ROM 94 Out - Ordem dos Médicos

Propaganda
OPINIÃO
A crise económica
e a agressividade
do Homem
Com o aumento do preço do petróleo
tem-se verificado no país uma crescente contestação social. Primeiro foram
os pescadores, depois foi a vez das
empresas de transporte e dos agricultores e, se continuar este clima económico desfavorável, tudo leva a crer que
a revolta social não irá parar por aqui.
Com efeito, diante das dificuldades económicas e do actual período de provação, aumentam o número de pessoas em situação social crítica. Existem,
portanto, uma série de aspirações não
concretizadas que originam frustração
e consequentemente agressividade nos
cidadãos. Mesmo em tempos pacíficos,
a agressividade do Homem permanece latente, tornando-se mais visível em
interstícios de conflito social, como é
o caso, chegando mesmo a adquirir
– tal como nos tem sido revelado pela
comunicação social – contornos de
violência.
Ninguém tem dúvidas que o crescente
descontentamento social que o país tem
demonstrado, alimentado por um sentimento de injustiça, pode converter-se
num problema sério. Se houver uma
conjugação de alguns factores podemos
estar perante um barril de pólvora. Isto
significa que não se pode governar um
país e decidir em abstracto sobre as
pessoas, desconhecendo-se por completo o aparelho psíquico do indivíduo: os
seus desejos, as suas frustrações e os
seus mecanismos de defesa.
A agressividade é um elemento intrínseco do Homem e, portanto, inapagável.
Somente a sociedade democrática consegue uma atenuação e um controle precário deste instinto, num certo sentido
autodestrutivo. Podemos observá-lo e,
infelizmente, vê-lo concretizado em várias guerras, genocídios, e violações dos
direitos humanos que ocorrem em diversos países do mundo. Ou seja, o
Homem só não é mais agressivo porque está condicionado e inibido socialmente. Felizmente que, nos países mais
desenvolvidos, existem vários mecanismos para transferir essa agressividade
para áreas socialmente aceites, mantendo-se deste modo uma saudável harmonia social. Uma das áreas mais importantes acaba por ser a competição
desportiva, designadamente o futebol.
Mas, entretanto, com a internet, surgiram outras formas de expressão da agressividade. Observamos, deste modo,
uma agressividade dissimulada que é
transversal na sociedade, atingindo
todos os estratos sociais. Veja-se o caso
de alguns comentários a notícias publicadas pelos jornais online, artigos de
blogues e conversações nos chats, cujo
teor é muitas vezes despropositadamente agressivo. Ainda que a maior
parte das páginas sérias e responsáveis na internet tenham imposto várias regras, proibindo comentários insultuosos, racistas, xenófobos, etc., a verdade é que a agressividade continua
presente, adquirindo uma dimensão
preocupante. Por vezes, ao lermos alguns desses textos ficamos com a sensação de que se fosse possível, os seus
autores, inflamados pelo ódio, linchavam os seus opositores. Ao fim ao cabo
esta é uma reminiscência civilizada das
antigas execuções bárbaras realizadas
em praça pública. Neste contexto, a
internet acaba por ser um novo divã,
no qual muitas pessoas – protegidas
pela cobardia do anonimato e com despudor – expressam livremente os seus
instintos mais perversos e agressivos,
embora dispensando a necessária ajuda do psicanalista.
A civilização tem de lançar mão de um
gigantesco esforço para estabelecer limites para a agressividade humana.
Mas, para que tal aconteça, terá que
satisfazer as aspirações de um maior
número possível dos seus elementos,
criando uma sociedade justa e equilibrada. Por isso é que os governantes
devem servir como gestores e fiéis depositários de parte da nossa agressividade (embora não sejam os únicos
com esse papel), sublimando-a, controlando a tentação do egoísmo e transformando-a em esperança.
Diante dos graves problemas económicos e sociais que o país atravessa, a
população tem que se unir em torno
de uma liderança política que transmita confiança e melhore as expectativas de futuro. Uma liderança que consiga criar um elo social forte, através
de uma política de solidariedade, que
escolha o nosso atraso económico como o inimigo e seja capaz de transformar a agressividade social crescente
em competitividade. De resto, é justamente a competitividade, a forma mais
saudável de um povo transferir a sua
agressividade.
Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Outubro 2008
33
Download