CLASSE E GÊNERO: ABORDAGENS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

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CLASSE E GÊNERO: ABORDAGENS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
MULHERES DE ASSENTAMENTOS RURAIS
CLASS AND GENDER: APPROACHES OF PUBLIC POLICIES FOR WOMEN OF
RURAL SETTLEMENT
Valéria Peron de Souza Pinto
Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD
Bolsista FUNDECT/MS
[email protected]
João Edmilson Fabrini
Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD
[email protected]
RESUMO
Esse trabalho se propõe a verificar as políticas públicas desenvolvidas para mulheres camponesas de
assentamentos rurais à partir da cartilha: Políticas Públicas para Mulheres Rurais no Brasil, material
desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Foram relatadas quatorze iniciativas
como sendo políticas públicas para mulheres rurais. A importância dessas políticas para mulheres de
assentamento rural se dá frente às demandas das lutas de classe e de gênero travadas por elas, mas
verifica-se que essas políticas nem sempre refletem em situação de igualdade essas duas frentes.
Palavras-chave: políticas públicas; mulher camponesa; assentamento rural; classe; gênero
ABSTRACT
This study aims to verify the public policies developed for rural women of rural settlement from the
booklet: Public Policies for Rural Women in Brazil, material developed by the Ministry of Agrarian
Development. Fourteen initiatives were reported to be public policies for rural women. The
importance of these policies for rural settlement women occurs meet the demands of class struggles
and gender fought for them, but it turns out that these policies do not always reflect on an equal
footing these two fronts.
Keywords: public policy; peasant woman; rural settlement; class; genre
INTRODUÇÃO
O Movimento das Mulheres trabalhadoras sem terra tem suscitado discussão sobre a
realidade vivida pelas mulheres do campo em suas lutas, sejam essas lutas de classe ou de
gênero, duas frentes que se entrelaçam perante as demandas existentes por reconhecimento de
direitos trabalhistas, direito das mulheres, direitos que preservem condições dignas de vida,
inclusão social, econômica e política. Na luta de classe as mulheres procuram seus direitos
enquanto classe trabalhadora rural, unidas por um movimento maior, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), na luta de gênero pelos direitos enquanto mulheres,
mães, esposas.
Heredia e Cintrão (2012) ao estudar as diversidades de gênero na zona rural brasileira,
afirma que elas estão ligadas a outras diferenças sociais e acontecem no meio urbano, no meio
rural e se apresentam em várias regiões do país. A falta de políticas públicas específicas para
mulheres rurais aumenta ainda mais as dificuldades vividas nesse meio e faz com que as
condições de vida sejam ainda piores aumentando os problemas relativos a gênero. Um
exemplo dessa desigualdade é a legislação trabalhista rural que só foi promulgada 30 anos
após a legislação trabalhista urbana.
Levando-se em consideração as lutas de classe e de gênero presentes na vida das
mulheres assentadas, este trabalho busca através de levantamento teórico bibliográfico
verificar no contexto da Cartilha intitulada: Políticas Públicas para Mulheres Rurais no Brasil,
desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário através da Diretoria de Políticas
Públicas para as Mulheres, em março de 2016, quais as políticas públicas voltadas para
mulheres camponesas de assentamento rural.
O CAMPESINATO E O CRÉDITO
Na ordem capitalista a luta travada contra a concentração pela posse da terra é uma
luta de classe, é uma luta que afeta tanto homens como mulheres de assentamento rural, mas
na luta de gênero dentro da mesma ordem, a realidade da mulher é diferente da do homem.
O acesso à terra e nela sua permanência são o foco das lutas dos camponeses,
independente da luta os fins são os mesmos (MORALES, 2010).
Para Martins (1981) a “expansão do capitalismo no campo” é uma expressão
comumente usada para explicar as diversas mudanças ocorridas no meio rural brasileiro,
mesmo essas mudanças representando fatos contrários, se o camponês fica no campo, a causa
é a expansão do capitalismo, ou se o camponês é expulso do campo, também a causa é a
expansão do capitalismo. Essa explicação segundo o autor é simplória demais para esse tipo
de questão e não podemos nos limitar a analisar “causa e efeito entre o capital e os problemas
que vão surgindo”.
Na expansão do capitalismo o principal é que os trabalhadores são livres, não possuem
propriedade. A única propriedade que possuem é a sua força de trabalho. Como não possuem
instrumentos de trabalho, nem matéria-prima, são obrigados a vender sua força de trabalho
para o empregador capitalista, pois esse possui os instrumentos de trabalho e a matéria-prima.
Nasce aí uma relação de compra e venda, o empregador compra a força de trabalho e o
trabalhador a vende e recebe o salário como pagamento, que é a conversão de uma parte do
capital do patrão, “assim o trabalho é apropriado pelo capital, é como se fosse uma força do
capital e não do trabalhador”. A força de trabalho do trabalhador não lhe serve de nada sem os
instrumentos necessários para que ele possa realizar seu trabalho e que pertencem ao
empregador capitalista.
Dessa forma, vender a força de trabalho é o que lhe resta para que ele possa, através
do salário pago por essa troca, comprar bens e serviços para sobreviver. O capitalista, por sua
vez, espera que com essa troca da compra da força de trabalho pelo salário, possa ganhar e
sair mais rico do que quando começou, e esse ganho se dá através da mais valia gerada pela
força de trabalho no processo produtivo. Essa relação aparente de troca produz resultados
desiguais. O trabalhador recebe o salário e o capitalista o lucro, cujo valor foi gerado por meio
do trabalho.
Sem possuir maquinários, instrumentos, ou sementes, a maioria dos trabalhadores e
trabalhadoras de assentamentos rurais começa a vida só com a posse da terra nua. Esta
realidade dificulta a permanência da família no campo. Uma saída é a venda da força de
trabalho, para garantir o acesso básico para sobrevivência. Ou na existência de oportunidade
de crédito oferecido por políticas públicas específicas, os assentados têm a chance de investir
em seu lote e procurar assim melhorar suas condições de trabalho e produtividade.
A sujeição da renda da terra ao capital se observa hoje tanto na grande propriedade,
quando na pequena propriedade do tipo camponesa. É a apropriação que o capital faz da renda
da terra. Na grande propriedade onde a renda é alta a apropriação é direta, na pequena
propriedade onde a renda é baixa, não há apropriação direta da propriedade, mas há criação
para exploração do excedente econômico, fazendo com que o “pequeno produtor” fique
dependente de crédito bancário, e comprometa a propriedade como garantia dessas dívidas
criadas para investimento e custeio na lavoura. Assim o banco tira do lavrador a renda da
terra, esse último paga uma renda de uma terra que é sua (MARTINS, 1981).
A oferta de crédito aos assentados pode ser extremamente benéfica do ponto de vista
da oportunidade de investimento e crescimento da produção, mas também perigosa quando
intempéries atrapalham a produtividade, a geração de renda e, consequentemente, interferem
nos pagamentos aos credores, gerando o risco da inadimplência e do endividamento.
MULHERES NA BUSCA POR DIREITOS
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra reúne em nível nacional a
organização dos acampamentos como forma de luta pela terra.
Segundo o site oficial do MST, o movimento foi fundado em 1984:
...os trabalhadores rurais que protagonizavam essas lutas pela democracia da
terra e da sociedade se convergem no 1° Encontro Nacional, em Cascavel,
no Paraná. Ali, decidem fundar um movimento camponês nacional, o MST,
com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e
lutar por mudanças sociais no país.
Discussões e publicações específicas que tratavam de gênero foram implantadas no
MST a partir da década de 1990. A construção de um “novo” sujeito social tem sido
destacado nas falas e publicações do MST. Nessa construção são constantes questões que
envolvam as mulheres, mesmo sem a direta discussão de gênero. A desigualdade entre os
gêneros, ou as preocupações em torno das mulheres não são o foco da luta do MST, a
igualdade, a desigualdade, o homem, e a mulher são concepções com categorizações binárias
que muito mais fixam do que eliminam as hierarquias, principalmente quando se fala de
gênero (SILVA, 2004).
Para Gonçalves (2009), a presença das mulheres no MST pode ser compreendida de
diferentes formas: no momento de ocupação da terra, quando com frequência elas estão na
linha de frente nos confrontos armados; no acampamento, onde segundo a autora, se vive a
maior proximidade entre os sexos, é o momento onde há uma maior participação política das
mulheres, apesar das constantes e violentas investidas dos jagunços; e quando, no
assentamento, as mulheres se retiram para a esfera doméstica.
Segundo documento criado pelo MST, A Questão da Mulher no MST, após Encontro
Nacional de Mulheres Militantes do MST, realizado em maio de 1996, para as mulheres, nos
acampamentos e assentamentos se reproduzem os mesmos problemas que fora desse contexto,
discriminação, dupla moral, falta de condições para participação política, etc. No MST, as
mulheres lutam, mas não tem representatividade. Há diferenças entre a teoria pregada pelo
movimento com relação à sua participação e a prática aplicada. Sua participação é tida como
secundária. Como causa desses problemas apontam três focos: a sociedade, pelo preconceito
pré-existente contra o homem e a mulher do campo decorrente da idéia de atraso das relações
sociais no campo; o MST, onde, a maioria dos participantes, que são do sexo masculino, acha
que o problema não existe, não há interesse na criação de mecanismos de incentivo de
participação das mulheres dentro do movimento, falta preparo na formação dos membros do
MST; e o último foco, as próprias mulheres, que tem medo de enfrentar o problema.
No caso do Movimento Sindical, ao longo do crescimento da participação de
mulheres, a década de 1980 foi caracterizada pelo fortalecimento, em muitos estados, do
movimento autônomo de mulheres rurais, o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais
(MMTR). Em 1985, no IV Congresso da CONTAG, as questões das mulheres rurais foram
tratadas com seriedade primeiramente no fórum nacional do movimento dos trabalhadores. O
gatilho veio da primeira reunião oficial do (MMTR) de Sertão Central, em Pernambuco. Em
1986 foi preparado um documento pelo grupo conhecido como MARGARIDAS (em
homenagem a Margarina Alves, líder nordestina assassinada), onde era proposto que o título
da propriedade fosse emitido em nome do casal e que os direitos à propriedade e à reforma
agrária da mulher chefe de família fossem reconhecidos independente do seu estado civil. A
Constituição de 1988 incluiu a mulher na reforma agrária, além de estabelecer direitos iguais
para homens e mulheres rurais e urbanas em relação à legislação do trabalho e aos benefícios
de previdência social, como seguro desemprego e por invalidez, 120 dias de licençamaternidade remunerada para as mulheres. A idade de aposentadoria para mulheres rurais foi
estipulada em 55 anos e para os homens rurais em 60 anos, ou após 30 anos de serviço para
mulheres e 35 para homens. As questões de obtenção de benefícios específicos para mulheres
na previdência social e no direito a obtenção à terra foram os fatores que uniram todas as
mulheres independente da classe na luta de gênero. A CONTAG, a CUT e os MMTRs foram
as maiores apoiadoras desse contexto pelo reconhecimento da profissão das mulheres rurais.
Segundo Deere (2004)a formação dos MMTRs estaduais se deu por mulheres
membros dos sindicatos filiados à CONTAG ou à CUT através da necessidade de criar um
espaço próprio para lidar com questões específicas de gênero e que tratasse dos interesses das
mulheres. Mesmo que algumas dessas mulheres chegassem a posições de liderança dentro dos
sindicatos rurais e em outros movimentos, como o MST, elas freqüentemente se frustravam
quando suas pautas de reivindicações específicas de questões de gênero eram tidas como
irrelevantes ou deixadas em segundo plano por reivindicações de classe e econômicas que
motivavam essas organizações.
Mas foi o MST o principal movimento durante todo esse período que ditou o ritmo e a
essência da reforma agrária, mas manteve-se silencioso quanto às questões de gênero,
tratando classe e gênero como temas inconciliáveis (DEERE, 2004).
Em Gonçalves (2009), a autora expõe que as discussões de gênero, não era tema de
preocupação do Movimento durante sua formação, como exemplo do artigo 45, do
Documento Básico do MST de 1993: “considerar as questões específicas das mulheres e sua
participação como parte integrante das reivindicações e da organização, tratando como classe
e não enquanto gênero”; e ainda, o mesmo documento no artigo 152 traz: “sobre a produção
– temos que garantir a participação das mulheres e todos os níveis da cooperação agrícola e
sobretudo estimular sua participação no trabalho produtivo, como também combater as
desigualdades e o tradicionalismo que existe no meio camponês. As preocupações aqui são
nítidas no sentido da luta da mulher pela classe, e mesmo quando se fala em estímulo à
participação produtiva, combater desigualdades. A conotação é de defesa da classe
trabalhadora e não pelos problemas específicos enfrentados por gênero.
Deere (2004, p.176) traz duas razões pelo qual pode se dar o reconhecimento dos
direitos da mulher à terra:
.....o reconhecimento da importância dos direitos das mulheres à terra
geralmente acontece por duas razões, pelos argumentos produtivistas e de
empoderamento. A abertura do MST às questões de gênero, no final da
década de 1990, está relacionada com a crescente aceitação do argumento
produtivista, ou seja, que o não reconhecimento dos direitos da mulher à
terra é prejudicial ao desenvolvimento e à consolidação dos assentamentos e,
portanto, ao movimento. Agora se reconhece que a distribuição e a titulação
conjuntas da terra para casais são uma pré-condição para a participação das
mulheres nas assembleias dos assentamentos, nas associações e
cooperativas, e que sua participação leva a melhores resultados tanto para a
comunidade como para as mulheres. Há também uma consciência crescente
de que os direitos à terra fortaleceram a posição de barganha das mulheres e,
portanto, sua habilidade em defender e perseguir seus próprios interesses de
gênero práticos e estratégicos. Dado o compromisso do MST com a
igualdade social e de gênero, há uma aceitação crescente do argumento do
empoderamento: ou seja, que as relações de gênero devem mudar, o que por
sua vez requer um crescimento no poder de barganha das mulheres dentro da
família e da comunidade como medidas interativas e complementares.
A desvalorização, a invisibilidade e a negação das atividades das mulheres, na
produção, conduziram ao esfacelamento de inúmeros projetos geralmente ligados à geração
de renda, os quais acabaram se concentrando em atividades pouco remuneradas e segregadas
por sexo, já que se estabeleceram em âmbitos femininos as atividades domésticas vinculadas
majoritariamente às mulheres. Aproveitam-se os conhecimentos das mulheres prendadas para
a produção e venda de peças com o objetivo de angariar uma pequena renda extra no fim do
mês (VALENCIANO, 2006).
Segundo Silva (2004), as regras de cunho moral que envolvem sexualidade são claras
e se mantém como tabus. Cada sujeito que forma sua família no Movimento tem um papel a
desempenhar, como pai, mãe, filho. Essas regras são sempre mais rígidas para as mulheres.
Os homens possuem outro tipo de cobrança, com relação a seu trabalho ou sua posição
política dentro do movimento, regras herdadas ou concebidas de uma formação burguesa,
religiosa que definirão os valores a serem respeitados por homens e mulheres.
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS
Heredia e Cintrão (2012) ao tratar da diversidade de gênero na zona rural brasileira,
afirma que está ligada a outras diferenças sociais e acontecem no meio urbano, no meio rural
e se apresentam em diferentes regiões do país. A falta de políticas públicas específicas para
mulheres rurais aumenta ainda mais as dificuldades vividas nesse espaço e faz com que as
condições de vida sejam ainda piores, aumentando os problemas relativos a gênero. Um
exemplo dessa desigualdade é a legislação trabalhista rural que só foi promulgada 30 anos
após a legislação trabalhista urbana.
Em Heredia e Cintrão(2012):
Na agricultura familiar, além do trabalho na casa, as mulheres participam do
trabalho na agricultura e se responsabilizam pelo “quintal”, onde podem
realizar atividades agrícolas (hortas, pequeno roçado para consumo,
transformação de alimentos) e o trato dos animais, especialmente aqueles de
pequeno porte destinados ao consumo direto da família. Estas atividades não
são consideradas como trabalho porque não são contabilizadas em termos
monetários. Com isto, também não é considerado como trabalho o esforço
que demanda a sua realização, nem mesmo nos casos em que a existência
desses produtos contribui, como todos os outros, para conformar a renda da
unidade familiar, seja via consumo direto ou via venda. Em outras palavras,
para a mulher rural em regime de economia familiar, o trabalho agrícola é
uma extensão das suas tarefas domésticas, e portanto não considerado como
“trabalho” (HEREDIA, 1979).
Com base no documento intitulado Políticas Públicas para Mulheres Rurais no Brasil,
desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário através da Diretoria de Políticas
Públicas para as Mulheres, em março de 2016, foi formulado o quadro 1, que compilou o
documento citado demonstrando quais as políticas públicas desenvolvidas para mulheres
rurais.
Verifica-se que, de quatorze iniciativas listadas como Políticas Públicas para mulheres
rurais, no referido quadro, configuram-se efetivamente como política de crédito ou de
oportunidade de geração de renda somente o Inclusão Produtiva na Reforma Agrária através
do Fomento Mulher, Terra Sol e Terra Forte; Programa de Organização Produtiva de
Mulheres Rurais (POPMR), o Pronaf Mulher, o PAA e o Programa Mulheres e Agroecologia.
Os demais são auxílios à documentação, acesso a direitos e incentivo à pesquisa, não de
menor importância, pois no contexto esses programas podem melhorar a autoestima das
mulheres, como também, fortalecer a luta de gênero e a abertura a novas políticas específicas.
Os programas de crédito e facilitadores de geração de renda trarão por outro lado o
incentivo para o trabalho das mulheres nos assentamentos, podendo inclusive auxiliar na
manutenção da família no lote através da geração de renda. Esses programas podem evitar que
haja deslocamento de mão-de-obra de membros da família assentada para o meio urbano que
visem garantia de subsistência, dando oportunidade de que essa mão-de-obra seja aplicada no
próprio lote.
Os Programas citados no quadro a seguir (quadro 1) não são voltados unicamente para
mulheres camponesas de assentamentos rurais, mas todas as iniciativas ali descritas podem
beneficiá-las.
Quadro 1 - Políticas Públicas para Mulheres Rurais no Brasil.
Programa
Função
Programa Nacional Acesso à documentação civil básica, previdenciária e trabalhista para
de Documentação da mulheres rurais.
Trabalhadora
Rural (PNDTR)
Reforma Agrária com Garantia do direito das mulheres a serem beneficiárias da reforma agrária
Igualdade
em situação de igualdade aos homens, através da emissão da inscrição para
Relação de Beneficiários, para Concessão Real de Uso e para Titulação dos
lotes da reforma agrária constituídos por um casal em situação de
casamento ou união estável, em nome do homem e da mulher.
Inclusão Produtiva na Recadastramento das famílias por meio da Sala da Cidadania, para
Reforma Agrária
operacionalização das novas modalidades de crédito na Reforma Agrária.
Inclusão Produtiva na Fomento Mulher :Crédito Instalação com a função de promover a inserção
Reforma Agrária
e a participação das mulheres na dinâmica produtiva e econômica, bem
como contribuir para a igualdade entre mulheres e homens no meio rural.
Programa Terra Forte: visa incentivar a criação ou a modernização de
empreendimentos de cooperativas ou associações agroindustriais.
Programa Terra Sol: visa agroindustrialização e comercialização de
produtos, abarca também atividades não agrícolas, dando prioridade a
inclusão de jovens e mulheres de famílias de assentamento.
Programa Nacional Financia a aquisição de imóveis rurais que não podem ser desapropriados
de Crédito Fundiário para exploração em regime de economia familiar por trabalhadores e
(PNCF)
trabalhadoras rurais sem terra ou com pouca terra. As propostas do PNCF
para grupos de mulheres também apresentam benefícios em termos de
bônus.
Programa
de Fortalece as organizações produtivas das trabalhadoras rurais, incentivando
Organização
a troca de informações, conhecimentos técnicos, culturais, organizacionais
Produtiva
de de gestão e comercialização. Há três modalidades de apoio: Redes, Grupos
Mulheres Rurais
Produtivos de Mulheres e Feiras.
(POPMR)
Assistência Técnica e Assistência Técnica e Extensão Rural oferta serviços e assessoria técnica
Extensão
Rural destinados à orientação da produção agrícola e não agrícola diretamente
(ATER)
nas comunidades rurais e assentamentos da reforma agrária. A ATER atua
na orientação para a produção; em projetos de acesso aos Créditos
produtivos; em projetos de comercialização para o Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA) e/ ou Programa de Alimentação Escolar (PNAE),
entre outros. Modalidades existentes: ATER Mista e ATER Mulheres .
Pronaf Mulher
Linha de Pronaf específica que tem como objetivo reconhecer e estimular o
trabalho das mulheres rurais na agricultura familiar e nos assentamentos da
reforma agrária para desenvolver atividades agrícolas e não agrícolas. Para
facilitar o acesso, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) tem dupla
titularidade para homens e mulheres em situação de casamento ou união
estável.
Programa
de Fortalecer e garantir a comercialização de produtos da agricultura familiar,
Aquisição
de estabelecendo regras diferenciadas para a sua participação nas compras
Alimentos (PAA)
públicas. A participação das mulheres deverá ser considerada prioridade na
seleção e execução de propostas. A Resolução 44/2011 assegurou que, no
mínimo, cinco por cento (5%) da dotação orçamentária do PAA seja para
as organizações de mulheres ou organizações mistas com participação
mínima de setenta por cento (70%) de mulheres em sua composição.
Além disto, as modalidades do PAA asseguram cotas para atendimento de
mulheres, sendo: 40% na modalidade Compra com Doação Simultânea e
Compra Direta Local e 30% na Modalidade CPR-Estoque.
Mulheres
e O reconhecimento e a valorização do protagonismo das mulheres na
Agroecologia
produção orgânica e de base agroecológica foram consolidados no Plano
Brasil Agroecológico – Plano Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (Planapo).
Apoio a estudos e O MDA, por meio da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais (DPMR)
pesquisas
e do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), tem
estimulado a produção e difusão de pesquisas e estudos que visam refletir
sobre a promoção dos direitos igualitários entre mulheres e homens no
meio rural.
Articulação
As Políticas para Mulheres Rurais também compõem a agenda de
Internacional
Cooperação Internacional do MDA. Dentre elas, destacam-se: a Reunião
Especializada da Agricultura Familiar do Mercosul (REAF), a Comunidade
de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Comunidade de Estados
Latinoamericanos e Caribe e relação com a Centro América (CELAC).
Fonte: Adaptado de: Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais – DPMR/MDA. Políticas Públicas
para Mulheres Rurais no Brasil.
Analisando nas políticas públicas relatadas os componentes de luta de classe e luta de
gênero, apesar da difícil separação de ambos, fica evidente as preocupações no
desenvolvimento de políticas que beneficiem ao mesmo tempo classe e gênero. Sendo
praticamente inexistentes políticas voltadas especificamente para os sujeitos “mulheres”
camponesas de assentamentos rurais.
Woortmann (1990, p.12), com relação ao camponês:
....não se vê a terra como objeto de trabalho, mas como expressão de uma
moralidade; não em sua exterioridade como fator de produção, mas como
algo pensado e representado no contexto de valorizações éticas. Vê-se a
terra, não como natureza sobre a qual se projeta o trabalho de um grupo
doméstico, mas como patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho
que constrói enquanto valor. Como patrimônio, ou como dádiva de Deus, a
terra não é simples coisa ou mercadoria.
Martins (1981), expõe a necessidade de se ouvir o camponês, e que o distanciamento entre os
partidos políticos e os partidos camponeses vem das dúvidas dos partidos políticos com
relação ao campesinato e suas lutas.
Martins (1981, p.17), com relação às lutas camponesas:
Classificar como populistas as lutas camponesas é parte de uma conduta
ideológica e política que só deixa às lutas camponesas o caminho da
alienação, do abandono, do misticismo, do bandidismo. É a recusa ao
campesinato do direito de se expressar politicamente, de manifestar os
termos de sua aliança com a classe operária sem a mediação de uma
perspectiva política, distorcida pelo compromisso da aliança preferencial
com a burguesia, com as classes dominantes, com o governo e com o
desenvolvimento da democracia burguesa.
Políticas públicas voltadas com a preocupação de gênero devem ser desenvolvidas
para valorização da mulher camponesa, atentando para sua ligação com a terra, com a família,
com o trabalho desenvolvido, valorizá-las como mulher, como produtora rural, como
trabalhadora, como mãe, como esposa, políticas que contemplem as diferentes jornadas de
trabalho enfrentadas e que acima de tudo partam das demandas apontadas por essas mulheres,
e não sejam impostas, sem conhecimento da real necessidade local, e somente baseadas em
componentes econômicos e de classe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se nas Políticas Públicas para Mulheres Rurais a abordagem de classe,
quando do oferecimento de crédito, que privilegia a classe trabalhadora, incentivos à geração
de renda, ao trabalho rural. A abordagem de gênero é verificada diretamente nos direitos
específicos garantidos às mulheres serem beneficiárias da reforma agrária em situação de
igualdade aos homens, através da emissão da inscrição para Relação de Beneficiários, para
Concessão Real de Uso e para Titulação dos lotes da reforma agrária, além dos documentos
básicos de direito à toda cidadã, como documentos de identidade e trabalhista.
O desenvolvimento de Políticas Públicas para Mulheres Rurais de Assentamento é primordial
para facilitar o incremento da produtividade dessas mulheres, assim como necessário à
garantia da igualdade de direito perante os homens rurais. Mas muitos obstáculos ainda
devem ser ultrapassados para que as políticas escritas no papel reflitam as reais necessidades
das mulheres camponesas de assentamento e se transformem efetivamente em ferramentas de
desenvolvimento e avanço nas suas lutas de classe e gênero.
Ouvir as solicitações colocadas nas manifestações dos Movimentos dos trabalhadores rurais,
no Movimento das Mulheres Trabalhadoras rurais é de suma importância para definição da
relevância na montagem de propostas de políticas públicas para mulheres rurais, é necessário
entender as demandas.
Agradecimento
Agradeço à Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia
do Estado de Mato Grosso do Sul - FUNDECT/MS pelo apoio financeiro concedido .
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