OPINIÃO A crise económica e a agressividade do Homem Com o aumento do preço do petróleo tem-se verificado no país uma crescente contestação social. Primeiro foram os pescadores, depois foi a vez das empresas de transporte e dos agricultores e, se continuar este clima económico desfavorável, tudo leva a crer que a revolta social não irá parar por aqui. Com efeito, diante das dificuldades económicas e do actual período de provação, aumentam o número de pessoas em situação social crítica. Existem, portanto, uma série de aspirações não concretizadas que originam frustração e consequentemente agressividade nos cidadãos. Mesmo em tempos pacíficos, a agressividade do Homem permanece latente, tornando-se mais visível em interstícios de conflito social, como é o caso, chegando mesmo a adquirir – tal como nos tem sido revelado pela comunicação social – contornos de violência. Ninguém tem dúvidas que o crescente descontentamento social que o país tem demonstrado, alimentado por um sentimento de injustiça, pode converter-se num problema sério. Se houver uma conjugação de alguns factores podemos estar perante um barril de pólvora. Isto significa que não se pode governar um país e decidir em abstracto sobre as pessoas, desconhecendo-se por completo o aparelho psíquico do indivíduo: os seus desejos, as suas frustrações e os seus mecanismos de defesa. A agressividade é um elemento intrínseco do Homem e, portanto, inapagável. Somente a sociedade democrática consegue uma atenuação e um controle precário deste instinto, num certo sentido autodestrutivo. Podemos observá-lo e, infelizmente, vê-lo concretizado em várias guerras, genocídios, e violações dos direitos humanos que ocorrem em diversos países do mundo. Ou seja, o Homem só não é mais agressivo porque está condicionado e inibido socialmente. Felizmente que, nos países mais desenvolvidos, existem vários mecanismos para transferir essa agressividade para áreas socialmente aceites, mantendo-se deste modo uma saudável harmonia social. Uma das áreas mais importantes acaba por ser a competição desportiva, designadamente o futebol. Mas, entretanto, com a internet, surgiram outras formas de expressão da agressividade. Observamos, deste modo, uma agressividade dissimulada que é transversal na sociedade, atingindo todos os estratos sociais. Veja-se o caso de alguns comentários a notícias publicadas pelos jornais online, artigos de blogues e conversações nos chats, cujo teor é muitas vezes despropositadamente agressivo. Ainda que a maior parte das páginas sérias e responsáveis na internet tenham imposto várias regras, proibindo comentários insultuosos, racistas, xenófobos, etc., a verdade é que a agressividade continua presente, adquirindo uma dimensão preocupante. Por vezes, ao lermos alguns desses textos ficamos com a sensação de que se fosse possível, os seus autores, inflamados pelo ódio, linchavam os seus opositores. Ao fim ao cabo esta é uma reminiscência civilizada das antigas execuções bárbaras realizadas em praça pública. Neste contexto, a internet acaba por ser um novo divã, no qual muitas pessoas – protegidas pela cobardia do anonimato e com despudor – expressam livremente os seus instintos mais perversos e agressivos, embora dispensando a necessária ajuda do psicanalista. A civilização tem de lançar mão de um gigantesco esforço para estabelecer limites para a agressividade humana. Mas, para que tal aconteça, terá que satisfazer as aspirações de um maior número possível dos seus elementos, criando uma sociedade justa e equilibrada. Por isso é que os governantes devem servir como gestores e fiéis depositários de parte da nossa agressividade (embora não sejam os únicos com esse papel), sublimando-a, controlando a tentação do egoísmo e transformando-a em esperança. Diante dos graves problemas económicos e sociais que o país atravessa, a população tem que se unir em torno de uma liderança política que transmita confiança e melhore as expectativas de futuro. Uma liderança que consiga criar um elo social forte, através de uma política de solidariedade, que escolha o nosso atraso económico como o inimigo e seja capaz de transformar a agressividade social crescente em competitividade. De resto, é justamente a competitividade, a forma mais saudável de um povo transferir a sua agressividade. Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Outubro 2008 33