Contas de luz sem mistura DOLCI, Maria Inês. “Contas de luz sem mistura”. Folha de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 2013. Sempre fomos contrários à cobrança de outras contas no mesmo boleto de energia elétrica. Lamentavelmente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula esta área, não vê esta questão da mesma forma que as entidades de defesa do consumidor. Por que discordamos da mistura de outras contas com a de luz? Para evitar que as pessoas tenham de quitar contas indevidas para não ficar sem energia. E é exatamente esse problema que os consumidores têm enfrentado. Como as concessionárias já estão fazendo convênios com lojas e outras instituições, só há uma saída imediata: separar os códigos de barras dos boletos, facilitando que, em caso de cobrança incorreta ou injustificada, o cidadão possa pagar somente a energia elétrica. A Proteste, por exemplo, defende essa distinção dos códigos de barras, bem como o Procon. A Frente de Defesa dos Consumidores de Energia Elétrica, da qual fazem parte, ingressou no final de 2013 com recurso administrativo contra a cobrança de outros produtos e serviços na fatura de luz. O recurso será julgado pela diretoria da Aneel, provavelmente na primeira reunião de 2014. Mas a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica diz que esta mudança inviabilizaria convênios. Uma desculpa esfarrapada, que pode obrigar o usuário a pagar contas indevidas, a fim de não ter a energia elétrica interrompida. Isso comprova, então, que a Aneel não deveria ter permitido a mistura de contas. E que o telemarketing agressivo empurra, mesmo, prestações que as pessoas não fariam espontaneamente. Convênios com lojas populares para pagamento das contas de luz, em caixas estrategicamente localizados, são outra forma de induzir o consumo. Indução à compra contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e não deveria ter o beneplácito de autoridades como a Aneel. Imagino que tal liberalidade interesse ao sistema financeiro, que focaliza cada vez mais os correntistas que dispõem de renda para investir e comprar produtos financeiros, como seguros e aposentadorias privadas. A associação dos distribuidores se referiu a entidades filantrópicas que recebem donativos por meio de débitos na conta de luz. Ora, instituições honestas não hão de querer receber recursos com risco de prejudicar os cidadãos. Tenho certeza de que apoiarão a separação dos códigos de barras. Estamos virando a folhinha do calendário para começar 2014. Seria um bom início se esta situação fosse rapidamente resolvida. Por algum motivo, sempre há alguma novidade com potencial nocivo ao consumidor, na área de energia elétrica: bandeirinhas sinalizadoras de aumentos de tarifas, boletos mistos, eventuais ameaças aos clientes de baixa renda, conta pré-paga. Ninguém falou mais nada sobre os mais de R$ 7 bilhões cobrados irregularmente nas contas de luz. A Aneel somente afirmou que nada poderia ser compensado nem devolvido. O consumidor também sofre com miniapagões e outros problemas na prestação de serviços. É um desafio colossal prestar serviços em áreas de interesse público com tarifas moderadas e alta qualidade, o que não é o caso do Brasil. Também não é fácil organizar tudo isso para que funcione bem. Mas é para isso que o país tem caras estruturas na área de energia. Os brasileiros fazem a sua parte, pagando em dia suas contas. Caso contrário, ficam sem luz e sem uma série de aparelhos indispensáveis, como geladeiras e computadores. Ninguém pergunta a eles se as contas pesam em seus orçamentos, embora sejam pagas diretamente (no boleto mensal) e indiretamente (nos preços de todos os produtos e serviços). O governo federal e os estaduais carregam nos impostos e taxas que incidem nas mensalidades. Logo, que ofereçam melhores serviços sem artimanhas contra os consumidores. Está passando da hora de colocar um pouco mais de ordem nesta área.