a fusão do Banco do Brasil com algum outro banco privado nacional, para assim criar
uma potência financeira global?
Não imagino, ao menos a curto prazo, uma fusão pura e simples.
Fala-se de uma possível união com o Bradesco...
Em determinados negócios, por que não? Já somos sócios em alguns empreendimentos. Temos uma cultura de
administração muito parecida. Eu, particularmente, guardo uma grande admiração pelo seu Lázaro Brandão
(presidente do conselho do Bradesco). Procuro me espelhar na fórmula de administração dele, baseada na
simplicidade, na serenidade, no pragmatismo e em muito trabalho.
Lya Luft
Alegres e ignorantes
"Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos,
ainda que sem ações espetaculares"
Há fases em que, inquieta, eu talvez aponte mais o lado
preocupante da vida. Mas jamais esqueço a importância
do bom humor, que na verdade me caracteriza no
cotidiano, mais do que a melancolia. Meu amado amigo
Erico Verissimo certa vez me disse: "Há momentos em
que o humor é até mais importante do que o amor". Eu
era muito jovem, na hora não entendi direito, mas a vida
me ensinou: nem o amor resiste à eterna insatisfação, à
tromba assumida, às reclamações constantes, à
insatisfação sem tréguas. Bom humor zero. Desperdício
de vida: acredito que, junto com dinheiro, sexo e amor, é
a alegria que move o mundo para o lado positivo. Ódio,
indignação fácil, rancores e inveja – e nossa natureza
predadora – promovem mediocridade e atos cruéis.
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Quando, seja na vida pessoal, seja como cidadãos ou habitantes deste planeta, a descrença e o desalento rosnam
como animais no escuro no meio do mato, uma faísca de bom humor clareia a paisagem. Mas há coisas que nem
todo o bom humor do mundo resolveria num riso forçado. Como senti ao ler, numa dessas pesquisas entre
esclarecedoras e assustadoras (quando vêm de fonte confiável), que mais de 30% da nossa chamada elite é de
uma desinformação avassaladora. Aqui o termo "elite" não tem a ver com aristocracia, roupa de grife, apartamento
em Paris ou décima recostura do rosto, mas com a gente pensante. A que usa a cabeça para algo além de separar
orelhas. Pois, segundo a pesquisa, entre nós a imensa maioria dos ditos pensantes não consegue dizer o nome de
um só ministro desta nossa República. Senadores, nem falar.
A turma que completa o 2º grau, que faz faculdade, que tem salário razoável, conta no banco, deveria ser a
informada. Essa que não precisa comprar carro em noventa meses e deixar de pagar depois de quatro. A elite que
consegue viajar conhece até algo do mundo, e poderia ter uma pequena biblioteca em casa. Em geral, não tem.
Com sorte, lê jornal, assiste a boas entrevistas e noticiosos daqui e de fora, enfim, é gente do seu tempo. Para isso
não se precisa de muita grana, acreditem. Mesmo assim, essa elite é pouco interessada numa realidade que afinal é
dela.
Resolvi testar a mim mesma: nomes de ministros atuais desta nossa República. Cheguei a meia dúzia. São quase
quarenta. Então começo a bater no peito, em público, aliás. Num país onde mais da metade dos habitantes são
analfabetos, pois os que assinam o nome não conseguem ler o que estão assinando, ou vivem como analfabetos,
pois não leem nem o jornal largado na praça, os que sabem ler deveriam ser duplamente ativos, informados e
participantes. Não somos. Nossos meninos raramente sabem o título de seus livros escolares ou o nome dos
professores (sabem o dos jogadores de futebol, dos cantores de bandas, das atrizezinhas semieróticas). Agimos
como se nada fora do nosso pequeno círculo pessoal nos atingisse.
Além das desgraças longe e perto, vindas da natureza ou do homem, estamos num ano eleitoral. Inaugurado o circo
de manobras, mentiras e traições escrachadas ou subliminares que conhecemos. Precisamos de claridade nas
ideias, coragem nos desafios, informação e vontade, e do alimento dos afetos bons. Num livro interessante (não
importa o assunto) alguém verbaliza velhas coisas que a gente só adivinhava; um filme pode nos lembrar a
generosidade humana; uma conversa pode nos tirar escamas dos olhos. Estar informado e atento é o melhor jeito
de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares. Mas, se somos
desinformados, somos vulneráveis; se continuarmos alienados, bancaremos os tolos; sendo fúteis, cavamos a
própria cova; alegremente ignorantes, podemos estar assinando nossa sentença de atraso, vestindo a mordaça,
assumindo a camisa de força que, informados, não aceitaríamos.
Alegria, espírito aberto, curiosidade, coisas boas desta vida, todos as merecemos. Mas me poupem do risinho tolo
da burrice ou da desinformação: o vazio por trás dele não promete nada de bom
Roberto Pompeu
O ano eleitoral - uma prévia
"Nas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma
campanha pobre de uma rica será acompanhar o movimento dos olhos do candidato"
Braços ao alto, mãos enlaçadas, eles e elas encenam uma coreografia de unidade que, não fossem a proeminente
barriga de um, a careca de outro e uma geral dificuldade nos quesitos presteza e agilidade, poderia ser tomada
como um ensaio a seco de balé aquático. Assistiremos a muitas cenas dessas. Elas constituem o momento de
apoteose das convenções partidárias. O ritual é copiado das convenções americanas, mas com uma importante
diferença. Nos Estados Unidos, só duas pessoas, os escolhidos para presidente e vice, compõem a cena. No
sistema macropartidário e hipercoligativo vigente no Brasil, é uma multidão que se apresenta no palco – o candidato
titular, o vice, seus padrinhos, os chefes partidários, os candidatos a outros cargos, os infiltrados. Em um ou outro
dos protagonistas, o desempenho será enriquecido pela exibição de manchas de suor nas axilas, na hora de
levantar os braços. Releve-se. É o preço que se paga pelo calor, real e simbólico, reinante no ambiente. Indiferentes
aos percalços, eles e elas se exibem à plateia amiga com a mesma certeza do aplauso com que terminam seu ato
as bailarinas de cancã.
Na verdade, já tivemos uma primeira encenação desse número na convenção do PT que recentemente sagrou sua
candidata, ou melhor, "pré-candidata". Mas, para mostrar que a futurologia do colunista está afiada, sigamos em
frente com atos, cenas e rituais que, mesmo com a campanha oficial ainda não iniciada, já marcam presença em sua
bola de cristal. Para continuar no capítulo do gestual, quando os candidatos falarem na TV será constante o recurso
ao "martelinho". O martelinho é aquele gesto de, punho cerrado, golpear o ar, para reforçar o discurso. A intenção é
transmitir firmeza e determinação. Nessas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de
distinguir uma campanha pobre de uma rica, quando falharem os outros, será acompanhar o movimento dos olhos
do candidato. Candidato de campanha pobre move os olhos, e o detalhe denuncia que está lendo. No candidato de
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partido rico, os olhos permanecem tão fixos que até parece que fala de improviso. É a qualidade do teleprompter
que se impõe.
Depois virão os filmes – ah, os filmes! Eles sugerem o beatífico mundo que nos aguarda caso aquele partido, ou
aquele candidato, saia vitorioso. Campos floridos, extasiantes horizontes, gente sorridente. A música de fundo é
idílica, e pode terminar triunfante como a estocada final de uma ária de Puccini. Pessoas são entrevistadas na rua, e
não poupam louvações ao candidato. Como esse candidato é querido! É só sair à rua, uma câmera na mão e um
microfone na outra, e chovem os testemunhos de suas boas qualidades. Os filmes também exibirão crianças
correndo alegres e soltas, jovens casais enlaçando-se sorridentes, mulheres grávidas contemplando confiantes a
própria barriga. Se o leitor não sabe, fique sabendo que tanto as crianças como os jovens casais e as mulheres
grávidas representam o futuro. No caso, o futuro de paz e felicidade que nos garantirá a eleição daquele candidato.
O quê? Que diz o leitor amigo? Ah, sim, até agora só abordamos o lado cosmético da campanha eleitoral. Falta falar
no conteúdo. Vejamos o que diz a respeito a bola de cristal. Os programas oficiais de governo será bom esquecer.
Conterão só palavrório para cumprir uma formalidade. Entrevistas na TV com jornalistas independentes não haverá,
e debate de verdade só no segundo turno, entre dois candidatos. Antes disso, tanto as entrevistas como os debates
serão inviabilizados pela impossível exigência de igualdade entre todos os candidatos prevista em lei. Pronto. Estará
composto o cenário para que, quanto ao conteúdo, a campanha transcorra rigorosamente dentro dos cânones de
uma moderna campanha política, qual seja: sem conteúdo.
Todo o esforço será antes para esconder o candidato do que para exibi-lo. A ideia será fantasiá-lo de modo a deixar
exposto o mínimo possível de sua própria pele e osso. Se ocorrer um momento em que ele seja atalhado com uma
pergunta direta sobre assunto polêmico, o bom candidato estará treinado para contornar o assunto. Não sejamos tão
rigorosos. Descontemos que sempre será possível intuir como será o governo de alguém por seu perfil, sua biografia
e suas ações. Mas, quem pretender uma resposta específica e direta sobre algum assunto controverso, desista. A
própria bola de cristal do colunista confessa sua impotência, nesses casos. Cada um que consulte a sua
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