VIOLÊNCIA E A QUESTÃO SOCIAL Reginaldo

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VIOLÊNCIA E A QUESTÃO SOCIAL
Reginaldo Canuto de Sousa – UFPI , UESPI
Maria D'Alva Macedo Ferreira – UFPI
Maria do Socorro Almeida de Morais Canuto - UESPI
INTRODUÇÃO
A violência tornou-se o tema bastante discutido na atualidade. Nunca se falou tanto
em violência e em como combatê-la como agora. Infelizmente ela já faz parte do cotidiano. A
violência tem a capacidade de mudar o comportamento das pessoas, que devem se adequar à
nova ordem, ou melhor, à desordem institucionalizada pelo medo (BAIERL, 2002). As
atitudes são moldadas pelo medo que a violência impetra contra o homem comum, tais, como:
evitar sair à noite, equipar casas com grades, cerca elétrica e alarmes, blindar os carros, etc.
Há uma estreita ligação entre a violência e a crise social vivenciada pela maior parte
da população brasileira, tais como: altos índices de mortalidade infantil, trabalho infantil,
mendicância nos grandes centros urbanos, corrupção, impunidade, tráfico de entorpecentes,
desemprego crescente e a pobreza como reflexo da desigualdade social brasileira. A situação
elencada não é apenas uma coincidência, a desigualdade social é o “fermento” ideal para
proliferação da violência, em seus diversos aspectos.
Este trabalho tem como objetivo apontar elementos importantes nesse universo vasto
e complexo que se aborda. Parte-se do princípio de que a violência (criminalidade) é, antes de
tudo, um problema político-social, no sentido de perceber como o Estado está organizado e, a
partir de então, como ele organiza a sociedade. Incluso nesse universo mais amplo, propõe-se
que a segurança pública deva ser entendida como política pública. Como política pública não
pode ser pensada de maneira independente das demais e, uma vez pensada de forma integrada
com os demais setores da sociedade, poder-se-ia ter a formação de uma rede de proteção
social na qual, como parte integrante, a Segurança Pública comporia o que se pode chamar de
Segurança Social. O termo Segurança Social aponta para uma nova abordagem sobre o
controle da Ordem Pública que necessariamente parte do princípio da ação individual
convergente para a responsabilidade social. Nesse sentido, deve-se assinalar a urgente e
constante disposição em buscar modelos de policiamento, e até a formação policial, para
tornar a polícia mais eficiente a todos os tipos e níveis de criminalidade. Buscas efetivas, com
resultados visíveis no cenário das relações sociais. Pensar a Segurança Pública como um tipo
de Política Pública é propor uma articulação com muitos outros setores nos quais atua o
Estado, principalmente planejamento em Saúde, em Educação e na própria Geografia Urbana,
voltada para formar uma rede em Segurança Social. Além disso, cabe ressaltar que falar em
Segurança Pública como Política Pública não é redundância, uma vez que, em nosso país,
assim como no restante da América Latina, as instituições ordenadoras do Estado,
particularmente as polícias, sempre estiveram mais orientadas por princípios de repressão
política e de classe.
O presente trabalho apresenta algumas facetas da violência e seus desdobramentos,
principalmente, relacionando-a a Segurança Pública e a Questão Social, que até bem pouco
tempo estava ausente da pauta do dia, quando se falava na prevenção da violência.
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METODOLOGIA
No processo de elaboração deste artigo científico adotou-se como instrumento teóricometodológico a pesquisa bibliográfica, como forma de permitir uma maior aproximação
teórica com o objeto estudado. Tomando como referencial os autores que pesquisam sobre os
temas: Violência, Segurança Pública, Sociedade e Estado, os quais se encontram citados no
decorrer do trabalho e na referência bibliográfica.
A partir desses aportes teóricos, buscou-se uma reflexão sobre o tema abordado,
visando compreender a complexidade do fenômeno da violência e seus reflexos para a
sociedade, contribuindo, desta forma, para construção e consolidação da cidadania.
FACES DA VIOLÊNCIA
É importante, antes de iniciar a discussão a respeito da violência, traçar uma breve
diferenciação entre agressividade e violência, pois são duas categorias distintas, apesar de
estarem estreitamente ligadas. A violência é apenas espécie do gênero agressividade, o qual é
inerente ao filos animal (FRAGA, 2002). A agressividade faz parte da vida humana, podendo
ser desenvolvida tanto para a destruição (violência) como para impulsionar a própria vida
(motivação). Didaticamente: “Toda violência pressupõe agressividade, mas nem toda
agressividade pressupõe violência, assim como toda atividade humana pressupõe
agressividade, porém não violência.” (FRAGA. 2002, p. 45).
Há, de fato, algo de inédito nos fenômenos sociais dos nossos dias: a sua
abrangência. A violência, o crime e a sua organização que, para o seu profundo entendimento,
poderia remeter ao tempo das primeiras civilizações humanas, deve agora ser abordado num
contexto de sociedade capitalista e, como tal, à luz do modelo de sociedade com os seus
valores fundamentados sempre na relação produção/consumo. Observando-se com cuidado,
verifica-se que, no Brasil, o fenômeno da violência urbana torna-se foco de atenção, quando
ela desce o morro e entra no cenário cotidiano das classes mais abastadas. A violência sempre
existiu na sociedade brasileira, ou melhor, no gênero humano, mas só quando a propriedade
privada começou a ser de fato ameaçada, quando cada vez mais o acesso à riqueza e à sua
manutenção implicou maior aparato de segurança (inclusive privada), autoridades, imprensa,
intelectuais e a sociedade em geral voltam-se para discutir o problema e buscar soluções
quase sempre as mais imediatistas possíveis.
Outro aspecto importante é que a violência não se limita apenas a questão criminal,
tipificada no Código Penal brasileiro. Há uma série de violências que nos diminui como seres
ditos civilizados e humanos, como a violência contra: a mulher, a criança, o idoso, o
homossexual, o negro, os nordestinos, as “minorias” e a tudo que é diferente, um verdadeiro
paradoxo se considerado a singularidade inerente ao ser humana.
Para entender o que se passa no Brasil em termos de violência, do crime e de sua
organização, é necessário observar o que afirmava Durkheim:
[...] o mais útil e sugestivo é descobrir como a regra funciona em nossas
sociedades contemporâneas, de que causas depende o domínio maior ou
menor que lhe é dado [...] o que faz com que um povo tenha maior ou menor
inclinação ao assassínio é esse respeito ser mais difundido ou menos, é um
valor maior ou menor ser atribuído a tudo o que se refere ao indivíduo
(DURKHEIM, 2002, p. 157).
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VIOLÊNCIA E (IN)SEGURANÇA PÚBLICA
No Brasil, a distância que há entre a polícia e a comunidade é agravada pela falta de
credibilidade neste Sistema Perito1. A recusa por parte da maioria da população em confiar
nas instituições básicas que legitimam a existência do Estado (justiça, burocracia estatal e
polícia) encontra motivos que justificam tal situação. O aparelho judiciário: o acesso à Justiça
por parte dos cidadãos comuns é difícil e caro, e quando ocorre esbarra na leniência do
sistema, provocando uma sensação de descaso e impunidade (MELLO, 2002). Na burocracia
estatal: a maior parte dos serviços públicos não atende, em quantidade e qualidade, a
consideração aos direitos do homem, desvirtuando parte dos recursos públicos voltados para a
realização da cidadania. A Segurança Pública: a Polícia, que executa o exercício da força
recorrendo à violência, ou no limite da mesma, desvirtua-se da sua função de controlar e
coibir excessos e de proteger a comunidade contra o perigo interno, para ela mesma extrapolar
os limites do seu papel e da Lei, inclusive utilizando força letal. Segundo Linz e Stepan
(1999), no Brasil, este abuso está bem acima dos padrões mundiais para uma democracia.
A violência institucional para conter a pobreza no morro faz parte da história do
Brasil independente e principalmente alforriado. A ausência de um projeto de nação inclusiva
e a adoção de modelos excludentes moldou secularmente a sociedade brasileira. O que se
assiste agora é o esgotamento desse modelo de estratégia de concentração da pobreza, da
violência e da criminalidade em geral nos limites da favela.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse universo em transformação, o enfrentamento da violência através da
Segurança Pública não pode mais ser pensado apenas como um projeto de governo como
“guerra contra o crime”. É, antes de tudo, um projeto social, que deve ter como uma das
prioridades assegurar a liberdade. Nessa perspectiva, a Segurança Pública não se reduz a
beneficências, mas se remete aos diversos problemas sociais, culturais, políticos e econômicos
que convergem e eclodem no fenômeno da violência e da criminalidade, inseridos num
contexto social.
Se o questionamento sobre o que vem a ser o público e o privado torna-se
fundamental, o conceito de público, no âmbito da segurança, também. Pode-se entender que
se tem, de fato, muito mais um desafio do que soluções através de fórmulas imediatistas. É
um desafio no sentido primeiro de desbaratar toda uma trama histórico-cultural que culmina
com o esgotamento do modelo de sociedade existente nesse país. É preciso reconhecer que a
reprodução secular do modelo colonial faliu. E nesse ambiente, restringir o aparato estatal aos
interesses das classes dominantes, tornar a res publica coisa privada, mostra-se inviável.
Se, no limiar de um novo século, os aparelhos ordenadores do Estado, principalmente
os diretamente ligados à Segurança Pública, estão voltados para fazer justiça contra os pobres
é sinal de que não evoluímos. Enquanto isso, as Polícias, no Brasil, estão atravessando um
período de transição que demarcará o posicionamento dessas instituições rumo ao
enfraquecimento ou ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito no país.
1
Anthony Giddens (1991, p. 35) define Sistema Perito como “[...] sistemas de excelência técnica ou
competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”. A
polícia é um Sistema Perito, onde tem o dever de estabelecer o compromisso impessoal com o leigo (indivíduo),
proporcionando, assim, uma relação recíproca de interdependência originada nos tributos pagos pelo cidadão ao
Estado em troca da segurança almejada.
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Para o enfrentamento das causas da violência é indelével a participação de toda a
sociedade – tanto cobrando soluções do poder público como se organizando coletivamente
(comunitariamente). Não significando assumir as funções do Estado, mas participar
ativamente na construção do Estado Democrático de Direito e da cidadania (CARVALHO,
2003).
Diante do contexto apresentado, o Estado deve assumir seu papel no enfrentamento
da violência (criminalidade), principalmente desenvolvendo Políticas Públicas voltadas para
as áreas da: Assistência Social, Educação, Saúde, Segurança, ou seja, qualidade de vida. A
violência (criminalidade) só será controlada através da diluição da individualidade pelo
coletivo (BAIERL , 2002), não bastando simplesmente transformar a crise social, em que o
Brasil está inserido, em caso de Polícia sem atacar as verdadeiras causas da explosão da
violência já elencadas.
Palavras-chave: Violência, Segurança Pública e Questão Social
REFERÊNCIAS
BAIERL, Luzia Fátima. “Medo social e violência urbana”. Dados extraídos de entrevista
para a tese de doutoramento, em face de elaboração, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro.
Civilização Brasileira, 2003.
DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fortes, 2002.
FRAGA, Paulo Denisar. Violência: forma de dilaceraneto do ser social. São Paulo, Cortez,
2002. (Serviço Social e Sociedade, 70).
MELO, Dirceu. Violência no mundo de hoje. São Paulo, Cortez, 2002. (Serviço Social e
Sociedade, 70).
PASSETTI, Edson. Cartografia de violências. São Paulo, Cortez, 2002. (Serviço Social e
Sociedade, 70).
LINZ, J.J.; STEPAN, A. A transição e consolidação de democracia: a experiência do sul
da Europa e da América do Sul. Tradução de Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbre. São
Paulo: Paz e Terra, 1999.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São
Paulo: UNESP, 1991.
HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções 1789-1848. 17 ed. Tradução Maria Tereza Lopes
Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
* Mestrando em Políticas Públicas pela UFPI, Especialista em Educação e Direito Processual
(UESPI), Graduado em Segurança Pública (UEMA) e Direito (UESPI), Professor e
Coordenador do Curso de Bacharelado em Segurança Pública da UESPI [email protected]
5
** Professora Doutora em Serviço Social (PUC-SP), Professora do Departamento de Serviço
Social e do Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí
[email protected]
*** Professora Especialista em Direito Processual Civil da Universidade Estadual do Piauí,
Graduada em História (UFPI), Segurança Pública (PMDF) e Direito (CEUT–PI)
[email protected]
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