Relatório de vivência do VER-SUS Sertão do Pajeu 2015.1

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RELATÓRIO DE VIVÊNCIAS DO VER-SUS 2015.1 SERTÃO DO PAJEÚ, SERRA
TALHADA – PE
A versão do VER-SUS 2015.1 iniciou na XI GERES (Gerência Regional de Saúde) no
município de Serra Talhada – PE com as boas vindas a todos os viventes e facilitadores,
além de uma roda de debates sobre os serviços de saúde que abrangem todo o
território do Sertão do Pajeú. Neste primeiro contato pudemos tomar conhecimento
dos lugares que mais tarde iríamos visitar.
Após as apresentações, seguimos viagem para o assentamento do MST (Virgulino
Ferreira) na comunidade de Serrinha, local em que ficamos alojados durante todos os
dias de vivência. Já na comunidade, a equipe organizadora do VER-SUS nos
recepcionou com uma ciranda nos interagindo com outros colegas de vivência.
Inclusive, colegas de outros estados.
Os dias que se seguiram foram de muita formação, debates, expressões artísticas e
aproximação com a realidade do SUS no Sertão do Pajeú. As místicas de cada dia foram
feitas por cada NB (Núcleo base), assim como toda divisão de tarefas. O coletivo era a
palavra chave de cada dia.
Nos primeiros dias fomos levados a pensar sobre quais impressões tínhamos sobre o
SUS. De forma livre, seja através de texto, música, desenho ou poesia, cada qual
contribuía com suas impressões. A reflexão foi enriquecedora, com opiniões diversas e
depoimentos de viventes que também são usuários do sistema único de saúde.
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Temas como Sociedade, Políticas publicas e lutas sociais foram abordados por cada NB
na primeira semana de vivência. O trabalho em equipe nos permitia uma visão
multiprofissional, levando em consideração que o VER-SUS abrange todos os cursos da
área de saúde.
O VER-SUS abriu espaço para que o conhecimento de cada um fosse
dividido/horizontal e não mais de forma individual. Ver o SUS de uma forma positiva,
um modelo de serviço de saúde que têm suas qualidades e atenções especiais,
quebrou todo estigma de um SUS que aparentemente parece não funcionar.
Foi através das visitas nas USF, CAPS, comunidades indígenas e hospitais locais que,
diferentemente da minha visão de usuário do SUS (das filas), pude perceber que esse
sistema é de fato um sistema que é o do povo. Aliás, é uma conquista da luta do povo.
Que funciona, mesmo sendo demorado, mas que atende a população necessitada.
Há, porém, uma pedra no caminho, como diria o poeta Drummond. Que ainda impede
que o SUS seja efetivado como deveria ser. A ação do capitalista em beneficio da saúde
publica, por exemplo. As próprias ações do governo seja ela Estadual, Federal ou
Municipal. Tendo como enfoque maior, muitas vezes, o municipal. Os repasses de
verbas que não são direcionados corretamente para os dispositivos de saúde.
O VER-SUS abriu caminhos culturais, reafirmando o pensamento bio-psico-socialespiritual. Ou seja, olhar o outro como um todo, tomando todo cuidado de não reduzir
o humano apenas na sua patologia e na farmacologia. Respeitando sua religião, o
ambiente em que vive e, mais que isso, humanizar o que foi negligenciado.
Em uma das visitas, na cidade da Calumbi-PE, tivemos contato com um médico cubano
do programa mais médicos. Conhecemos o atendimento, como se deu à aceitação da
população e como o serviço estava sendo prestado. Observamos que o programa
“mais médicos” têm sido positivo e que atende de fato a população de forma efetiva.
Porém, algo que ainda atrapalha é a linguagem.
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Visitamos uma comunidade indígena na cidade de Carnaubeira da Penha-PE, a aldeia
Pankará. Aproximamos-nos do “diferente”,
tendo em vista que enxergamos o SUS apenas
no nosso meio, esquecendo-se de olhar ao
nosso redor e perceber que existem
comunidades indígenas e quilombolas que
também necessitam do serviço de saúde. O
acesso era difícil, mas estávamos determinados
a conhecer e trocar experiências com aquela
aldeia.
Para nossa surpresa existia uma preocupação
por parte dos pajés, caciques e coordenadores
da comunidade para com a saúde indígena. Os agentes de saúde eram todos
indígenas, além dos técnicos de enfermagem. O problema com os técnicos de
enfermagem é que dois eram homens e, para os serviços de prevenção da mulher
existia uma recusa. As índias só aceitavam ser atendidas por técnicas de enfermagem
mulher.
Outra questão levantada na entrevista com o cacique (uma mulher) foi sobre a
prevenção e a saúde do índio (homem). Mesmo com muita recusa, foi feito prevenção
e na campanha do novembro azul foi detectado que um dos índios estava com câncer
de próstata.
Dentro da aldeia não existe atendimento do profissional de Psicologia. Mas foi
relatado através da coordenadora de saúde da tribo Pankará que há pessoas
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necessitadas desse atendimento. Inclusive o Pajé que tinha transtornos mentais. Outro
profissional que o índio não tinha acesso era o da Fonoaudiologia e que existia
demanda para esse profissional.
Outra vivência importante foi a do CTA (centro de testagem e aconselhamento) que
trabalha com a prevenção/tratamento e campanhas sobre as doenças sexualmente
transmissíveis. Um fator importante apontado pela enfermeira responsável pelo CTA é
sobre o papel do Psicólogo no acompanhamento do paciente que recebe o exame
como soro positivo. Há muitos casos de depressão e tentativas de suicídios.
O CTA de Serra Talhada é Regional e atende os 10 municípios que fazem parte da XI
GERES. Mesmo a demanda sendo espontânea, ainda sim o serviço se torna lento pela
quantidade de pessoas que precisam ser atendidas.
Enquanto estudante de Psicologia, eu pude me aproximar do trabalho do Psicólogo
nos serviços de Saúde que o SUS oferece e perceber a importância desse profissional
na sociedade. Reforçando meu pensamento de que é ambiente do SUS que eu
pretendo atuar.
O trabalho com o MST foi de extrema importância na nossa vivência. O assentamento
Virgulino Ferreira nos acolheu com bastante atenção. Conhecer a história da luta pela
reforma agrária e de toda história do maior movimento social do Brasil nos levou a
quebrar vários preconceitos com o MST.
Abordar Saúde Mental nas vivências foi outro ponto importante, revisitamos a história
da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, além de visitar um centro de atenção
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psicossocial. O CAPS AD III Regional que atende aos 10 municípios da XI GERES de
Serra Talhada. A estrutura do CAPS AD III é bem organizada, mas ainda não é sede
própria. O CAPS atende por demanda espontânea e a maioria dos
A experiência que encontrei dentro do VER-SUS me tornou um ser humano com um olhar
diferente sobre o outro. Descobri que é possível ter um sistema único de saúde que atenda
toda a população, mas que é preciso lutar para que esse direito não seja negado como
outrora. Muitos foram salvos por esse sistema, mas há de se reconhecer que muitos foram
mortos em filas de espera. Então, o que fazer diante de tudo isso?
Levantar e lutar. Não permitir que mais Maria, José e João sejam maltratados em fila de
espera, em corredores de hospitais. Ser um profissional que enxergue o outro como ele é e
não como mais um paciente. Humanizar os lugares que não tiveram amor por parte dos
profissionais. Garantir, de fato, assim como consta na constituição, Saúde gratuita pra todos.
Educação é saúde, família é saúde, crença das mais variadas que existam engloba saúde, meio
ambiente é saúde, segurança, lazer e cultura. Quando falta qualquer um que seja desses itens,
falta saúde no homem. É preciso respeitar o ser humano na sua totalidade. Não basta apenas
garantir, tem que cumprir. É como diz a canção: “O SUS é nosso, ninguém tira da gente.
Direito garantido não se compra e não se vende”.
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Algumas poesias e textos que produzi na vivência.
Carta de um louco à sociedade.
Que a minha loucura não seja confundida com sua normalidade.
Prenderam-me nesse manicômio sem eu ter feito nada. Mas ser louco é um crime. Fui jogado numa
sala fria, com pouca luz e sem aqueles que eu amo. Você é louco! Gritava minha família, sem entender
que o que eu mais queria era tê-los por perto. Por muito tempo sofri calado, se eu gritasse era mais um
choque que eu teria que levar por mal comportamento. Entre um remédio e outro minha vida se
passava na lentidão, na escuridão da minha própria dor de ser gente. Quem quer um louco na atividade,
não é mesmo? Então eu dormia, sonhava com o dia que eu iria ser liberto daquelas grades, dos
fármacos, dos olhares, dos choques e do desprezo. Sonhava com a minha casa, minha família, meu pai
que morreu e eu não pude ter a chance de dizer adeus. Sou louco, não posso ter um convívio social.
Você sabe o que isso significa ? Sou louco, SOU LOUCO! Estou ouvindo gritos, alguém está desesperado
na sala ao lado, são 4:00h da manhã e eu ainda consegui dormir. Aqui não há cura se vocês querem
saber. Aqui há dor, choro, abandono, saudades. Pais, mães, filhos que deveriam estar em casa sendo
cuidados, inseridos na sociedade, trabalhando, sendo humanizados. Eu sou louco, não é isso que vocês
querem ouvir? Mas eu sou um louco que ama, que merece respeito, atenção, e, se vocês querem saber,
tudo que eu menos preciso são as grades de uma prisão.
Eu sou louco. Mas louco é quem diz que não é feliz!
Alberis Luís – Texto produzido no VERSUS Sertão do Pajeú.
Hoje nós viemos aqui para chamar sua atenção,
falar de saúde, sociedade e privatização.
Saúde do povo, direito universal,
Sistema de equidade e integral.
O desafio é grande, mas a luta não pode parar,
esse sistema publico querem privatizar.
E agora, o que vamos fazer?
As filas continuam tudo parece perdido, quer dizer, tudo parece.
Quer dizer, privatizar a luta do povo é desmerecer a própria luta.
Quer dizer, tudo parece.
O capital invade, arromba as portas, bate na cara de quem por ele atravessar.
E você, vai ter coragem de enfrentar?
Quer dizer, tudo parece, mas não precisa ser.
O SUS é nosso, você pode gritar, o SUS é nosso, em primeiro lugar.
Alberis Luís – Texto produzido no VERSUS Sertão do Pajeú.
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A gente chora porque ama. Mas nem sempre porque ama, porque a dor não tem hora
marcada. E de dor a gente também chora. Quantas dores aqui derramadas foram às dores que
eu também sofri. E se também sofri é porque eu amo. Sou humano.
Como falar de saúde sem falar do humano, daquilo que lhe perpassa, atravessa e lhe marca. Eu
descobri que aqui só não aprende quem não sabe amar.
A si.
O outro.
A dor.
Quem não estende mão,
Quem não arrisca, não canta e não inventa.
Levante e lute.
Lute.
Levante.
Eu ouvi alguém dizer: levante e lute
Amanhã será outro dia. O dia de fazer as malas, guardar as roupas largadas, dizer adeus.
Amanhã será outro dia, não mais como os outros dias. Será diferente.
Eu ouvi alguém dizer: levante e lute.
Lute.
Levante.
Avante.
Cante.
Eu ouvi alguém dizer: levante e lute.
Alberis Luís – Texto produzido no encerramento do VERSUS Sertão do Pajeú.
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