1 MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS BRASILEIROS: a atuação do MST na luta pela democratização da terra no Brasil Paulo Emílio de Araújo Neves* RESUMO Este trabalho tem por finalidade abordar as questões pertinentes defendidas ao longo da história brasileira pelos movimentos sociais, em especial o movimento social rural dos trabalhadores sem terra no Brasil. Os movimentos sociais surgem em detrimento de toda uma política de exploração da classe trabalhadora pela burguesia, onde esta desenvolve uma política de concentração de renda e trata os trabalhadores como mercadoria. Porém, na busca de se construir uma alternativa a essa situação é que o MST defende o fim do grande latifúndio para que seja democratizado o acesso a terra em nosso país. Palavras-Chaves: movimentos sociais, reforma agrária, MST. ABSTRACT This paper has the objective to discuss the questions focused by the social movements along the course of the brazilian history, especially the movement of no lands workers (MST) in Brazil. The social movements borns by consequence of a workers class political exploration by bourgeoisie, which set up a political of financial concentration and think about the workers class as merchandise. However, in the quest for solutions to these problems the MST claims for the end of the big latifundium, for a democratic access to lands in our country. Keywords: social movements, democratic lands division, MST. 1 INTRODUÇÃO O movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra atua de forma concreta contra qualquer política que visa a intensificação dos desníveis sociais. É correto afirmamos que o objetivo do MST, bem como outros movimentos de luta na construção de uma sociedade igualitária é que se cumpra o Art. 3º da Constituição brasileira vigente. I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; II) garantir o desenvolvimento nacional; III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No capítulo 3°, art. 184 Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. * Estudante Curso de Serviço Social da UFPA. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 2 Porém, os movimentos sociais no Brasil intensificam-se com a exploração cada vez mais acentuada do Grande Capital em relação ao trabalho humano. A década de 20 no Brasil foi marcante para a contestação do sistema capitalista, na medida em que ideologias de cunho anarquistas e socialistas eram discernidas no meio dos operários brasileiros por imigrantes europeus, pois, na Europa a questão sindical era fortemente discutida, principalmente a situação de vida e trabalho pela qual perpassava a classe trabalhadora, onde operários moravam em verdadeiros cortiços e em situação sub-humanas de moradia, com jornada de trabalho superior a de quatorze horas diárias, onde crianças e mulheres desempenhavam o mesmo trabalho dos homens, porém recebiam salários inferiores. A situação da classe trabalhadora no Brasil não era muito diferente da européia, porém os trabalhadores no Brasil no início do século XX estavam desmobilizados, mas, com esta ideologia de transformação social trazida pelos imigrantes, formou-se a base da organização dos trabalhadores brasileiros na luta pela melhoria da qualidade de vida e reestruturação das relações de trabalho. Os movimentos sociais trazem na sua gênese a característica de contestação da realidade na qual estão inseridos, organizam-se para promover a ruptura de uma situação de exploração de uma classe sobre outra. Entretanto, historicamente o modo de produção capitalista sempre combateu de forma impiedosa qualquer tipo de organização que viesse contestar as relações materiais de produção desenvolvida por este sistema, na qual é sustentado pela força de trabalho da classe desprovida dos meios de produção. Os Movimentos sociais que questionam a concentração de terras nas mãos de uma minoria não é algo novo na História do Brasil. É a continuidade das lutas camponesas pelo acesso a terra, ao trabalho e à cidadania. Nestes mais de quinhentos anos de nosso país, houveram diversos movimentos de luta pela terra (Canudos, Contestado, Ligas Camponesas), todos completamente reprimidos pelas elites da época. Atualmente podemos citar o MST (Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra), como um dos mais organizados movimentos sociais brasileiros, onde este há aproximadamente duas décadas vem organizando famílias de trabalhadores rurais com o objetivo de realizar a Reforma Agrária, pois, o Brasil é o segundo país do mundo em concentração de terras. Diante deste quadro, coube aos trabalhadores a alternativa de realizar ocupações de terras improdutivas que não cumprem o seu dever social, visando as desapropriações previstas na Constituição Federal. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 2 A LUTA PELA TERRA NO BRASIL As primeiras vítimas dos conflitos pela terra no Brasil foram os indígenas, quando os portugueses chegaram no “novo mundo” e expulsaram os nativos de suas ocas e escravizaram-nos para maior acumulo de riquezas nas mãos da coroa portuguesa. Entretanto, séculos se passaram até chegarmos na primeira metade do século XX, quando a questão social continua sendo tratada como um caso de polícia, porém este tipo de enfrentamento não estava sendo eficaz para burguesia dominante na medida em que os trabalhadores se organizavam cada vez mais e as tensões sociais agravavam-se nos grandes centros urbanos. Nota-se, sobretudo nas últimas décadas do século XX um forte processo de industrialização brasileira acarretada principalmente pelo crescimento da burguesia industrial e abertura da economia brasileira para as empresas multinacionais. Toda via, apesar desse crescimento industrial e econômico; é nos campos, que neste período surgem os mais significativos movimentos sociais apesar do declínio relativo da importância das atividades agropecuárias para economia nacional, em relação à atividade industrial. Podemos afirmar que a concentração de terras e a formação do grande latifúndio no Brasil ocorrem desde os tempos quando ainda éramos colônia de Portugal, principalmente o nordeste brasileiro com a organização das capitanias Hereditárias, nascia o latifundiário, impossibilitando qualquer tentativa de redistribuição de terras, pois, a posse era hereditária, com isso, a classe menos favorecida ficava excluída de ter um pedaço de chão para plantar e sustentar-se, mas essa concentração vem se consolidando ainda mais a partir da década de 60 do século XX, quando começa a valorização pelo mercado externo e interno por produtos como a soja, carne, madeira entre outros. Um dos primeiros movimentos sociais rurais a surgir no Brasil ocorre na década de 50 e início de 60, foram as Ligas Camponesas, que era formada por pequenos proprietários, arrendatários, e trabalhadores agrícolas dos grandes engenhos de açúcar da zona da Mata Nordestina, pela qual lutavam por uma sindicalização rural e contra a apropriação das terras dos pequenos proprietários pelos usineiros nordestinos. As agitações que promoveram nos campos este movimento forçaram o então presidente João Goulart a desapropriar latifúndios para fins da reforma agrária, porém, com o golpe de 64, as ligas camponesas foram combatidas pelos militares e seus líderes foram presos. Com o objetivo de abafar e impedir a explosão social nos campos, os governos militares criaram um projeto denominado Estatuto da Terra, que preconizava uma reforma agrária através de meios legais. Já na década de 70 foi criada uma legislação trabalhista para o campo e foram fundadas agrovilas para assentamento rural em trechos ao longo da São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 rodovia transamazônica. Porém estas medidas não mantiveram os movimentos sociais rurais (MSR) sobre “controle”, cada vez mais estes se organizavam e se fortaleciam. No governo do ex-presidente José Sarney foi criado o primeiro plano nacional de reforma agrária, com o objetivo de estabelecer a paz nos campos brasileiros, desapropriando mais de 43 milhões de hectares e assentado 1,4 milhões de famílias em cinco anos de seu governo. No término de seu mandato apenas 5% do total de famílias estabelecidas no plano estavam assentadas. O fracasso deste programa fundiário deu-se principalmente à influência das forças conservadoras que apoiavam o governo, que estavam empenhadas em evitar a reforma agrária. O problema da concentração de terras também foi debatido pela constituinte encarregada de elaborar e eleger uma nova constituição em 1988. Os grandes latifundiários criaram uma entidade conservadora, a União Democrática Ruralista (UDR), com o objetivo de combater invasões de terras e eleger o maior número de constituintes favoráveis às suas idéias, com isso, fundamenta-se na preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem e respeito às leis do País. A criação desta entidade contribuiu aumentar as violências dos conflitos no campo e para frustrar o programa agrário de Sarney. Como conseqüência da intervenção da UDR no cenário agrário, temos a fragilidade da constituição brasileira vigente, pois, esta estabelece que a desapropriação de terras para efeitos de reforma agrária, as áreas consideradas latifúndios improdutivos e que não estejam cumprindo a legislação trabalhista. Com isso, torna-se cada vez mais delicada a situação nos campos do nosso país, aumentando os conflitos e as mortes. Um episódio que novamente volta a chocar o Brasil e o mundo é o assassinato da missionária Doroty Stang, na cidade de Anapu no Pará, ela foi mais uma vítima da violência dos campos paraenses, onde quadrilhas atuam aterrorizando os moradores, com o principal objetivo de centrar cada vez mais em suas mãos uma quantidade maior de extensão de terras são grupos formados por grandes latifundiários, posseiros, grileiros, jagunços, entres outros personagens já conhecidos de nossos campos. 3 O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA: a luta pela construção de uma sociedade promotora de justiça social1 Durante a década de 80 do século passado, surge na conjuntura brasileira o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Este movimento inicia-se sua 1 Entendemos por justiça social o igual acesso a todos aos meios de produção, onde todos os homens sejam tratados de forma igualitária, onde o Estado não defenda os interesses de uma minoria, mas sobre tudo os interesses coletivos, discutidos através de uma democracia participativa, onde os homens sejam considerados sujeitos transformadores de sua própria história. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 trajetória de luta no Rio Grande do Sul a partir de um grupo de agricultores que perderam suas terras com a construção de uma barragem e mais tarde outros trabalhadores que perderam suas terras por diversos motivos, desempregados, bóias-frias fortaleceram o movimento. O MST se legitima quando assume a bandeira de luta pela transformação do atual modelo agrícola como caminho para garantir trabalho, renda, produção de alimentos para mercado interno, soberania alimentar e a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável e solidário para o nosso país. A democratização da terra é um dos focos de luta do MST, porém essa distribuição esta intrinsecamente ligada à luta pela redistribuição da propriedade privada, sendo este o principal motivo de perseguição que a classe capitalista exerce sobre este movimento de trabalhadores. A concentração de terras no Brasil deve ser suprimida, pois, é esta que afasta os trabalhadores ao acesso a terra. Esta é uma questão concreta, politicamente mais avançada, que aglutina um grande contingente de trabalhadores. Especialmente no sistema capitalista e no meio urbano, a questão da propriedade da terra é muito complexa, pois, esta em decorrência da especulação imobiliária e de sua valorização, é utilizada como instrumento de acumulação de capital. (SOUZA, 1985, p.79). Os meios de comunicação são utilizados pela classe burguesa para fortalecer esta perseguição, na medida em que divulgam informações distorcidas para sociedade passando a imagem desse movimento como violento. Esse estereótipo criado pela grande mídia contribuiu para um certo isolamento do movimento no início de sua caminhada de luta. Porém, com o massacre de inúmeros Sem Terra durante conflitos agrários, despertaram na sociedade a simpatia pela reforma agrária, aproximando alguns partidos de “esquerda” para com os objetivos deste movimento, devido sua urgência de suas lutas. Em abril de 1996, um confronto entre os trabalhadores rurais sem terra e a polícia militar do Estado do Pará chocou o nosso país e o Mundo. Este fato ocorreu quando os trabalhadores na tentativa de reivindicarem a desapropriação de uma fazenda no interior do Pará, os sem terras se deslocavam pela PA-150 de Curionópolis para Marabá, quando na curva do “S”, localizada no município de Eldorado do Carajás bloquearam a estrada na tentativa de pressionar o governo para a desapropriação da fazenda. Porém, dois batalhões da PM-Pa foram deslocados para o local com a finalidade de desobstruir a estrada. O resultado desse confronto foi de 19 trabalhadores assassinados e 69 feridos e, do lado dos policiais 11 feridos e nenhuma morte foram registradas, ou seja, este episódio não pode ser interpretado como um confronto , mas sim um massacre, onde os policiais militares do Pará São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 assassinaram inúmeros trabalhadores, que apenas lutavam por um pedaço de chão para trabalhar e sustentar suas famílias. Com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre o massacre de Eldorado dos Carajás e denunciar a concentração de terras no Brasil, o MST organizou uma passeata que saiu de varias regiões do país em direção a Brasília. O fato é que o Brasil pode ser considerado uma nação com muitas injustiças sociais, entre elas o fato da não democratização ao acesso a terra. Atualmente, a escalada de novas formas de imperialismo e o flagrante desrespeito aos direitos humanos têm conduzido a uma realidade absurdamente desigual entre os homens. Neste contexto podemos caracterizar o Movimento dos sem terra como defensor pela construção de uma sociedade onde a terra seja do coletivo e não de uma minoria, pois, a luta pelos direitos humanos transformou-se em luta pelos direitos dos pobres que possuem ou não um pedaço de terra para viver. A sociedade brasileira deve despertar pra esta questão de desigualdades sociais cada vez mais elevadas, ocasionadas por uma política neoliberal, que promove a exclusão social. Por isso, o MST combate essa política que separa de forma tão brusca os trabalhadores dos seus direitos que são assegurados pela constituição brasileira vigente, dita cidadã. Mas, apesar de todas as discussões, o fato é que mais cedo ou mais tarde o problema agrário terá que ser solucionado, para afastar o risco de uma grande luta, que ocasionaria uma grande guerra pela posse da terra em nosso país. Acreditamos que o sistema capitalista não é eterno, como não foram os demais modos de produção pela qual a sociedade humana vivenciou, por isso, devemos entender que a luta dos trabalhadores rurais sem terra não é uma luta individual daqueles trabalhadores e, sim uma alternativa para ruptura com toda forma de opressão aos trabalhadores e a superação de considerar a terra como uma mercadoria2. Pois, nos primórdios da sociedade humana a terra era comum a todos os membros da gens e a produção era compartilhada entre todos. Porém, não acreditamos que a história venha a repetir-se, e volte ao mesmo sistema de organização social do modo de produção comunal ou primitivo. Mas, a transformação da realidade depende apenas da organização da sociedade em prol dessa democratização da terra. Mas, essa questão não vai ser resolvida em um passe de mágicas, é uma luta cotidiana que devemos traçar dia-a-dia, até que consigamos alcançar a tão almejada sociedade sem desigualdades sociais, onde todos tenham realmente os mesmos direitos. Essa sociedade pode parecer uma utopia para alguns, então que seja, mas que seja uma utopia no sentido dos gregos, que para eles 2 Mercadoria é tudo o que é produzido não tendo em vista o valor de uso (por exemplo, uma malha que fazemos para nosso próprio uso), mas tem por objetivo o valor de troca, isto é, a venda do produto. (ARANHA; MARTINS, 1993). São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 utopia significa apenas o não presente hoje, por isso, acreditamos no amanhã, onde o homem não seja explorado por outro homem. Por isso, acreditamos que um dia nossa constituição sairá do papel, e o direito a terra deixe de ser um privilégio de poucos, e que o chão que pisamos hoje seja de todos os membros da sociedade. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria L. 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