PRODUÇÃO TÉCNICA DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU- UNESP Programa de PG em Medicina Mestrado Profissional Associado à Residência Médica MEPAREM AUTOR: MESTRANDA GRACILENE PINHEIRO SILVA ORIENTADOR: ANTONIO JOSE MARIA CATANEO CO-ORIENTADORA: DANIELE CRISTINA CATANEO Projeto: “Por que pedi este exame? Empiema em criança” Projeto realizado com o objetivo de orientar os alunos e residentes na prática da medicina utilizando os exames subsidiários que realmente possam ajudar no diagnóstico e tratamento do doente. MEPAREM 2015 Todos os casos apresentados são reais e resultantes da busca ativa feita pelo residente pós graduando nos arquivos do HC. Por questões éticas não serão fornecidas iniciais ou RG dos pacientes. TODAS AS CRÍTICAS APRESENTADAS SÃO CONSTRUTIVAS VISANDO À MELHOR FORMAÇÃO DE NOSSOS ALUNOS E RESIDENTES. Objetivos Minimizar a radiação ao paciente. Diminuir os gastos com radiografias e ultrassonografias desnecessárias. Direcionar as radiografias para os pacientes que realmente necessitem delas. SOLICITAÇÃO DE EXAMES DE IMAGEM PARA DIAGNÓSTICO E CONDUTA EM DERRAMES PLEURAIS EM CRIANÇAS – RELATO DE CASOS OBJETIVO DA PRODUÇÃO TÉCNICA Evidenciar a importância do exame físico criterioso e da pronta avaliação do resultado dos exames radiográficos na condução do diagnóstico e conduta a adotar em pacientes pediátricos. Método: relato de casos acompanhados pelo serviço no ano de 2014, sendo os dados colhidos por meio de revisão dos prontuários arquivados em computador da Instituição. Discussão e considerações: o estudo das condutas apresentadas nesses relatos permite inferir que o diagnóstico de um derrame pleural pode ser facilitado por exames de imagem, mas deve-se, antes de tudo, acreditar no exame físico e história clínica. INTRODUÇÃO No Brasil, o derrame pleural em criança com idade inferior a cinco anos constitui a mais frequente causa de internação hospitalar (DATASUS, 2014). O diagnóstico de pneumonia, e consequente derrame pleural, podem basear-se em dados clínico-radiológicos, sendo os clínicos essenciais na prática médica, apesar de apresentarem entraves técnicos como, por exemplo, o choro da criança durante a realização do exame físico, que pode prejudicar a ausculta, mas às vezes pode até ajudar na análise da transmissão do som, se este é facilitado pelo processo pneumônico ou dificultado pela barreira provocada pelo derrame pleural. Considerando a importância do exame físico, que envolve uma criteriosa avaliação geral do paciente com destaque para as características clínicas, a suspeita do derrame pleural exige um exame completo e minucioso do tórax, onde vamos encontrar uma barreira à transmissão do som, que é percebida tanto pela nossa audição e pela diminuição da broncofonia, como pelo nosso tato, pela diminuição do frêmito. A nossa visão também pode auxiliar, pois a inspeção pode mostrar um hemitórax com expansão estática, e às vezes até com abaulamento intercostal. A radiografia de tórax é um exame subsidiário, indicada no caso de suspeita de pneumonia e derrame parapneumônico, para confirmação do diagnóstico. Esse exame, além de avaliar o pulmão, avalia também o fluido pleural e suas características, sendo que sua indicação justifica-se clinicamente e sua interpretação procedida de forma sistemática e minuciosa, a começar pela qualidade da técnica radiológica, pois exames de má qualidade levam a diagnósticos equivocados. Deve-se sempre levar em consideração que se pedimos uma radiografia para confirmar um derrame pleural, não adianta fazer uma radiografia AP com a criança deitada. Isso vai nos confundir mais ainda. Ou colocamos a criança sentada, ou fazemos um decúbito lateral com raios horizontais (Laurell). Afinal esta é a única utilidade que vemos no Laurell. Um levantamento de crianças tratadas em nosso HC (KUNYOSHI et al., 2005), apresenta mais de 100 casos de derrame pleural parapneumônico em dois anos de pesquisa e, destes, mais de 20 tinham um Laurell, e em nenhum caso esse exame teve algum valor. A ultrassonografia também tem o seu papel no derrame pleural (CATANEO et al., 2008; PINOTI et al., 2006). A ultrassonografia, apenas em caso de dúvida, pode auxiliar na confirmação da presença de derrame e na identificação do melhor local para toracocentese ou drenagem. Ou seja, o ultrassom representa uma ferramenta útil na avaliação de pacientes com derrame pleural durante a fase de diagnóstico e em associação a procedimentos invasivos. Devemos sempre ponderar, comparando o exame físico e achado radiológico com o resultado de um ultrassom, pois este exame pode atrapalhar ao invés de ajudar, uma vez que é examinador dependente. Assim, nos permitimos repetir, o exame físico, que obrigatoriamente deve anteceder qualquer pedido de exame radiográfico ou laboratorial, é soberano. Estes relatos de casos foram elaborados no intuito de alertar os acadêmicos e residentes de Medicina para a conveniência/necessidade da prática médica de solicitar exames subsidiários como auxiliares no diagnóstico da doença e tratamento do doente. Para isso, devemos fazer os seguintes questionamentos: 1- Por que pedi este exame de imagem? 2- Qual a urgência do mesmo? Estas questões tem os seguintes objetivos: a) evidenciar a importância do exame físico inicial criterioso (que pode fornecer um diagnóstico seguro e, possivelmente, dispensar a solicitação de exames de imagem mais sofisticados). Devemos saber em que aquele exame vai auxiliar na tomada de decisões para o tratamento adequado do doente; b) mostrar a importância da pronta avaliação do resultado dos exames radiográficos solicitados – nos casos em que necessitamos adotar uma conduta imediata devido à gravidade do caso a radiografia precisa ter avaliação imediata; c) minimizar a radiação ao paciente não solicitando o que não vai ajudar no diagnóstico; d) diminuir gastos desnecessários com exames de imagem. REFERÊNCIAS 1- Cataneo, AJM; Pinotti, KF; Cataneo, DC. Major key topics concerning role of ultrasound in pediatric pneumonias complicated with empyema. In: Yearbook of Respiratory care clinics and applied technologies, 2008, p. 439. 2- Kunyoshi, V; Cataneo, DC; Cataneo, AJM. Complicated pneumonias with empyema and/or pneumatocele in children. Pediatr Surg Int (2006) 22: 186–190. DOI 10.1007/s00383-005-1620-5 3- http://tabnet.datasus.gov.br/tabnet/tabdescr.htm RELATO DOS CASOS CASO 1 – Lactente do sexo masculino, um ano de idade, tratamento prévio de pneumonia, mantendo quadro de dispneia e febre alta, foi internado neste serviço no dia 22 de determinado mês de 2014. O menor deu entrada apresentando bom estado geral, hipoativo, corado, hidratado, afebril, acianótico, anictérico, gemente. Exame clínico: Ausculta Cardíaca: RCR2T, BNF, sem sopros, FC 145 BPM; Ausculta Pulmonar: MV+, estertores bibasais mais acentuados à esquerda, além de roncos difusos; Tempo expiratório aumentado, retração de fúrcula, tiragem subcostal e intercostal; FR 60IPM, SAT.O2 95% cateter de O2 a 2L/min; Abdome: flácido, RHA+, ausência de visceromegalias. Diante desse quadro paciente foi internado sendo realizada inalação com berotec, antibioticoterapia e solicitados hemograma e radiografia de tórax (Figura 1). Observação: notar que este exame físico torácico está incompleto. Não consta a palpação para sabermos como está o frêmito tóraco vocal que poderia estar diminuído à direita, nem a percussão para sabermos se o som é claro pulmonar, ou até maciço, e a ausculta também esta incompleta, pois não consta a broncofonia. Tudo isto que está faltando poderia nos informar se existe barreira à transmissão do som, que acontece no derrame pleural. Fig. 1: Radiografia de tórax AP deitado, que sugere derrame pleural à direita, mas se fosse feito com a criança sentada poderíamos ter certeza. Dois dias após internação paciente mantinha tiragem subcostal e de fúrcula com saturação de 88% em ar ambiente; MV presente com sibilância e roncos difusamente, com melhora parcial à oxigenoterapia e inalação. Até essa data a radiografia solicitada na internação ainda não havia sido avaliada pela equipe cuidadora. No decorrer deste mesmo dia a criança evoluiu com piora do quadro respiratório. Ao exame “MV +, muito diminuído em HTD, diminuição mais importante em base, crepitação grossa eventual em base de HTD, roncos de transmissão em ápice”. No quarto dia de internação, mesmo após exame físico inicial sugestivo, é que foi interrogado derrame pleural, sendo solicitada nova radiografia de tórax com incidência em Laurell, além de ultrassonografia de tórax. Após realização da radiografia (Figura 2), e ainda no aguardo da US, equipe cuidadora entra em contato com a Cirurgia Geral às 17:15h. A C B Fig.2: A- Radiografia em AP, criança deitada. B- Perfil deitado. C- Laurell direito (decúbito lateral direito com incidência de raios horizontais). Nota-se processo expansivo à direita. Apesar da criança estar desviada para a esquerda, fato que poderia simular esta expansão, é notório que o gradil costal esta mais expandido à direita, além do mediastino estar desviado para a esquerda. Neste caso o Laurell não ajudou em nada, e poderia ter sido evitado, pois não existia sinal nenhum de ar pulmonar à direita, devido ao derrame ocupar toda a cavidade pleural, e obviamente o Laurell seria semelhante ao AP, não ajudando em nada. Paciente é avaliado pela Cirurgia Geral em conjunto com a Cirurgia Torácica duas horas após, sendo indicada toracocentese diagnóstica, uma vez que o exame físico era compatível com barreira e a radiografia confirmava a hipótese de derrame pleural. Programado procedimento para a manhã do dia seguinte (26) pela necessidade de jejum para a realização do procedimento. Esse procedimento foi contraindicado no começo da noite devido ao resultado da ultrassonografia (Figura 3). Fig. 3: Laudo da ultrassonografia de tórax. Nota-se que o ultrassom, que é examinador dependente, só atrapalhou. O médico responsável pela criança preferiu acreditar no ultrassonografista que está vendo a criança pela primeira vez, e não acreditar no seu próprio exame. No decorrer desse dia 26 a criança evolui com episódios de cianose perioral acompanhada de sibilos, gemência, desconforto respiratório importante, com tiragem subcostal e intercostal e saturando menos que 90%, com necessidade de máscara de oxigênio. Devido ao desconforto respiratório, utilização de musculatura acessória e necessidade de FiO2 elevada para manter SatO2 entre 97 e 100%, a criança foi transferida para a UTI às 22h. Às 23h criança fica hipoativa, hiporreativa mantendo desconforto respiratório importante, sendo então submetida a sequencia rápida de drogas e intubação orotraqueal. Na manhã do dia seguinte (27) devido à piora progressiva do quadro respiratório e necessidade de intubação orotraqueal, a equipe cuidadora discutiu sobre possíveis causas para tamanho comprometimento e optou por solicitar tomografia de tórax, para elucidação do quadro (Figura 4). Fig. 4: Nota-se que a única coisa que mudou foi a de que deve ter se rompido uma pneumatocele, ou abscesso, e entrou ar na cavidade pleural. Veja que o derrame ocupa todo o hemitórax direito, como já era possível saber pala radiografia simples. Essa TC não ajudou em nada. O exame foi realizado por volta das 10:40h do mesmo dia (27), tendo a criança evoluído com instabilidade hemodinâmica após exame, cujo resultado evidenciou importante derrame pleural, sendo então novamente solicitada a Cirurgia Torácica que realizou, na UTI Pediátrica, toracocentese diagnóstica (com saída de líquido purulento) e posterior drenagem de tórax, com melhora importante dos parâmetros ventilatórios. Após o procedimento paciente permaneceu por mais 5 dias em IOT com melhora gradual do padrão respiratório, sendo possível a extubação e acompanhamento em enfermaria. Criança permaneceu 17 dias com dreno de tórax, tendo alta hospitalar em bom estado geral 3 dias após a retirada do dreno (Figura 5). Fig. 5: Radiografia de tórax da alta hospitalar. Lições a serem aprendidas com este caso: 1 - Realizar um exame físico completo, e acreditar nele. 2 - Se suspeita de derrame pleural exigir, que a radiografia seja feita com a criança sentada. 3 - Avaliar prontamente o exame solicitado. 4 - Verificar a necessidade de utilização do método de Laurell. Saiba que na maioria das vezes ele não ajuda em nada. 5 - Estudar a necessidade de solicitar tomografia para fazer o diagnóstico de um derrame pleural quando o exame físico e a radiografia simples já são suficientes para tal. CASO 02 – Paciente do sexo feminino, 4 anos, foi recebida no dia 11 de determinado mês de 2014, proveniente de outro Serviço com histórico de pneumonia complicada que evoluiu com derrame pleural. Durante avaliação da Cirurgia Torácica, mãe relatou que há 28 dias a criança apresentou quadro de dor torácica antero-lateral à esquerda, sem febre, tosse ou outra alteração e permaneceu internada por 3 dias para tratamento de Pneumonia com uso de antibioticoterapia. Nesse período, evoluiu com febre e tosse, sendo então transferida para um segundo Serviço onde foi diagnosticado derrame pleural, sendo realizada antibioticorerapia e toracocentese aliviadora diária. Após realização de tomografia de tórax (Figura 1), cinco dias antes de nossa internação (dia 06), como auxílio diagnóstico, foi visualizado derrame pleural de grande volume em hemitórax direito. Neste período de 5 dias após a realização da TC, a criança teve melhora da febre e da dor, sendo encaminhada então ao Hospital das Clínicas da FMB para avaliação da imagem radiológica. Fig 1 – TC de tórax mostrando derrame pleural tomando todo HTE com pequeno nível hidroaéreo, provavelmente devido à entrada de ar durante as punções previamente realizadas. Em nosso HC a criança, avaliada primeiramente pela equipe da Pediatria, apresentava-se em bom estado geral, sem queixas, mucosas úmidas, coradas, eupneica, acianótica, afebril, frequência cardíaca de 122 bpm, frequência respiratória de 42 ipm, temperatura de 36,4°C, saturando 97% em ar ambiente. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular diminuído em base D, maciço à percussão, sem ruídos adventícios, sendo aventada a hipótese de pneumonia complicada com derrame pleural e solicitada nova radiografia de tórax (dia 11, Figura 2). Fig. 2: Radiografia em AP provavelmente sentada, pois mostra linha reta (nível?) tanto no ápice do HTE como na bolha gástrica, e perfil que não acrescenta nada, bastaria o AP, o qual mostra processo expansivo à esquerda, desviando o mediastino para a direita, e empurrando a cúpula diafragmática esquerda para baixo, que pode ser percebido pelo rebaixamento da bolha gástrica. Diante da história clínica, do exame físico, da tomografia do dia 06, das radiografias do dia 11, do quadro estável e da ausência de queixas, a Cirurgia Torácica indicou toracocentese diagnóstica a ser realizada no dia seguinte (12) devido à necessidade de jejum para o procedimento no centro cirúrgico. Paciente foi internada aos cuidados da Pediatria que adotou, como conduta inicial, antibioticoterapia, acompanhamento conjunto com a Cirurgia Torácica e nova tomografia de tórax, mesmo após exames físico e de imagem serem compatíveis com derrame pleural e apesar da indicação de toracocentese pela Cirurgia Torácica. Na manhã do dia 12, quando o Centro Cirúrgico comunicou disponibilidade de sala, a criança se encontrava no setor de radiologia (Figura3), o que postergou a toracocentese diagnóstica e posterior drenagem de tórax para o período vespertino do mesmo dia. Fig. 3: Tomografia do dia 12, idêntica aquela do dia 6. Por volta das 15 horas, criança foi encaminhada ao centro cirúrgico onde foi realizada toracocentese diagnóstica com saída de líquido purulento e posterior drenagem de tórax com débito imediato de 300ml. A radiografia após drenagem é apresentada na figura 4. Fig. 4: Radiografia do dia 14 pós-drenagem de tórax: mostrando espessamento pleural parietal e visceral e cavidade pleural residual. Após drenagem criança evoluiu de forma satisfatória, manteve-se sem queixas e afebril. O aspecto do líquido drenado e o volume foram melhorando progressivamente. Após 15 dias de drenagem houve saque acidental do dreno e, mesmo tendo débito de 20 ml seropurulento, foi optado por conduta expectante. Paciente teve melhora gradual do quadro pulmonar, sem intercorrências após saque acidental, tendo alta hospitalar em bom estado geral 3 dias após saída do dreno de tórax. A radiografia da alta hospitalar é apresentada na figura 5. Fig 5 – Radiografia da alta hospitalar: mostrando a melhora da expansão pulmonar com ocupação de toda cavidade pleural. Lições a serem aprendidas deste caso: 1 - Punções seriadas feitas em outro serviço não é o tratamento adequado para empiema pleural, a conduta deve ser a drenagem. 2 - Por que esperar cinco dias para encaminhar a criança, que apresenta um derrame tomando todo o HTE? 3 - Se apresentava um exame físico com semiologia de barreira à transmissão do som, já trazendo exames anteriores que mostravam derrame, qual a dúvida para pedir outro exame radiológico? O derrame continua lá, senão a semiologia seria outra. 4 - Foi pedida uma radiografia de tórax em AP e perfil. A incidência AP até pode ser necessária para um médico que não confia no seu exame físico, mas para que o perfil? No que ele ajudou? 5 - E o pior, qual a necessidade de outra tomografia de tórax? Isso só aumenta as despesas do HC e tira a chance daqueles que realmente necessitam do exame. E, além disso, a criança já tinha sido chamada para a drenagem no centro cirúrgico, tirando a chance também de outra pessoa que poderia ter sido operada. Leituras sugeridas file:///C:/Users/Cataneo/Downloads/Derrame%20pleural%20%20Tratamento%20do%20empiema%20em%20crian%C3%A7as.pdf file:///C:/Users/Cataneo/Downloads/3.%20Tratamento%20do%20empiema%20em% 20crian%C3%A7as.pdf