UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FERNANDA POLONIA RIOS PRÁTICAS DE GESTÃO DE ESTOQUES EM HOSPITAIS: Um estudo de casos em unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo RIO DE JANEIRO 2011 2 Fernanda Polonia Rios PRÁTICAS DE GESTÃO DE ESTOQUES EM HOSPITAIS: Um estudo de casos em unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração Orientador: Kleber Fossati Figueiredo Ph D Rio de Janeiro 2011 3 Rios, Fernanda Polonia . PRÁTICAS DE GESTÃO DE ESTOQUES EM HOSPITAIS: Um estudo de casos em unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo/ Fernanda Polonia Rios. – Rio de Janeiro, 2011. 158 p. . Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Administração – COPPEAD, 2011 . Orientador: Kleber Fossati Figueiredo, PhD UFRJ/COPPEAD 1. Estoques 2. Hospital – Teses I. Figueiredo, Kleber Fossati (Orient.). II. Instituo COPPEAD de Administração. III. Título 4 Fernanda Polonia Rios PRÁTICAS DE GESTÃO DE ESTOQUES EM HOSPITAIS: Um estudo de casos em unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração . Aprovada por: ___________________________________________________ - Orientador Kleber Fossati Figueiredo, Ph.D (COPPEAD/UFRJ) __________________________________________ Peter Fernandes Wanke, Ph.D (COPPEAD/UFRJ) ________________________________________ Marco Aurélio Bouzada, D.Sc (UNESA) 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, que coloco juntos e em primeiro para que não haja injustiças, uma vez que seria impossível determinar quem é mais importante pra mim. À minha mãe, em particular, pela colaboração direta neste trabalho. Ao Gustavo Quesado, minha fonte de inspiração pela determinação e concentração e por todo o apoio, carinho e ajuda neste e em outros trabalhos ao longo do mestrado. E por me acalmar com sua simples presença nos momentos mais complicados. À minha irmã, que nos últimos anos provou ser uma excelente amiga, sempre me ouvindo e dando força. Aos meus avós e familiares por terem sempre sido exemplos de virtude. Ao meu orientador, Kleber, pela objetividade, cobrança e conselhos, sem os quais eu não poderia ter chegado até aqui. A todos os funcionários da Secretaria Acadêmica e da Biblioteca do Coppead por realizarem seu trabalho com afinco e dedicação maiores do que eu poderia imaginar, para que os alunos só precisem preocupar com as atividades indelegáveis. À Joana por esses mesmos motivos (no meu caso, em particular) e por ter sido sempre minha segunda mãe. Aos professores que gentilmente aceitaram participar da minha banca: Peter Wanke e Marco Aurélio Bouzada. Aos meus companheiros de trabalho, que nos últimos meses ouviram mais a palavra “dissertação” do que qualquer outra e nunca se queixaram disso. Aos amigos de sempre pela compreensão nos momentos de saturação e desespero com a dissertação e por todos os momentos de alegria, sem os quais a vida não teria graça. 6 A todos os grandes amigos que fiz nesse mestrado, que transformaram o período das aulas em um dos mais divertidos da minha vida. Em especial à Mariana Werneck com quem eu ainda estou me acostumando a não ter convívio diário depois de tantos anos e com quem eu serei feliz por conviver por muitos outros anos. À Bianca Delarue por me mostrar que grandes amigos não são, necessariamente, aqueles que nos conhecem há muito tempo. E à Letícia Eboli por tornar a adaptação à vida no exterior muito mais fácil e a experiência do intercâmbio mais divertida e tranquila. Aos entrevistados das empresas pesquisadas, que contribuíram com boa vontade para a obtenção de informações relevantes sobre o tema estudado, sem os quais este trabalho jamais poderia ter sido feito. 7 RESUMO RIOS, Fernanda Polonia. Práticas de Gestão de Estoques em Hospitais: um estudo de casos em hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011 Os hospitais prestam serviços essenciais para a sociedade. Para que eles possam servir bem aos pacientes, é muito importante que o trabalho de administração seja bem feito. Isso inclui a gestão de estoques. Esta atividade é de suma importância para garantir um bom nível de serviço, evitando que faltem medicamentos ou materiais para o trato dos pacientes. Por outro lado, muitos dos produtos utilizados em hospitais são perecíveis e possuem alto custo, tanto de aquisição quanto de manutenção. Desta forma, não é interessante para os hospitais manter grandes quantidades de estoque desses itens. Tendo isso em vista, este trabalho teve como objetivo investigar as práticas de gestão de estoques em hospitais. Para obter uma visão holística do tema, foi utilizado o Método do Estudo de Casos. Quatro hospitais foram estudados, sendo dois no Rio de Janeiro e dois em São Paulo. A partir da análise dos casos, foi possível perceber que em muitos casos, ainda falta estrutura para as áreas administrativas dos hospitais. No entanto, também foi possível identificar os benefícios que uma gestão de estoques bem feita pode trazer, tanto em termos do dimensionamento do estoque quanto do controle do mesmo. Em suma, pode-se dizer que os hospitais ainda possuem bastante campo para melhorar e obter ganhos advindos da gestão de estoques. Palavras-chave: Estoques, Hospital. 8 ABSTRACT RIOS, Fernanda Polonia. Práticas de Gestão de Estoques em Hospitais: um estudo de casos em hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011 Hospitals provide services that are essential do society. For them to treat their patients well, it is important that the administration job be well done. This includes inventory management. This activity is very important in the assurance of a good level of service, avoiding the lack of materials or medicines for the treatment of the patients. On the other side, many products used in hospitals are perishable and involve high costs of acquisition and storage. Thus, it is not interesting for the hospitals to keep large amounts of these itens in inventory. Having this in mind, the objective of this study was to investigate the practices of inventory management in hospitals. In order to obtain a holistic view of the subject, the Case Study Method was used. Four hospitals were interviewed, being two of them from Rio de Janeiro and two from São Paulo. Analyzing the cases, it was possible to notice that in many cases the structure of hospitals administration is not good enough. However, it was also possible to identify the benefits that well done inventory management can bring to hospitals. To sum up, it can be said that the hospitals still have space to improve and obtain gains from inventory management. Key words: Inventory, Hospital. 9 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS .................................................................................................... 11 LISTA DE QUADROS .................................................................................................. 12 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1.1 O ASSUNTO E SUA IMPORTÂNCIA............................................................... 13 1.2 OBJETIVOS DO ESTUDO ................................................................................. 14 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ................................................................... 15 2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 17 2.1 A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE ESTOQUES ........................................... 17 2.2 DIMENSIONAMENTO DE ESTOQUES ........................................................... 20 2.2.1 Custos de Estoque.......................................................................................... 20 2.2.2 Previsão de Consumo .................................................................................... 22 2.2.3 Sazonalidade .................................................................................................. 24 2.2.4 Segmentação de Itens em Estoque................................................................. 26 2.2.5 Modelos de Dimensionamento de Pedidos.................................................... 30 2.2.6 Relação com Fornecedores ............................................................................ 32 2.2.7 Estoque de Segurança .................................................................................... 42 2.2.8 Estoque Centralizado X Descentralizado ...................................................... 44 2.3 CONTROLE DE ESTOQUES ............................................................................. 46 2.3.1 O Momento da Colocação do Pedido ............................................................ 46 2.3.2 Controle de Estoques de Itens Perecíveis ...................................................... 49 2.3.3 Consumo Emergencial ................................................................................... 50 2.3.4 Sistemas de Informação para Gerenciamento de Estoques ........................... 51 2.4 RESUMO E ESQUEMA CONCEITUAL ........................................................... 56 3.1 PERGUNTAS DA PESQUISA ............................................................................ 67 3.2 MÉTODO QUALITATIVO ................................................................................. 67 3.3 MÉTODO DE ESTUDO DE CASOS .................................................................. 68 3.4 ESCOLHA DOS CASOS E DOS SUJEITOS .................................................... 68 3.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ................................................................. 70 3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ............................................................................. 71 4 DESCRIÇÃO DOS CASOS....................................................................................... 73 4.1 O INSTITUTO ALFA .......................................................................................... 73 4.1.1 Caracterização e Histórico ............................................................................. 73 4.1.2 A Gestão de Estoques no Instituto ALFA ..................................................... 74 4.1.3 Dimensionamento dos estoques no Instituto ALFA ...................................... 75 4.1.4 Controle de Estoques ..................................................................................... 80 4.1.5 Melhorias Planejadas ..................................................................................... 82 10 4.2 O HOSPITAL BETA ........................................................................................... 84 4.2.1 Caracterização e Histórico ............................................................................. 84 4.2.2 A Gestão de Estoques no Hospital BETA ..................................................... 84 4.3 O HOSPITAL GAMA .......................................................................................... 94 4.3.1 Caracterização e Histórico ............................................................................. 94 4.3.2 A Gestão de Estoques no Hospital GAMA ................................................... 94 4.4 O HOSPITAL DELTA ....................................................................................... 105 4.4.1 Caracterização e Histórico ........................................................................... 105 4.4.2 A Gestão de Estoques no Hospital DELTA ................................................ 106 5.1 ASPECTOS GERAIS ......................................................................................... 117 5.2 REPRESENTATIVIDADE DA GESTÃO DE ESTOQUES DENTRO DOS HOSPITAIS .............................................................................................................. 118 5.3 DIMENSIONAMENTO DOS ESTOQUES ...................................................... 119 5.3.1 Custos de Estoque........................................................................................ 119 5.3.2 Previsão de Consumo .................................................................................. 121 5.3.3 Sazonalidade ................................................................................................ 122 5.3.4 Segmentação de Estoques............................................................................ 123 5.3.5 Dimensionamento dos Pedidos de Compras ............................................... 125 5.3.6 Relação com Fornecedores .......................................................................... 127 5.3.7 Estoque de Segurança .................................................................................. 129 5.3.8 Estoque Centralizado x Descentralizado ..................................................... 131 5.3.9 Compação do Dimensionamento de Estoques entre os Hospitais Estudados .............................................................................................................................. 132 5.4 CONTROLE DE ESTOQUE ............................................................................ 133 5.4.1 Revisão Contínua x Intervalo de Revisão ................................................... 133 5.4.2 Controle de Itens Perecíveis ........................................................................ 134 5.4.3 Consumo Emergencial ................................................................................. 136 5.4.4 Sistemas de Informação para Gerenciamento de Estoques ......................... 137 5.4.5 Comparação do Controle de Estoques entre os Hospitais Estudados.......... 138 6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS ............................. 140 6.1 RESUMO DA PESQUISA................................................................................. 140 6.2 CONCLUSÕES .................................................................................................. 140 6.3 CAMPOS PARA PESQUISAS FUTURAS ...................................................... 148 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 149 APÊNDICE 1 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS ........................................................ 156 11 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Ilustração de Ponto de Pedido ............................................................................... 48 Figura 2: Fluxograma do Hospital DELTA até o Armazenamento.................................... 113 Figura 3: Fluxograma do Hospital DELTA até o Armazenamento.................................... 114 12 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Quadro Conceitual ......................................................................................... 66 Quadro 2: Comparação de Aspectos Gerais entre os Hospitais ................................... 117 Quadro 3: Dados sobre gastos com estoques ............................................................... 119 Quadro 4: Comparação de Critérios para Segmentação ............................................... 124 Quadro 5: Comparação de Características do Dimensionamento de Estoques ............ 133 Quadro 6: Comparação de Características do Controle de Estoques ........................... 139 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 O ASSUNTO E SUA IMPORTÂNCIA Os hospitais oferecem serviços essenciais para a sociedade. É muito importante, então, que eles, públicos ou privados, apresentem um bom nível de serviço, o que representa bom atendimento hospitalar. Sem dúvidas, médicos competentes e motivados, assim como instalações apropriadas, são fundamentais para alcançar este objetivo. No entanto, para alcançar um nível de serviço ao paciente realmente satisfatório é necessário que a administração do hospital seja bem organizada. Isso muitas vezes acaba não acontecendo. É comum ver hospitais que não possuem uma área administrativa bem estruturada. As outras áreas, especialmente as mais diretamente ligadas aos clientes, costumam receber maior atenção. Além disso, mesmo em hospitais com estruturas bem montadas, não raro a gestão geral e de todos seus aspectos organizacionais fica nas mãos de médicos mais experientes. Esses profissionais, apesar de muito qualificados e capazes no trato das pessoas podem apresentar poucas habilidades administrativas, sendo, desta forma, mal aproveitados. Entre os muitos aspectos da administração de um hospital que devem ser tratados com cuidado, um merece, aqui, atenção especial: a gestão dos estoques. É essa a atividade que garante a disponibilidade de todo o material que será usado pelos médicos e demais funcionários do hospital. Apesar de muitas vezes ficar negligenciada em detrimento de outras atividades, a gestão de estoques suporta todas as atividades finais de um hospital. Assim como em qualquer empresa, essa não é uma atividade trivial em um hospital, uma vez que o dimensionamento e o controle dos níveis de estoques são tarefas complexas que envolvem muitas variáveis. Porém, no caso especifico dos hospitais, há ainda um agravante na complexidade da questão: a falta de determinados produtos pode gerar graves problemas para a saúde dos pacientes. Infelizmente, esse problema de falta de remédios em hospitais não é muito raro. Em maio de 2005, a Folha de São Paulo publicou uma matéria em que relatava o desespero 14 dos pacientes de um hospital em São Paulo onde faltavam constantemente medicamentos e outros materiais, prejudicando o tratamento de doenças como a Aids. Por outro lado, muitos dos medicamentos e equipamentos utilizados em um ambiente como esse possuem alto custo de aquisição e curto prazo de validade, não podendo permanecer guardados por muito tempo e sendo muito caros para serem perdidos por expiração. Casos de desperdício por excesso de medicamentos em hospitais também são frequentemente veiculados na mídia. Um exemplo é relatado na reportagem do site do jornal O Globo de 08 de julho de 2011, em que é noticiado que um hospital do Rio de Janeiro mantinha caixas de remédios fora da validade. Outra reportagem, da emissora EPTV mostra que, também em julho de 2011, a Secretaria de Saúde de uma cidade do interior de Minas Gerais foi obrigada a descartar 1,3 milhão de medicamentos porque eles estavam vencidos. Um exemplo do corte de custos que uma melhor gestão de estoques pode trazer para um hospital é dado na reportagem “Hospital CEOs Manage Staff Time, Inventory to Cut Costs”, publicada no “USA Today”, jornal americano de grande circulação. Nela afirmase que um hospital conseguiu economizar cinco milhões de dólares de uma só vez com uma mudança na gestão de seus estoques (Jones, 2009). Esses exemplos servem para ilustrar o grande desafio que a gestão de estoques representa para hospitais do mundo inteiro. No Brasil, especificamente, são muitos os casos de hospitais criticados por sua administração. Essas questões motivaram o desenvolvimento deste estudo. 1.2 OBJETIVOS DO ESTUDO O principal objetivo deste trabalho é, descrever o modus operandi da gestão de estoques, evidenciando e analisando suas características, necessidades e peculiaridades em hospitais localizados nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para obter essa descrição de forma holística, algumas questões devem ser respondidas: 15 • • • • • Qual a importância desta área para os hospitais? Que fatores são levados em consideração quando do dimensionamento dos estoques? Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do dimensionamento dos estoques? Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do controle dos estoques? Como os hospitais pretendem melhorar a gestão de seus estoques? 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Após este capítulo introdutório, o segundo capítulo deste trabalho apresenta uma revisão da literatura sobre o tema. Esta revisão abrange argumentos que justificam a importância da gestão de estoques em hospitais, diferentes aspectos e questões ligadas ao dimensionamento dos mesmos e, por último, métodos e ferramentas para o controle destes estoques. O capítulo três é dedicado à discussão da metodologia. Nele é explicado como é a metodologia de estudo de casos, bem como as justificativas para a sua aplicação neste trabalho. Em seguida são apresentadas as razões para a escolha das empresas que foram estudadas e das pessoas a serem entrevistadas. Finalmente, são descritas as limitações que este método implica. No quarto capítulo, os quatro casos são descritos, tendo como base as entrevistas realizadas com os executivos das unidades hospitalares estudadas. Esta descrição tem a intenção de oferecer uma visão geral de como é feita a gestão de estoques nos hospitais pesquisados. O capítulo seguinte dedica-se à análise dos quatro casos descritos anteriormente. Esta análise é feita com base na revisão da literatura apresentada previamente no capítulo dois. O sexto e último capítulo abriga as conclusões encontradas pelo estudo bem como as sugestões de pesquisas futuras sobre o tema trabalhado no presente estudo. 16 Há ainda um apêndice em que se apresenta o roteiro traçado para a realização das entrevistas que servem como base para a construção dos casos. 17 2 REVISÃO DE LITERATURA O objetivo deste capítulo é apresentar o referencial teórico que servirá de base para a análise dos casos pesquisados. Inicialmente será apresentada a definição da gestão de estoques bem como os argumentos que justificam sua importância, sobretudo para os hospitais, tais como a representatividade de seus custos. Em seguida, será tratado o dimensionamento dos estoques nos hospitais. Essa seção começa explicando questões que influenciam esse dimensionamento, tais como os custos envolvidos na gestão de estoques, a previsão de consumo, a sazonalidade e a perecibilidade. Trata-se das decisões envolvidas no dimensionamento, como segmentação de itens em estoque, decisão de quanto pedir, quanto manter em estoque de segurança e que tipo de relação manter com os fornecedores. Por último, será tratado o controle dos estoques nos hospitais. Nessa parte trata-se das decisões quanto à revisão dos estoques, que leva à decisão de quando enviar novos pedidos aos fornecedores. Além disso, é explicado o que é feito quando é necessário consumir determinado item em caráter emergencial. Por fim, são mencionados sistemas de informação que podem auxiliar esse controle. 2.1 A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE ESTOQUES A gestão de estoques é uma atividade importante para qualquer organização e com os hospitais não poderia ser diferente. Alguns autores apresentam argumentos que explicam tal importância para as empresas em geral e seu crescimento ao longo do tempo. Outros mostram dados acerca da relevância que esse tema possui, sobretudo em relação ao orçamento dos hospitais. De acordo com Baker (2007), a importância da gestão de estoques reside no fato de que eles são relevantes tanto para a gestão de custos de qualquer empresa quanto para o estabelecimento de um bom nível de serviço ao cliente, principalmente quando se utiliza disponibilidade de produto como parâmetro para medi-lo. 18 Este argumento também é dado por Wanke (2008); segundo ele, a importância da gestão de estoques tem se tornado cada vez mais evidente dentro da administração da cadeia de suprimentos. Ela tem impacto significativo nos custos totais da empresa e no nível de serviço que esta entrega ao cliente. Silver (1981) ressalta como argumento para a importância desta atividade o fato de que as questões ligadas à gestão de estoques costumam interagir com outras áreas da administração da empresa, como a de compras, por exemplo. Ele ainda destaca a complexidade da atividade que muitas organizações precisam encarar na gestão de seus estoques, tomando decisões que envolvem grandes quantidades de itens em detrimento de diversos fatores e restrições para mantê-los estocados. Baker (2007) menciona ainda um outro fator: a importância dos estoques como proteção contra incerteza gerada, principalmente, pelas flutuações da demanda. Segundo ele, no entanto, as tais restrições à manutenção de estoques citadas por Silver (1981) só foram percebidas mais recentemente, quando se começou a reconhecer, também, as desvantagens de manter muitos estoques. Para ele, esse trade-off só faz aumentar a relevância de uma gestão de estoques bem feita. Se as desvantagens de se manter estoques excessivos foram percebidas há relativamente pouco tempo, a percepção da importância dessa atividade não é recente. Whitin (1952, 1954) notou, em sua época, um grande movimento de aumento do interesse de estudiosos de diversas áreas diferentes no assunto da gestão de estoques, com o surgimento de vários textos acadêmicos que tiveram significativo impacto na comunidade de negócios. Ele menciona a relevância do tema para os negócios, de maneira geral, como motivo para o interesse dos administradores em prover dados e aplicar os modelos teóricos elaborados na época por profissionais e estudiosos de áreas como a economia e a estatística, que antes costumavam negligenciar esse tema. Um dos pontos interessantes do tema, segundo o autor, é que os modelos teóricos são quase perfeitamente aplicáveis à prática. 19 Nos últimos tempos, algumas tendências do mercado fizeram com que o papel dos estoques se tornasse ainda mais fundamental. Uma delas é a crescente globalização das cadeias de suprimentos, que alonga os tempos de respostas. Se fossem usados métodos tradicionais de administração de estoques, essa nova situação significaria manter um nível maior de estoques para garantir o mesmo nível de serviço. Isso aumenta o desafio da gestão de estoques (BAKER, 2007). Outra tendência que vem crescendo é o movimento para tornar as empresas mais ágeis e mais lean. Porém, ao contrário do que possa parecer, de acordo com Towill & Christopher (2001), os estoques também têm papel relevante nessa filosofia. Eles defendem que a manutenção de certa quantidade de “estoque estratégico” é importante para se proteger contra a volatilidade do mercado. Especificamente nos hospitais, a relevância da gestão de estoques pode ser ilustrada pelos diversos dados sobre os custos da mesma que podem ser encontrados na literatura. Por exemplo, segundo Wanke (2004), nos Estados Unidos, na Europa e no Sudeste Asiático, o gasto com estoques de medicamentos representa de 35% a 50% dos custos operacionais e entre 16% e 28% do orçamento de um hospital com mais de cinquenta leitos. Este último dado é o mesmo fornecido por Duclos (1993). Outro dado interessante é apresentado por Heinbuch (1995). Segundo ela, os custos de manter estoques em hospitais (que incluem: armazenagem; distribuição; depreciação; tarifas financeiras; e custos que não são percebidos tão facilmente, como obsolescência) adicionam 25% ao custo de aquisição dos produtos. Além desses números, a importância da gestão de estoques para os hospitais também pode ser percebida através do custo da falta de alguns itens. A criticidade do serviço de um hospital é tanta que se falta algum material essencial à prestação do mesmo, o custo de sua falta pode ser até mesmo a perda de uma vida. As empresas do setor de saúde precisam se preocupar, mais que quaisquer outras, com a criticidade da qualidade do serviço de suas operações. A falta de um item, como um medicamento em uma sala de operação, por exemplo, pode comprometer seriamente a 20 qualidade do trabalho desempenhado pelos médicos e ameaçar a saúde de um paciente que recorra a seus serviços (POULIN, 2003). Por todas essas razões, a gestão dos estoques deve ser feita de forma muito cuidadosa principalmente nos hospitais, preferencialmente por profissionais especializados, uma vez que a exigência de seu nível de serviço é extrema. Parece razoável também pensar que os parâmetros de gastos com esta atividade sejam aqueles apresentados por Wanke (2004) e Duclos (1993). Para realizar a gestão dos estoques de maneira adequada, duas medidas devem ser estudadas: o dimensionamento e o controle dos estoques. 2.2 DIMENSIONAMENTO DE ESTOQUES O dimensionamento dos estoques trata das questões relativas à quantidade de estoque que deve ser mantida e a maneira como isso deve ser feito. Para tal, deve-se levar em consideração os custos envolvidos na manutenção deste estoque, bem como questões referentes à previsão de consumo. Tendo isso como base, pode-se, então, tomar decisões a cerca da segmentação dos estoques, de como calcular o tamanho dos pedidos a serem colocados para os fornecedores e do tipo de relação mantida com estes, além de quanto manter em estoque de segurança e da maneira como eles devem ser mantidos, centralizados ou não. 2.2.1 Custos de Estoque De maneira geral, a estocagem de um item envolve vários custos diferentes, que somados podem apresentar valores significativos. Há vários anos atrás, Gonçalves e Schwember (1979) enumeraram esses custos da seguinte forma: custo de posse, custo de uma encomenda (atualmente mais conhecido como custo de colocação de pedido ou custo de compra) e custo de aquisição unitário do item. Segundo eles, o chamado custo de posse estaria dividido em custo de capital e custo de armazenagem. O custo de capital é um custo de oportunidade, uma vez que aquele dinheiro que está empatado no estoque poderia estar investido em outra atividade que desse retorno. Ele pode ser determinado pela taxa de juros, pela taxa de retorno das 21 atividades da empresa ou por uma média de retornos de investimentos, multiplicadas pelo valor do que se tem em estoque. O custo de armazenagem, a outra parte do custo de posse, inclui gastos com equipamentos de movimentação, depreciação, mudança de valor do item, custos de ocupação de espaço, custos de seguros e impostos, por exemplo. Ching (2007) fornece uma classificação diferente para os custos associados a estoques. Para ele, há custos de aquisição de mercadoria, custos de pedir e custos de manter estoques. Os custos de pedir são equivalentes aos custos chamados por Gonçalves e Schwember (1979) de custos de uma encomenda. Já os custos de manter estoques incluiriam, de acordo com Ching (2007), custos de armazenagem, de obsolescência e custos de oportunidade do dinheiro. Todos esses custos mencionados acima estão presentes no estoque de qualquer empresa; no entanto, no caso específico de um hospital, chama a atenção a relevância do custo da falta, principalmente no que se refere a medicamentos. O custo da falta pode ser incalculável, uma vez que a ausência de um item em estoque, como já foi dito, pode levar, em último caso, à morte de um paciente. No entanto, muitos destes itens possuem alto custo de aquisição, e, por isso, estocá-los significa deixar quantias elevadas de capital empatadas. Esta questão é mencionada por Beier (1995). Ele enfatiza que em um hospital, ao contrário de empresas de vários outros setores, muitos itens podem ser considerados críticos e existe a percepção de que há necessidade de fornecer um altíssimo nível de serviço, uma vez que um stock-out nessa indústria pode ter o incalculável custo de uma vida. Por outro lado, os produtos são muito valiosos e, em muitos casos, precisam de cuidados especiais para evitar que pereçam. Mustaffa e Potter (2009) concordam com essa opinião ao afirmarem que, ao contrario do que ocorre com bens de consumo normais, em que o consumidor pode atrasar a compra ou trocar por um substituto, o suprimento de artigos hospitalares pode ser crítico para a saúde dos pacientes, principalmente se não houver nenhum tratamento alternativo. 22 Esta questão do custo de falta faz com que muitos hospitais optem por não diminuir seus níveis de estoque de determinados itens mais essenciais, ainda que essa redução possa significar importantes cortes de custos e que eles sejam pressionados para diminuir seus gastos. É comum a visão de que não importa quão cara seja a manutenção dos estoques desses itens, sempre será mais caro (mesmo que não financeiramente) perder vidas por falta de material (APTEL; POURJALALI, 2001). Por essas razões, Beier (1995) diz que toda a gestão da cadeia de suprimentos é mais complexa em sistemas de saúde que nas outras indústrias, porque ela tem impacto na saúde das pessoas, tornando imprescindível o fornecimento adequado dos produtos médicos de acordo com a necessidade dos pacientes. O mais importante, no entanto, é que a gerência do hospital sempre tenha em mente que a gestão de estoques envolve diversos custos diferentes. Por mais que o custo da falta seja muito relevante, ele não é o único e deve ser calculado sempre em detrimento de todos os outros custos mencionados por Ching (2007) e Gonçalves e Schwember (1979) para que se tenha uma gestão equilibrada dos estoques. 2.2.2 Previsão de Consumo A previsão de consumo é uma tarefa muito importante e complexa em qualquer indústria. É a partir dela que são definidas as quantidades de insumos que devem ser comprados. De acordo com Raman et al. (1994), a dificuldade em prever o consumo por bens reside no fato de que a dura competição global e a grande variedade de itens sendo comercializados em todas as áreas vêm fazendo com que as empresas tenham mais dificuldades em prever a demanda por seus produtos. Com isso os erros de previsão vêm crescendo, bem como os custos que eles representam. Apesar de qualquer dificuldade, essa atividade precisa ser exercida com alguma precisão, uma vez que, como afirma Dias (1999), “no ambiente empresarial as previsões de demanda são importantes, sobretudo para a racionalização dos recursos e para o planejamento correto do nível de atendimento aos clientes. Toda atividade de 23 planejamento requer suas previsões sobre um fato futuro. Quanto melhor for essa previsão, melhores serão as hipóteses utilizadas para o planejamento.” Sua importância é especialmente grande em casos em que os insumos não podem ser estocados por muito tempo e/ou em que o custo da falta de tais insumos é muito grande. Além disso, a dificuldade em exercer tal tarefa aumenta quanto maior for a variação da demanda, principalmente se tal variação não obedecer a padrões. Todos esses complicadores (variação da demanda, alto custo da falta e de estoque de insumos) estão presentes em um hospital, o que faz com que essa atividade apresente altíssima criticidade. É muito difícil prever o consumo dos itens em um hospital, tanto em relação a qual item será necessário quanto em relação à quantidade solicitada. Os administradores dos hospitais acreditam que, ao contrário dos gestores de outras indústrias, para eles é impossível prever o mix de pacientes bem como a demanda por um item específico e, em última instância, o consumo dos produtos em seu estoque. Desta forma eles estariam impossibilitados de controlar e projetar o cronograma de utilização de seus recursos (JARRET, 1998). Esta questão pode ser mais grave em hospitais não especializados, que atendam diversos tipos de pacientes com diversos problemas diferentes. Van Merode, Groothuis e Hasman (2004) também mencionam o problema da imprevisibilidade do mix de pacientes e da duração de sua estadia no hospital como fatores que complicam a programação da utilização dos recursos. Além desses fatores, Burn (2001) cita a dificuldade de diagnóstico, e consequentemente de previsão dos produtos requeridos, nas primeiras visitas dos pacientes como um complicador para a gestão da cadeia de suprimentos no setor de saúde. Se a demanda regular de um hospital já é difícil de prever, casos de desastres, como quedas de aviões, enchentes, vazamento químico ou incêndios, são ainda piores e possuem grande efeito nos hospitais da região onde acontecem, aumentando significativamente o número de pacientes que precisam ser atendidos. No entanto, não se deve inflar os estoques pensando em atender situações como estas, pois a probabilidade de que isso aconteça é muito baixa para cada hospital. Os administradores dos hospitais deveriam focar em atender as condições normais, que já são difíceis de 24 prever, e então, adaptar as políticas de gestão de estoques para poderem atender também casos emergenciais como esses (DUCLOS, 1993). Segundo Waller, Johnson e Davis (1999), essa grande incerteza em relação ao consumo dos medicamentos dificulta o processo de compras, podendo fazer com que os itens fiquem mais caros, inflacionando os custos. Essa incerteza em relação à demanda diária pode levar também a que os hospitais mantenham grandes quantidades de estoques de segurança (BEIER, 1995). De acordo com McKone-Sweet, Hamilton, e Willis (2005), uma das questões que complica ainda mais a previsão do consumo dos produtos nos hospitais é a falta de dados acurados sobre o consumo dos medicamentos. Além disso, esses autores afirmam que falta padronização da nomenclatura para produtos ligados à saúde, e que as preferências dos médicos por certos medicamentos criam ainda mais incertezas. Em uma pesquisa realizada por esses autores, a existência de um sistema unificado de medidas ao longo de toda a cadeia de suprimentos foi considerada pelos gestores dos hospitais como um dos principais fatores para o sucesso da gestão da cadeia de suprimentos. A conclusão a que se chega, então, é que para ajudar a lidar com toda essa dificuldade descrita por Jarret (1998), Van Merode, et al. (2004) e Burn (2001), os hospitais devem, antes de tudo, coletar e manter atualizados os dados sobre o consumo de forma padronizada, como afirmaram McKone-Sweet et al. (2005) para que fique mais fácil trabalhar com eles e, consequentemente, para que este trabalho contribua com uma melhoria das previsões. Deve-se também, como mencionado por Duclos (1993), trabalhar com a hipótese de um consumo normal, não se atendo muito à probabilidade de que um evento catastrófico aconteça nos arredores do hospital, aumentando subitamente sua demanda. 2.2.3 Sazonalidade A sazonalidade ocorre quando algo, como o consumo de um determinado item, por exemplo, apresenta variações periódicas e, muitas vezes, cíclicas. Pode ser que haja 25 épocas do ano, do mês, da semana, ou até mesmo do dia em que determinado item é mais procurado. Esse fenômeno pode influenciar a previsão de consumo de um item e, consequentemente, o dimensionamento de seu estoque. Empresas que enfrentam os efeitos da sazonalidade, principalmente para a demanda, costumam usar modelos de previsão de consumo que levem em consideração tais padrões sazonais. Diversos destes modelos, normalmente mais teóricos que práticos, estão presentes na literatura, como, por exemplo, o de Arntzen e Bradley (1999), que trata simultaneamente do planejamento da produção, da capacidade e dos estoques em ambientes com demanda sazonal. O efeito da sazonalidade nos hospitais foi estudado por Crighton et al. (2005). Eles mostraram, através de análise de dados de hospitais em Ontario, no Canadá que a demanda nos hospitais obedece a certos padrões sazonais. A observação e o estudo desses padrões podem auxiliar no planejamento dos hospitais, uma vez que alguns tipos de materiais são demandados em maior quantidade em determinadas épocas do ano. Em muitos casos, o preço de compra, incluindo o frete e o custo de colocação de pedido, de um item com demanda sazonal pode aumentar durante a época de pico de demanda por causa de eventuais dificuldades do fabricante em produzir toda a quantidade demandada ou pela necessidade de lead times mais curtos, o que demanda transporte mais rápido e caro, por exemplo (GUPTA, 2003). Desta forma, dependendo da perecibilidade do produto, pode ser financeiramente vantajoso comprá-lo com antecedência. A sazonalidade da demanda por medicamentos pode agravar o problema das perdas por perecibilidade (GUPTA, 2003). Se um determinado medicamento é consumido em maior quantidade em determinada época, é provável que se façam pedidos grandes logo antes desta época. Porém se houver sobras após este período, com a redução da demanda, é provável que muitos deles expirem suas validades sem terem sido usados. Portanto, é desejável que os hospitais analisem seus dados sobre consumo e procurem identificar padrões de demanda. Se encontrados, esses padrões devem ser incorporados 26 à previsão de consumo, para que a gestão de seus estoques seja feita de forma mais condizente com a realidade do hospital. 2.2.4 Segmentação de Itens em Estoque Nem todos os itens mantidos em estoque em uma empresa possuem as mesmas características e têm a mesma importância. Para lidar com isso, a segmentação de estoques é uma prática bastante comum em empresas de todos os setores da economia. Há diversas maneiras de classificar itens para segmentá-los e escolher a política adequada a cada segmento. Uma das mais conhecidas é a classificação ABC. Nela são separados três grupos de itens de acordo com um critério pré-estabelecido, como, por exemplo, a quantidade demandada de cada item. Porém, esta classificação também pode ser feita levando em conta uma combinação de diversos critérios. De acordo com Gonçalves e Schwember (1979), a análise ABC contribui para diferenciar o importante do acessório, auxiliando o administrador na tomada de decisões principalmente nas que tangem a gestão de estoques. Hoffman et al. (2008) sugerem que os itens em estoque devem ser divididos em três categorias de acordo com seu valor. A partir de então, deve-se estabelecer um nível máximo e um nível mínimo de estoque desejável pelo menos para os itens mais valiosos. Há, no entanto, outras formas de classificar os itens em estoque tendo em vista suas diferentes categorias. No caso específico dos hospitais, Pan e Pakharel (2007) sugerem que os itens sejam divididos em quatro grandes grupos. Os três primeiros são formados por itens que eles chamam de “itens médicos”, ou seja, aqueles que são usados especificamente para a realização dos procedimentos médicos. O primeiro é o grupo dos bens leves, formado por itens que geralmente são fáceis de armazenar. Exemplos de bens leves seriam máscaras, luvas e rolos de algodão. Remédios formam o segundo grupo descrito por Pan e Pakharel (2007). A gestão dos estoques desse grupo é, possivelmente, uma das mais críticas. O terceiro grupo é 27 formado por equipamentos. Nele estão incluídas, por exemplo, ferramentas cirúrgicas. Itens não-médicos, como comida, material de escritório e lençóis, por exemplo, formam o último grupo. Segundo eles, itens farmacêuticos e não-farmacêuticos precisam ser geridos diferentemente e, frequentemente, são administrados por departamentos diferentes. Ainda de acordo com Pan e Pokharel (2007), os medicamentos são, geralmente, considerados itens de giro rápido e, portanto, repostos com grande frequência, de forma que os hospitais não costumam estocar grandes volumes destes itens. Já os equipamentos não-médicos podem não ser demandados regularmente, fazendo com que os hospitais evitem ao máximo estocar esta espécie de produto. Outros produtos podem ser definitivamente eliminados dos estoques, através da terceirização de serviços que os fornecem. É possível contratar empresas que ofereçam serviços de limpeza, segurança ou cafeteria, acabando, assim, com a necessidade de estocar comida e produtos de limpeza, por exemplo (MOSSCHURIS; KONDYLIS, 2006, 2007). Outra classificação é sugerida pela ONU (Organização das Nações Unidas). Essa classificação é válida para qualquer tipo de produto, não apenas os hospitalares. De acordo com seu website, o UNSPSC (United Nations Satandard Products and Services Code) oferece um sistema único de classificação que pode ajudar na análise dos custos, fazendo com que os gastos sejam feitos de forma mais eficiente. Além dos diversos tipos de materiais estocados por um hospital, diferentes materiais de um mesmo tipo, como medicamentos, por exemplo, podem apresentar características diferentes e devem, portanto, ser tratados de formas diferentes. De acordo com Wanke (2004), as diferenças encontradas entre os diversos produtos estocados por um hospital tornam economicamente proibitiva a adoção de um único modelo de gestão de estoques para todos os itens com que um hospital deve se preocupar. Algumas dessas características seriam: prazos de validade; custo da falta; quantidade de fornecedores; demanda ou consumo sazonal, espaço para armazenagem; tamanho de embalagem; gastos com ressuprimento e custos unitários de aquisição. 28 Dessa forma, é desejável que cada item, ou cada classe de itens receba um tratamento diferente. Técnicas de classificação de produtos podem ajudar a resolver os problemas dos hospitais, especialmente de suas farmácias. Com base na classificação, os estoques podem ser dramaticamente reduzidos, uma vez que apenas algumas categorias de produtos (as mais importantes) serão mantidas em estoque de segurança (DANAS; ROUDSARI; KETIKIDIS, 2006). A classificação ABC também pode ajudar nesse processo. Alguns itens são mais críticos que outros, devendo receber classificação A em importância na gestão de estoques. Um exemplo de item desta classe, dado por Wanke (2004), são as vacinas. Elas receberiam esta classificação devido ao seu curto prazo de validade e à necessidade que têm de se manterem refrigeradas, o que aumenta seu custo de armazenagem. A classificação C poderia ficar com os itens menos críticos, mais duráveis. Finalmente, os itens em classe B seriam aqueles intermediários, que não se encaixam nos mais críticos, porém também não são os menos importantes (WANKE, 2004). Danas et al. (2006) sugerem que a classificação seja feita com base em diferentes critérios. Porém, para eles, primeiramente devem ser estabelecidas as categorias e suas respectivas características, que serão utilizadas como critérios para a classificação. É importante que essa separação seja feita com a ajuda dos médicos. Em seguida, com todos os produtos já classificados, deve-se determinar uma política de gestão de estoques diferente para cada uma das categorias estabelecidas. Estes mesmos autores também propõem que sejam criadas quatro categorias, ao invés das tradicionais três, incluindo uma nova categoria que seria chamada de D. Dessa forma, itens A seriam muito importantes e, segundo eles, deveriam ser mantidos em estoques descentralizados em cada setor do hospital que os use, além de serem mantidos numa farmácia central como estoque de segurança. Os itens B, que seriam classificados como importantes, também deveriam ser mantidos descentralizados, porém a necessidade de manutenção de estoques de segurança já é menor. Os itens C são menos importantes e, por isso, seu estoque poderia ser responsabilidade de cada setor, sem necessidade de serem mantidos na farmácia central como estoque de segurança. Por 29 último, os itens D, que não são importantes, podem ser supridos em um sistema Just in Time de acordo com a necessidade que cada setor do hospital tem deles. Dessa maneira, os armazéns centralizados dos hospitais manteriam apenas o estoque de segurança dos itens A e uma pequena porção de estoque de segurança dos itens B em seus armazéns centrais, uma vez que os itens C seriam armazenados pelos próprios departamentos e os itens D seriam supridos em sistemas sem estoque, como o Just in Time. Dessa forma, os hospitais conseguiriam diminuir seus custos com estoques. Ainda de acordo com Danas et al. (2006), alguns exemplos de critérios que podem ser utilizados nesta classificação são: a criticidade do tratamento para o paciente (risco de vida, qualidade do tratamento, possibilidade de substituição por outro tratamento); características do fornecimento do produto (lead time, número de potenciais fornecedores); problemas referentes à estocagem (preço, espaço demandado, condicionamento especial, prazo de validade); e, finalmente, suas taxa de utilização. Uma pesquisa feita por Beier (1995) mostrou que os hospitais que faziam algum tipo de classificação de produtos apresentavam controle de estoques bem melhor que os que não utilizam o método. Além disso, suas taxas de estoque por cama ocupada eram bem melhores, assim como seu giro de estoques. Apesar disso, a pesquisa mostrou também que apenas um pequeno número de hospitais classificava seus estoques em diferentes categorias. Como Wanke (2004) e Danas et al. (2006) falam da importância que a segmentação dos estoques tem para sua gestão e Beier (1995) mostra resultados práticos dessa segmentação, ela deve, sim, ser feita pelos hospitais. Porém, o número de classes em que os itens, ou tipos de itens, serão separados pode variar (geralmente entre três ou quatro classes, como apresentado por Wanke (2004) e Danas (2006), respectivamente), dependendo da quantidade de itens estocada pelo hospital. Os critérios para a segmentação também podem ser diferentes de acordo com as particularidades de cada hospital, porém alguns parecem ser bastante importantes, como os mencionados por Wanke (2004). 30 2.2.5 Modelos de Dimensionamento de Pedidos 2.2.5.1 Lote Econômico Uma questão importante para dimensionar os estoques é saber quanto pedir a cada vez que um ressuprimento é feito. Através da minimização dos custos totais, é possível chegar a uma quantidade ótima de produtos por ressuprimento. Esse modelo é chamado de Lote Econômico (LEC). De acordo com Wanke (2008), para realizar esse cálculo, deve-se levar em consideração a demanda pelo item, o custo de colocação do pedido, o custo de aquisição do item e o custo de oportunidade de manter esse dinheiro empatado em estoques. Este método de gestão de estoques é bastante familiar aos hospitais, uma vez que é muito utilizado por eles e sua lógica parece ser bem entendida pela indústria. Ele pode ser vantajoso porque apresenta pequena quantidade de barreiras ao seu uso pelos hospitais e, quando utilizado adequadamente, pode reduzir os custos de gestão de estoques mesmo que os estoques de segurança se mantenham constantes. (BEIER, 1995). No entanto, para que esse modelo funcione bem, é preciso que haja certa previsibilidade da demanda, o que nem sempre ocorre nos hospitais. Desta forma, alguns hospitais optam por não utilizá-lo ou fazem uso dele de forma incorreta. Segundo Pan e Pokharel (2007), o pedido pode ser colocado junto a seus fornecedores pelo hospital ou diretamente por um de seus departamentos médicos. Porém, na visão destes autores, este método representa mais custos que outros, como o JIT, uma vez que demanda mais mão-de-obra e espaço para armazenagem. 2.2.5.2 Nível de Reposição Outro modelo bastante utilizado por diversas empresas é o modelo de Nível de Reposição. Este modelo requer que um nível máximo de estoques seja estabelecido para cada item estocado. Nesse caso os pedidos costumam ser colocados em períodos préestabelecidos e a cada vez que isso é feito, a quantidade pedida deve ser a diferença 31 entre o nível máximo de estoques pré estabelecido e a quantidade do item em estoque no momento da revisão. (WANKE, 2008) Nicholson, Vakharia e Erenguc (2004) sugerem que este modelo seja utilizado em hospitais para evitar stock-outs. Este método pode ser especialmente útil para os itens chamados de leves por esses autores (como máscaras, luvas e rolos de algodão), uma vez que a demanda por eles é razoavelmente constante e seu uso segue o mesmo padrão em todos os setores do hospital. Muitas vezes, utiliza-se também este método para itens não-médicos, como material de escritório, por exemplo (PAN; POKHAREL, 2007). Isso mostra que há ligação entre a classificação dos itens e os métodos escolhidos para dimensionar cada grupo. Um problema para utilização deste método é a dificuldade em se estabelecer o nível de estoques a ser considerado como padrão. Em muitos casos, ele é estabelecido de acordo com a experiência dos profissionais que precisam dos estoques e com diretrizes políticas do hospital. Raramente é estabelecido com base em dados (NICHOLSON , 2004). Muitas vezes os hospitais fazem uso de heurísticas para determinar este nível ótimo. Isso ocorre porque eles não costumam ter os dados ou os recursos tecnológicos para fazer os cálculos (DUCLOS, 1993). Ramani (2006) também relata problemas com a precisão do cálculo das quantidades pedidas. No caso estudado por ele, essas quantidades eram determinadas de maneira subjetiva pelo setor de compras e pelos departamentos que usarão os itens pedidos; não havia meio formal de monitorar o que era pedido nem o que era consumido. Ainda que o cálculo deste nível máximo de estoques não seja feito seguindo um método formal, ele deve ser feito com base em dados relativos ao consumo dos itens, de forma que não seja um número muito alto, mas que não falte produto. Este problema é ainda mais grave em redes com estoques descentralizados e um armazém central. Neste caso, o armazém central calcula seu estoque padrão de acordo com previsões da demanda agregada do hospital, mas recebe pedidos dos diversos departamentos separadamente que, quando agregados, raramente correspondem ao previsto (NICHOLSON et al., 2004). O fato de usar essas demandas agregadas faz com que as variações das demandas nos pontos de uso ganhem proporções maiores no armazém central, obrigando-o a manter níveis mais elevados de estoques. Esse 32 fenômeno é conhecido como “efeito chicote” e pode acabar afetando toda a cadeia de suprimentos. Tanto esse método quanto o modelo de Lote Econômico citado anteriormente, podem ser muito úteis para os hospitais. No entanto, como diz Beier (1995), este último parece ser mais simples de usar e, portanto, pode ser mais indicado, principalmente para hospitais com estrutura administrativa mais simples e que tenham dificuldades em coletar e armazenar os dados necessários para o cálculo do nível de reposição, problema mencionado por Nicholson et al. (2004), Ramani (2006) e Duclos (1993). Contudo, é bom lembrar que para a utilização do LEC, também é necessário o conhecimento de alguns parâmetros como demanda pelo item, custo de colocação de pedido e custo de aquisição do item e custo de oportunidade, como afirmou Wanke (2008). 2.2.6 Relação com Fornecedores A gestão de estoques não é um assunto exclusivamente interno dos hospitais. Suas relações com seus respectivos fornecedores também devem ser tratadas. De acordo com Kumar, Ozdamar e Zhang (2008), para melhor administrar materiais, três medidas devem ser tomadas em relação aos fornecedores: reduzir o número de fornecedores; utilizar fornecedores localizados geograficamente mais próximos ao hospital; e melhorar o relacionamento com os fornecedores. Ramani (2006) dá um exemplo de como mudanças nas políticas de colocação de pedidos que aproximem os hospitais de seus fornecedores trazem benefícios como a redução de itens mantidos em estoque. No caso apresentado por ele, foram reduzidos o número de fornecedores, o número de pedidos colocados e, como conseqüência, foi obtida a diminuição do número de itens estocados no hospital. A mudança de política também gerou benefícios nas áreas de compras e na área financeira, liberando, assim, recursos que podem ser utilizados para melhorar a gestão de estoques praticada pelo hospital. Segundo Beier (1995), a maioria dos hospitais compra medicamentos de distribuidoras. A ligação entre esses dois elos pode ser fortalecida por contratos que estabelecem 33 prioridades de compras e incentivam que as farmácias dos hospitais consolidem seus pedidos. A confiabilidade da entrega se mostrou, de acordo com ele, significativamente melhor em casos em que este tipo de contrato estava em vigor. No Brasil, as distribuidoras são responsáveis por 72% das entregas de medicamentos, distribuindo-os para farmácias e hospitais. Suas estruturas logísticas permitem, em alguns casos, que as entregas sejam feitas diariamente em até seis horas (CORRÊA, 2004). Nicholson, Vakharia e Erenguc (2004) garantem que as relações dos hospitais com seus fornecedores estão sendo incrementadas e que já há vários operadores terceirizados que administram estoques em diversos hospitais. Rivard-Royer, Lanry e Beaulieu (2002) observaram, ainda, operadores terceirizados que administram toda a cadeia de suprimentos dos hospitais, especificamente na Europa, alterando a relação que os hospitais tinham com seus fornecedores. Uma pesquisa feita por Aptel e Pourjalali (2001) mostrou que a maioria dos hospitais americanos e franceses por eles entrevistados ainda sentia necessidade de intensificar a relação que possuem com seus fornecedores. No entanto, alguns avanços já haviam sido feitos poucos anos antes da pesquisa. Muitos hospitais relataram diminuição na quantidade de fornecedores e redução de seus níveis de estoque. A relação entre estreitamento da relação com os fornecedores e a melhoria do nível de serviço por eles apresentada é bem clara, como apresentaram Ramani (2006) e Beier (1995). Sendo assim, a melhor política a adotar em relação aos fornecedores parece ser a da diminuição da quantidade de fornecedores e a realização de contratos de longo prazo com os escolhidos. 2.2.6.1 Sistemas com Estoque Zero Há alguns sistemas que buscam reduzir os estoques a níveis próximos de zero. Exemplos deles são os modelos Just in time e Vendor-Managed Inventory. Para que eles 34 funcionem de maneira adequada, necessitam de proximidade extrema entre hospitais e fornecedores. 2.2.6.1.1 Just in Time O sistema Just in Time teve origem na observação da relação entre a montadora de automóveis Toyota e seus fornecedores. Esse relacionamento se dava de forma muito mais próxima que a prática de mercado, de maneira que os fornecedores disponibilizavam material de acordo com as necessidades da montadora, acabando com a necessidade de estocar material. Essa prática foi difundida entre várias indústrias ao longo do tempo, chegando até a setores em que isso parecia impossível. A principal diferença do sistema Just in Time (JIT) para os demais é que ele adota o sistema de puxar a produção ao longo do processo produtivo em função da demanda (WANKE, 2008). Isso quer dizer que os itens que normalmente ficam em estoque chegam na hora em que são demandados, ao invés de ficarem armazenados em estoque (HEINBUCH, 1995). Empresas que fazem uso de processos JIT costumam focar na eliminação de perdas, ou seja, tentam eliminar tudo que não adicione valor ao seu produto. Os ganhos com o JIT são resultado, em grande parte, da redução dos estoques e seus custos de manutenção, o que melhora o fluxo de caixa das empresas que o adotam. Além disso, ele libera espaço para atividades que possam gerar receitas e transfere custos trabalhistas para os fornecedores (WHISTON, 1997). A idéia que leva à sua adoção é a de que os sistemas tradicionais usam os estoques para encobrir falhas em seus processos, pois consideram que os níveis de qualidade, tempos de resposta e freqüência de quebras são imutáveis (WANKE, 2008). O JIT já vem sendo usado há bastante tempo em várias indústrias com relativo sucesso. Nas últimas décadas, ele vem sendo aplicado no setor de saúde juntamente com outras práticas já comuns em outros mercados em busca de redução de custos logísticos (como gestão de estoques) e melhoria do serviço prestado ao cliente (DANAS et al., 2006). 35 A adoção do JIT, em qualquer indústria, requer uma mudança radical na atitude que as empresas tradicionalmente adotam frente a seus fornecedores. Segundo Wanke (2004), os critérios mais comumente usados para a escolha de fornecedores, como descontos por quantidade e leilão reverso devem dar lugar a outros como a marca do fornecedor, contratos de longo prazo, confiabilidade do produto e tempo de resposta. Duclos (1993) afirma que alguns hospitais estão fazendo esse tipo de contrato com os fornecedores, de maneira a usá-los como armazéns centrais que fazem entregas diretamente para os pontos de uso, ou seja, os departamentos dos hospitais que fizeram o pedido. De acordo com Wanke (2004), no setor de saúde, o modelo JIT costuma ser conhecido como Stockless Materials Management (SMM). Para que este sistema possa ser adotado apropriadamente, como em todas as indústrias que adotam o JIT, é necessário que haja um fluxo contínuo de informação entre os pontos de consumo (dentro dos hospitais, no caso) e os fornecedores; este fluxo é importante para dar visibilidade à demanda, servindo para sincronizar o ressuprimento e as necessidades dos consumidores. O JIT começou a ser utilizado por hospitais americanos nos anos 70. Segundo RivardRoyer et al. (2002), no auge da onda de JIT em que a indústria de serviços de saúde entrou, chegou-se a ter 10% dos hospitais operando com este sistema. Porém, no final dos anos 90 o número de adeptos deste método começou a declinar. Os fornecedores e hospitais começaram, então, a procurar métodos que balanceassem os esforços dos primeiros e os benefícios recebidos pelos segundos. Segundo Kim e Schniederjans (1993), o JIT pode ser implementado em qualquer hospital, independente de seu tamanho. Já Mustaffa e Potter (2009) discordam. Segundo eles, há alguns casos em que a implementação desse sistema se torna praticamente infactível. O risco de stock out sob o modelo JIT é maior que nos modelos tradicionais, por isso, para que este modelo funcione, é importante que o hospital se localize próximo aos seus fornecedores e que haja redes de transporte eficientes entre eles. De acordo com Wanke (2004), alguns hospitais em áreas rurais, distantes de seus fornecedores, já fracassaram na tentativa de adoção do sistema. Também é complicado 36 desenvolver esse tipo de esquema em hospitais públicos, como os do Brasil, em que se requer que sejam feitas licitações para a compra de materiais. Esse modelo apresenta vantagens como redução dos estoques de até 80%, acabando com almoxarifados centrais e racionalização das tarefas do staff de apoio (WANKE, 2004). De acordo com Lynch (1991), esses ganhos podem ser conseguidos sem deterioração do nível de serviço oferecido aos pacientes. Num sistema JIT, os contratos entre o hospital e seus fornecedores são de longo prazo. Com esses contratos, a incerteza dos fornecedores em relação à sua demanda diminui, aumentando a confiança mútua entre fornecedores e compradores, beneficiando os dois lados do negócio (APTEL; POURJALALI, 2001). Segundo Kowalski (1986), alguns hospitais estão conseguindo melhorar seus processos com base neste modelo. Em alguns casos, é possível reduzir os estoques em 70%, em outros estão sendo implementados, inclusive, sistemas que conseguem chegar a um nível de estoque praticamente igual a zero (WILSON et al., 1992). Jarrett (1998) apresenta um problema para a adoção do JIT nos prestadores de serviços relacionados à saúde: a baixa previsibilidade da utilização de sua capacidade e dos produtos de que irá precisar. Danas et al. (2006) chegam até a dizer que essa questão do consumo de emergência, causando baixa previsibilidade, impossibilita a adoção do JIT nas farmácias dos hospitais, de maneira que eles deveriam sempre manter estoques de medicamentos. Segundo eles, a implementação do JIT só seria possível quando combinada com outras medidas que reduzam o medo associado a stock outs em casos de emergência. É provável, ainda, que a adoção desse método aumente o custo de aquisição dos medicamentos. Segundo Wanke (2004), esse aumento pode chegar a até 15%. Observase, então, que a diminuição dos níveis de estoque, não significa, necessariamente, redução dos custos totais com a gestão de estoques. Alguns autores sugerem que este modelo deva ser adotado para alguns itens, mas não para todos. Rivard-Royer et al. (2002) sugerem que sistemas de estoque zero sejam 37 usados para produtos com alto volume, com uma abordagem mais tradicional sendo utilizada para produtos médicos de baixo volume. Whitson (1997) afirma que, além do alto volume, é necessário que a operação de compra do produto seja repetitiva para que ele seja um bom candidato a passar para o sistema Just in Time. Jarrett (1998) concorda que nem todos os produtos podem ser inseridos neste sistema. Segundo ele, alguns itens selecionados precisam ser mantidos em sistemas de administração de estoques tradicionais. Heinbuch (1995) também diz que os itens que costumam ser mantidos em sistemas sem estoque são os menos indispensáveis para a operação do hospital, como papel higiênico ou toalha de papel, por exemplo, ainda que se tenha observado casos em que os administradores colocam até os itens mais vitais em sistemas Just in Time. Esse sistema, como a maioria dos outros, apresenta vantagens, mencionadas por Aptel e Porjalali (2001), Wanke (2004) e Lynch (1991), e desvantagens, mencionadas por Jarret (1998), Danas et al. (2006) e Wanke (2004). Dessa forma, ele deve ser usado apenas em hospitais que fiquem fisicamente próximos aos seus fornecedores, como dizem Wanke (2004) e Mustaffa e Potter (2009). Ainda assim, o modelo também não deve ser utilizado para todos os itens do hospital, mas apenas para os que apresentam menor criticidade, maior volume e demanda mais regular, como mostrado por Heinbuch (1995), Jarrett (1998), Whitson (1997) e Rivard-Royer et al. (2002). 2.2.6.1.2 Vendor-Managed Inventory Outra forma de interação bastante próxima com os fornecedores é o Vendor-Managed Inventory (VMI). Com ele, os fornecedores assumem a responsabilidade pela gestão dos estoques nos clientes e tomam as devidas decisões quanto ao ressuprimento. Isso significa que o fornecedor monitora os níveis de estoque do cliente (fisicamente ou por meios eletrônicos) e toma todas as decisões relacionadas a quantidades pedidas, fretes e tempo de ressuprimento (WALLER et al., 1999). Algumas vezes o cliente chega a passar a responsabilidade financeira pelos estoques para o fornecedor. Uma das maneiras de fazer este arranjo é através de metas estabelecidas pelo cliente para níveis de estoque e/ou níveis de serviço oferecidos pelo fornecedor. Segundo Waller et al. (1999) essa parceria tem potencial de reduzir os custos tanto do cliente quanto do fornecedor. 38 Segundo Mustaffa e Potter (2009), a principal diferença deste modelo para o JIT é a transferência da responsabilidade pela gestão dos estoques para o fornecedor, uma vez que o pedido continua sendo colocado de maneira automática, ou seja, também necessita de muita transferência de informação entre hospitais e seus fornecedores, com base em sistemas automatizados. Ainda de acordo com Mustaffa e Potter (2009), os benefícios da adoção deste modelo são muitos, incluindo diminuição da responsabilidade administrativa nos hospitais, menos erros, e redução de até 30% dos estoques. Este sistema apresenta vantagens também para os fornecedores. Sua incerteza em relação à demanda diminui, possibilitando a redução de seu estoque de produto acabado, muitas vezes usado para garantir determinado nível de serviço para os clientes. O VMI permite que os picos e vales da demanda sejam reduzidos, possibilitando uma melhor gestão da capacidade e dos estoques do fornecedor (WALLER et al., 1999). Segundo Waller et al. (1999), até mesmo os custos de transporte podem ser reduzidos com o VMI. Ele ajudaria a aumentar a quantidade de veículos de baixo custo com carga consolidada e eliminar o transporte mais caro de pequenas quantidades de carga. Isso seria conseguido com a possibilidade do fornecedor coordenar todo o ressuprimento, ao invés de responder a ordens recebidas. No entanto, para que ele seja bem sucedido, muitas vezes são desejáveis equipamentos, tecnologia de comunicação, identificação dos produtos e sistemas de rastreamento (WALLER et al., 1999). O conhecido sistema EDI, ainda segundo Waller et al. (1999), poderia auxiliar o VMI, porém não é essencial para seu bom funcionamento. De acordo com este mesmo autor, o sistema pode ser implementado com sucesso sem essas ferramentas, principalmente em casos em que o número de SKUs estocados é pequeno. 2.2.6.1.3 Outras Formas de Manter Estoque Zero Há, ainda, outros métodos de gestão de estoque que envolvem intenso relacionamento com os fornecedores sem, no entanto, seguir um modelo específico. Um exemplo é dado por Wilson et al. (1992). Ele explica como funciona um sistema com estoque zero 39 dentro do sistema de saúde. Segundo ele, algumas das funções da área de administração de materiais seriam transferidas para as instituições que ficam a montante na cadeia de suprimentos. As cadeias não ficariam mais curtas, porém haveria menos produtos sendo estocados em seus elos. Ainda segundo Wilson et al. (1992), os benefícios trazidos por este modelo seriam: redução dos custos com estoques abaixo dos conseguidos com o JIT; eliminação dos custos de se manter uma área de armazenagem; redução dos custos de obsolescência assumidos pelos hospitais; e economias com compras e gestão de materiais. Neste modelo, mais responsabilidades seriam assumidas pelo fornecedor, que deixaria de servir apenas como armazém (como no caso do JIT) e passaria a entregar os produtos nas quantidades e formatos solicitados diretamente nas unidades do hospital que os requisitaram (WILSON et al., 1992). A quantidade de custos incorridos na adaptação das operações para um sistema como esse, além do maior custo de colocação de pedidos e do possível aumento dos gastos com transporte de mercadorias, pode deixar dúvidas se o custo total de fato diminui com este tipo de sistema. Wilson et al. (1992) dizem que há quem desconfie que os custos simplesmente sejam repassados para os outros membros da cadeia de suprimentos. Contudo, argumenta-se que os benefícios do sistema mais que superam seus custos adicionais. Esses ganhos, no entanto, podem não aparecer de maneira uniforme em todos os departamentos do hospital; em alguns deles o efeito pode ser até negativo. Porém, há grande potencial para que os custos gerais sejam reduzidos, ainda que em alguns casos a eficiência deva ser sacrificada em nome de um melhor nível de serviço (WILSON et al., 1992). Assim como já foi mencionado para o JIT, é importante que os fornecedores estejam fisicamente próximos a seus clientes para que qualquer sistema com estoque zero funcione (WILSON et al., 1992). Isso vale para qualquer modelo que busque a redução extrema dos estoques. Como já foi mencionado antes, é provável que a redução dos níveis de estoque resulte em aumento dos gastos com transporte. Esse aumento será tão maior quanto maior for o caminho a ser percorrido entre o fornecedor e o hospital. Além disso, se o momento da colocação do pedido for muito próximo do momento de seu 40 consumo, com o fornecedor longe do hospital, é possível que o pedido não chegue a tempo, comprometendo o nível de serviço por ele oferecido. Todos os sistemas com estoque zero apresentam muitas características semelhantes ao JIT. A recomendação de sua utilização também é similar à do outro sistema, ou seja, apenas para alguns itens e para hospitais que fiquem perto de seus fornecedores, como afirmado por Wilson et al. (1992). 2.2.6.2 Grupos de Compras Uma forma de conseguir um melhor relacionamento com os fornecedores é através da participação em um grupo de compras. Essa medida pode trazer vantagens como aumento do poder de barganha e ganho de escala, por exemplo. Organizações de compra conjunta (GPO na sigla em inglês) fazem uso do maior poder que se consegue quando se agrega compras de vários hospitais para negociar acordos de preço com os fornecedores. Alguns grupos focam somente na compra de medicamentos, porém a maioria oferece contratos de instrumentos cirúrgicos, comida e outros produtos e serviços, além dos produtos farmacêuticos (HOFFMAN et al. 2008). Essa possibilidade é ilustrada pela afirmação de Roark (2005). Segundo ele, os hospitais podem conseguir economias de escala pela consolidação de suas centrais de compras através, por exemplo, da organização de grupos de compras. Esta prática também foi observada por Beier (1995). Ele comenta que as chances de economias vindas da consolidação das compras de diferentes farmácias de hospitais são muitas e estão espalhadas pelo setor. Essas economias podem vir tanto da diminuição do custo de transporte, através da consolidação de carga, quanto de descontos conseguidos junto aos fornecedores pelo grande volume de itens demandados por todo o Grupo de Compras. Pan e Pokharel (2007) também comentam essa possibilidade de consolidação de pedido através de grupos de compras que recebem demandas diretamente dos departamentos dos hospitais que, sozinhos, fariam pedidos com volume muito baixo. No entanto, para eles, isso só deveria valer para os itens comuns aos hospitais participantes; itens 41 especiais poderiam ser comprados separadamente por cada um deles e em pequenas quantidades, de maneira a garantir um maior controle de qualidade nesses itens. Eles relatam, ainda, a possibilidade de os hospitais fazerem alianças para compartilhar outros serviços, como o de cafeteria ou de roupa de cama. Segundo a pesquisa de McKone-Sweet et al. (2005) praticamente todos os hospitais que participam de grupos como estes atestam a eficiência do grupo, principalmente para compras de produtos considerados por eles como commodities, como luvas, por exemplo. Porém, a percepção dos entrevistados de McKone-Sweet et al. (2005) não é a mesma para produtos de alto custo, como válvulas cardíacas e implantes ortopédicos. Além de avaliar mal os grupos de compras para produtos com alto valor agregado, alguns aspectos dos contratos também foram citados como negativos. Por exemplo, alguns esforços para padronizar itens acabaram limitando a disponibilidade de alguns itens preferidos por certos hospitais. De acordo com Hoffman et al. (2008), para que o grupo opere com sucesso, é necessário o desenvolvimento de relações colaborativas entre os membros do grupo, os fabricantes dos produtos comprados e seus distribuidores. Porém, segundo McKone-Sweet et al. (2005), só isso não basta; há também outros fatores críticos para o sucesso do grupo de compras, que estão relacionados às características dos hospitais, como tamanho, localização, e tipo de tratamento oferecido, bem como às características do contrato. Por exemplo, os pequenos hospitais rurais são os que mais têm potencial de obter benefícios com os grupos de compras, uma vez que eles não possuem volume suficiente de pedidos para barganhar preços baixos diretamente com os fornecedores e, frequentemente, possuem poucos recursos para pesquisar melhores preços, produtos e fornecedores. Hoffman et al. (2008) também mencionam casos em que a formação de um grupo não compensa. Hospitais com foco específico em um determinado setor, por exemplo, podem comprar grandes quantidades de determinados produtos, conseguindo, sozinhos descontos tão bons ou melhores que os conseguidos pelos grupos de compras. No 42 entanto, há de se levar em consideração também custos implícitos que são poupados nos grupos de compras, como o tempo perdido para buscar um fornecedor e escrever o contrato, por exemplo. Dadas todas as vantagens mencionadas por Roark (2005) e Beier (1995), é recomendável que os hospitais se organizem em Grupos de Compras, desde que obedeçam aos critérios colocados por Hoffman et al. (2008) e, como sugerem McKoneSweet et al. (2005) e Pan e Pokharel (2007), utilizem o grupo apenas para comprar itens com as características por eles citadas. 2.2.7 Estoque de Segurança Estoques de segurança são aqueles que a empresa utiliza como proteção contra incertezas e possibilidades de stock-outs (BEIER, 1995). Wanke (2008) propõe uma forma de calcular quanto se deve manter como estoque de segurança. Segundo ele, o ponto de partida para esse cálculo é a determinação da probabilidade de não faltar produto, ou seja, a definição do nível de serviço que se deseja oferecer. Para se encontrar a probabilidade ótima de não faltar produto, deve-se levar em consideração o custo da falta e o custo do excesso (o quanto se perde se sobra uma unidade do item em estoque) do item estocado. Deve-se considerar também a variabilidade da demanda no tempo de resposta, ou seja, quanto a demanda pode variar no período entre a colocação de um pedido e o seu recebimento. Através de cálculos matemáticos, Wanke (2008) encontrou que o estoque de segurança deve ser igual a k * S D*TR, onde k é uma constante ligada à probabilidade ótima de não faltar produto, que está ligada ao nível de serviço que se deseja oferecer, e S D*TR éo desvio padrão da demanda no tempo de resposta. Pode-se observar por este cálculo que o custo da falta e a incerteza em relação à demanda são fatores cruciais para a determinação da quantidade de estoque de segurança a ser mantida. Ainda que não seja feito um cálculo formal dessa quantidade, 43 de acordo com Beier (1995), esses dois fatores costumam ser levados em consideração na hora de tomar essa decisão. Em um setor tão imprevisível quanto o dos hospitais e com custos de falta tão elevados, os estoques de segurança apresentam um papel de enorme importância. As incertezas encontradas pelos hospitais os levam a manter estoques de segurança muitas vezes em níveis superiores que os recomendados. Essa incerteza pode ser quanto ao prazo de entrega de seus pedidos ou quanto à sua demanda diária. Apesar de se dever colocar como base a média da demanda, é comum que haja um medo de que ocorra uma demanda muito acima do esperado (BEIER, 1995). Beier (1995), em sua pesquisa, observou que os hospitais estavam mantendo estoques de segurança em um nível bastante elevado, muito acima daquilo que seria necessário, mesmo considerando o enorme custo da falta dos produtos. As farmácias dos hospitais estavam colocando pedidos com muita freqüência mesmo quando já mantinham estoque de segurança elevado e quando o custo de colocação de pedido era alto. Segundo ele, isso indica que ou o controle de estoque não está sendo praticado ou, por alguma razão, não está sendo eficiente, talvez estivesse sendo guiado por outro fator que não a busca do equilíbrio entre custo da falta e o custo do excesso. Para atender flutuações na demanda, além da política informal de aumentar os estoques nos pontos de uso, outros métodos podem ser usados. Um exemplo é manter estoques especificamente para consumo de emergência, outro é fazer com que o acúmulo de estoque fique nos elos à montante na cadeia. Muitos departamentos armazenam estoques para situações de emergência em localizações especiais, separados do resto, sem calcular o impacto que essas ações têm nos estoques de segurança totais. O resultado costuma ser excesso de estoques e perdas com expiração da validade de produtos (DUCLOS, 1993). Alguns hospitais mantêm, ainda, estoques não-oficiais e algumas vezes subestimam propositalmente os valores de seus estoques para não chamar atenção para o fato de que estão armazenando mais estoques do que o necessário (APTEL; POURJALALI, 2001). Isso tudo mostra um grande conservadorismo por parte dos hospitais, que dão ainda maior valor à falta do que seria esperado. 44 Os métodos informais de cálculo de estoques de segurança apresentados por Duclos (1993) parecem não funcionar, fazendo com que os hospitais estoquem uma quantidade de itens bem maior que a necessária, prática esta bastante comum segundo Beier (1995). Portanto, é melhor que eles sigam algum método de cálculo estruturado, como o apresentado por Wanke (2008). O problema é que isso requer estimativas sobre a demanda, que costuma ser bastante variável. No entanto, é possível fazer estimativas se os dados sobre consumo estiverem disponíveis. 2.2.8 Estoque Centralizado X Descentralizado Estoques podem ser mantidos centralizados ou descentralizados dentro de uma empresa ou uma cadeia de suprimentos. As duas políticas apresentam vantagens e desvantagens e podem ser usadas simultaneamente para itens diferentes. De acordo com Wanke (2008), alguns fatores devem ser observados para que se tome essa decisão. Primeiro, quanto maior o giro do produto, maior a tendência a que ele seja mantido descentralizado, uma vez que correm menos riscos de perecer ou ficar obsoletos. Segundo, quanto menor o tempo entre a colocação do pedido e a chegada do produto ao usuário final, menor a necessidade de descentralização. Terceiro, quanto maior a exigência de nível de serviço, maior a tendência à descentralização dos estoques. Por fim, para produtos com alto custo unitário, a tendência à centralização é maior. Os dois métodos podem ser aplicados por hospitais. No centralizado, os produtos são armazenados na farmácia central do hospital antes de serem redistribuídos para os diversos departamentos. No outro, os itens são pedidos diretamente dos departamentos, muitas vezes passando por uma área de compras que supervisiona a colocação dos pedidos e a entrega do material solicitado. Os hospitais podem também adotar os dois modelos ao mesmo tempo, separando itens que devem ser mantidos em estoques centrais daqueles que devem ser pedidos diretamente (POULIN, 2003). Muitos hospitais recebem entregas em armazéns centrais para, então, serem distribuídas para os diversos departamentos médicos ou para seus armazéns departamentais, de acordo com a necessidade de cada um (PAN; POKHAREL, 2007). Essa prática também 45 é retratada por Duclos (1993). Segundo ela, a maioria dos pedidos para os fornecedores é feita pelo armazém central, que recebe, armazena e redistribui os produtos. Neste método tradicional de distribuição, uma determinada quantidade de estoque fica disponível em cada departamento. O restante do estoque fica em uma farmácia central e é entregue aos departamentos quando é solicitado por eles. Esse modelo representa um sistema com manutenção de muito estoque, de maneira que o hospital incorre em muitos custos de estoque de material (APTEL; POURJALALI, 2001). Esta visão, no entanto, é contrária à de Hoffman et al. (2008). Segundo eles, a configuração de farmácias de maneira que cada item fique estocado em apenas um lugar pode levar a reduções nos estoques e, conseqüentemente, liberação de capital para outras atividades. Aptel e Pourjalali (2001) classificam dois modelos diferentes de estoques descentralizados. No primeiro, o fornecedor entrega os pedidos diretamente aos departamentos médicos. São os próprios departamentos que reconhecem a necessidade dos itens e colocam seus pedidos junto aos fornecedores. De acordo com esses autores, esse modelo mantém menos estoques que o modelo centralizado. Eles dão duas razões para que isso ocorra. Primeiro, a quantidade de estoque mantida nos departamentos normalmente é menor que no armazém central. Segundo, a entrega direta aos departamentos consome menos tempo, diminuindo o estoque em trânsito. No outro modelo de estoques descentralizados descrito por estes autores (o menos utilizado na prática) quase não se mantém estoques, na realidade. Nele, o fornecedor possui uma relação muito próxima com o hospital e é responsável pela tarefa de identificar suas necessidades e supri-las. Um representante do fornecedor revisa as necessidades do hospital diariamente e faz os procedimentos necessários, como colocar o pedido e verificar sua entrega. Esse método é próximo ao Just in Time. Nesse modelo, o fornecedor precisa manter grande volume de estoques para que o hospital possa manter o mínimo possível. Uma categoria de itens que, segundo Pan e Pokharel (2007), deveria ser entregue diretamente no departamento de destino e apenas quando demandado é a de materiais de 46 escritório. Esses itens não apresentam giro rápido, portanto, sua entrega direta, pode reduzir os custos de armazenagem. Já O`Hagan (1995) apresenta casos de centralização de estoques e dos armazéns de itens por ele chamados de não-produtivos, como material de manutenção e equipamentos de tecnologia de informação. Ele ressalta os benefícios de se ter controle centralizado dos estoques ao invés de deixar cada departamento administrar sua parte e lidar com os fornecedores individualmente e mostra como a vida útil dos produtos pode ser mais bem explorada com um armazém central. Manter estoques de forma centralizada parece apresentar vantagens financeiras, como ressalta Hoffman et al. (2008). No entanto, como afirma Wanke (2008), quando a necessidade de nível de serviço é muito grande, como é o caso dos hospitais, a descentralização pode ser uma melhor opção. A melhor política, então, pode ser a de manter alguns itens centralizados e outros não, como sugerem Pan e Pokharel (2007) e O`Hagan (1995). Os critérios para determinar que produtos serão mantidos em qual método podem ser os mencionados por Wanke (2008): giro do produto, tempo de atendimento, nível de serviço e custo unitário de aquisição. 2.3 CONTROLE DE ESTOQUES O controle de estoques está relacionado às decisões de como e quando rever as quantidades estocadas. Essa revisão pode ser feita de maneira contínua ou em intervalos pré determinados. Atenção especial deve ser dada, no entanto, aos itens perecíveis. Além disso, é preciso saber o que fazer quando há necessidade de se fazer consumo emergencial. Muitas ferramentas de sistemas de informação podem ser utilizadas para auxiliar nesse controle. No fim da seção algumas delas serão apresentadas. 2.3.1 O Momento da Colocação do Pedido De acordo com Duclos (1993), os sistemas mais comuns de gestão de estoques nos hospitais são aqueles em que um novo pedido é colocado junto ao fornecedor periodicamente. Beier (1995) reportou uma pesquisa que diz que, em média, a farmácia 47 de um hospital coloca 1,55 pedidos por dia para o distribuidor que mais a atende e recebe esses pedidos entre 20 e 25 horas depois. Em média, esses pedidos contêm 40 itens. Esta pesquisa mostrou ainda que o giro anual dos estoques era de aproximadamente 10,25. Porém, esse indicador apresentava significativa melhora em hospitais que investiam na melhoria de suas políticas de ressuprimento. Os métodos de gestão de estoques mais conhecidos e mais utilizados pelos hospitais são o Modelo de Ponto de Pedido, com revisão contínua e o Modelo de Intervalo de Revisão. 2.3.1.1 Ponto de Pedido (Revisão Contínua) O modelo do Ponto de Pedido é especialmente útil para casos em que há pouca incerteza em relação à demanda. Na realidade, idealmente ele deveria ser utilizado em casos em que se sabe exatamente a taxa de consumo diária dos produtos. Para que sua utilização possa ser feita de maneira completamente confiável, é importante também que o tempo de resposta não varie. Desta forma, de acordo com Wanke (2008), pode-se saber com exatidão o momento em que se deve pedir o reabastecimento. O ponto de pedido seria simplesmente o momento de pedir convertido em unidades em estoque, através da taxa de consumo média durante o tempo de resposta médio. O cálculo do ponto de pedido deve ser feito de maneira cuidadosa e não deve ser utilizado para qualquer produto. É comum que sistemas de gestão de estoques que façam uso desse modelo calculem o ponto de pedido com base no consumo médio passado. De acordo com Wanke (2004), no entanto, isso pode causar distorções se o consumo do produto variar muito. Uma vez que o Ponto de Pedido foi estabelecido, é necessário que haja revisão contínua dos estoques para saber quando esse ponto será alcançado. Dessa forma, ele pode ser utilizado de forma mais confiável em hospitais que possuam boa estrutura de controle de estoques, preferencialmente com sistemas computadorizados, que não exijam que a revisão seja feita manualmente. 48 O gráfico abaixo ilustra o funcionamento deste modelo de controle de estoques. Nele é representada uma quantidade máxima de estoque a ser mantida (Q max), uma quantidade mínima (Q min). Para que os estoques nunca baixem de seu nível mínimo, estabelece-se se os pedidos devem ser colocados sempre que o nível de estoque baixar até um determinado ponto, o ponto de pedido. Este ponto é calculado de forma que a diferença entre o nível vel de estoque atual e o nível mínimo desejado seja igual ao que se prevê consumir durante o lead time do pedido (o tempo entre a colocação e a entrega do pedido). Figura 1:: Ilustração de Ponto de Pedido (fonte: Peter Wanke - Gestão stão de Estoques na Cadeia de Suprimentos, Coleção Coppead de Administração, Editora Atlas, 2008) 2008 2.3.1.2 Intervalo de Revisão Outro modelo bastante utilizado por empresas é o modelo de Intervalo de Revisão. Nele a revisão dos estoques é feita de forma periódica, em intervalos pré determinados. De acordo com Duclos (1993), este modelo é comumente utilizado para o controle de estoques, especialmente na distribuição entre os armazéns centrais dos hospitais e seus diversos departamentos. 49 Nicholson et al. (2004) descrevem como seria esse processo em hospitais com estoques descentralizados e redes de distribuição em dois e três elos, sendo um deles o almoxarifado central. Em ambos os casos a idéia é que o último elo da rede meça seus estoques de tempos em tempos, verificando a diferença entre a quantidade de produto atual e a quantidade previamente estabelecida como estoque-padrão. Então, faz um pedido ao elo superior da rede de maneira que complete a quantidade de estoquepadrão. Esse procedimento é repetido pelo armazém que cedeu as unidades pedidas pelo elo mais baixo da rede. Dessa forma, ele também fará um pedido com a quantidade faltante para nível superior a si. Nicholson et al. (2004) notam ainda que os intervalos de revisão dos diversos elos da rede de distribuição, desde os departamentos dos hospitais até os armazéns centrais, devem corresponder a períodos de tempo iguais. Este método pode ser especialmente útil em hospitais que não possuam grandes investimentos em tecnologia de informação, uma vez que o controle em intervalos pré determinados é mais simples que o contínuo e pode ser feito manualmente por algum funcionário. 2.3.2 Controle de Estoques de Itens Perecíveis Um item é dito perecível se ele possui vida útil fixa, de maneira que não poderá ser usado depois deste tempo (GUPTA, 2003). Uma política ótima de controle de estoque para esse produto deve assegurar que nenhum item nunca pereça. Como a demanda não costuma apresentar comportamento determinístico, o cálculo do tamanho do pedido torna-se muito difícil e impreciso, fazendo com que aumente a importância de seu controle. Essa situação ainda pode ser agravada quando se trata de produtos com diferentes datas de expiração. Nesse caso, a solução deve levar em consideração todas as possíveis combinações de datas (NAHMIAS, 1982). Existem formas bastante comuns de gerenciar estoques de produtos perecíveis. Uma delas é utilizar sempre a unidade que está há mais tempo em estoque, metodologia conhecida como FIFO (First in first out). Através desse método, escolhe-se sempre a unidade que está a mais tempo em estoque que possa satisfazer a demanda apropriadamente (PIERSKALLA; ROACH, 1972) 50 Esta solução provou ser ótima em vários casos de gestão de estoques de produtos perecíveis (NAHMIAS, 1982). Pierskalla e Roach (1972, 1981) também mostraram que em certas condições este modelo de gestão de estoques minimiza as faltas e as perdas por perecibilidade. Além disso, foi mostrado por eles que, em muitos casos, políticas de gestão que mantinham mais estoque do que o sistema FIFO incorriam em ainda mais stock outs que os casos em que este sistema era aplicado, de maneira que pode-se dizer que, sob determinadas condições, o sistema FIFO minimiza stock outs. Outra metodologia bem conhecida é o LIFO (Last in first out), em que o item escolhido é sempre o último que entrou no estoque (NAHMIAS, 1982). Danas et al. (2002) apresentam a ideia de criar uma farmácia virtual entre os hospitais que não concorram entre si. Ela também tem potencial para reduzir perdas por perecibilidade. Além de diminuir a quantidade de itens estocados em cada hospital, reduzindo a quantidade de produtos que possam ter seu prazo de validade vencido, pode haver também intercâmbio de medicamentos com prazo de validade próximo à data crítica. Para isso, os funcionários do hospital devem checar se há excesso de estoque prestes a expirar de um determinado produto em outros hospitais da rede antes de pedir esse produto a um fornecedor. Como é difícil encontrar hospitais que fiquem próximos o suficiente para compartilhar estoques sem que eles compitam entre si, a idéia de Danas et al. (2002), apesar de interessante, parece pouco aplicável. Dessa maneira, uma boa opção para lidar com itens perecíveis é mesmo o FIFO, como disseram Nahmias (1982), Pierskalla e Roach (1972, 1981). 2.3.3 Consumo Emergencial Ainda que se faça um bom planejamento dos ciclos de pedido, é muito provável que seja necessário comprar algum item em caráter emergencial. Estes pedidos, feitos com pressa, costumam custar mais caro, até porque podem exigir meios de transporte mais velozes na entrega dos pedidos, encarecendo os custos dos mesmos. 51 Diariamente os hospitais são obrigados a lidar com situações emergenciais que demandam ações imediatas para que se possa salvar vidas (DANAS et al., 2006). Há casos em que a necessidade de determinado item é urgente, e se ele não estiver em estoque, seu pedido deve ser colocado de maneira emergencial. Esse tipo de pedido costuma representar maiores custos e, portanto, deve ser evitado. Apenas uma pequena quantidade de produtos é entregue em cada entrega emergencial e, principalmente em clínicas mais afastadas de seus fornecedores, transporte de cargas não consolidadas representa custos muito altos (MUSTAFFA; POTTER, 2009). Segundo Wanke (2004) e Duclos (1993), as principais armadilhas para a gestão de estoques em consumo emergencial são: a suposição de que estoques maiores baseados em operações normais ajudam na emergência; a suposição de que a redução dos níveis de estoque no almoxarifado central aumenta a chance de falta no ponto de consumo; e a consideração de que a chance de falta diminui com o aumento na freqüência da revisão de estoques. Na realidade, há muitos casos em que essas premissas não são verdadeiras, e, portanto, não devem ser consideradas. Nesses casos, é mais aconselhável que se utilize o JIT ou algum outro meio de resposta rápida a necessidades emergenciais ao invés do aumento do nível de estoques. O desempenho do sistema de estoques de um hospital sob condições normais não pode ser usado como previsão minimamente acurada para seu desempenho sob condições de demandas emergenciais. No entanto, é muito comum observar hospitais que tomam suas decisões com base em generalizações (DUCLOS, 1993). 2.3.4 Sistemas de Informação para Gerenciamento de Estoques Para controlar tantos itens com características diferentes e seguindo políticas diversas, é provável que se necessite utilizar softwares de tecnologia de informação para auxiliar na tomada das diversas decisões envolvidas com a gestão de estoques. 52 Sistemas automatizados de informação são muito importantes para a gestão dos estoques. Na verdade, quanto mais dinâmico o modelo de gestão utilizado, maior é a necessidade destes sistemas. Para Duggirala et al. (2008), os sistemas de informação são um componente chave para a qualidade dos produtos e serviços em qualquer empresa. Com os hospitais não é diferente. De acordo com uma pesquisa realizada por McKoneSweet et al. (2005), entre os fatores percebidos pelos gestores dos hospitais como mais importantes para o sucesso da administração da cadeia de suprimentos estão a disponibilidade de sistemas de informação para coleta, análise e compartilhamento de dados. É interessante enfatizar que, para eles, a simples existência de um sistema de dados não basta, eles estão preocupados com as maneiras pelas quais poderão fazer uso dos dados disponíveis. Muitos sistemas de informação não são suficientemente sofisticados para auxiliar o monitoramento dos custos, a gestão dos estoques ou a comunicação com parceiros do negócio. De maneira geral, para automatizar os processos e conseguir decisões ótimas de programação de ressuprimentos e transporte, é necessário que se faça investimentos significativos não somente em sistemas de informação e comunicação tradicionais, mas também na aquisição de softwares de controle de estoques (MUSTAFFA; POTTER, 2009). No entanto, segundo Kumar et al. (2008), a implementação destes sistemas esbarra nos altos custos iniciais que eles possuem e na falta de conhecimento dos profissionais dos hospitais para utilizá-los. Burns (2001) também cita a falta de recursos dos hospitais para montar uma sofisticada infraestrutura de tecnologia de informação como um fator que dificulta gestão da cadeia de suprimentos. Em modelos como o Just in Time, em que o nível de estoques se aproxima de zero, é muito importante que haja sistemas de informação eficientes, tanto dentro dos hospitais, quanto entre eles e seus fornecedores. Mustaffa e Potter (2009) afirmam que para a implementação deste tipo de modelo há necessidade de mais informação e melhor tecnologia de informação e comunicação (ICT, na sigla em inglês), assim como sistema de processamento automático de pedido, para garantir que o ressuprimento seja rápido. 53 Ainda segundo Mustaffa e Potter (2009), o modelo VMI também necessita sistemas de informação que relatem, de maneira acurada, os níveis de estoque atuais, bem como a previsão de consumo dos itens em estoque. Nos anos 90, era muito grande a preocupação com a implementação de códigos de barra nos produtos médicos para facilitar sua gestão tanto dentro dos hospitais quanto ao longo de toda sua cadeia produtiva. Jarrett (1998) menciona a falta de padrões de numeração dos produtos e da utilização dos códigos de barras como um dos principais problemas da indústria de serviços de saúde nessa época. Corrêa (2004) afirma que nesta mesma época no Brasil houve um movimento por redução de custos operacionais, com grandes investimentos em tecnologia de informação, telemarketing, logística e automação dos estoques. Atualmente há outras tecnologias, mais novas, que vêm sendo aplicadas à indústria de saúde. Uma delas é o RFID (radio frequency identification devices). Ele funciona através de chips eletrônicos colados nos produtos. Os chips servem como uma ferramenta para monitorar, de longe, produtos, equipamentos ou até pessoas, quando eles se movem através da cadeia de suprimentos. Quando os chips são ativados, a informação neles contida pode ser lida e, em alguns casos, modificada. A leitura pode ser feita, ainda que os produtos estejam sujos com poeira ou empacotados, uma vez que nenhuma leitura física é necessária (CHOPRA; SODHI, 2007). Essa tecnologia já foi bem desenvolvida e está disponível no mercado (KUMAR et al., 2008b). O RFID é útil para a gestão de estoques porque aumenta a automação dos armazéns, além de reduzir a necessidade de checagem de estoque (CHOPRA; SODHI, 2007). O principal motivador para a implementação do RFID é o mesmo no mundo todo: reduzir stock-outs (FISH; FORREST, 2007). Contudo, esta é uma tecnologia especialmente cara, a que poucos participantes da indústria têm acesso (KUMAR et al., 2008b). O custo das etiquetas, dos leitores e, principalmente, da elaboração de um sistema que possa ser facilmente adotado por todos os participantes da cadeia são razões pelas quais o RFID ainda não está sendo utilizado em todo o seu potencial. O fato de as etiquetas custarem caro faz com que os 54 custos cresçam exponencialmente quando o sistema passa a ser usado individualmente em cada SKU e não só nos pallets repletos de produtos. No entanto, os ganhos potenciais também aumentam nesse caso (CHOPRA; SODHI, 2007). No entanto, há casos de implementação de RFID e sistemas de saúde já retratados, especialmente para gerenciar estoques de equipamentos como máquinas para fazer exames e cadeiras de rodas. Com o sistema, é possível saber, por exemplo, se uma determinada cadeira de rodas está carregando algum paciente ou se uma máquina está em uso ou precisa ser limpa (BACHELDOR, 2007). De acordo com Kumar et al. (2008b), a utilização apropriada do RFID pode melhorar o serviço de saúde com a diminuição dos custos, melhoria da qualidade do atendimento e tornando-o mais confiável e consistente através do monitoramento do fluxo de informação e materiais. Para que a implementação do RFID resulte nas melhorias esperadas, Fish e Forrest (2007) enumeram três fatores essenciais: colaboração, relações duradouras, e investimento. A importância da colaboração é ressaltada por Kumar et al. (2008b), que explica que é essencial que se combine com os parceiros comerciais o modelo de tecnologia a ser implementada, para que todos adotem o mesmo padrão, o que é fundamental para manter o fluxo de informações. Kumar et al. (2008b) mencionam, ainda, a necessidade de se conhecer bem os processos do negócio antes da implementação da tecnologia. Chopra e Sodhi (2007) recomendam que se comece com um projeto piloto em alguns produtos mais valiosos, servindo de teste, para, então passar a usar o sistema em outras atividades. Há várias diferenças nos possíveis sistemas implementados. É comum haver, por exemplo, diferenças nas freqüências de rádio usadas por cada empresa. No entanto, algumas tecnologias já estão sendo desenvolvidas para integrar diferentes sistemas, além de esforços para padronizar os códigos. Porém, esses esforços representam ainda mais custos, que podem ser compensados se a padronização de fato funcionar (FISH; FORREST, 2007), Outra forma de utilizar sistemas de informação no auxilio à gestão de estoques é, em casos de estoques descentralizados, administrar a quantidade estocada em cada área do 55 hospital, bem como no armazém central. Pan e Pokharel (2007) afirmam que alguns hospitais utilizam o SAP para este fim. O EDI também foi mencionado, em uma pesquisa de Aptel e Pourjalali (2001), por diversos hospitais americanos como sendo um dos principais fatores que possibilitou a melhoria das relações dos hospitais com seus fornecedores. No entanto, é bom deixar claro que a simples implementação destes sistemas não resolverá por si só os problemas que os hospitais encontram com estoques. Waller et al. (1999), por exemplo, afirmam que o EDI (Eletronic Data Interchange), uma ferramenta muito conhecida de troca de informações entre clientes e fornecedores, sozinho fornece pouca ou nenhuma melhoria na armazenagem e na gestão de estoques, porém pode ser muito produtiva quando serve de base para a implementação de um sistema como o VMI. Outra tecnologia que pode ser utilizada na indústria de serviços de saúde para ajudar a organizar a utilização de seus recursos é o ERP (Enterprise Resource Planning). O ERP proporciona soluções para empresas com ênfase em controle de custos através da administração de seus recursos. Um sistema ERP contém uma base de dados central, um sistema de controle e modelos de processamento. Sistemas ERP apresentam diversas funções, como administração da cadeia de suprimentos, recursos humanos, e gerência financeira, ligando diferentes áreas da empresa. Essas funções são integradas, ou seja, quando dados são colocados no sistema através de uma função, esses dados ficam imediatamente disponíveis para todas as funções relacionadas. O sistema planeja demanda e capacidade em nível agregado para o longo prazo e desagregado para o curto prazo (VAN MERODE et al., 2004). Em um hospital, o ERP deve focar mais na alocação dos recursos relativos à capacidade, não em materiais, como normalmente faz na indústria. Outra aplicação para o ERP nos hospitais é a criação e manutenção de uma base de dados contendo todos os diagnósticos e tratamentos já feitos (VAN MERODE et al., 2004). Já Trimmer, Pumphrey e Wiggs (2002) chegaram à conclusão de que um dos principais benefícios trazidos pelo ERP é a redução dos estoques. 56 O ERP pode ser especialmente interessante em casos de hospitais pertencentes a uma rede ou que sejam grandes e possuam diversas áreas integradas. Eles podem precisar de um sistema central de planejamento e controle dos processos dos pacientes e capacidade requerida (VAN MERODE et al., 2004). As possíveis aplicações de softwares de tecnologia de informação para a gestão de estoques de hospitais são muitas. Porém, como diz Burns (2001), nem sempre os hospitais possuem recursos financeiros para cobrir os altíssimos investimentos que a implantação dessas tecnologias requer. Alem disso, como afirma Waller et al. (1999), só a implantação desses sistemas não é suficiente, é necessário que haja uma equipe treinada para operar os programas, como menciona Kumar et al. (2008). No entanto, os benefícios da utilização dessas tecnologias são tão grandes que se o hospital tiver recursos financeiros e humanos para investir nisso, é fortemente recomendável que o faça. 2.4 RESUMO E ESQUEMA CONCEITUAL Neste capítulo, foram apresentadas as opiniões de diversos autores sobre os temas que são importantes para o bom entendimento das práticas de gestão de estoques em hospitais. Primeiramente, tratou-se de mostrar a importância que a gestão de estoques tem para empresas em geral e para os hospitais, em particular. Depois disso, foram apresentados argumentos referentes ao dimensionamento de estoques em hospitais, em seus diferentes aspectos. Os assuntos tratados dentro do dimensionamento de estoques foram: custos de estoques, previsão de consumo, sazonalidade, segmentação de itens, modelos de dimensionamento de estoques, relação com fornecedores, estoque de segurança e centralização de estoques. Por último, discutiu-se o controle de estoques em hospitais, o que engloba tópicos como: momento da colocação do pedido, controle de estoques de itens perecíveis, consumo emergencial e sistemas de informação para gerenciamento de estoques. 57 Importância da Gestão de Estoques Dimensionamento de Estoques . Importância para gestão de custos, para nível de serviço e proteção contra incertezas (Baker, 2007) . Aumento da evidência dentro da cadeia de suprimentos (Wanke, 2008) . Envolvimento com outras áreas (Silver, 1981) . Interesse de diversas áreas de conhecimento (Whitin, 1952, 1954) . Papel relevante para filosofia lean (Towill e Christopher, 2001) . Representatividade dentro dos custos totais dos hospitais (Wanke, 2004 e Duclos, 2003) . Acrescimo dos custos de manutenção de estoques sobre o custo de aquisição dos produtos (Heinbuch, 1995) . Falta atrapalha serviço prestado pelos médicos (Poulin, 2003) Custos de Estoque . Separação dos custos de estoque em custo da posse, custo de encomenda e custo de aquisição (Gonçalves e Schwember, 1979) . Separação dos custos de estoque em custo de aquisição, custos de pedir e custos de manter estoques (Ching, 2007) . Número alto de itens críticos em um hospital e custo incalculável da falta, com impacto na saúde das pessoas (Beier, 1995) . Impossibilidade de se atrasar a demanda em um hospital (Mustaffa e Potter, 2009) . Manutenção de altos níveis de estoques em hospitais por pensarem que o custo da falta sempre será maior que o custo do excesso (Aptel e Pourjalali, 2001) 58 Previsão de Consumo . Dificuldade previsão de consumo causada pela competição global (Raman et al., 1994) . Importância da previsão de consumo para racionalização de recursos e planejamento do nível de atendimento (Dias, 1999) . Dificuldade na previsão do mix de pacientes dos hospitais (Jarret, 1998) Dificuldade na previsão da duração da estadia dos pacientes nos hospitais (Van Marode et al., 2004) . Dificuldade de diagnóstico como empecilho para previsão de consumo (Burn, 2001) . Necessidade de focar na previsão de consumo considerando condições normais sem pensar em possíveis desastres (Duclos, 1993) . Aumento dos custos de compra por causa da incerteza do consumo (Waller et al., 1999) . Manutenção de grandes estoques por causa da incerteza da demanda (Beier, 1995) Sazonalidade . Exemplo de modelo de planejamento da produção, capacidade e estoques com demanda sazonal (Arntzen e Bradley, 1999) . Melhoria no planejamento de hospitais através da observação de padrões sazonais na demanda (Crighton et al., 2005) . Aumento do preço dos produtos e das perdas por perecibilidade por causa da sazonalidade no consumo (Gupta, 2003) 59 Segmentação de Intens em Estoque . Auxílio da classificação ABC na tomada de decisões relativas a estoques (Gonçalves e Schwember, 1979) . Definição de máximos e mínimos a partir da diferenciação em A, B ou C (Hoffman et al., 2008) . Divisão dos itens em estoque nos hospitais em quatro grupos (Pan e Pokharel, 2007) . Eliminação de produtos em estoque através da terceirização de serviços (Mosschuris e Kondylis, 2006,2007) . Necessidade de diferentes métodos de gestão para produtos de categorias diferentes (Wanke, 2004) . Redução de estoques através da classificação e (Danas et al., 2006) . Exemplos de casos de ganhos em hospitais que praticam segmentação (Beier, 2005) . Critérios para segmentação de estoques: - Danas et al., 2006: --lead time --número de potenciais fornecedores -- criticidade do tratamento para o paciente -- custo de aquisição -- espaço demandado -- prazo de validade -- taxa de utilização -- necessidade de condicionamento especial - Wanke (2004) --prazo de validade -- custo da falta -- quantidade de fornecedores -- consumo sazonal -- espaço demandado -- custo de aquisição -- gastos com ressuprimento 60 Modelo de Dimensionamento de Pedidos Lote Econômico (LEC) . Cálculo do lote econômico (Wanke, 2008) . Vantagens da utilização do LEC em hospitais (Beier, 1995): - Poucas barreiras ao uso - Potencial de redução de estoques . Desvantagens da utilização do LEC em hospitais: - Necessidade de previsibilidade da demanda (Beier, 1995) - Grande demanda por mão-de-obra e espaço para armazenagem (Pan e Pokharel, 2007) Nível de Reposição (NR) . Explicação sobre o método (Wanke, 2008) . Vantagens da utilização do NR em hospitias: - Evita stock-outs (Nicholson et al., 2004) . Indicação de utilização do método em itens leves (como máscaras, luvas, etc) e itens não-médicos (como material de escritório) (Pan e Pokharel, 2007) . Desvantagens da utilização no NR em hospitais: - Dificuldade de estabelecer o nível máximo (Nicholson et al., 2004; Duclos, 1993; Ramani, 2006) 61 Relação com Fornecedores . Ações que devem ser tomadas em relação aos fornecedores (Kumar et al., 2008): - redução do número de fornecedores - utilização de fornecedores localizados perto do hospital - melhoria do relacionamento entre hospitais e fornecedores . Exemplo de redução de estoques através de aproximação entre hospitais e fornecedores (Ramani, 2006) . Melhoria na confiabilidade da entrega através de contratos de prioridade de compra (Beier, 1995) . Entregas diárias feitas por distribuidoras no Brasil (Corrêa, 2004) . Terceirização da administração de estoques em hospitais (NIcholson et al., 2004; Rivard-Royer et al., 2002) Sistemas com Estoque Zero Just in Time (JIT) . Explicação sobre o método (Wanke, 2008; Heinbuch, 1995) . Vantagens da utilização do JIT (Whitson, 1997): - Redução de estoques, melhorando o fluxo de caixa - Liberação de espaço - Transferência de custo trabalhista para os fornecedores . Adoção do JIT no setor de saúde (Danas et al., 2006) . Critérios para escolha de fornecedores no sistema JIT (Wanke, 2004): - Marca do fornecedor - Possibilidade de fazer contratos de longo prazo - Confiabilidade do produto - Tempo de resposta . Utilização dos fornecedores como armazéns centrais que entregam direto aos pontos de uso dos hospitais (Duclos, 1993) . Fatores críticos de sucesso para o JIT em hospitais: - Fluxo contínuo de informação entre os pontos de uso e os fornecedores (Wanke, 2004) - Proximidade geográfica entre o hospital e seus fornecedores e existência de transporte eficiente entre eles (Mustaffa e Potter, 2009) . Ondas de aumento e diminuição do número de hospitais usuários do JIT ( Rivard-Royer et al., 2002) . Características de produtos que podem ser incluídos no método JIT: - Alto volume (Rivard-Royer, 2002; Whitson, 1997) - Baixa criticidade (Heinbuch, 1995) Vendor Managed Inventory (VMI) . Responsabilidades passadas ao fornecedor (Waller et al., 1999): - decisões sobre quantidades mantidas em estoque - decisões sobre quantidades pedidas - decisões sobre tempo de resposta 62 - decisões sobre fretes . Vantagens do VMI: - Redução de custos do cliente e do fornecedor (Waller et al., 1999) - Diminuição das responsabilidades administrativas dos hospitais, redução de erros e diminuição de até 30% dos estoques dos hospitais (Mustaffa e Potter, 2009) - Redução da incerteza dos fornecedores em relação à demanda, redução do estoque de produto acabado dos fornecedores, diminuição do custo de transporte (Waller et al., 1999) . Diferença entre JIT e VMI (Mustaffa e Potter, 2009) Outras Formas de Manter Estoque Zero . Exemplo dado por Wilson et al., 1992) Grupos de Compras . Produtos contemplados nos Grupos de Compras (Hoffman et al., 2008) . Vantagens dos Grupos de Compras: - Economias de Escala pela consolidação das compras (Roark, 2005) - Diminuição dos custos de transporte e desconto dados pelos fornecedores por causa do tamanho dos pedidos (Beier, 1995) . Fatores Críticos de Sucesso para Grupos de Compras em hospitais: - Utilizar apenas para itens comuns a todos os hospitais participantes (Pan e Pokharel, 2007) - Utilizar apenas para produtos de baixo valor agregado (McKone-Sweet et al., 2005) - Desenvolver relações colaborativas entre membros do Grupo e seus fornecedores (Hoffman et al., 2008) - Porte, localização e tipos de tratamentos oferecidos pelos hospitais (McKone-Sweet et al., 2005) . Possibilidade de alianças para compartilhamento de serviços (Pan e Pokharel, 2007) . Problemas com Grupos de Compras: - Busca de padronização pode limitar disponibilidade de itens (McKone-Sweet et al., 2005) 63 Estoque de Segurança . Estoques de Segurança como proteção contra incertezas (Beier, 1995) . Fatores levados em consideração no cálculo do Estoque de Segurança: - Custo da falta (Wanke, 2008; Beier, 1995) - Incerteza em relação à demanda (Wanke, 2008; Beier, 1995) - Custo do excesso (Wanke, 2008) . Custo da falta e incerteza de demanda muito altos levam hospitais a manterem estoques de segurança acima do necessário (Beier, 1995) . Manutenção de estoques para emergência leva a perdas por excesso e perecibilidade (Duclos, 1993) . Estoques não oficiais e subestimados (Aptel e Pourjalali, 2001) Estoque Centralizado x Descentralizado . Fatores que favorecem a descentralização (Wanke, 2008): - Giro alto - Tempo de ressuprimento longo - Exigência de nível de serviço alto . Possibilidade de hospitais usarem os dois métodos simultaneamente para produtos diferentes (Poulin, 2003) . Prática de manutenção de estoques centralizados e descentralizados de todos os produtos (Pan e Pokharel, 2007; Duclos, 1993) . Altos custos associados à prática de manutenção de estoques centralizados e com pequenas quantidades dos produtos descentralizadas (Aptel e Pourjalali, 2001) . Centralização leva a corte de custos (Hoffman et al., 2008) . Dois modelos de estoques descentralizados, com mais ou menos aproximação com os fornecedores (Aptel e Pourjalali, 2001) . Importância de se ter controle centralizado dos estoques (O'Hagan, 1995) 64 Momento da Colocação do Pedido . Frequência com que os pedidos são colocados (Duclos, 1993; Beier, 1995) Ponto de Pedido (Revisão Contínua) . Definição e cálculo do Ponto de Pedido (Wanke, 2008) . Distorções causadas pela utilização da média do consumo passado como previsão de consumo futuro (Wanke, 2004) Intervalo de Revisão . Modelo muito utilizado, principalmente para distribuição interna nos hospitais (Duclos, 1993) . Descrição do processo interno do hospital utilizando este método (Nicholson et al., 2004) Controle de Estoques Controle de Estoques de Itens Perecíveis . Definição de perecibilidade (Gupta, 2003) . Dificuldade em lidar com produtos com prazos de expiração diferentes (Nahmias, 1982) . Explicação do método FIFO (Pierskalla e Roach, 1972) . Prova de que FIFO é a solução ótima em muitos casos (Nahmias, 1982; Pierskalla e Roach, 1972, 1981) . Explicação sobre o método LIFO (Nahmias, 1982) . Sugestão de compartilhamento de farmácias entre diferentes hospitais com o objetivo de evitar perdas por perecibilidade (Danas et al., 2002) Consumo Emergencial . Necessidade de ações imediatas para salvar vidas (Danas et al., 2002) . Maior custo de pedidos emergenciais (Mustaffa e Potter, 2009) . Armadilhas para gestão de estoques em consumo emergencial (Wanke, 2004; Duclos, 1993): - Suposição de que estoques maiores baseados em operações normais ajudam na emergência - Suposição de que a redução do estoque no almoxarifado central aumenta o risco de falta no ponto de consumo - Suposição de que o aumento da frequência da revisão reduz a chance de falta . Hospitais costumam tomar decisões erradas com base em generalizações (Duclos, 1993) 65 Sistemas de Informação para Gerenciamento de Estoques . Importância de sistemas de informação para qualidade de produtos e serviços (Duggirala et al., 2008) . A simples existência do sistema de informação não basta, é preciso pensar como usá-lo (McKone-Sweet et al., 2005) . Importância da aquisição de softwares de controle de estoques (Mustaffa e Potter, 2009) . Barreiras à implementação de sistemas de informação em hospitais: - Alto custo inicial (Kumar et al., 2008; Burns, 2001) - Falta de conhecimento dos profissionais dos hospitais para usá-los (Kumar et al., 2008) . Sistemas de informação são essenciais para utilização de JIT e VMI (Mustaffa e Potter, 2009) . Falta de padrões de numeração foi um dos maiores problemas na década de 90 (Jarret, 1998), no Brasil se investiu muito em tecnologia da informação nessa época (Corrêa, 2004) . Explicação sobre tecnologia RFID (Chopra e Sodhi, 2007) e disponibilidade dela no mercado (Kumar et al., 2008b) . Possibilidade de evitar stok-outs com RFID (Fish e Forrest, 2007) . Alto custo do RFID (Kumar et al., 2008b; Chopra e Sodhi, 2007) . Caso bem-sucedido de RFID em empresas de saúde (Bacheldor, 2007) . Benefícios do RFID em hospitais (Kumar et al., 2008b): - Diminuição de custos - Melhoria da qualidade do atendimento - Monitoramento do flluxo de informações e materiais . Fatores críticos de sucesso do RFID em hospitais: - Colaboração (Fish e Forrest, 2007; Kumar et al., 2008b) - Relações duradouras (Fish e Forrest, 2007) - Investimento (Fish e Forrest, 2007) - Profundo conhecimento dos processos do negócio (Kumar et al., 2008b) - Teste com projeto piloto (Chopra e Sodhi, 2007) . Utilização de SAP em hospitais para administrar a quantidade estocada em cada área do hospital (Pan e Pokharel, 2007) . Melhoria da relação com fornecedores através da utilização do EDI (Aptel e Pourjalali, 2001) . EDI só é efetivo quando acompanhado de outras medidas, como implementação de VMI (Waller et al., 1999) . Explicação sobre funcionamento do ERP (Van Merode et al., 2004) . Benefícios do ERP em hospitais: - Melhoria da alocação de recursos para explorar melhora a capacidade (Van Merode et al., 2004) 66 - Manutenção de base de dados com diagnósticos e tratamentos (Van Merode et al., 2004) - Redução de estoques (Trimmer et al., 2002) . ERP especialmente útil em hospitais que participam de redes (Van Merode et al., 2004) Quadro 1: Quadro Conceitual 67 3 METODOLOGIA Esta seção se dedica a explicar o método pelo qual os objetivos da pesquisa deverão ser alcançados. 3.1 PERGUNTAS DA PESQUISA Como já foi mencionado anteriormente, esta pesquisa tem como objetivo descrever o modus operandi da gestão de estoques, evidenciando e analisando suas características, necessidades e peculiaridades em hospitais localizados nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para chegar a essa descrição, busca-se responder às seguintes perguntas: • Qual a importância desta área para os hospitais? • Que fatores são levados em consideração quando do dimensionamento dos estoques? • Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do dimensionamento dos estoques? • Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do controle dos estoques? • Como os hospitais pretendem melhorar a gestão de seus estoques? 3.2 MÉTODO QUALITATIVO Tendo sido apresentada a Revisão de Literatura sobre a Gestão de Estoques em Hospitais, podemos perceber que, de maneira geral, os estudos encontrados sobre o tema costumam ser norte-americanos ou europeus. Especificamente no Brasil, apesar da importância do assunto, pouco se tem escrito sobre o assunto. 68 Como o conhecimento acumulado sobre a gestão de estoques em hospitais no Brasil é pouco, bem como sua utilização na prática dos hospitais brasileiros, esta pesquisa apresenta um caráter exploratório. Levando-se em consideração os objetivos e limitações da pesquisa, optou-se por fazê-la de forma qualitativa, uma vez que para obter o nível de detalhes desejado, este é o método mais aconselhável. De acordo com Creswell (1998), esta metodologia busca, para um maior entendimento do assunto, explorar os objetivos da pesquisa, descrevendo o problema de forma complexa através da análise das declarações de seus informantes. 3.3 MÉTODO DE ESTUDO DE CASOS Este método é definido por Yin (2005) como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Dentre as metodologias qualitativas conhecidas, esta foi a escolhida para este trabalho porque, de acordo com Yin (2005), ela é a mais indicada para estudos que buscam responder questões sobre o “como” e o “porquê” dos fenômenos estudados. Além disso, essa pesquisa apresenta as características descritas por Yin (2005) citadas a cima, como sendo típicas de um estudo de casos. Este é um estudo de um fenômeno atual em que os limites entre o fenômeno e o contexto em que está inserido não são claros; e é baixo o controle do pesquisador sobre os eventos. Outra vantagem do estudo de casos, também mencionada por Yin (2005), que se aplica muito bem a este trabalho é o fato de ele guardar as características holísticas dos eventos, permitindo, assim, que se tenha uma visão complexa e detalhada do problema. 3.4 ESCOLHA DOS CASOS E DOS SUJEITOS Para a elaboração dos casos, foram escolhidos quatro hospitais. Foram considerados como opções apenas hospitais que apresentassem volume de atendimentos significativo, em que o tema estudado fosse uma questão relevante e complexa de sua administração. 69 Buscou-se também explorar a diversidade das características importantes para o estudo, para que este ficasse bastante abrangente e rico em informações. Desta forma, a ideia inicial foi mesclar hospitais públicos e particulares. Entendeu-se que a mistura seria interessante porque até mesmo os objetivos que regem a administração de um hospital público podem ser diferentes dos objetivos dos hospitais particulares, uma vez que sua preocupação com lucro e, consequentemente, com a manutenção de baixos custos não é tão grande. Além disso, julgou-se interessante observar como a necessidade de se fazer licitações afeta a gestão dos estoques. O objetivo foi realmente analisar características que contrastassem os hospitais públicos tanto com os casos dos hospitais particulares quanto com a literatura existente sobre a Gestão de Estoques em Hospitais, para ver até que ponto ela pode ser seguida por um hospital público brasileiro. No entanto, foi tomado o cuidado de escolher um hospital público de referência em que a administração fosse feita de maneira séria. Foram escolhidos, então, quatro hospitais, sendo três particulares e um público. Os particulares apresentam algumas características diferentes entre si. Por exemplo, um deles pertence a uma rede de hospitais, outro está localizado em uma cidade diferente dos outros dois. A partir destes critérios, foram escolhidos hospitais com que o autor tivesse mais facilidade de contato e mais abertura para visitas e entrevistas. Os sujeitos de uma pesquisa são as pessoas que fornecem as informações e dados necessários para que ela se realize (VERGARA, 1997). Desta maneira, os sujeitos dessa pesquisa foram definidos como sendo as pessoas responsáveis pela gestão de estoques nos hospitais trabalhados, por se julgar que essas são as pessoas com maior número de informações relevantes para a pesquisa e, consequentemente, com maior potencial de colaboração. Como a estrutura organizacional dessas empresas pode variar muito e como a importância dada a essa atividade é diferente dependendo do local estudado, em cada um dos hospitais pesquisados, o sujeito apresenta um cargo diferente. Um deles é diretor de suprimentos, outros gerentes, outro diretor geral do hospital. 70 3.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS As principais fontes de dados deste trabalho foram entrevistas, que são, segundo Yin (2005), um dos maiores meios de se conseguir informações em um estudo de caso. Dados secundários não foram muito utilizados porque é grande a carência de fontes secundarias que relacionem o assunto pesquisado às empresas estudadas. A maioria das entrevistas foi presencial, algumas se apresentando como conversas informais e outras mais estruturadas de acordo com o roteiro criado com base no Esquema Conceitual apresentado na sessão 2.4 (Apêndice 1). Algumas informações complementares foram recebidas por telefone e por correio eletrônico. Essas entrevistas, feitas com os executivos das empresas de maneira aberta e aprofundada ao longo de 2010 e 2011, foram gravadas, através de um software, no computador da pesquisadora para serem posteriormente transcritas, de modo a manter o máximo de fidelidade possível ao que foi declarado pelo entrevistado. As poucas fontes secundárias utilizadas foram os websites das próprias empresas pesquisadas. Neles só foram procuradas informações de cunho mais geral em relação às empresas para o desenho dos casos. Para marcar as entrevistas, primeiramente foram identificados os entrevistados. A partir de então, foi feito contato telefônico perguntando sobre a disponibilidade do mesmo para receber a pesquisadora e explicando o trabalho e as razões da necessidade de uma entrevista presencial. Posteriormente, havendo percepção de falta de algumas informações relevantes, mais contatos foram feitos por telefone e correio eletrônico, com os mesmos entrevistados, para o esclarecimento de dúvidas. O roteiro que serviu de base para as entrevistas (Apêndice 1) foi criado com base no Esquema Conceitual apresentado na sessão 2.4 e possui algumas questões fechadas e várias abertas, a fim de dar flexibilidade aos entrevistados para que contribuíssem espontaneamente com opiniões, experiências e visões da empresa sobre os diversos temas discutidos. 71 De acordo com Creswell (1998), um estudo de casos deve ser feito através da organização dos dados, da leitura do material coletado, da descrição dos casos e do contexto, da agregação dos mesmos por categoria e da criação de modelos. Neste estudo, cada entrevista durou cerca de duas horas. Conforme mencionado, elas foram gravadas e, posteriormente, transcritas e, a partir de então, os casos foram descritos para serem analisados. A análise foi feita com base na comparação entre os diferentes casos e entre os mesmos e a literatura encontrada sobre o assunto. Foram buscados elementos que ajudassem na resposta às questões da pesquisa, identificando as práticas dos hospitais, obstáculos e planos de melhorias para a gestão de seus estoques. A maior dificuldade encontrada na coleta dos dados foi o agendamento das entrevistas. Os entrevistados apresentaram poucos horários disponíveis, devido a suas agendas muito ocupadas. Alguns contatos foram procurados e se mostraram indisponíveis para a realização das entrevistas, sendo, então, descartados. Outra dificuldade foi a autorização da gerência dos hospitais em conceder informações consideradas estratégicas e, portanto, sigilosas sobre a empresa para a realização da pesquisa. Por esta razão, os casos não foram identificados. 3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO O método do estudo de casos, apesar de ser bastante utilizado em pesquisas acadêmicas, especialmente na área da administração, e de possuir todas as vantagens já citadas anteriormente, apresenta algumas restrições que não devem ser esquecidas. Segundo Yin (2005), ele não permite generalizações para o universo populacional. Além disso, existe a possibilidade de introdução de viés por parte do pesquisador, uma vez que ele não consegue separar e controlar todas as variáveis envolvidas nos eventos estudados. Esse viés vem da subjetividade da coleta e análise das informações, que é inevitável na realização de entrevistas. Para tentar minimizar esse problema, os entrevistados foram sempre contatados novamente em caso de surgimento de dúvidas. 72 Há ainda a possibilidade de viés por escolha dos casos, uma vez que, em última instância, os hospitais estudados foram escolhidos por conveniência. Outro tipo de viés também pode ser inserido na pesquisa pelos entrevistados, uma vez que suas respostas às perguntas abertas muitas vezes vêm de suas percepções, que são, por definição, subjetivas. Este viés pode estar presente, inclusive nas fontes secundárias, uma vez que também foram escritas a partir de informações subjetivas. O entrevistado pode, também, se sentir desconfortável para responder certas perguntas e, eventualmente, não respondê-las de forma adequada. Portanto, deve-se deixar claro que os resultados aqui obtidos não podem ser pensados como regra para todo o setor hospitalar brasileiro. 73 4 DESCRIÇÃO DOS CASOS 4.1 O INSTITUTO ALFA 4.1.1 Caracterização e Histórico O Instituto ALFA é um órgão público especializado no tratamento e prevenção de doenças relacionadas ao câncer. Ele é vinculado à Secretaria de Assistência e Saúde do Ministério da Saúde. Sua rede consiste de quatro hospitais localizados na cidade do Rio de Janeiro, sendo eles: um Centro de Transplante de Medula Óssea; um Centro de Suporte Terapêutico Oncológico, dedicado exclusivamente aos cuidados paliativos de pacientes em casos terminais; um focado apenas no tratamento de cânceres genitais femininos; e outro dedicado exclusivamente ao tratamento do câncer de mama. O Instituto foi acreditado pela Joint Comission International. O primeiro hospital da rede foi inaugurado em 1938, com quarenta leitos, um bloco cirúrgico, um aparelho de raios-X e outro de radioterapia. Em 1957 o instituto se mudou para um prédio maior com melhores condições, que até hoje abriga o primeiro dos quatro hospitais que hoje constituem o instituto e é bem próximo à sua atual sede. Ao longo dos anos, a rede foi incorporando outros hospitais e apenas na década de 1990 passou a contar com todas as unidades que possui atualmente. Somando todas as suas unidades, o Instituto possui cerca de 420 leitos e realiza por volta de 220.000 consultas por ano, 8.500 cirurgias e 36 transplantes de medulas. Alem disso, ainda é responsável pela administração do banco de doadores de medula óssea e é um dos responsáveis pelos bancos públicos de células-tronco e cordões umbilicais. Para tudo isso, possui cerca de cinco mil funcionários. Apesar de contar com algumas unidades especializadas em certos tipos específicos de câncer, o Instituto ALFA cuida de todas as modalidades da doença. Além disso, oferece cursos para médicos, enfermeiros e pesquisadores, com mais de 1.400 alunos 74 matriculados nos cursos que vão desde cursos de especialização até pós-doutorados. É responsável ainda por toda a terminologia de câncer no Brasil e pelas medidas de prevenção à doença. Seus recursos vêm de duas fontes diferentes. As consultas que realiza são pagas pelo Sistema Único de Saúde e, além disso, recebe parte do orçamento previsto para o Ministério da Saúde. Em 2010, esta parte do orçamento vinda do Ministério da Saúde correspondeu a 197 milhões de reais, recebendo outros 80 milhões de reais através do Sistema Único de Saúde. 4.1.2 A Gestão de Estoques no Instituto ALFA No Instituto ALFA, toda a parte administrativa, que inclui os responsáveis por suprimentos de todos os hospitais é centralizada. Em sua estrutura, o Instituto abriga uma Coordenação Geral de Administração e Recursos Humanos, onde está localizada a Divisão de Suprimentos. Dentro dela estão o Serviço de Compras, o Serviço Central de Abastecimento, o Serviço de Patrimônio, a Área de Contratos e Convênios e a Área de Assessoria Técnica. Dentro da Divisão de Suprimentos há três funcionários que se reportam diretamente ao Gerente de Suprimentos. Essas pessoas são responsáveis pela observação do nível de estoque e, como essa questão envolve muito dinheiro, elas se reportam diretamente ao gerente. A Divisão de Suprimentos é responsável pela gestão de cerca de 12.500 SKUs. No entanto, apenas 3.200 deles são ativos considerados padrão, ou seja, de reposição mensal e consumo regular, sendo 600 medicamentos e 2.600 materiais em geral, de uso hospitalar ou expediente. Os outros 9.300 são considerados não-padrão e podem ser pedidos de acordo com demandas específicas ou com eventualidades, podendo constar ou não no estoque. Móveis, equipamentos e seus materiais de manutenção não estão incluídos neste número e não são de responsabilidade desta divisão. Em termos financeiros, o estoque de medicamentos de todo o Instituto gira em torno de 20 milhões de reais e os outros materiais estocados representam mais de 25 milhões de reais, somando quase 50 milhões de reais em estoque. Este número não costuma 75 apresentar grandes alterações. As variações costumam aparecer apenas por razões políticas, como a demora do Congresso em aprovar o orçamento anual, por exemplo. 4.1.3 Dimensionamento dos estoques no Instituto ALFA Para dimensionar seus gastos com estoques, o Instituto calcula apenas o custo de aquisição dos itens, sem levar em consideração outros custos embutidos na manutenção dos mesmos, como custos de oportunidade (sua falta é explicada pela impossibilidade de o Instituto, por ser um órgão público, não poder investir o dinheiro) ou de armazenagem. O Instituto também não realiza nenhum cálculo de seu custo operacional total, se preocupando mais em calcular custeio por absorção para fazer comprovação de execução orçamentária. De qualquer forma, levando em consideração o cálculo apenas do custo de aquisição, como é feito pelo Instituto, o montante investido em estoques corresponde a 18% de seu faturamento anual. A previsão de consumo do Instituto é feita, por três funcionários da Área de Suprimentos. Um cuida das compras de medicamentos e os outros dois são responsáveis pelo ressuprimento de materiais em geral. Com o auxilio de uma ferramenta de Entreprise Resource Planning (ERP), essas pessoas montam um planejamento de compras anual. Para realizar este planejamento, eles se baseiam na análise do histórico de demanda dos seis meses anteriores. A previsão é feita com base na média deste período. Alguns fatos conhecidos também são incorporados à previsão, como, por exemplo, alguma mudança na estrutura do hospital que possibilite o atendimento de um número maior de pacientes. No entanto, a previsão de alguns itens específicos é feita de forma diferente. São itens com giro muito baixo e criticidade muito alta, que sempre se deve ter em estoque, independente da sua média de consumo nos últimos meses. Nesse planejamento anual, todas as compras do ano são orçadas. A cada trimestre, o processo de planejamento é repetido e um novo planejamento é rodado com o horizonte de três meses. Apenas nessa etapa o orçamento é empenhado para a compra dos produtos. Por isso, o Instituto se preocupa muito mais em acertar as previsões 76 trimestrais que as anuais. Por outro lado, a quantidade de erros de previsão para um período de três meses tende a ser muito menor que a previsão anual, apesar de não haver um cálculo formal do índice de acertos da previsão de consumo. Embora exista uma preocupação grande em diminuir os estoques, o Instituto entende que a previsão feita atualmente é suficientemente boa em relação às dificuldades por ele encontradas. Essas dificuldades são inerentes á atividade do Instituto, uma vez que é complicado prever, por exemplo, a quantidade de um medicamento que será utilizada, já que ela depende de fatores como o peso dos pacientes que vierem a se internar nos hospitais do Instituto, bem como o tipo de câncer que eles apresentam. A única informação disponível é o consumo passado e, por isso, ela é a mais utilizada na previsão. Embora não esteja formalmente presente na previsão de consumo, o Instituto ALFA percebe sazonalidade no consumo de seus materiais e medicamentos e toma medidas para tentar neutralizá-la. Um exemplo de sazonalidade encontrada é a da gripe que aumenta muito no período do inverno. Este problema é mais forte para casos de pacientes transplantados, que ficam com imunidade muito baixa e para quem uma simples gripe pode ser um problema grave. Eles necessitam de medicamentos especiais, muitas vezes importados, que precisam ser mantidos em estoque. A incidência deste tipo de doença é significativamente maior durante o inverno e, por isso, é feito um planejamento que começa com um ano de antecedência para que nesta época do ano se tenha quantidade suficiente destes medicamentos estocada para atender a esses casos. Nesse período também se eleva a quantidade requerida no estoque de segurança de determinados medicamentos críticos no tratamento da gripe. Além disso, o Instituto também percebe sazonalidade em relação a seu orçamento. Por ser vinculado ao governo, ele depende de verbas públicas para funcionar. Quando um novo ano se inicia, para que o Instituto receba sua verba, é necessário que o Congresso aprove o orçamento do governo para todo o ano e esse processo muitas vezes atrasa. Sendo assim, o hospital se planeja para passar os primeiros meses do ano com orçamento reduzido. O Instituto costuma aumentar a quantidade de produtos comprados no final do ano e garantir a posse dos itens necessários para operar por alguns meses sem se preocupar com suas finanças. 77 Apesar de a maneira de fazer a previsão de consumo ser a mesma para praticamente todos os itens, o dimensionamento dos estoques pode variar bastante de um produto para o outro. Para realizar essa segmentação, o Instituto ALFA leva em consideração critérios como a curva ABC de valor dos itens, o volume que eles ocupam na armazenagem, o volume de consumo dos itens, o prazo de validade e a necessidade de cuidados especiais. Alguns exemplos podem ilustrar isso. Itens inflamáveis são recebidos diretamente pelas diferentes unidades do Instituto, não passando pela central, diferente da maioria dos itens. Cerca de 400.000 copos descartáveis são utilizados pelo Instituto ALFA todos os meses. Toda essa quantidade não pode ser recebida de uma vez, de maneira que os fornecedores fazem várias entregas deste material por mês. O Instituto também precisa estocar colchões, que ocupam muito espaço e não podem ser estocados em grande quantidade. Itens com validade relativamente longa, como de três anos, podem ser comprados em lotes maiores, porém alguns produtos utilizados nos laboratórios, que são válidos apenas por 28 dias precisam ser entregues quase que diariamente em pequenas quantidades. A partir desses critérios, são estabelecidos níveis mínimos e máximos (contados em dias de cobertura) para o estoque de cada item. Trimestralmente o empenho é feito de forma que não se alcance esse máximo, que costuma ser de cerca de cinco meses. O nível mínimo esperado costuma ser de dois meses, porém itens de grandes volumes físicos, baixos volumes de consumo, baixa validade e alto custo de aquisição possuem mínimos inferiores a este. Essa cobertura mínima é bastante grande; porém isso é, mais uma vez, explicado pela impossibilidade de o Instituto aplicar o dinheiro em outros investimentos. Parte de seu orçamento é destinada especificamente para medicamentos, materiais e bens de consumo, de forma que, tendo espaço disponível e garantida a utilização antes do vencimento, não há razão para correr riscos de falta de produtos, principalmente quando o Instituto trata de doenças crônicas em que a falta de um item pode interromper um tratamento, causando perdas de vidas. 78 Além desses dois meses de estoque de segurança, alguns itens indispensáveis para a realização de tratamentos especiais e raros são mantidos em maior número. Por exemplo, antibióticos mais poderosos que podem ser necessários em casos de emergência são mantidos como estoque de segurança, diretamente nas unidades hospitalares do Instituto. O Instituto conta com um armazém central que fica fora das unidades hospitalares. Todos os itens são mantidos nesse almoxarifado central antes de serem enviados para as unidades, com exceção de alguns medicamentos mais críticos e de uso raro que precisam ficar perto do ponto de uso. Além do almoxarifado central, cada unidade possui um mini almoxarifado. Quando uma unidade coloca um pedido para o almoxarifado central, este é entregue diretamente e, a partir do almoxarifado de cada unidade, os itens são enviados para as enfermarias solicitantes. A frequência regular de entregas varia; uma das unidades (a mais próxima ao almoxarifado central) recebe seus pedidos uma vez por semana e as outras de 15 em 15 dias. Cada enfermaria de cada hospital possui uma lista dos itens que deveria manter e suas respectivas quantidades. Os pedidos são feitos de forma a completar as quantidades estabelecidas na lista, ou seja, utiliza-se o método de Nível de Reposição para o abastecimento dos almoxarifados periféricos. A relação de um Instituto público com seus fornecedores apresenta algumas peculiaridades. Com base no planejamento anual, são feitas licitações para o fornecimento de todos os produtos requeridos. Nessas licitações, um preço fixo para cada item é estabelecido para todo o ano. Existe aí a figura governamental de “registro de preço”. Um contrato de um ano é feito com os fornecedores licitados, porém sem a obrigação de compra por parte do Instituto, ou seja, ele só precisa comprar aquilo que de fato necessitar, mas o fornecedor é obrigado a cobrar o preço pré-combinado. Na revisão trimestral do planejamento de consumo, o montante do orçamento necessário para o abastecimento nos três meses seguintes é empenhado na compra dos produtos necessários para que ela seja efetivada. A quantidade a ser pedida será a suficiente para completar os estoques até a cobertura dada como máxima, ou seja, no almoxarifado central, também é utilizado o método de Nível de Reposição. No entanto, os recursos 79 aprovados no orçamento não chegam ao Instituto ALFA de maneira contínua. O Ministério da Saúde os envia em um fluxo inconstante. Apesar disso, essa descontinuidade não costuma gerar problemas de falta de verba para a compra de materiais e medicamentos, não havendo nenhum caso como este relatado no Instituto ALFA nos últimos sete anos. A incerteza em relação ao fluxo de chegada dos recursos é considerável, porém o orçamento é suficientemente grande para cobrir essas incertezas. O processo de colocação de pedido é bastante burocrático por se tratar de uma instituição governamental. Para gerar um empenho para a realização de uma compra, o Instituto precisa registrar esse pedido no SIAFI, que é o Sistema de Administração Financeira do Governo, no qual todos os órgãos governamentais precisam registrar suas compras. O Instituto gera um pedido de acordo com as suas necessidades. Ele vai, então, para a divisão de administração financeira e orçamentária para verificar a existência de orçamento suficiente para cobrir o pedido. Desta maneira, o empenho da verba é feita de maneira eletrônica através deste sistema, porém os pedidos aos fornecedores são feitos manualmente, por fax, pois o Instituto está impedido por lei de se ligar diretamente ao fornecedor de forma eletrônica e realizar pedidos de compra automáticos. Por causa da Lei 8666 que regulamenta as compras públicas e da Lei 10520 que regulamenta os pregões, o Instituto ALFA possui apenas um fornecedor para cada item. Essa dependência de apenas um player é arriscada e pode gerar problemas. Essa é mais uma razão para manter um estoque de segurança tão grande. Alguns itens comprados pelo Instituto são importados e é ele próprio o responsável pela importação direta e pelos desembaraços aduaneiros relativos a esses produtos. Esse processo também pode sofrer atrasos, exigindo, mais uma vez, grandes estoques de segurança. Existe um processo de punição e advertência para fornecedores que atrasam a entrega através de multas previstas em contrato. O prazo para as entregas costuma ser de 30 dias após o pedido. A partir do 31o dia depois do pedido feito, o fornecedor começa a ser multado e se a situação começar a ficar crítica com possibilidade de falta de produtos, o contrato pode ser interrompido. No entanto, o desvio em relação ao prazo de entrega é considerado pequeno pelo Instituto, por mais que não se faça um cálculo formal deste desvio. 80 Um lead time grande como esse gera complicações para a programação de recebimento, uma vez que o produto pode chegar em qualquer momento dentro desses 30 dias. Por isso, há dias em que não se recebe nada e outros em que diversos materiais chegam ao mesmo tempo. Para tentar minimizar esses problemas, o Instituto procura monitorar os pedidos. Essa medida não é muito eficiente porque a informação sobre o status do pedido é perdida quando o mesmo chega à transportadora. Como cada fornecedor fica em uma parte do país (e alguns até espalhados pelo mundo), é difícil saber quanto tempo a transportadora irá levar para efetuar as entregas. 4.1.4 Controle de Estoques O controle dos estoques é feito tanto no almoxarifado central quanto nos pequenos almoxarifados presentes em cada unidade hospitalar. A integração entre todos os almoxarifados é feita de maneira eletrônica. As necessidades de cada unidade são identificadas através dos inventários das enfermarias, que são consolidadas nos almoxarifados dos hospitais, e o pedido para o almoxarifado central é feito eletronicamente no sistema de gerenciamento. O administrador aprova e atende esse pedido também de forma eletrônica. A lista de itens de cada enfermaria é formada sem um processo formal, de acordo com o histórico de consumo de cada enfermaria, seu número de leitos e as peculiaridades de seus atendimentos. Por exemplo, uma enfermaria que cuida de abdomens necessita de muitos materiais para curativos, pela natureza de seus serviços. Apesar de o Instituto fazer uso de um software para administrar seus estoques, os pedidos não podem ser colocados junto a seus fornecedores de maneira eletrônica, integrada a este sistema. Isso corre por causa da legislação das licitações. O sistema utilizado no controle dos estoques é fornecido pela TOTVS. Nele, a baixa de um determinado item de uma enfermaria é dada através do prontuário de seus pacientes. De acordo com essas baixas e com as listas dos itens que devem ser mantidos, o sistema calcula qual deverá ser o próximo pedido a ser feito, ou seja, nas unidades hospitalares, a revisão dos estoques é contínua. 81 Para todos os muitos itens que não são utilizados diretamente no tratamento de pacientes e, por isso, não aparecem em seus prontuários, como resmas de papel, por exemplo, o cálculo dos pedidos é feito de forma não padronizada, apesar de os pedidos serem todos formalizados. Toda semana um novo pedido é colocado das enfermarias para o almoxarifado de cada hospital. Os pedidos desses almoxarifados para o central, como já foi dito, costumam ser de duas em duas semanas, com exceção de um dos hospitais que recebe suas encomendas toda semana. No almoxarifado central, a revisão é feita em intervalos de um mês, apesar de os pedidos só serem feitos trimestralmente. Todos os meses, os estoques são revisados para ver se a cobertura de dois meses foi quebrada e se é preciso tomar providências emergenciais. O Instituto ALFA utiliza um sistema de controle contra obsolescência considerado por ele bastante eficiente, apresentando índice de perdas por esse motivo de 0,3% do valor do estoque. Ele é feito através de um forte controle dos prazos e de um sistema de First in First Out (FIFO). Além disso, ele possui acordos com seus fornecedores, previstos nos editais das licitações, em que os mesmos se comprometem a trocar os produtos que chegam perto de sua data crítica. Há ainda a exigência de que só se receba produtos com no mínimo 85% de sua validade plena. Os casos mais comuns de perda por vencimento de data de validade são casos de materiais com baixo giro e alta criticidade. Exemplos disso são alguns antibióticos específicos para alguns tipos raros de infecção. Esses medicamentos precisam ser mantidos em estoque, porém raramente são utilizados. Além da perda por obsolescência, outro problema que pode acontecer é a falta de determinado produto que atrapalhe o funcionamento do Instituto. Com um estoque de segurança tão grande quanto o que é mantido pelo Instituto ALFA, casos de falta são bem raros, porém com a dependência de apenas um fornecedor para cada item, eles podem acontecer, principalmente devido a atrasos nas entregas. 82 Quando ocorrem essas faltas, o Instituto pode reagir através de uma nova licitação ou de uma compra emergencial. Em 2009, 2% das compras foram feitas em caráter emergencial. Quando isso acontece por causa do atraso de um fornecedor, o Instituto o processa e sabe-se que a partir daí ele dificilmente conseguirá fornecer para outro serviço público. Um processo de licitação normal demora cerca de quatro meses para ficar pronto. Já uma licitação emergencial pode terminar em até quinze dias. Nesse processo é feito um novo contrato que tem duração de mais 12 meses. Com esse novo contrato, a verba que tinha sido empenhada para o fornecedor antigo é revertida para o novo. Outro recurso que pode ser utilizado em caso de emergência é a troca de produtos entre unidades hospitalares do Instituto. No entanto, quando isso não é suficiente para resolver o problema e a emergência é grande a ponto de não poder esperar os quinze dias para fazer um processo juridicamente bem estruturado, o Instituto entra em contato com um fornecedor e solicita que ele faça uma entrega, realizando o processo depois do pedido feito. Quem toma essa atitude é obrigado a responder pelos seus atos depois, porém é raro que isso realmente cause problemas para alguém. Evitar a falta de produto para os pacientes é sempre visto como prioridade. 4.1.5 Melhorias Planejadas Por se tratar de um hospital público, muitos dos pontos que deveriam ser modificados para a melhoria da gestão de estoques não podem ser mudados por causa das leis que gerem instituições governamentais. O hospital não pode, por exemplo, contar com mais de um fornecedor para um mesmo item ou se conectar diretamente a um fornecedor de forma eletrônica para a colocação de pedidos. No entanto, os gestores do hospital consideram satisfatórios os pontos em relação aos quais eles têm autonomia para mexer e, portanto, não planejam mudanças significativas nesta área. Esse é o caso, por exemplo, da previsão de consumo, que é considerada suficientemente boa, por mais que não se faça um cálculo formal de qual o índice de 83 acertos. Outro exemplo disso é o controle contra a obsolescência, que também é considerado bastante eficiente. 84 4.2 O HOSPITAL BETA 4.2.1 Caracterização e Histórico O Hospital Beta está localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele possui 184 leitos. A maioria deles está nos setores de internações clínicas e cirúrgicas. Há também leitos em Unidades de Terapia Intensiva, na Unidade CardioIntensiva, na Unidade de Cuidados Especiais e no “day clinic”. Além disso, o Hospital possui ainda nove salas de cirurgia, uma Unidade de Diagnóstico por Imagem, serviço de hemodinâmica, setor de Hemoterapia e Exames Cardiológicos Especiais, e serviço de emergência 24 horas. Nesse espaço são realizados mensalmente 6.500 atendimentos de emergência, 1000 internações, 650 cirurgias e 140 exames de hemodinâmica. Pouco menos de 1000 pessoas trabalham no hospital, sejam funcionários contratados ou colaboradores de maneira geral. Foi fundado em 1937 como uma maternidade. Nos anos 80, sofreu varias transformações estruturais até se tornar um hospital geral. No ano 2000 ele mudou de administração e sofreu novas mudanças que o tornaram um hospital voltado para atendimento de alta complexidade ao paciente adulto. Atualmente, esse hospital pertence a um grupo formado por diversos hospitais e uma companhia de assistência médica. Todos os hospitais do grupo possuem as mesmas diretrizes organizacionais. No momento da pesquisa, o hospital estava implementado diversas mudanças a fim de conseguir ser acreditado pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). 4.2.2 A Gestão de Estoques no Hospital BETA O estoque do Hospital BETA é formado por medicamentos, material hospitalar, material médico, material gráfico, material de expediente e nutrição. Este último grupo 85 é gerenciado de forma independente e por uma área diferente dos demais, apesar de ser comprado da mesma maneira, pela mesma central de compras. No entanto, a maior parte da atenção vai para os segmentos de medicamentos e materiais hospitalares (também chamados, no hospital, de materiais técnicos), uma vez que eles representam a maior parcela do valor dos estoques. Já os materiais gráficos e de expediente não são controlados de forma tão rigorosa porque o valor de seus estoques é comparativamente pequeno. O que o hospital classifica como material hospitalar são materiais usados rotineiramente e muitas vezes descartáveis, como agulhas e seringas enquanto materiais médicos costumam ser mais duráveis, como vidros. Já o material de expediente inclui artigos como lápis, canetas, CDs, papel higiênico, copos descartáveis e lâmpadas, por exemplo. 4.2.3 O Dimensionamento dos Estoques A farmácia do hospital é gerenciada por metas. A meta de nível de estoque para medicamentos, por exemplo é ter no máximo 17 dias de estoque. Já para material hospitalar, este máximo é de 24 dias. No momento da entrevista, no entanto, o nível de estoque de medicamentos estava bem acima da meta, em cerca de 23 dias. A explicação dada foi a de que a meta é verificada ao final de cada mês, como faltava cerca de uma semana para o fechamento do mês, a expectativa é de que o excesso fosse consumido até a verificação, o que não se justifica, já que essa é a meta de máximo e não de fechamento de mês. No final do mês anterior a meta havia sido cumprida, terminando em cerca de 14 dias. Essas metas são estabelecidas a partir da observação da maneira de agir de outros hospitais utilizados como referência. A experiência do próprio hospital é usada para adaptar os números obtidos por essas pesquisas à realidade do Hospital Beta. A entrevista foi feita no dia 22 de determinado mês, desde o primeiro dia daquele mês até o momento da entrevista, a compra de medicamentos já havia custado pouco mais de 600.000 reais ao hospital, porém este valor engloba, inclusive, medicamentos consignados, que são mantidos dentro do hospital, geridos pela equipe do hospital, mas 86 só são pagos quando são efetivamente utilizados. No mês anterior o total havia sido de quase 900.000 reais. É importante ressaltar, no entanto, que esse valor é calculado apenas como custo de aquisição dos produtos, sendo desconsiderados outros custos relacionados a estoques, como custo de oportunidade do capital ou custo de armazenagem. As compras do hospital são feitas em conjunto com os outros hospitais presentes no grupo ao qual ele pertence. Cada um dos hospitais possui funcionários responsáveis pelo ressuprimento. Essas pessoas informam à central quanto o hospital necessita de cada material, para que ela faça o pedido consolidado e, desta forma, os hospitais obtenham mais poder de barganha junto a seus fornecedores, conseguindo melhores preços. Sendo assim, a estrutura do hospital funciona de forma que a área de compras é totalmente separada da responsável pela gestão dos estoques (chamada de farmácia), respondendo diretamente à direção do hospital. No entanto, as quantidades a serem compradas são decididas exclusivamente pela farmácia, não pela área de compras. Para efetuar a maior parte das suas compras, a central utiliza um portal de compras chamado Bionexo. Nele estão cadastrados clientes (como hospitais) e fornecedores de medicamentos e materiais de qualquer tipo que possam interessar aos hospitais. A central coloca no portal todos os pedidos e recebe cotações de diversos fornecedores, podendo escolher o que prefere. Normalmente essa escolha é feita pelo de menor preço, porém existem alguns fornecedores em que ela não confia por já ter tido problemas com prazos e entregas. Esses costumam ser descartados mesmo que apresentem o melhor preço. Para alguns itens, no entanto, o hospital possui contratos de fornecimentos com determinados fabricantes ou distribuidores. Nesses casos, a central não utiliza o portal para compra, apenas envia para os contratados um pedido com a quantidade demandada e espera recebê-los de acordo com o que foi acertado. A maioria dos contratos é feita diretamente com os fabricantes, porém alguns são negociados com distribuidoras. O principal critério de decisão sobre quais produtos terão contratos de fornecimento é custo. Como esses contratos são negociados para toda a rede em conjunto, os preços obtidos costumam ser muito bons. No entanto, a elaboração dos contratos exige grande mobilização e, portanto, não compensa que se tenha esse tipo de trabalho para produtos de baixo custo. 87 Outros produtos são fornecidos através de consignações. Normalmente os produtos para que se busca este tipo de acordo são aqueles que não possuem consumo regular e custam caro. Somente cerca de cinco produtos são contemplados com esse tipo de acordo. Alguns deles podem ficar anos sem serem usados, mas é necessário que se tenha eles em estoque. Quando eles são usados, a farmácia do hospital fatura e coloca uma ordem de reposição diretamente com o fornecedor. Para todos os produtos, independente do modelo de compra, o prazo máximo em que se espera receber é de 7 dias. A única exceção são os materiais gráficos, que podem demorar até 60 dias para serem entregues. Estes prazos incluem tudo que ocorre entre a declaração das necessidades à central de compras e a entrega dos produtos, incluindo o tempo para fazer a cotação. No entanto, alguns fornecedores entregam até mesmo no dia seguinte. Essa variabilidade não costuma ser problema, uma vez que o hospital sempre é informado da previsão de entrega. O que causa problemas é o recorrente não cumprimento dessas previsões por parte dos fornecedores. Cada hospital do grupo gerencia sua demanda de compras, suas necessidades de estoque e, então, coloca o pedido junto à central, que é a mesma para todos. Esse processo de colocação de pedidos é comum a todos os hospitais do grupo. Depois que são definidas as quantidades a serem compradas, elas são transmitidas à central automaticamente, através de uma plataforma digital. Apesar dos pedidos de compras serem efetuados de maneira agrupada na central, a entrega é feita pelos fornecedores diretamente aos hospitais demandantes. Antes a central armazenava os produtos antes de enviá-los aos hospitais, porém mudanças administrativas e societárias impediram que essa prática continuasse. Por razões administrativas e societárias do grupo controlador do hospital, ficou estabelecido que quem gerencia não pode comprar e quem compra não pode receber. Desta forma, o hospital gerencia e recebe e a central compra. Considera-se também que seja mais ético que quem sugere a compra, no caso o hospital, não tenha contato direto com o fornecedor, evitando que se faça pedidos sem sentido e que ocorram desvios. Além disso, a administração feita diretamente pelo hospital fica mais fiel à realidade do mesmo, uma vez que os tomadores de decisão vivem o cotidiano do hospital. Se a gestão fosse responsabilidade da central, o histórico de consumo seria a única fonte de 88 informação para as tomadas de decisão, não poderiam saber, por exemplo, se entrou um paciente com alguma demanda específica e se antecipar a ela. Periodicamente, representantes de todos os hospitais que compartilham a central de compras se reúnem para discutir os resultados de suas áreas de gestão de estoques e o quanto eles são afetados pela central de compras. Nela são observados pontos positivos e negativos da administração. Observam também o desempenho dos fornecedores e discutem a necessidades de mudanças tanto de fornecedores quanto de métodos administrativos, visando a melhoria contínua. As quantidades a serem pedidas são definidas pelo hospital através da previsão de consumo. Para todos os produtos, ela é feita com base na média dos três meses anteriores. Porém, o consumo de medicamentos é mais difícil de prever que o de materiais técnicos, por isso, eles recebem tratamento especial. Para eles, é usado também o conhecimento tácito dos funcionários da farmácia do hospital. Como o consumo de material técnico é relativamente regular, ele é pedido uma vez por semana sem muitos problemas relativos à falta de material. Os medicamentos variam, principalmente, por causa de determinados pacientes que fazem uso bastante anormal de determinados medicamentos e podem ser responsáveis sozinhos pelo consumo previsto para um mês inteiro, por exemplo. Por isso, presta-se mais atenção a média de consumo do mês anterior para o cálculo da previsão de medicamentos como antibióticos. O número obtido a partir dessa observação é, então, multiplicado pelo número de dias do horizonte do pedido, descontando a quantidade que já se tem em estoque e a que ainda está para chegar. No entanto, alguns itens não podem ser pedidos em quantidades fracionadas, portanto a quantidade final a ser pedida é arredondada para um número superior, de forma a representar determinado número de caixas do item. O hospital percebe que há sazonalidade de sua demanda em relação a determinados itens. Por exemplo, o consumo de soro no verão, época em que os casos de dengue costumam se multiplicar, é consideravelmente maior que no resto do ano. Algumas vezes observa-se falta deste produto, já que os próprios fabricantes são incapazes de produzir a quantidade demandada. No entanto, não há uma prática formal que inclua essa percepção na previsão de consumo. Apenas o conhecimento tácito dos responsáveis por essa previsão é usado para lidar com a sazonalidade. Caso isso não aconteça, esperase até que o consumo realmente comece a aumentar para depois agir. 89 No caso dos medicamentos, a gestão é segmentada em curva ABC, no caso de materiais, há mais divisões, que vão de A a Z. Toda segunda-feira, é feita a analise de quanto precisa ser comprado de medicamentos A e B para um horizonte de 17 dias e o pedido é colocado. Para evitar desabastecimento, há contratos de fornecimento para a grande maioria dos produtos nestas curvas. Os medicamentos da curva C são comprados quinzenalmente, observando-se um horizonte de 30 dias, esse horizonte maior se deve ao baixo valor dos medicamentos nesse segmento. Nas terças-feiras é comprado material técnico e material hospitalar de todos os segmentos, de A a Z, para os seguintes 18 dias. Nas quartas-feiras é comprado material expediente para completar a previsão de consumo dos seguintes 24 dias e gráfico para 60 dias. O horizonte maior para material gráfico é explicado pelo maior lead time de entrega desses produtos. Além disso, alguns desses produtos são bastante críticos, como receituários, principalmente porque não podem ser emprestados uma vez que devem conter o nome do médico. Toda quinta-feira, é colocado o pedido de alimentos. No entanto, o cálculo da quantidade a ser pedida é feito diretamente pela área responsável pela nutrição no hospital, de forma bastante informal. Esse método de pedidos semanais foi adotado depois de diversas tentativas. Primeiro se tentou fazer compras mensais; depois duas vezes por semana, pelo menos para itens A e B. O primeiro não se mostrou satisfatório porque precisava ser revisto toda semana e o segundo porque exigia muito trabalho, às vezes desnecessário. Por fim, chegou-se a esse modelo em que os pedidos são colocados semanalmente. O hospital considera, agora, que esse modelo foi o melhor que encontraram até o momento, sem descartar futuras mudanças caso julgue necessário. Alguns produtos específicos, considerados muito críticos, recebem tratamento especial. É o caso do soro, por exemplo. Ele possui uma forma própria de análise. A cada sete dias (tempo de entrega do produto) é calculada a previsão de sua demanda para os 30 dias seguintes e um novo pedido é emitido. O Hospital BETA classifica as compras em algumas categorias diferentes. Compras regulares são aquelas feitas com planejamento, em que se consegue o melhor preço disponível no mercado. Quanto mais bem feita for a programação, maior será a proporção de produtos comprados da forma chamada regular. 90 A meta que a farmácia deve atingir é de que 93% dos produtos sejam comprados desta maneira. No entanto, na data da visita, este número estava em 89%,com um pequeno desvio em relação à meta. A justificativa para essa diferença era o excesso de compra de produtos chamados “não-padrão”. Esses são os produtos que o hospital não compra com regularidade, mas que, às vezes, os médicos exigem que sejam comprados para um tratamento específico. Nesse caso, a realização desta meta não depende somente da farmácia, uma vez que os pedidos de urgência dos médicos precisam ser atendidos. No entanto, é papel dos farmacêuticos tentar sugerir aos médicos a utilização de medicamentos substitutos que já sejam fornecidos regularmente ao hospital. Esses pedidos de medicamentos “não-padrão” normalmente são feitos de maneira que o tempo de entrega deva ser de no máximo 24 horas, enquanto que para os regulares o prazo é de 7 dias. Sendo assim, não costuma ser possível comprar pelo menor preço disponível no mercado. A armazenagem dos produtos é feita de forma que há separação por tipo de produto/medicamento. Por exemplo, todos os antibióticos ficam em uma área, enquanto os colírios ficam e outra e as pomadas em uma terceira. Dentro de cada tipo, a ordenação é feita de maneira a respeitar a ordem alfabética dos nomes dos mesmos. O hospital julga que dessa forma fica mais fácil encontrar os produtos. Todos os medicamentos são mantidos na farmácia central do hospital. Antes de serem armazenados, a maioria dos medicamentos em forma de comprimido é fracionada, para que não haja desperdício. Desta forma, quando uma área necessita determinada quantidade de medicamentos, somente aquela quantidade é enviada. Já os materiais ficam parte no armazém central e parte em estoques periféricos localizados nas unidades de atendimento. O hospital costuma enfrentar problemas com perecibilidade e avaria de materiais. Todas as perdas são calculadas e, de tempos em tempos, este cálculo é enviado para auditoria. Esse processo visa entender os motivos que levam a essas perdas e eliminá-los. Para evitar enfrentar problemas com perecibilidade, o hospital só aceita receber de seus fornecedores produtos com seis meses de antecedência em relação à sua data de expiração. 91 4.2.4 O Controle dos Estoques Todo o estoque é controlado diariamente através de uma rotina que mede a cobertura dos estoques. Nessa rotina é elaborado um relatório em que aparecem eventuais necessidades de se realizar pedidos emergenciais. No entanto, como essa revisão é periódica e não contínua (ocorre uma vez por dia), podem ocorrer alterações repentinas na demanda de certos produtos que causem consumos inesperados de produtos que só serão percebidas no dia seguinte. Nesses casos, é possível que o estoque de determinado produto chegue a zero sem que se perceba isso imediatamente. Considera-se necessário realizar um pedido emergencial quando a cobertura de estoque pra qualquer produto fica menor que 3 dias. Os pedidos de emergência são feitos sempre para mais 3 dias. Outro fator observado na hora da colocação desses pedidos é se o produto que está com estoque baixo já foi pedido e qual a previsão para sua entrega. Dependendo disso, o pedido pode ser para um horizonte ainda menor que 3 dias. Se não houver previsão de chegada de novo carregamento em um período curto, o hospital solicita que a central antecipe o pedido seguinte. Para pedidos de emergência, é esperado que o recebimento aconteça no mesmo dia. É feito também, com freqüência, o levantamento de tudo que está para ser recebido para checar se os fornecedores não estão atrasando muito. Caso um produto comece a atrasar muito, a central de compra entra em contato com fornecedor para saber o motivo. A partir daí ela pode cancelar a compra e comprar de outro. Apesar de ser responsabilidade da central de compras o controle dos prazos de entrega dos produtos, o próprio hospital controla tudo que está com entrega atrasada e informa à central. Já os fornecedores com contrato de exclusividade são obrigados a fornecer, ainda que não possuam o produto no momento. Para isso eles próprios costumam comprar de outros para entregar para o hospital. O sistema utilizado pelo hospital funciona da seguinte forma: primeiro, uma plataforma digital auxilia a previsão de consumo com dados sobre as médias históricas. Uma vez que as quantidades são estabelecidas e enviadas para a central de compras, a central monta uma ordem de compra e a realiza utilizando cotações do portal Bionexo ou através dos contratos já estabelecidos. Quando o fornecedor entrega, os recebedores do 92 hospital conferem a ordem de compra comparando-a com a nota fiscal. Depois disso, é dada a entrada da nota fiscal na plataforma com todos os produtos. Quando os responsáveis pelas diversas áreas do hospital precisam de algum item, eles fazem uma requisição na própria plataforma. Os funcionários da farmácia separam o que foi solicitado e enviam. A partir desse momento os produtos saem do sistema e não podem mais ser rastreados. O principal problema encontrado pelo hospital para o controle de seu estoque é a ainda grande quantidade de erros cometidos pelas pessoas na hora de fazer a computação de dados na plataforma. Com isso, ele passa a apresentar uma imagem irreal do que está estocado. Por exemplo, cada vez que um setor do hospital pede que a farmácia envie determinada quantidade de material, isso é computado no sistema. No entanto, muitas vezes uma parte desses materiais é mandada de volta para a farmácia e é muito comum que se compute de forma errônea a quantidade de materiais devolvidos. Além disso, há pouca conferência para saber se o que foi computado reflete a realidade. O hospital não mede a eficiência de seu controle de estoques. Um exemplo claro disso é o fato de ele não calcular o giro dos seus estoques. 4.2.5 Melhorias Planejadas Os responsáveis pela farmácia do hospital percebem a necessidade de formalizar os procedimentos que levam os diversos setores do hospital a solicitar produtos da farmácia. Sem essa formalização, o que vem ocorrendo é que esses setores acabam pedindo mais do que seria necessário, fazendo com que o estoque total do hospital fique maior que deveria e com que o controle sobre o que está estocado diminua, uma vez que os produtos saem do sistema ao deixar a farmácia central. Além disso, sente-se necessidade de rastrear os produtos depois que eles saem da farmácia central e vão para os diferentes setores do hospital. É necessário saber se eles realmente foram utilizados e por que médico, no tratamento de qual paciente. Essa mudança, além de ser de vontade dos próprios administradores de estoque do hospital, terá que ser feita para que o hospital consiga a certificação que está buscando no 93 momento. Desta forma, está sendo feito um estudo para encontrar a melhor maneira de fazer essa alteração no processo. Outra mudança deve ser feita em breve, também por ser exigência do órgão certificador. Atualmente o hospital não possui controle de código de barras que indique a validade e o lote do produto. Há planos para que em breve esse controle passe a ser feito, como já é feito em alguns hospitais da rede. O órgão certificador exigiu ainda que fosse feita uma mudança de localização da farmácia. No momento da entrevista, fazia pouco tempo que a farmácia havia se mudado e algumas obras ainda estavam sendo finalizadas. Essa mudança foi necessária por causa da falta de espaço do local anterior e da maior facilidade de acesso a essa nova farmácia, por causa da proximidade cm o elevador. Planeja-se ainda, no curto prazo, modificar o método de colocação de pedido junto à central de compra e aos fornecedores com contrato. A ideia é que em breve o hospital passe a utilizar um portal eletrônico (chamado MM) para computar suas necessidades. Esse portal já enviaria o pedido para os fornecedores com contrato. A central de compras deverá entrar nesse portal para ter acesso às necessidades do hospital e, então, fazer as cotações para esses pedidos. Com isso, a Bionexo deixará de ser usada. 94 4.3 O HOSPITAL GAMA 4.3.1 Caracterização e Histórico O Hospital GAMA fica localizado na cidade de São Paulo e ocupa uma área de cerca de 27.000 metros quadrados. É um hospital clínico e cirúrgico de alta complexidade. Possui 310 leitos, sendo 70 em Unidades de Tratamento Intensivo. Realiza cerca de 9.000 atendimentos por mês no Pronto-Socorro e 1.500 cirurgias por mês, em suas 14 salas cirúrgicas. Cerca de 1.500 pessoas trabalham no hospital, que tem cerca de 4.000 médicos cadastrados. Fundado há mais de 50 anos, atualmente o Hospital GAMA faz parte de um grupo de hospitais e uma empresa de assistência de saúde. Este grupo faz cotações e contratos de compra conjuntos, e discute diretrizes administrativas e operacionais para os hospitais. O Hospital tem acreditação da ONA em nível 3, de excelência. Foi acreditado internacionalmente no modelo canadense e, no momento da entrevista, estava tentando ser certificado também pela Joint Commition International. 4.3.2 A Gestão de Estoques no Hospital GAMA O estoque do Hospital GAMA é formado basicamente por medicamentos e materiais de enfermagem. Porém outros itens menos críticos também são estocados; eles são chamados pelo hospital de materiais improdutivos e englobam itens como copos descartáveis, canetas e produtos de limpeza, por exemplo. Materiais para obras e reformas também são comprados diretamente pelo hospital. No entanto, como o hospital terceiriza alguns serviços, alguns materiais referentes a eles, são de responsabilidade da empresa terceirizada. É o caso, por exemplo, de materiais para manutenção de equipamentos, como peças de reposição. O mesmo acontece com a parte de alimentação. Alguns outros serviços, como a limpeza, são 95 terceirizados, porém os materiais necessários para seu funcionamento são comprados e estocados pelo próprio hospital. Cerca de 150 medicamentos diferentes são considerados “padrão”, ou seja, comprados regularmente e sempre mantidos em estoque. Além disso, outros 200 são cadastrados no sistema, mas são considerados “não-padrão”. Estima-se que o hospital tenha, a todo momento, cerca de 50 rótulos diferentes de medicamentos “não-padrão” em estoque. Já em relação aos materiais de enfermagem, são mantidos cerca de 1.400 itens diferentes em estoque. A área de suprimentos do hospital é bastante rigorosa com a padronização de itens. Sempre que um médico pede que um novo produto seja considerado padrão, é feita uma análise da real necessidade daquilo, perguntando-se ao próprio médico qual a importância dele e se algum outro item pode deixar de ser padrão. Além disso, os próprios analistas de estoque possuem algum conhecimento de farmácia e, em alguns casos, podem perceber que mais de um produto estão sendo utilizados para a mesma função. O estoque de medicamentos do hospital costuma representar um milhão e duzentos mil reais, em média. Os materiais representam outros um milhão e quatrocentos reais. A diretoria do hospital responsável pela gestão de estoques é a Diretoria de Operações. Dentro desta diretoria, existe uma Gerência de Suprimentos e Logística. Três áreas respondem a essa gerência: a área de Compras e Planejamento; o Centro de Distribuições, onde ficam as farmácias, o almoxarifado e o recebimento; e a área de Farmácias Satélites dos Centro Cirúrgicos. Dentro do setor de Compras e Planejamento, estão um Analista de Materiais de Enfermagem; um Analista de Medicamentos e um Analista de Material Improdutivo; uma Compradora para Medicamentos e Material de Enfermagem e Contratos de Manutenção; uma Compradora para Material Improdutivo e Obras e Serviços. 96 4.3.3 O Dimensionamento dos Estoques O hospital considera como custo de estoque apenas o custo de aquisição dos produtos comprados. No entanto, julga-se interessante fazer, no futuro, um cálculo mais aprofundado. O hospital considera interessante, por exemplo, calcular o quanto é gasto com mão de obra no processo desde o recebimento de materiais até sua utilização. Ainda assim, considerando-se apenas o custo de aquisição dos produtos, esse gasto representa cerca de 45% do orçamento total do hospital e por volta de 20% do seu faturamento. O orçamento para estoques no hospital costuma ser de cerca de 70 milhões de reais por ano, ou seja, o custo anual orçado para estoques é de cerca de 28 milhões de reais. O custo efetivo não costuma ficar muito diferente do orçado. Para realizar a previsão de consumo, é feita uma análise diária de todos os itens através do sistema. Os produtos são avaliados de formas diferentes, dependendo de suas particularidades. De forma geral, observa-se o histórico de um ano de consumo, atualizando a cada mês e observando possíveis variações desproporcionais. O hospital diz prestar mais atenção no mês imediatamente anterior, porém isso não é feito de maneira formalizada. De qualquer maneira, os analistas dizem se preocupar mais com o nível de estoques a todo momento que com o histórico de consumo dos produtos. Para a previsão dos materiais cirúrgicos, acompanha-se também a agenda cirúrgica do hospital. Observa-se essa agenda para um horizonte de uma semana e analisa-se, juntamente com os médicos responsáveis pelas cirurgias, que tipo de desvios podem ocorrer, para que não falte nenhum material. É preciso observar, também, variações causadas pelas preferências dos diferentes médicos que atendem no hospital. Essas variações são percebidas, principalmente, no Pronto-Socorro. As informações sobre comportamentos anormais na utilização de determinado item são passadas pelos assistentes farmacêuticos, que possuem comunicação direta com a área de Planejamento. Como essa área possui a meta de não ter mais de um milhão e duzentos mil reais em estoque (número determinado arbitrariamente), quando se nota a necessidade de aumentar a quantidade de determinado produto, estuda-se uma forma de diminuir a quantidade de outro. A diminuição no estoque de um item também ocorre quando há um erro na previsão e o 97 hospital acaba mantendo mais estoque de determinado item do que seria necessário. Porém, o hospital se orgulha de conseguir quase sempre manter a meta ao mesmo tempo em que está há mais de um ano sem ter problemas com faltas. Os analistas do hospital percebem sazonalidades no consumo dos produtos, como variações do perfil de consumo na época do Carnaval e um maior número de cirurgias sendo realizadas a partir do mês de março. Isso é retratado na previsão de demanda pelo conhecimento tácito dos próprios analistas. Existe outra sazonalidade que também afeta o hospital; é a sazonalidade no fornecimento. É comum a falta de determinados produtos em janeiro por causa das festas de fim de ano que reduzem a produção no final do ano. O hospital se previne contra isso aumentando o nível de estoque de certos produtos em dezembro. Além da sazonalidade, o hospital também está sujeito a enfrentar surtos. Nesses casos, o padrão de consumo muda muito e repentinamente. Esse foi o caso, por exemplo, sofrido com a chamada “gripe suína”. Inesperadamente, o Hospital GAMA (assim como a maioria dos hospitais no Brasil) se viu obrigado a tratar dezenas de pacientes com produtos que não costumavam ser usados em larga escala. O Hospital GAMA trabalha com segmentação de estoques por curva ABC. Os critérios utilizados para a separação dos segmentos são o valor dos produtos e o seu nível de consumo. Essa classificação é atualizada constantemente de acordo com variações na demanda pelos produtos. A diferença de tratamento dada aos segmentos está na quantidade de estoque que é mantida de cada produto. Para os produtos A, procura-se ter 10 dias de estoque. Para itens B, a meta é manter 15 dias. Já o horizonte desejado para itens C é de 30 dias. No entanto, esse horizonte de estoque pode sofrer variações de acordo com os produtos e com a proximidade dos fornecedores. Para grande parte dos materiais de enfermagem, pode-se trabalhar com estoques mais justos, uma vez que a maioria dos fornecedores está localizada em São Paulo. Já no caso dos medicamentos, a maior parte dos fornecedores esta em Brasília devido a incentivos fiscais. Portanto, pode ser benéfico manter um nível maior de estoque de medicamentos para evitar ricos de falta. O nível de estoque de segurança usado pelo hospital é de no mínimo 5 dias para todos os produtos. E os analistas reconhecem que há situações em que os níveis de estoque 98 chegam a ficar mais baixos que isso, principalmente quando há consumos muito altos e inesperados de certo item. Antes dos produtos chegarem até o paciente, eles passam por um processo dentro do hospital que começa no recebimento e termina no uso. O objetivo do estoque de segurança é que haja uma quantidade suficiente de cada item para que esse processo não seja interrompido. O hospital trabalha com um mix de estoques centralizados e descentralizados. Ele possui um Centro de Distribuição. No entanto, há também farmácias periféricas em cada andar. Cada uma delas possui uma quantidade padrão de itens para segurança e uso imediato diferente que depende da natureza da atividade a que estão servindo. Todas as vezes que uma farmácia utiliza um produto, ela dá baixa no sistema e, automaticamente, solicita outra unidade ao Centro de Distribuição. O Centro de Distribuição repõe as farmácias pelo menos uma vez por dia, com tudo que foi solicitado. Alguns produtos, sobretudo medicamentos, necessitam de cuidados especiais, como permanência em ambientes refrigerados em até 8 graus. Além disso, todos os produtos devem ser mantidos a uma temperatura de no máximo 25 graus. Há ainda os medicamentos psico-fármacos que, de acordo com a Vigilância Sanitária e com os Órgãos de Certificação, precisam ficar separados dos demais por causarem dependência química. O Centro de Distribuição e as farmácias estão preparados para atender a esse tipo de cuidado. A estrutura física do hospital dificulta o processo de recebimento de produtos. Por esta razão, os pedidos são colocados de maneira que cada empresa só precise fazer uma entrega por semana ao hospital. Para isso, procura-se agrupar itens de um mesmo fornecedor em um só pedido. Os pedidos são colocados sempre que necessário para a manutenção do nível de estoque desejado, levando-se em consideração o tempo de ressuprimento de cada fornecedor, sem que haja uma rotina para isso. O objetivo é sempre evitar que se trave o recebimento, falte algum produto ou que se tenha excesso do mesmo em estoque. Para isso, programa-se apenas a semana seguinte, observando-se a entrada de pacientes que causem consumo atípico de determinados produtos. 99 Alguns produtos, no entanto, são entregues de forma programada. Para esses produtos, existem contratos anuais que estabelecem o preço a que eles serão comprados, sem estabelecer as quantidades. Semanalmente o hospital passa para o contratado as quantidades necessárias e este efetua a entrega. Para evitar congestionamento no recebimento, o hospital busca utilizar as próprias empresas que realizam entregas programadas ara entregar produtos separados que elas também possam fornecer, sempre que isso for possível e financeiramente vantajoso. Muitos desses contratos são válidos para todos os hospitais do grupo. O Hospital GAMA é visto como o hospital de referência do grupo, utilizando apenas produtos de alta qualidade, sem fazer uso de medicamentos genéricos, por exemplo. Por isso, nem todos os hospitais da rede utilizam os mesmo produtos que o Hospital GAMA. Porém, para todos os produtos usados em comum, os contratos e cotações são feitos de forma conjunta com os outros hospitais. Desta forma, é importante que todos os hospitais da rede tenham informações sobre os valores dos contratos conseguidos pelo Hospital GAMA, para que não haja diferenças entre eles. Alguns produtos são utilizados apenas pelo Hospital GAMA, porém é exigido dos fornecedores que os outros hospitais do grupo possam comprá-los pelo mesmo valor se tiverem interesse em fazê-lo. O hospital tem o desejo de expandir o número de contratos firmados, pois com eles os processos se simplificam e não há variações de preços. Outra vantagem deles é o fato de existir uma única empresa responsável por aquele fornecimento, a quem o hospital pode cobrar em caso de falhas. Segundo os analistas da área de suprimentos, não há problemas em depender apenas de um fornecedor para determinados produtos porque os próprios contratos já prevêem os distribuidores que serão acionados caso o principal tenha problemas. Isso corre tanto em contratos feitos diretamente com os laboratórios quanto naqueles feitos com distribuidores. Nota-se que, algumas vezes, os distribuidores oferecem preços mais baixos que os próprios laboratórios, graças a sua maior estrutura de distribuição. Dessa forma, o Hospital GAMA está sempre em busca de contratos que sejam vantajosos para ele e para os outros hospitais da rede, sem, no entanto, assinar contratos de produtos que não vá utilizar muito, ainda que o contrato não o obrigue a comprar determinadas quantidades. Os produtos que não possuem contratos de fornecimento costumam ser cotados através do sistema Bionexo. Alguns hospitais do grupo já passaram a adotar outros sistemas de 100 mercado eletrônico, porém esse ainda não é o caso do Hospital GAMA. O portal da Bionexo é utilizado, principalmente, para descobrir possíveis fornecedores. No entanto, antes de fechar uma compra através deste portal com um novo fornecedor, é necessário que alguém do grupo visite as instalações para certificar o distribuidor como possível fornecedor. Alguns produtos são comprados de forma consignada. Costumam ser produtos de alto valor que ficam estocados dentro do hospital, mesmo sem terem sido comprados. Parte deles fica mantida fixa dentro do hospital e outra parte, chamada de temporária, é recebida 48 horas antes de determinadas cirurgias como medida de precaução. O hospital se vê como um bom parceiro para os fornecedores. Essa visão vem do fato de algumas vezes faltar produtos no mercado e não faltar para o Hospital GAMA, que costuma ter preferência nas compras junto a seus fornecedores freqüentes. Uma explicação para isso é a flexibilidade de datas e horários para entregas que o hospital permite aos fornecedores. Nota-se que a relação entre o hospital e os fornecedores melhorou muito depois que essa flexibilidade passou a ser concedida. Essa boa relação gera frutos, como a possibilidade de exigir tempos de ressuprimentos muito curtos. Em todos os contratos feitos com fornecedores de São Paulo, está estipulado que as entregas devem ser feitas no mesmo dia em que o pedido é emitido. O fornecedor pode estabelecer, no entanto, uma determinada hora limite para a emissão do pedido para que ele seja entregue no mesmo dia. Já os contratos com empresas de outros estados, como Rio de Janeiro e Distrito Federal, determinam que os produtos sejam entregues no dia seguinte à colocação do pedido. O mesmo prazo é dado para compras sem contrato feitas por cotação, através da Bionexo. Não costuma haver problemas de atrasos nesses prazos. Porém, os analistas do hospital costumam ser bastante exigentes, entrando em contato com os fornecedores para pedir informações sobre a entrega sempre que há atrasos, por mais que sejam de menos de uma hora. Esse contato telefônico é a única forma de obter informações sobre os status dos pedidos pendentes, uma vez que os fornecedores não oferecem nenhum tipo de rastreamento dos produtos. Quando, eventualmente, ocorrem descumprimentos de contratos, obrigando o hospital a comprar mais caro de outra fonte, o fornecedor original é obrigado a ressarcir o hospital. 101 Os fornecedores também podem falhar enviando produtos erroneamente, obrigando o hospital a devolvê-los. Há ainda problemas com antecipação de entregas. Todos esses problemas são tratados nas chamadas reuniões de feedback aos fornecedores. Nelas, representantes de alguns hospitais do grupo, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília se encontram com fornecedores para tratar assuntos como atrasos e devoluções. 4.3.4 O Controle dos Estoques A revisão dos estoques é feita diariamente, de forma que não há muitas surpresas em relação ao nível e ao giro dos estoques. Todos os dias é rodada uma rotina que mostra quanto se tem em estoque de medicamentos, material de enfermagem e material improdutivo e qual foi o consumo do dia; além de tudo que entrou em estoque no dia, através da análise das notas fiscais. Além de se observar no sistema o nível de estoques em relação ao estoque de segurança, o hospital controla seus estoques observando o processo por que passam os itens desde que chegam ao hospital. Se o processo estiver para ser interrompido por falta de itens, é feito um pedido antes que a interrupção realmente aconteça. Esse processo começa com o recebimento, onde é feita a conferência de tudo que entra, observando-se o lote e a validade. Uma pessoa confere o que foi recebido com a nota fiscal e outra compara a nota fiscal com o pedido que havia sido feito. Depois os itens são transferidos ao Centro de Distribuição. Lá é feita a parte de etiquetagem e identificação dos produtos, além do fracionamento de medicamentos comprimidos. Após isso, os produtos ficam estocados no próprio Centro de Distribuição até que sejam demandados. Mesmo com os pedidos regulares sendo entregues no máximo até o dia seguinte à sua emissão, o hospital prevê que seu controle pode eventualmente falhar, obrigando-o a realizar pedidos emergenciais, apesar de não passar por casos de faltas há mais de um ano. Se o produto em questão for fornecido por uma empresa com contrato, será uma entrega emergencial, já prevista em contrato. Os fornecedores consideram pedidos emergenciais aqueles que foram feitos depois de determinada hora (meio dia, em sua 102 maioria) e têm como prazo o mesmo dia. Se for um pedido por cotação, será feito um pedido em caráter de emergencial e o hospital provavelmente pagará mais caro por isso; no entanto, isso raramente ocorre. O prazo para a entrega desses pedidos varia de acordo com a distância dos fornecedores em relação ao hospital. No entanto, se nem os fornecedores que entregam no mesmo dia forem capazes de resolver determinada urgência, o hospital pode pedir produtos emprestados de outros hospitais da região em quantidade suficiente para sanar a emergência. Essa prática é muito comum entre hospitais e funciona também para o Hospital GAMA graças ao bom relacionamento que ele possui com os outros. Isso só não é permitido para produtos psico-fármacos. No caso de falta de materiais, uma conversa pode ser feita com os médicos para analisar a possibilidade de se alterar o procedimento, de forma a utilizar materiais diferentes. Isso também é feito quando há falta de produtos no mercado e nem o fornecedor o possui. Esse processo é auxiliado por uma assistente farmacêutica, para que o produto usado seja o mais similar possível ao que deveria ser utilizado, para que o paciente não sinta nenhuma diferença. O giro médio do estoque do hospital é de uma vez e meia por mês, ou seja, cerca de 20 dias. O hospital considera que esse seja um giro rápido. Esse cálculo é feito de duas formas, uma considerando todos os itens e outra que desconsidera um medicamento específico que é importado e muito caro, mas que precisa ser mantido em estoque. Sua inclusão altera muito as contas, por isso, presta-se mais atenção ao indicador que o desconsidera. A partir do controle de tudo que é comprado, o hospital calcula o quanto foi afetado pela inflação. Para isso, parte-se de uma cesta de produtos e acompanha-se a evolução dos preços da mesma ao longo dos anos. Com isso, é possível saber se determinado aumento nos gastos foi causado por compras mal feitas ou se foi culpa da inflação. As comparações dos preços são feitas mês a mês e ano a ano. Anualmente, é elaborado um relatório de baixas para contabilizar tudo que foi perdido com avarias e perdas por vencimento. Com ele é possível identificar os produtos que sofrem mais baixas para tentar encontrar formas de reduzir esses problemas. Porém, é raro que os produtos passem do seu prazo de validade, pois procura-se sempre que 103 possível, sem afetar a qualidade do atendimento, evitar a utilização de produtos que tenham prazo de validade muito curto. Além disso, o hospital não aceita receber produtos faltando menos de um ano para o fim do seu prazo de validade. No entanto, alguns medicamentos, principalmente os provenientes de farmácias de manipulação, têm um prazo total de validade inferior a um ano, para eles essa regra não pode ser aplicada. Nesses casos, procura-se manter pouca quantidade desses medicamentos em estoque, fazendo acordos com seus fornecedores para que seu abastecimento seja o mais parecido possível com o Just-in-time. Para auxiliar a gestão do hospital como um todo, o hospital utiliza, além do Excel, um sistema de gestão de saúde chamado MV. Esse sistema possui diversos módulos e cada um auxilia uma parte da gestão do hospital. O Hospital GAMA utiliza vários desses módulos, sendo auxiliado pelo sistema em áreas como as de hotelaria e financeira. Na área de suprimentos, ele é responsável por todo o controle interno do hospital. Nele são computadas as informações sobre tudo que chega ao hospital e sobre localização dos itens nos diversos setores dentro do hospital. 4.3.5 Melhorias Planejadas Para conseguir a acreditação da Joint Commition International, o hospital terá que realizar algumas mudanças em suas operações e instalações. No momento da entrevista, havia grupos no hospital incumbidos apenas de adaptar o hospital a essas novas exigências. No entanto, não deve haver nenhuma mudança significativa na área de estoques e suprimentos. As principais alterações devem ser feitas nos processos das áreas assistenciais. Porém os analistas têm a percepção de que deve ser dada ainda mais importância à segurança do paciente, ou seja, ficará ainda mais acentuada a preocupação de não faltar produtos. Quando as outras certificações foram feitas, as mudanças mais sentidas pela área de suprimentos foram alguns protocolos novos que passaram a ser realizados, principalmente por causa de exigências de utilização de determinados medicamentos. Nessa fase, novos produtos precisaram ser padronizados. No entanto, nenhuma mudança estrutural na área foi necessária. 104 O hospital, entretanto, pretende realizar melhorias por conta própria. A principal delas, no momento, está relacionada à otimização do espaço no Centro de Distribuição. Ele já funciona de forma relativamente satisfatória e ocupa um bom espaço, porém percebe-se que sua utilização pode ser mais eficiente, ganhando mais espaço para locomoção e acelerando o fluxo. Para isso, estão contratando empresas especializadas em logística de Centros de Distribuição para estudar possíveis melhorias. Nota-se, no entanto, que o principal gargalo encontrado por essa área é no recebimento de pedido. Isso ocorre graças ao espaço físico destinado a essa atividade e à localização do hospital, aspectos mais difíceis de serem modificados. 105 4.4 O HOSPITAL DELTA 4.4.1 Caracterização e Histórico O Hospital DELTA foi fundado em 1955 na cidade de São Paulo. É um hospital generalista, que atende várias especialidades médicas possuindo áreas separadas para cada uma delas, como Oncologia, Cardiologia, Transplantes, Ortopedia e Neurologia. Na parte de Oncologia, o hospital possui uma parceria com um dos maiores Centros de Tratamento de Câncer dos Estados Unidos. É, também, o hospital que mais realiza transplantes no Brasil. A área de realização de transplantes fica em outro endereço e é feita em parceria com o Sistema Único de Saúde. Em 2011, possuía cerca de 620 leitos, porém há um processo de expansão em curso e esse número deve chegar a 700. Possui ainda 38 salas cirúrgicas, onde são feitas cerca de 40.000 cirurgias por ano. Atende por volta de 180.000 pacientes por dia. Ele faz parte de um grupo que possui ainda um Instituto de Pesquisa e Educação, um Centro de Responsabilidade Social e uma unidade de Diagnóstico Preventivo. O Centro de Responsabilidade Social, entre outras atividades, atende paciente do Sistema Único de Saúde, segundo exigências legais. O Hospital DELTA não possui parcerias com nenhum outro hospital no Brasil que não seja por meio da Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP). Através dela, o hospital interage com outros 37 hospitais privados do Brasil, compartilhando, por exemplo, benchmark de indicadores. No entanto, isso é dificultado tanto pela pobreza de informações sobre indicadores da maioria dos hospitais, como pelas diferenças entre suas operações. Foi o primeiro hospital, fora dos Estados Unidos, a ser acreditado pela Joint Comission International. Além disso, possui certificação ISO 14000 e ISO 9001, bem como Magnet (certificação relativa à parte de enfermagem do hospital) e OHSAS 18000. Há ainda certificações específicas para determinadas áreas do hospital, como o banco de sangue, por exemplo. 106 4.4.2 A Gestão de Estoques no Hospital DELTA Além de toda a complexidade normal da gestão de estoques em hospitais, o Hospital DELTA ainda enfrenta questões relativas a seu tamanho. O número de pontos de entrega de produtos é muito grande, se contarmos, além dos 600 leitos, todos os insumos que são utilizados em outras operações, como exames, por exemplo. O hospital mantém cerca de 8.000 itens diferentes padronizados em estoque. Outros 80.000 rótulos são considerados não-padronizados, mas são usados com alguma freqüência pelo hospital. Esses últimos, entretanto, não ficam estocados e são solicitados somente quando necessários, principalmente para a realização de alguma cirurgia. Uma dificuldade encontrada em relação à padronização no hospital vem do fato de o corpo de médicos ser aberto e não formado por funcionários do hospital. Desta forma, perde-se a possibilidade de se estabelecer todos os protocolos, determinando quais produtos serão utilizados em cada caso. Isso ocorre porque cada médico tem preferência por um determinado produto, impedindo que se crie protocolos estabelecendo que produtos serão utilizados em cada procedimento. O hospital não calcula quanto do seu orçamento é direcionado para a gestão de estoques, nem que parcela os estoques representam de todos os ativos do hospital e não pôde divulgar os valores que são gastos nesta atividade. No entanto, acredita-se que seus principais gastos sejam com mão-de-obra e manutenção de equipamentos, ficando os estoques em segundo plano. A gestão de estoques no Hospital DELTA é de responsabilidade da Diretoria de Suprimentos e Logística. Ela é dividida em três áreas: Gestão de Contratos; Área de Compras; e Planejamento e Demanda. Cada uma delas possui atribuições bem definidas. As tarefas da Área de Compras são ligadas aos parâmetros comerciais, como entrevistar fornecedores, negociar preços, condições de pagamentos. A área de Planejamento e Demanda é responsável, por exemplo, pela previsão de consumo dos produtos. 107 4.4.3 O Dimensionamento dos Estoques O Hospital DELTA considera como custos de estoque apenas o custo e aquisição dos produtos. Algum cálculo de custo de armazenagem é feito, porém sem muita freqüência. De tempos em tempo, é feita uma análise comparativa do custo de se manter um armazém próprio ou alugar um espaço para isso. A forma que o hospital utiliza para calcular algo que ele considera como custo de oportunidade é, na hora em que se avalia a possibilidade de inclusão de algum procedimento, calcular se a inclusão em estoque dos insumos necessários para isso será compensada pelo ganho com a realização do novo procedimento. Outro custo calculado é o custo da obsolescência. Ele inclui tanto itens que estão tecnologicamente obsoletos e em excesso no estoque, quanto produtos que passaram do prazo de validade e ainda aqueles que foram danificados pelo manuseio. Este índice costuma ficar em menos de 0,3% do valor total dos estoques. Em relação à perda de validade dos produtos, o hospital sofre com uma determinação da Anvisa que reduz o prazo de validade dos medicamentos fracionados a um quarto do original. Essa medida é considerada, pelo hospital, como sendo demasiadamente dura e desnecessária, porém ela precisa ser cumprida, aumentando o desafio de se ter poucas perdas por obsolescência. O hospital procura manter, em média, 25 dias de cobertura de estoque. Esse número foi determinado através da comparação com outras empresas de diversos segmentos (não somente hospitais), como sendo um número que deixa o hospital com bem menos estoque que a maioria. Para a previsão de consumo, se observa os ciclos dos dois últimos anos, com exceção dos itens que tenham sido cadastrados mais recentemente. A partir dessa base, um sistema MRP faz previsões seguindo uma série de cerca de 20 modelos estocásticos, como o da média móvel ponderada ou o de regressão linear. Exemplos de parâmetros usados nesses modelos são o tamanho da série histórica existente para cada item e o tempo de ressuprimento de seu fornecedor. Esses parâmetros foram determinados quando o hospital começou a usar o sistema e raramente são alterados. 108 Depois, realiza o cálculo do R quadrático para observar qual modelo possui melhor adequação à serie. Ele gera, então uma projeção das quantidades que devem ser pedidas e das datas em que essas compras devem ser realizadas. Eventualmente, se existe algum programa especial em andamento no hospital, uma epidemia de determinada doença, ou alguma nova unidade sendo inaugurada, alguns acertos manuais podem ser feitos em cima da programação gerada pelo sistema. Depois de determinada a previsão, ela é enviada para os fornecedores, com horizontes que variam de dois a seis meses. A precisão do histórico de consumo é garantida pelo fato de que todos os procedimentos do hospital são computados no sistema ERP em tempo real. O sistema foi implementado em 2005, de forma que o hospital possui, com precisão, o histórico dos últimos 6 anos. Para buscar a melhoria contínua nesse processo de previsão, o hospital mede os erros da previsão através da comparação do consumo planejado com o real. O hospital nota que existe alguma sazonalidade, principalmente no que se refere a procedimentos cirúrgicos, que costumam ocorrer mais no inverno. O próprio modelo de previsão de demanda já leva esse comportamento em consideração. No entanto, não se preocupa muito em entender as sazonalidades de doença porque pensa que de qualquer forma não será capaz de prever quais serão os insumos necessários em cada caso. Já a sazonalidade da oferta é bastante sentida, principalmente a redução da oferta de certos itens no final do ano, quando alguns fornecedores entram em férias coletivas. Para responder a isso, nos meses de novembro e dezembro, o hospital costuma antecipar alguns pedidos. A segmentação de estoques nos Hospital DELTA, para fins de planejamento, é diferente para medicamentos e materiais. De forma geral, utiliza-se como critérios os valores dos produtos e a criticidade que representam. Os medicamentos são segmentados em curva ABC. Essa curva é determinada, inicialmente pelo valor dos itens, porém, como o objetivo é que se tenha menos cobertura de estoque para produtos do nível A, produtos muito críticos nunca são colocados nessa categoria. O hospital busca manter 7 dias de estoque para medicamentos classificados como A, 15 dias para itens B e 60 dias para medicamentos C. No entanto, essa regra pode sofrer variações dependendo de outros fatores, como o lead time dos fornecedores, por 109 exemplo. O planejamento de demanda dos itens A é feito e enviado aos fornecedores semanalmente, dos itens B quinzenalmente e dos itens C mensalmente. No entanto, como as previsões são enviadas aos fornecedores com horizontes de tempo bem maiores que as freqüências em que são rodadas, nem sempre é possível atualizar os pedidos. Por exemplo, itens que envolvem processos produtivos não podem ter seus pedidos alterados semanalmente. Alguns fornecedores não trabalham com a programação de consumo do hospital, preferindo fazer suas próprias previsões. Nesses casos o contrato prevê o cumprimento de determinado nível de serviço. Os materiais são segmentados segundo outra classificação criada por uma organização chamada UNSPSC (United Nations Standard Products and Services Code). Essa classificação vale não só para itens hospitalares, como para outros produtos, o que acaba beneficiando o hospital, uma vez que ela engloba itens de hotelaria, enxoval e outros materiais não hospitalares que também são utilizados. Na gestão dos armazéns, utiliza-se ainda curvas de popularidade de itens. De acordo com a freqüência com que ele é movimentado em estoque, ele pode ficar em posições mais próximas ou mais afastadas da entrada do armazém. Para fins de estudos, os medicamentos também são agrupados de acordo com o princípio ativo e os materiais são separados de acordo com a especialidade que tratam (como cardiologia e neurologia, por exemplo). Esse agrupamento por principio ativo também é útil para que os farmacêuticos possam sugerir que os médicos utilizem determinado produto em caso de falta de outro com o mesmo principio ativo. Há ainda a possibilidade de se observar melhor variações de preços a partir do agrupamento por tipos de produtos. Estima-se que o estoque de segurança do hospital fique em cerca de 40% do valor total dos estoques. Para definir os estoques de segurança, o hospital observa o mapeamento dos lead times de cada fornecedor, a criticidade do item, seu custo de aquisição e o custo de sua obsolescência. Além do lead time, é importante observar também a confiabilidade da entrega dos fornecedores. Quando o estoque de segurança é utilizado por causa de atrasos dos fornecedores, o hospital tenta passar esse custo para o próprio fornecedor, exigindo dele um prazo de pagamento maior. Esse processo faz com que o indicador logístico pareça ruim, porém 110 há uma compensação na melhoria do indicador de compras por causa do maior prazo de pagamento conseguido. Os estoques do hospital ficam separados em diversos pontos. Existem dois depósitos primários, e diversos estoques secundários nas farmácias satélites, que atendem a áreas específicas do hospital. Um dos depósitos primário fica ao lado do hospital, porém ele apresenta limitação de espaço, de forma que os produtos nele armazenados são os de menor volume, como medicamentos. Os materiais que ocupam mais espaço ficam armazenados em um depósito a poucos quilômetros do hospital. Há ainda que se considerar os produtos que estão sendo tratados dentro do hospital, como os medicamentos que estão sendo fracionados. Nesse sentido é possível considerar as máquinas de fracionamento como pontos de estoque também. Ao todo são 30 pontos de estoque, contando as farmácias satélite e 22 máquinas. Para quase todos os itens, o hospital possui contratos de fornecimento, em que fica estabelecido o preço e o prazo de pagamento que o hospital vai ter para pagar determinado item. Eles costumam ter vigência de um ano, porém, em alguns casos, os fornecedores preferem fazer contratos que se encerrem depois que certa quantidade foi consumida. Nos casos de fornecedores com contrato, a cada vez que o sistema gera uma nova previsão de consumo, os fornecedores são atualizados com informações sobre quando e quanto entregar. Em alguns casos, isso se dá através de um portal que o hospital disponibiliza para seus fornecedores. Com isso, nesses casos, a área de Compras praticamente só precisa atuar uma vez por ano para decidir se renova os contratos e fazer possíveis ajustes de parâmetros. Ela também será acionada se as mudanças nas previsões surpreenderem os fornecedores e esses forem incapazes de atender à demanda do hospital, obrigando-o a comprar de outro. Nos poucos casos de produtos sem contrato de fornecimento, quando o sistema observa necessidade de que eles sejam comprados, marca-os como pendentes no sistema, até que os funcionários da área de Compras realizem a compra. Algumas vezes são feitas cotações utilizando o portal de compras Bionexo. Outros itens possuem contratos de venda por consignação. Nesse caso, o hospital utiliza o modelo de ponto de reposição para gerir os estoques. É estabelecido um nível mínimo 111 e um máximo de estoque para cada produto. Quando se atinge o mínimo, um pedido de reposição é feito junto ao fornecedor. O lead time dos fornecedores do Hospital DELTA, com exceção de produtos importados, costuma ser de até duas semanas. No entanto, para a maioria dos casos, o cálculo do lead time é feito levando em consideração apenas o tempo de transporte do distribuidor até o hospital. O principal problema que o hospital encontra quanto ao lead time dos fornecedores é, logicamente, com os itens importados. Não só o tempo de deslocamento do produto é longo, como toda a burocracia envolvida nesse processo torna a entrega ainda mais demorada. Isso é agravado pela ineficiência alfandegária do Brasil que torna não atrativa para empresas estrangeiras a realização de operações no país. Por isso, na maioria das vezes, essas entregas são feitas por distribuidores que, muitas vezes, não possuem a estrutura adequada para fazê-las. Nesses casos não costuma haver muita opção, uma vez que a maioria desses distribuidores possui exclusividade na comercialização daqueles produtos no Brasil. No entanto, apesar de os fornecedores de produtos não importados possuírem um lead time menor, nem sempre eles o cumprem. O hospital mede a freqüência de atrasos de cada fornecedor e encontra vários problemas com isso. Nesses casos, os fornecedores são procurados para dar explicações. 4.4.4 O Controle dos Estoques Diariamente é feito um controle de nível de serviço, que mede quantas faltas de produto ocorreram no atendimento aos pacientes. Nele se observa se houve alguma falta no dia anterior para que mais produtos sejam pedidos, evitando que isso volte a acontecer. Além disso, analisa-se se o estoque é suficiente para cobrir o tempo de entrega de tudo que já foi pedido. Como essas análises são feitas para todos os itens com a mesma freqüência, as chances de ruptura de produtos dos níveis B e C são muito pequenas. Nesse processo é medido o giro dos estoques, que costuma ficar em cerca de 14 dias. 112 Para ajudar a evitar perdas com obsolescência, observa-se produtos que estejam há mais de seis meses sem serem pedidos. Esses são chamados itens de lenta movimentação. O objetivo com esse cálculo é identificar produtos que tenham sido pedidos em excesso em determinado momento e que não estejam sendo muito utilizados, correndo risco de ficarem obsoletos. Para isso, escolheu-se arbitrariamente esse período de seis meses para a medição. Além disso, frequentemente é emitido um relatório que mostra a validade dos produtos. Quando nele são observados itens com prazo de validade menor que um mês, esses produtos são recolhidos e trocados por novos. Esses produtos recolhidos são somados na conta do custo da obsolescência. O controle de todas as movimentações de estoque realizadas no hospital (cerca de 1 milhão por mês) é feito através de um ERP. Todos os processos do hospital estão englobados nesse controle. Um exemplo disso é que a conta de um paciente só pode ser fechada depois que se concluem todos os lançamentos relacionados a ele. Isso busca garantir que as baixas no estoque sejam computadas em tempo real. Todo o processo que envolve a gestão de estoques do Hospital DELTA funciona da seguinte forma (como mostram as figuras 4.4.1 e 4.4.2): primeiro a área de Planejamento gera o MRP com as previsões de demanda do hospital. Isso gera uma requisição de compra ou de remessa (para o caso de produtos com contrato de ressuprimento). O fornecedor recebe o pedido e faz a entrega nos dois armazéns, dependendo do produto. O responsável pelo recebimento deve, então, confrontar a nota fiscal com o pedido feito, fazendo um pré-lançamento da nota. Depois, outra pessoa faz a inspeção da carga, verificando se tudo que está na nota fiscal realmente foi entregue e se os produtos estão em bom estado e com um prazo de validade razoável. Essa parte do processo é chamada conferencia cega, uma vez que a pessoa que a realiza não vê a nota fiscal até que tenha quantificado e qualificado tudo que foi entregue. Enquanto confere tudo que foi recebido, essa pessoa coloca no sistema informações sobre os produtos através de um PDA, um mini computador de mão. Esses dados precisam ser colocados no sistema manualmente porque as informações sobre lote e validade não estão contidas nos códigos de barra dos produtos. Alguns itens, que possuem controle de lote, são etiquetados, posteriormente com códigos de barra que informam o número do lote e a 113 validade. Essa etiquetagem também traz outras vantagens além do controle de lote. Com ela, passa a ser possívell controlar eletronicamente quais produtos estão sendo utilizados por cada paciente, reduzindo a chance de erros. Após a conferência cega, uma outra área faz o input das informações fiscais no sistema. O material recebido, então, é armazenado. Os armazéns são dotados de um sistema eletrônico que indica as posições que os produtos devem ocupar, de forma a otimizar o tempo de picking (que é feito de forma manual). Assim, a qualquer momento é possível ver no sistema a posição exata que cada item ocupa. Os produtos produtos que ficam armazenados no depósito mais distante do hospital são recebidos no próprio depósito e só são levados para o hospital em pequenas quantidades quando demandados. Figura 2:: Fluxograma do Hospital DELTA até o Armazenamento (fonte: do autor) As farmácias periféricas são atendidas com freqüências diferentes de acordo com as áreas a que elas servem. Todas as vezes que algum produto é usado pelas farmácias, isso é computado no sistema. Quando chega o momento da colocação colocação do pedido, o próprio sistema, através de um modelo de previsão de demanda que observa tanto o 114 histórico quanto os procedimentos agendados para aquela área, gera uma sugestão de pedido que pode ser editado pelo responsável pela farmácia. Algumas áreas áre com limitações físicas podem também optar por utilizar o método de ponto de ressuprimento, podendo também editar pedidos específicos. Esses pedidos das farmácias ficam, então, computados no sistema e são observados quando se acionam os pickings para transferência. nsferência. Nesse ponto, é medido o nível de serviço. Caso uma farmácia faça um pedido muito grande, o operador dos estoques pode enviar uma quantidade menor que a que foi pedida. Se o pedido inteiro for enviado e depois faltar produtos para um outro setor,, aquele que pediu demais será acionado e terá que dar explicações. Se realmente houver uma justificativa, como um surto de alguma doença, por exemplo, isso será contabilizado na próximo planejamento. Figura 3: Fluxograma do Hospital DELTA até o Armazenamento (fonte: do autor) Para coordenar as ações e o controle dentro do hospital, foram implementados vários módulos do sistema SAP em 2005, como o módulo WN para gestão de armazéns, por exemplo. O hospital pensou em fazer a integração integração desse sistema com os sistemas de 115 seus fornecedores contratados, porém isso só seria viável para aqueles que também possuíssem sistemas SAP. Nos outros casos, o investimento teria que ser muito grande. Por isso, optou-se por criar um portal, gerido por terceiros, a que os fornecedores tivessem acesso às informações sobre as necessidades do hospital. Os fornecedores têm, ainda, a opção de fazer a integração desse portal com seus sistemas, para que recebam essas informações automaticamente. 4.4.5 Melhorias Planejadas O hospital busca a melhoria contínua na área da gestão de estoques. Isso é feito com a constante comparação de seus indicadores (como cobertura de estoques e nível de serviço) com instituições de referência no assunto. No entanto, considera-se complicada a comparação com outros hospitais brasileiros, uma vez que eles raramente medem tais indicadores. Para contornar essa situação, utiliza-se a comparação com outras empresas de forma geral, através de entidades que possuam os indicadores de várias delas, como a Supply Chain Score Card. Essa entidade apresenta indicadores multi-setoriais de empresas, principalmente americanas. Essa comparação é feita para que se possa saber em que área há mais possibilidades de melhoria para o hospital. Em alguns indicadores, o hospital já se encontra em uma posição favorável nessa comparação, como a cobertura de estoques. Em outras, como o nível de serviço, ele ainda está um pouco atrás e é nesses que o hospital foca seus esforços de melhoria. No caso específico do nível de serviço, o hospital ainda está buscando chegar a uma condição de paridade com essas outras empresas usadas na comparação. No entanto, ele considera que, por ser um hospital, possui mais facilidade de substituir eventuais produtos faltantes que empresas de outros segmentos. Uma mudança interessante que deve acontecer em alguns meses diz respeito à rastreabilidade dos pedidos colocados junto aos fornecedores. Como terão que alterar alguns processos por causa da implementação da nota fiscal eletrônica, o hospital vai aproveitar para desenvolver um método de aviso de embarque quando o pedido sair do 116 depósito do fornecedor. Atualmente não se tem nenhum controle sobre o status do pedido. Outra vantagem que a nota fiscal eletrônica trará é a possibilidade de se conferir a nota com o que foi pedido antes mesmo da entrega do mesmo. Isso irá agilizar o processo pois uma vez que o pedido for entregue, só será necessário conferir o que chegou com a nota, sem precisar se preocupar se aquilo foi realmente pedido. Outra mudança já está sendo implementada. O hospital solicitou que seus fornecedores passem a utilizar um padrão internacional de código de barras para o setor de saúde que já contenham informações sobre o lote e a validade de cada produto, facilitando o input de dados sobre os itens recebidos no sistema do hospital, e evitando que o hospital tenha que imprimir etiquetas com o número do lote, para aqueles produtos que possuem controle de lote. Além de acelerar o processo de conferência na hora do recebimento, essa mudança evita erros de digitação e de colocação das etiquetas nos itens errados. Isso só não foi totalmente implantado ainda porque os fornecedores estão resistindo muito em passar para esse novo modelo de código de barras. Para se adequar às novas certificações que o hospital planeja conseguir, algumas modificações terão que ser feitas, principalmente no que tange as condições de trabalho dos funcionários, principalmente dos armazéns. Para as certificações anteriores, algumas adaptações também precisaram ser feitas. A mais relevante para a área de Suprimentos foi a inclusão de carrinhos com produtos de emergência que devem ficar espalhados pelo hospital. Essa mudança impactou bastante no giro dos estoques e na quantidade de produtos obsoletos, uma vez que esses itens quase nunca são utilizados. 117 5 ANÁLISE DOS CASOS Este capítulo tem por objetivo comparar os casos pesquisados entre si e com a literatura estudada sobre o assunto, explicitando semelhanças e diferenças. 5.1 ASPECTOS GERAIS Os quatro hospitais apresentam características bastante variadas. Há diferenças significativas entre eles em relação ao número de leitos, acreditações e até na forma de administração, uma vez que um dos hospitais estudados pertence ao governo. Essas diferenças enriquecem o trabalho, uma vez que este não fica preso a um mesmo tipo de empresa. O quadro a seguir mostra algumas dessas diferenças. Característica Instituto ALFA Hospital BETA Hospital GAMA Hospital DELTA Forma de administração Público Privado Privado Privado Especialização Câncer Hospital Geral Hospital Geral Hospital Geral Localização Rio de Janeiro Rio de Janeiro São Paulo São Paulo Número de leitos 420 184 310 620 Ano de fundação 1938 1937 1955 1955 Número de cirurgias por ano 8.500 7.800 18.000 40.000 ONA Joint Comission International, ISO 14000, ISO 9001, Magnet, OHSAS 18000 Acreditações Joint Comission International Nenhuma Quadro 2: Comparação de Aspectos Gerais entre os Hospitais 118 5.2 REPRESENTATIVIDADE DA GESTÃO DE ESTOQUES DENTRO DOS HOSPITAIS Pode-se ter uma ideia aproximada da importância da gestão de estoques para os hospitais através da observação do percentual que os gastos com estoque representam em outros indicadores do hospital, como orçamento total, custo operacional e faturamento. De acordo com Duclos (1993) e Wanke (2004), nos Estados Unidos, na Europa e no Sudeste Asiático, o gasto médio com estoques de medicamentos representa de 35% a 50% dos custos operacionais e entre 16% e 28% do orçamento de um hospital com mais de cinquenta leitos. No Instituto ALFA, os números relativos ao custo operacional não são medidos, porém, sabe-se que o montante investido em estoques equivale a 18% de seu faturamento. Considerando que um hospital público (que não visa o lucro) tenha um faturamento bastante parecido com seu orçamento, esse número está compatível com o previsto na literatura. No caso do Instituto ALFA, esse valor representa cerca de 50 milhões de reais em estoques. No Hospital BETA, essa proporção não pode ser calculada pela área responsável pela Gestão de Estoques porque ela não tem acesso a informações como faturamento ou orçamento total do hospital. O Hospital DELTA não calcula quanto do seu orçamento é direcionado para a gestão de estoques, nem que parcela os estoques representam de todos os ativos do hospital e não pôde divulgar os valores que são gastos nesta atividade. Já o Hospital GAMA calcula a proporção dos gastos com estoques em relação ao orçamento total (45%) e ao faturamento (20%). Isso mostra que os gastos com estoques neste hospital estão proporcionalmente mais altos que o que a literatura sugere como sendo a média. O quadro a seguir compara os quatro hospitais em termos dos dados por eles fornecidos sobre seus gastos com estoques: 119 Característica % de estoques no faturamento Valor total em estoques % de estoques no orçamento Instituto ALFA Hospital BETA Hospital GAMA Hospital DELTA 18% - 20% - R$ 50 mihões - - - - - 45% - Quadro 3: Dados sobre gastos com estoques Além dos números, há outros fatores que demonstram a importância da gestão de estoques para os hospitais. Exemplos deles são seu papel para o nível de serviço e para a proteção contra incertezas (BAKER, 2007). A maioria dos hospitais entrevistados mostrou conhecer e se importar bastante com a relação entre estoques e nível de serviço. Ela fica clara ao analisarmos o Hospital BETA, que possui o menor reconhecimento por nível de serviço prestado entre os quatro e também a gestão de estoques com pior estrutura. Não cabe aqui dizer que esta seja a única razão para o nível de serviço inferior aos outros, porém fica claro que essas duas questões caminham juntas. Outra forma de observar a relevância da gestão de estoques é analisar sua integração com outras áreas. Silver (1981) menciona o envolvimento deste tema com outras áreas do conhecimento, no campo da academia, porém é possível observar a integração com outras áreas da administração dentro dos hospitais. Áreas como a de compras ou financeira costumam se preocupar bastante com a gestão de estoques, e como mencionado anteriormente, há relações estritas, inclusive com as áreas mais diretamente ligadas ao tratamento dos pacientes. 5.3 DIMENSIONAMENTO DOS ESTOQUES 5.3.1 Custos de Estoque Baker (2007) ressalta ainda outro indicador da importância dos estoques para os hospitais, seu papel na contabilidade de custos. No entanto, essa questão parece não ter impactado os hospitais visitados neste trabalho. Em nenhum deles, o cálculo do custo da gestão de estoques é feito como deveria. 120 Diversos autores, como Ching (2007) e Gonçalves e Schwember (1979), escreveram sobre a composição dos custos de estoque. Nela estariam presentes, por exemplo, o custo de aquisição dos itens, o custo de oportunidade do capital e o custo de colocação dos pedidos de compras. No entanto, essa prática de calcular os custos de estoque como sendo a soma de diversos outros custos não foi observada nos hospitais estudados. Em todos os quatro hospitais entrevistados, o custo de estoques é calculado apenas levando-se em consideração o custo de aquisição dos itens. Isso representa um grande erro no dimensionamento dos estoques, uma vez que negligencia gastos que podem ser significativos. O único hospital que mostrou se importar com outro tipo de custo além do custo de aquisição dos produtos foi o DELTA. De tempos em tempos, realiza-se um estudo para avaliar se continua sendo vantajoso manter um armazém próprio ou se seria melhor alugar o espaço. Além disso, calcula também uma espécie de custo de oportunidade, em que ao começar a realizar um procedimento novo, calcula-se se os custos de acrescentar os novos insumos são compensados pelos ganhos em realizar tal procedimento. Além desses custos, outras duas classificações aparecem recorrentemente na literatura (APTEL; POURJALALI, 2001; BEIER, 1995): o custo da falta e o custo do excesso. A ideia de custo da falta está presente em todos os hospitais visitados, no entanto, nenhum deles realiza um cálculo de quanto seria esse custo. Isso é compreensível, principalmente em um hospitais, onde há um número muito grande de itens críticos que impactam em algo tão imensurável quanto a saúde das pessoas (BEIER, 1995). Já o custo de excesso, só é calculado por estes hospitais quando algum item precisa ser descartado por obsolescência, nenhum deles calcula quanto poderia ser economizado com a manutenção de menos estoques. É interessante notar que mesmo só levando em consideração os custos de aquisição dos produtos, os hospitais visitados que disponibilizaram os dados (ALFA e GAMA) possuem uma proporção de gastos com estoque relativos ao orçamento total dentro ou acima da média observada na literatura. Este comportamento pode ser explicado por Aptel e Pourjalali (2001), segundo eles, se deve ao fato de que os hospitais geralmente enxergam o custo da falta como sendo sempre superior ao custo de excesso. Ainda mais 121 se considerarmos que, diferentemente de outras empresas, não se pode atrasar a demanda, ou seja, a quando falta um produto, não se pode pedir que o paciente espere para recebê-lo depois (MUSTAFFA; POTTER, 2009). Essa parece realmente ser a visão destes dois hospitais, sobretudo o ALFA. 5.3.2 Previsão de Consumo De acordo com Dias (1999), a importância da previsão de consumo está no seu papel crucial para a racionalização de recursos e para o planejamento do nível de serviço. Todos os hospitais entrevistaram parecem estar de acordo com essa visão e consideram a previsão de consumo muito importante, dando real atenção a ela, considerando-a o ponto de partida para o dimensionamento dos estoques, o que está intimamente relacionado à racionalização de recursos e ao planejamento do nível de serviço. No entanto, todos os hospitais, relataram grandes dificuldades em relação à previsão de consumo, a única exceção foi o Hospital DELTA, que se mostra bastante confiante com seu robusto modelo de previsão. Os outros três reclamaram da baixa previsibilidade do setor em relação a quantos pacientes irão receber e, especialmente, aos produtos de que eles irão necessitar. Essa dificuldade de previsão do mix de pacientes é relatada também na literatura, por Jarret (1998). Ela pode ser agravada pela dificuldade na previsão da duração da estadia de cada paciente no hospital, mencionada por Van Merode et al. (2004) e ainda pela dificuldade de realizar determinados diagnósticos (BURN, 2001). Alguns autores, como McKone-Sweet et al. (2005) sugerem, então, que o melhor a fazer seja trabalhar com dados confiáveis sobre as atividades passadas e futuras do hospital. Todos os quatro hospitais visitados trabalham com dados relativos a seus históricos de consumo e todos eles acreditam que esses dados sejam confiáveis. Além do histórico, o Instituto ALFA também observa possíveis mudanças estruturais que estejam programadas. Já o Hospital GAMA incorpora sua programação de cirurgias na previsão de consumo. Os outros dois utilizam apenas o histórico de consumo. 122 Apesar de todos observarem o histórico para fazerem suas previsões de consumo, eles o fazem observando horizontes diferentes de histórico. Os horizontes observados variam bastante, indo de três meses (no Hospital BETA) a dois anos (no Hospital DELTA). Os horizontes mais longos são mais vantajosos, pois permitem análises mais profundas, mesmo que se dê mais atenção aos meses mais recentes. No entanto, é importante ressaltar que esses dados precisam ser confiáveis para gerarem os resultados esperados, como dizem McKone-Sweet et al. (2005). A maioria deles utiliza esses históricos observando médias. No entanto, o Hospital DELTA realiza diversos cálculos diferentes a partir do histórico consumo para chegar ao modelo estocástico que melhor se aplica à previsão de demanda. Isso possibilita uma previsão mais acurada, uma vez que a previsão através da média é um dos modelos testados e se ele estiver mais perto do real, passará a ser utilizado, porém a muitos outros que podem se provar melhores que este mais simples. Nenhum dos hospitais pesquisados caiu no erro descrito por Duclos (2003) de tentar prever possíveis desastres e tentar se prevenir deles através da manutenção de mais estoque. Essa preocupação em prever situações muito atípicas não foi relatada por nenhum dos entrevistados. 5.3.3 Sazonalidade Todos os hospitais visitados disseram perceber alguma sazonalidade no consumo de seus produtos. No entanto, apenas o Hospital DELTA possui esse fator em seu modelo de previsão de consumo. Os outros três acabam variando suas compras de acordo com a sazonalidade apenas com o conhecimento tácito de quem faz as compras ou a previsão de consumo, sem que isso seja feito formalmente. Os Hospitais GAMA e DELTA disseram perceber aumento de cirurgias na época do inverno, aumentando a necessidade de material cirúrgico. Neste mesmo período o Instituto ALFA nota um aumento nos casos de gripe, precisando de mais antibióticos. Já o Hospital BETA diz atender mais casos de dengue no verão, o que demanda mais soro. 123 Outros tipos de sazonalidade também são sentidos por esses hospitais. O Instituto ALFA, por ser um órgão público, sofre com a sazonalidade de seu orçamento. No começo do ano, seu orçamento costuma ser reduzido por causa de atrasos em sua aprovação no Congresso Nacional. Já os Hospitais GAMA e BETA dizem ter problemas com sazonalidade de fornecimento. Nos meses de dezembro e janeiro costuma faltar produtos por causa das férias coletivas dadas aos funcionários de muitos laboratórios, o que reduz a produção nesse período. Isso exige um planejamento mais bem feito pelos hospitais que sofrem com esses problemas e precisam se programar para que não sejam pegos desprevenidos com faltas durantes os períodos em que a produção é reduzida. Uma vez que a sazonalidade é sentida, ela deveria ser medida para que pudesse ser tratada formalmente na previsão de consumo, tentando ao máximo evitar surpresas. Na literatura é possível encontrar casos de melhorias reais que aconteceram no planejamento dos hospitais quando estes passaram a adotar a observação de padrões sazonais na sua demanda, como o retratado por Crighton et al. (2005). Portanto, depender apenas do conhecimento tácito dos funcionários do hospital para cuidar disso é arriscado e desnecessário, uma vez que todos os hospitais estudados possuem dados sobre o consumo passado e, portanto, são capazes de medir os efeitos da sazonalidade de forma relativamente acurada. 5.3.4 Segmentação de Estoques Existem várias formas de classificar os estoques para que estes possam receber tratamentos diferentes. A mais clássica delas é a classificação ABC, porém existem algumas adaptações a ela, além de formas de classificação bem diferentes, como a UNSPSC. Nos casos estudados, pôde-se observar que esse recurso realmente é utilizado na prática. Todos os hospitais visitados praticam classificação ABC. No entanto, eles não utilizam apenas o critério clássico de valor do consumo dos produtos para segmentar seus estoques. Esses critérios variam um pouco de hospital para hospital, mas muitos deles 124 aparecem na literatura como fatores que dêem ser observados para a segmentação. Na tabela abaixo encontra-se um resumo dos critérios utilizados por cada hospital e dos autores que os citam. Critério Instituto ALFA Valor do item X Volume ocupado X Volume de consumo X Prazo de validade X Necessidade de cuidados especiais X Criticidade Hospital BETA Hospital GAMA x X Hospital DELTA x X Autores Danas et al. (2006) e Wanke (2004) Danas et al. (2006) e Wanke (2004) Danas et al. (2006) Danas et al. (2006) e Wanke (2004) Danas et al. (2006) x x Danas et al. (2006) e Wanke (2004) Quadro 44: Comparação de Critérios para Segmentação No entanto, alguns critérios mencionados por esses autores não são utilizados por nenhum dos hospitais, como a quantidade de fornecedores (DANAS et al., 2006; WANKE, 2004) e o lead time (DANAS et al., 2006), além de consumo sazonal e gasto com ressuprimento (WANKE, 2004). A finalidade dessa classificação também pode variar. No Instituto ALFA, ela é feita para determinar níveis mínimos e máximos diferentes para cada grupo de produtos. Nos Hospitais BETA e DELTA, cada segmento de produtos tem seus pedidos feitos com uma freqüência diferente e para um horizonte de tempo diferente. Já o Hospital GAMA usa a classificação ABC para determinar a quantidade de estoque que terá de cada grupo de itens. No entanto, de forma geral, todos parecem fazer bom uso deste recurso. 125 O Hospital DELTA utiliza essa classificação apenas para medicamentos. Os materiais são segmentados de acordo com a classificação UNSPSC. 5.3.5 Dimensionamento dos Pedidos de Compras Existem dois modelos de dimensionamento de pedidos que são bastante difundidos na literatura. Um deles é o modelo de Lote Econômico (LEC). O outro modelo é o de Nível de Reposição (NR). Apesar das vantagens de se utilizar o LEC citadas por Beier (1995) – poucas barreiras ao uso e potencial redução de estoques – nenhum dos hospitais demonstrou interesse em utilizar este modelo. A explicação pode estar na própria literatura. Uma das principais dificuldades relatadas pelos hospitais entrevistados para o dimensionamento de seus estoques é a baixa previsibilidade da demanda, o que de acordo com Beier (1995) atrapalha o uso do LEC. A necessidade de espaço para armazenagem, mencionada por Pan e Pokharel (2007), não é um problema para todos os hospitais, sendo um fator crítico apenas para o Hospital BETA. Estes autores comentam ainda a grande quantidade de mão-de-obra requerida pelo LEC, esse sim, podendo ser um problema maior para os hospitais enrevistados. Na prática,o que se observou nos hospitais visitados é a utilização de uma mistura de modelos. O Instituto ALFA utiliza um método parecido com o Nível de Reposição, em que determina níveis mínimos e máximos para seus estoques. Como no modelo de Nível de Reposição, os pedidos são colocados de forma a completar o máximo estabelecido. Esses níveis são determinados em dias de cobertura, sendo, em grande parte dos casos, o máximo de cinco meses e o mínimo de dois meses. O Hospital BETA se utiliza de um método que também define um máximo que deve ser completado a cada pedido. Esses máximos variam, podendo ser de 17 dias para medicamentos nas curvas A e B até 60 dias para materiais gráficos. No entanto, o que se percebeu neste hospital é que nem sempre os máximos são respeitados. Como a contabilização é feita ao final de cada mês, é comum ficar com mais estoque que o nível determinado como máximo ao longo do mês. Desta forma, os produtos vão sendo 126 consumidos ao longo do tempo de maneira a chegar ao final do mês com estoques dentro do limite estabelecido. No Hospital GAMA, foram estabelecidas metas para as coberturas de estoque que variam de acordo com os grupos de itens (classificação ABC). As compras são feitas sem um padrão fixo, sempre buscando manter os níveis de estoques próximos dessas metas, que são de 10 dias para produtos da categoria A, 15 dias para B e 30 dias para C. No Hospital DELTA, também existem metas para cobertura de estoques de medicamentos. As metas são de 7, 15 e 60 dias para itens A, B e C, respectivamente. Apesar de se assemelharem com o método de Nível de Reposição, esses esquemas utilizados pelos hospitais entrevistados não possuem um nível máximo fixo definido, uma vez que seus máximos ou metas são medidos em dias de cobertura e a previsão de consumo muda de tempos em tempos, fazendo com que a quantidade de itens necessária para determinada cobertura também mude. No entanto, todos os hospitais parecem fazer uso deste modelo em busca de sua grande vantagem, citada por Nicholson et al. (2004): o fato de ele ajudar a evitar stock-outs. É possível observar também que os tempos de cobertura que os hospitais buscam manter são relativamente parecidos entre si, com apenas o Instituto ALFA se diferenciando com relevância. Isso ocorre por se tratar se uma instituição pública, em que todos os processos são mais demorados, com um orçamento fixo, incapaz de gerar lucro e, portanto, sem muita preocupação com redução de custos. Além disso, por possuir um orçamento fixo com uma quantia a ser gasta com medicamentos, materiais e bens de consumo pré-determinada, o Instituto pensa que sempre que houver espaço e que se puder garantir a utilização dos produtos antes de sua data de vencimento, deve-se comprar o máximo possível com antecedência. No entanto, é grande a preocupação do Instituto com as perdas por perecibilidade, por isso a data de validade é um dos limitadores à quantidade pedida. Uma das principais desvantagens deste método é justamente a dificuldade em se calcular a cobertura máxima de estoques que deve servir com o padrão, principalmente em hospitais com pouca estrutura de coleta e armazenagem de dados. No entanto, ele 127 possui uma vantagem significativa em relação ao modelo de Lote Econômico, uma vez que este requer demanda relativamente constante, o que no caso dos hospitais é irreal. 5.3.6 Relação com Fornecedores De acordo com Kumar et al. (2008), os relacionamentos dos hospitais com seus fornecedores devem evoluir no sentido de diminuir o número de fornecedores, estreitar o relacionamento e escolher fornecedores que estejam localizados perto do hospital. Os dois primeiros conselhos destes autores estão sendo seguidos por três dos quatro hospitais visitados. Eles possuem diversos contratos de longo prazo com fornecedores, porém apenas para alguns itens. A exceção é o Instituto ALFA. Por se tratar de um órgão público, seus contratos de fornecimento não podem ser escolhidos livremente, precisam passar por licitação. Um contrato de um ano é assinado com os vencedores e uma nova licitação é feita a cada vez que um contrato está por terminar. Para os produtos mais caros, o Hospital BETA contratos de longo prazo que garantam menores preços. Essa busca costuma ser bem sucedida, principalmente porque esses contratos são firmados em conjunto com os outros hospitais da rede a que o Hospital BETA pertence. De acordo com os funcionários do hospital responsáveis pelas compras do hospital, a mobilização necessária para se fazer um contrato é muito custosa e, portanto, não compensa fazê-los para itens de baixo custo. Desta maneira, o Hospital BETA utiliza o custo como critério para determinar para quais itens terá contratos de fornecimento e quais serão comprados de forma spot. O Hospital GAMA também é beneficiado com contratos vantajosos por fazer parte de um grupo de hospitais. Na sua visão, esses contratos trazem muitos benefícios e são sempre buscados, principalmente para os itens mais utilizados, ainda que seu custo não seja alto. Os únicos produtos para os quais o Hospital não busca contratos longos são aqueles produtos usados esporadicamente. Já o Hospital DELTA possui contratos para quase todos os produtos que utiliza. 128 O único dos hospitais que segue o terceiro conselho de Kumar et al. (2008) e determina quem será seu fornecedor levando em consideração a proximidade geográfica com o hospital é o GAMA. Essa medida se mostrou altamente vantajosa pelos curtos lead times conseguidos, principalmente em momentos em que é necessários fazer pedidos emergenciais. Os Grupos de Compras, citados por autores como Roark (2005) e Pan e Pokharel (2007) como boas opções para hospitais, se mostraram presentes em dois dos hospitais visitados. Os Hospitais BETA e GAMA fazem parte de grupos de hospitais que compartilham suas centrais de compras. De acordo com eles, os contratos firmados em grupo costumam ser bem mais vantajosos para os hospitais que se fossem negociados individualmente. Sendo assim, percebe-se que as vantagens descritas por estes autores citados acima realmente acontecem (ganhos de escala pela consolidação de compras, diminuição do custo de transporte e descontos por quantidade dados pelos fornecedores). Por causa desta prática, a área que realmente efetua as compras destes hospitais acaba ficando bastante separada daquela que determina as quantidades que devem ser pedidas, apenas seguindo as indicações desta última. No entanto, de acordo com o que foi relatado pelos outros hospitais, as maiores contribuições da área de compras às decisões a cerca de quanto pedir costumam ser relacionadas a descontos por grandes pedidos, isso realmente perde o sentido quando falamos de grupos de compras, quando esses descontos são conseguidos em conjunto com outros hospitais, sem que seja necessário que um único hospital opte por pedir mais do que a quantidade considerada ótima por sua área de Gestão de Estoques para aproveitar tais ofertas. É também interessante observar que todos os hospitais entrevistados, com exceção do Instituto ALFA que precisa de licitações para fazer suas compras, utilizam o mesmo portal eletrônico para fazer compras spot. Este portal se chama Bionexo e nele é possível fazer cotações de praticamente todos os produtos utilizados por hospitais. O Instituto ALFA sofre algumas outras limitações no processo de compra por se tratar de uma instituição pública. Ao contrário dos outros, ele fica impedido, por exemplo, de se ligar aos fornecedores de forma eletrônica para que os pedidos sejam colocados 129 automaticamente. Por isso, o método usado neste processo ainda é via fax. Outro problema para as compras é o fato de não possuir recursos para utilizar quando precisa. É sempre necessário pedir que a verba seja liberada antes de cada uso, fazendo com que as compras sejam mais demoradas que nos hospitais privados. Há ainda a questão da obrigação de se ter apenas um fornecedor para cada produto, por se tratar de compra através de licitação. No entanto, esta prática se mostrou comum mesmo entre os hospitais privados, sem que, na maioria das vezes, haja preocupação em ficar dependente de um único player. Apesar de alguns autores, como Duclos (1993) e Danas et al.(2006), defenderem o uso do sistema Just in Time na área da saúde, nenhum dos hospitais visitados mostrou interesse em utilizar esse método. Outro método presente na literatura (defendido por Mustaffa e Potter (2009), por exemplo) que não encontrou adeptos entre os hospitais visitados é o Vendor-Managed Inventory (VMI). A prática encontrada nesses hospitais (mais precisamente no BETA, no GAMA e no DELTA) que mais se assemelha a esses métodos é a compra de produtos consignados. Nesse método, os fornecedores deixam seus produtos nos hospitais sem que estes paguem por eles. A compra só é efetivada quando eles são realmente utilizados. No entanto, ao contrário do que acontece no VMI, o próprio hospital fica responsável pela gestão desses estoques. Normalmente, os produtos comprados desta forma são aqueles com demanda mais instável. Desta forma, as transferências de responsabilidades do hospital para o fornecedor relatadas por Waller et al. (1999) – decisões sobre quantidades mantidas, pedidas, tempos de resposta e fretes – não ocorrem, ficando a cargo do fornecedor, apenas a garantia de que os produtos presentes no hospital estão com prazo de validade apropriado. 5.3.7 Estoque de Segurança De acordo com Beier (1995) o estoque de segurança costuma ser utilizado como proteção contra incerteza. No caso dos hospitais, em que a incerteza é muito grande, observa-se um nível de estoque de segurança muito alto. Essa desproporção do estoque 130 de segurança realmente foi vista na prática, principalmente no Instituto ALFA. Por utilizar um método de mínimos e máximos, o Instituto não calcula que parte do mínimo considera como estoque de segurança. De qualquer forma, a cobertura mínima a que o Instituto busca chegar é de dois meses, o que em qualquer caso parece ser um número exagerado quando comparamos com os outros hospitais. No entanto, isso é, em parte, explicado pela demora e dificuldade de se colocar pedidos de emergência em uma instituição pública. O objetivo é realmente nunca precisar deles. Isso também pode ser explicado pelos fatores que a literatura diz que devem ser considerados no momento da determinação da quantidade de estoque de segurança a se mater. De acordo com Wanke (2008) e Beier (1995), esses fatores seriam, além da incerteza em relação à demanda, o custo da falta e o custo do excesso. No caso dos hospitais o custo da falta é simplesmente incalculável, podendo ser o custo de uma vida, o que faz com que os estoques de segurança aumentes. Para completar, no caso especifico do Instituto ALFA, por se tratar de uma instituição pública, seus gestores consideram que praticamente não há custo de excesso, uma vez que o dinheiro que recebe precisa obrigatoriamente ser gasto com aquisição de produtos. Há apenas que se tomar cuidado então, para que não aconteça o que Duclos (1993) prevê, ou seja, que não haja perdas por perecibilidade em razão da grande quantidade de estoque de segurança. O Hospital BETA não faz o cálculo de quanto deveria ter em estoque de segurança e nem mesmo o diferencia do restante do estoque. Porém, pode-se dizer que ele é de cerca de três dias, uma vez que se a cobertura baixar disso coloca-se um pedido de emergência. No entanto, não é possível determinar que fatores o levaram a essa escolha. Já o Hospital GAMA escolheu arbitrariamente, com base apenas na experiência do próprio hospital, a cobertura de cinco dias como estoque de segurança. É de se esperar que os fatores mencionados por Wanke (2008) e Beier (1995) estejam subjetivamente presentes neste cálculo. Isso vale para todos os itens. Assim como no Hospital BETA, esse nível de estoque de segurança não parece muito excessivo, dada a realidade dos hospitais. No entanto, de acordo com Danas et al. (2006) os hospitais não estão agindo de forma eficiente ao padronizar a escolha do nível de estoque de segurança para todos os itens. De acordo com ele, com a segmentação de estoques, apenas alguns itens seriam escolhidos para permanecer em estoque de segurança. 131 No Hospital DELTA existem critérios claros para a definição do nível de estoque de segurança, que representa cerca de 40% do total dos estoques do hospital. Os critérios são: lead times de cada fornecedor, a criticidade do item, seu custo de aquisição e o custo de sua obsolescência, além da confiabilidade da entrega dos fornecedores. No entanto, esse cálculo não é feito de forma matemática, formal, apenas aproximada. Essa falta de formalização do cálculo parece comum, de acordo Duclos (1993) porém, segundo Danas et al. 2006) apenas o fato de o Hospital DELTA possuir critérios claros para determinar o nível de estoque de segurança de cada item individualmente já demonstra uma vantagem em relação aos outros, apesar de esses critérios não serem exatamente os mesmos retratados por Wanke (2008) e Beier (1995). 5.3.8 Estoque Centralizado x Descentralizado O que se observou nos quatro hospitais visitados é uma mistura de centralização e descentralização, sem que ela seja, normalmente, separada por tipo de itens. Na maioria dos casos, os produtos são mantidos num armazém central e depois passam para as farmácias periféricas, como descrevem Pan e Pokharel (2007) e Duclos (1993). Apenas em poucos casos há produtos que são recebidos diretamente nos centros de estoque periféricos. Um desses casos ocorre no Instituto ALFA, com produtos inflamáveis. O mesmo acontece com alguns medicamentos específicos para tratamento de doenças raras. O restante fica armazenado por um tempo em um armazém central que fica separado das unidades hospitalares do Instituto. No Hospital BETA, apenas uma parte dos materiais é estocada diretamente em armazéns descentralizados. A outra parte dos materiais e todos os medicamentos são mantidos no armazém central, sendo enviados para as farmácias periféricas somente em pequenas quantidades. Essa prática é bastante parecida com a descrita por Poulin (2003) em que alguns produtos são escolhidos para ficar centralizados e outros descentralizados e parece aproveitar boa parte das vantagens de cada método. No caso 132 do Hospital BETA, essa é ainda uma questão de necessidade, uma vez que ele não dispõe de muito espaço físico para armazenamento de produtos junto aos pontos de uso. O Hospital GAMA possui um armazém central em que mantém todos, sem exceção, os produtos recebidos antes que eles sejam encaminhados para as pequenas farmácias periféricas de cada área do hospital. No Hospital DELTA ocorre algo parecido, a diferença é que ele possui dois depósitos centrais ao invés de apenas um. O menor deles fica dentro do hospital, enquanto o outro, que recebe mais produtos fica a alguns quilômetros de distância. Em ambos os casos, há entregas periódicas às farmáciassatélite do hospital. Apesar de esses hospitais parecerem satisfeitos com esse método por eles utilizado, Aptel e Pourjalali (2001) afirmam que dessa forma, muito estoque é mantido, o que acarreta em custo muito alto. 5.3.9 Compação do Dimensionamento de Estoques entre os Hospitais Estudados O quadro abaixo apresenta uma comparação dos principais aspectos dimensionamento de estoques para os quatro hospitais estudados: Característica Instituto ALFA Hospital BETA Hospital GAMA Hospital DELTA Aquisição e Custos de estoque Aquisição Aquisição Aquisição manutenção do armazém Histórico e Histórico e Histórico Previsão de Mudanças Histórico Programação com modelos Consumo Programadas de Cirurgias estocásticos Dentro dos Sazonalidade Informal Informal Informal modelos estocásticos Dimensionamento Máximos e Máximos e Metas para Metas para de Pedidos Mínimos Mínimos Cobertura Cobertura Muitos Contratos de Contratos de Contratos de Relação com Longo Prazo Longo Prazo Licitação Longo Prazo Fornecedores e Grupos de e Grupos de e Poucos Compras Compras Pedidos spot Estoque de Segurança 2 meses 3 dias 5 dias 40% do total de estoques do 133 Estoque Centralizado X Descentralizado Sistema Misto Sistema Misto Sistema Misto Sistema Misto Quadro 5: Comparação de Características do Dimensionamento de Estoques 5.4 CONTROLE DE ESTOQUE 5.4.1 Revisão Contínua x Intervalo de Revisão De acordo com a literatura, há basicamente duas formas de se fazer o controle dos estoques: determinar intervalos de revisão, ou fazê-la de maneira contínua. Normalmente, o Intervalo de Revisão está associado à realização de pedidos periódicos, enquanto na Revisão Contínua costuma-se determinar um nível de estoques que será o “Ponto de Pedido”, ou seja, quando o estoque chega nesse ponto, um novo pedido é feito. Dentro dos hospitais há dois momentos em que essas revisões são feitas. Um deles é dentro do próprio armazém central, em relação ao que deve ser pedido para os fornecedores. O outro diz respeito ao processo interno do hospital, em que os pontos de armazenamento periféricos realizam pedidos para o depósito central. No Instituto ALFA utiliza-se o método do Intervalo de Revisão (que, de acordo com Duclos (1993), é muito utilizado, principalmente nos processos internos do hospital) nas duas partes do processo. No almoxarifado central, a revisão é feita mensalmente e os pedidos colocados trimestralmente. Já no processo interno, esse período entre os pedidos é de uma ou duas semanas dependendo da Unidade Hospitalar. Esse método é especialmente vantajoso em casos em que o hospital não possui um sistema informatizado eficiente que auxilie no controle dos estoques, uma vez que a revisão é feita apenas em intervalos pré-determinados. Esse não é o caso do Instituto ALFA, que conta com uma plataforma relativamente completa de informações. No entanto, ele também traz a vantagem de ser mais simples e fácil de ser implementado que a revisão contínua e, por isso, costuma ser observado com mais freqüência nos hospitais. Os Hospitais BETA e DELTA também utilizam Intervalos de Revisão para controlar seus estoques. No entanto, esses intervalos são realmente pequenos, acontecendo diariamente. Os pedidos são colocados também em intervalos pré-determinados, que 134 variam de acordo com o segmento ao qual pertencem. No Hospital DELTA há apenas a exceção dos itens consignados, em que se aplica o modelo de revisão contínua com ponto de pedido, em que há um nível mínimo que, quando atingido, leva o hospital a pedir mais produtos ao fornecedor. O ressuprimento interno é feito em intervalos predeterminados que variam de acordo com a área em que a farmácia satélite está localizada. Como pouquíssimos produtos ficam estocados em armazéns periféricos do Hospital BETA, não há um método definido para sua revisão. Essa falta de formalização é bastante arriscada e pouco eficiente, uma vez que sem uma rotina criada, pode ser que faltem produtos nos pontos de uso e que entregas não padronizadas precisem ser feitas a partir da farmácia central, o que, possivelmente acarreta em mais custos. O Hospital GAMA também possui uma rotina de revisão diária, porém seus administradores consideram que essa rotina se assemelha a um esquema de Revisão Contínua. Os pedidos são colocados de acordo com um método de Ponto de Pedido, em que se busca sempre manter o nível mínimo de estoques, considerando o tempo de ressuprimento de cada fornecedor. Contudo, em seu processo interno de abastecimento das farmácias periféricas, o hospital faz entregas periódicas (pelo menos uma vez ao dia) com tudo que foi usado desde o último recebimento daquela área. O hospital deve tomar cuidado, no entanto, com a utilização do Ponto de Pedido, para que não tenha o problema mencionado por Wanke (2004). De acordo com ele, os hospitais possuem dificuldades em calcular qual deve ser este ponto. Para realizar este caçulo, é necessário fazer uma previsão de consumo e a utilização da média do consumo passado como previsão de consumo futuro (como é o caso do Hospital GAMA) pode causar distorções. 5.4.2 Controle de Itens Perecíveis Boa parte dos itens que um hospital precisa manter em estoque é perecível. Esses produtos precisam de ainda mais controle que os outros, uma vez que não podem permanecer armazenados por muito tempo sem que fiquem inutilizáveis. Todos os hospitais entrevistados demonstraram bastante preocupação com as perdas por 135 perecibilidade. No entanto apenas o Instituto ALFA declarou fazer uso de um método formal para evitar estas perdas, apesar de todos declararem estar satisfeitos com o índice de perdas que possuem. O Instituto ALFA realiza um severo controle para evitar perdas por perecibilidade e, como resultado, apresenta um índice de perdas de apenas 0,3% do valor do estoque (mesmo valor que costuma ser encontrado no Hospital DELTA). Esse controle consiste em um forte controle dos prazos e de um sistema de First in First Out (FIFO), cuja eficácia foi provada Nahmias (1982) e Pierskalla e Roach (1972; 1981). Além disso, ele possui acordos com seus fornecedores, previstos nos editais das licitações, em que os mesmos se comprometem a trocar os produtos que chegam perto de sua data crítica. Há ainda a exigência de que só se receba produtos com no mínimo 85% de sua validade plena. Os Hospitais BETA e GAMA também possuem políticas de não aceitar produtos que estejam perto da sua data de expiração. No caso do BETA, o que se exige é que os itens entregues possuam, no mínimo, seis meses de validade, enquanto que no GAMA o prazo mínimo é de um ano, salvo medicamentos que possuam validade total inferior a essa. Esses dois hospitais também elaboram relatórios periódicos sobre todas as perdas em que incorrem por causa da perecibilidade de seus itens em estoque para que se verifique quais produtos são mas afetados por esse problema e para que sejam estudadas medidas específicas para eles de prevenção de perdas. O Hospital DELTA emite relatórios que mostram itens que estejam a menos de um mês de seu prazo final de validade para que sejam recolhidos e não entregues a pacientes. Alguns dos hospitais visitados (ALFA e GAMA) fazem, de alguma forma, o que Danas et al. (2002) sugeriram. Eles eventualmente conseguem produtos emprestados de hospitais vizinhos (no caso do Instituto ALFA, a troca ocorre entre suas unidades hospitalares). No entanto, costumam utilizar esse recurso mais para evitar que falte algum produto para os pacientes que para evitar perdas por perecibilidade. Essas trocas 136 costumam ser esporádicas e, salvo o caso do Instituto ALFA, não se pode dizer que seja um compartilhamento de estoques propriamente dito. Chama a atenção, no entanto, a pouca utilização de métodos formais como o FIFO (explicado por PIERSKALLA; ROACH, 1972 e utilizado pelo Instituto ALFA) e o Last In First Out, descrito por Nahmias (1982). 5.4.3 Consumo Emergencial De acordo com Danas et al. (2002), muitas vezes os hospitais precisam tomar ações imediatas em relação à compra de produtos para salvar vidas. Nesta pesquisa observouse que, não importa o tamanho do estoque mantido pelo hospital, sempre há casos em que é necessário fazer pedidos emergenciais. Apesar de alguns dos hospitais visitados (principalmente o Instituto ALFA) manterem níveis de estoque bastante elevados, todos eles trabalham com algum tipo de mecanismo de resposta rápida para casos de emergência. O Hospital BETA considera que precisa fazer um pedido emergencial toda vez que sua cobertura, para qualquer produto, fica menor que três dias. Nesse caso é feito um pedido para no máximo mais três dias de consumo, dependendo de quando será recebido o pedido regular. Caso ele ainda não tenha sido nem colocado, antecipa-se também o pedido regular. Essas compras emergenciais devem ser recebidas no mesmo dia em que são feitas e costumam custar mais caro que as regulares. Já os Hospitais GAMA e DELTA possuem as compras emergenciais previstas em contrato com todos os fornecedores com quem tem acordo de ressuprimento. Para o Hospital DELTA, isso engloba praticamente todos os itens utilizados. No entanto, quando o hospital é obrigado a utilizar parte do seu estoque de segurança por causa de atrasos de um fornecedor, ele tenta ser recompensado de alguma forma por isso, conseguindo maior prazo de pagamento, por exemplo. O Hospital GAMA considera emergenciais os pedidos feitos depois de determinada hora (meio dia, normalmente) e que precisam ser entregues no mesmo dia. Para os produtos comprados por cotação, os pedidos emergenciais costumam custar mais caro 137 que os normais. Em último caso, se nem os fornecedores mais rápidos conseguirem entregar a tempo, o Hospital GAMA pode ainda, como já foi mencionado, pegar produtos emprestados de hospitais da redondeza. No entanto, como seus fornecedores regulares possuem prazos de ressuprimento bastante curtos (no máximo dois dias), o hospital está bem preparado para enfrentar demandas de emergência e raramente tem problemas com faltas. Na realidade, ele parece ser, de todos os hospitais visitados, o mais cuidadoso no controle de faltas de produtos, uma vez que, no momento da entrevista, relatou não ter tido problemas com faltas por mais de um ano. Para o Instituto ALFA esse processo é mais complicado pela necessidade de fazer licitações. Para ele, pedidos emergenciais são aqueles feitos quando se percebe que a cobertura para determinado item está abaixo de dois meses. Uma licitação normal costuma demorar quatro meses para ficar pronta, enquanto uma emergencial demora cerca de 15 dias. Para resolver emergências que não possam esperar todo esse tempo, as unidades hospitalares podem trocar produtos entre si. Porém, quando isso não resolver, o Instituto pode acionar seus fornecedores, solicitar que façam entregas sem licitação, realizando todo o processo depois que o pedido foi feito. Essa medida pode implicar em problemas legais e só é tomada em casos realmente críticos. Esses enormes prazos causados pela burocracia enfrentada por uma instituição pública, bem como os riscos que os funcionários do hospital precisam assumir para garantir o abastecimento em determinadas situações explicam, mesmo que parcialmente, a quantidade aparentemente absurda de estoque mantido. 5.4.4 Sistemas de Informação para Gerenciamento de Estoques Segundo Duggirala et al. (2008) o utilização de sistemas de tecnologia da informação pode colaborar muito para a qualidade dos produtos ou serviços prestados. Nos hospitais isso não é diferente. Todos eles possuem algum tipo de armazenamento e processamento de informações, alguns mais complexos que outros, sendo o do Hospital DELTA o mais avançado e o do BETA o mais simples, entre os entrevistados. O Instituto ALFA faz uso da tecnologia para monitorar a quantidade de estoque existente em cada almoxarifado (tanto central quanto periféricos) e fazer a previsão de 138 consumo. Tudo que é usado é contabilizado no sistema que emite pedidos das farmácias periféricas ao almoxarifado central. O pedido para os fornecedores não pode ser colocado eletronicamente por causa das licitações. No hospital BETA, uma plataforma digital auxilia tanto na previsão de demanda quanto no controle dos itens recebidos. No entanto, esse controle se perde quando os produtos saem do armazém central. Outro problema é que todos os inputs são feitos manualmente, o que acaba gerando erros. A tecnologia utilizada pelo Hospital GAMA é mais completa, possuindo vários módulos que auxiliam desde a hotelaria do hospital até sua área financeira, passando pela gestão de estoques como um todo. Nesse sentido, o sistema auxilia desde a previsão de consumo até todo o controle de movimentação dos itens pelos diversos pontos estoque, até que sejam utilizados. A plataforma utilizada pelo Hospital DELTA é bastante completa. O sistema usado é o MRP, que também acompanha todo o processo da gestão de estoques desde a previsão de demanda (feita de forma muito complexa, com a geração de vários modelos diferentes) até o consumo final dos produtos. Nas visitas aos hospitais feitas neste estudo, notou-se que nenhum dos hospitais entrevistados utiliza ou tem intenção de utilizar tecnologias complexas como o RFID por enquanto. Com isso, de acordo com Kumar et al. (2008b), eles estão deixando de aproveitar benefícios como a redução de custos, a melhoria no atendimento e o monitoramento do fluxo de informações e materiais. 5.4.5 Comparação do Controle de Estoques entre os Hospitais Estudados O quadro a seguir apresenta comparações entre os quatro hospitais visitados no que tange o controle de estoques: Característica Instituto ALFA Hospital BETA Hospital GAMA Hospital DELTA 139 Revisão Contínua (RC) X Intervalo de Revisão (IR) IR IR RC IR FIFO, Troca de Não Não Recolhimento Produtos e Não Aceitação de Aceitação de de Produtos Controle de Aceitação de Produtos Produtos Itens Perecíveis perto do Produtos perto perto do perto do Vencimento do Vencimento Vencimento Vencimento Pedidos com Licitação Previsto em Cobertura de Consumo Emergencial Contrato e Previsto em 3 dias Emergencial (demora cerca com Entrega Contrato Entregues no de 15 dias) no Mesmo dia Mesmo dia MRP Sistema Acompanha Monitoramento Controle de Global para todo o de Itens Sistemas de Gestão de Processo, Almoxarifados Recebidos e Informação Estoques, desde a e Previsão de Previsão de Finanças e Previsão ao Consumo Consumo Hotelaria Consumo Final Quadro 6: Comparação de Características do Controle de Estoques 140 6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS Este último capítulo apresenta as conclusões a que este trabalho chegou, através das respostas às perguntas que motivaram sua elaboração. Antes disso é apresentado um breve resumo do que foi tratado no trabalho até aqui. Ao final são ainda apresentados os campos para possíveis pesquisas futuras. 6.1 RESUMO DA PESQUISA Este trabalho teve como objetivo investigar as principais características da prática de gestão de estoques em hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Mais precisamente, buscou-se entender quanto a gestão de estoques impacta nos hospitais desta região e como eles realizam o dimensionamento e controle de seus estoques, além de entender que melhorias eles pretendem fazer em sua gestão de estoques. A revisão de literatura buscou levantar os principais aspectos já estudados sobre temas relacionados à Gestão de Estoque em Hospitais. Embora tenha sido necessário recorrer a artigos internacionais devido à falta de literatura sobre o tema no país, foi possível elaborar a revisão de literatura para servir de base para a pesquisa de campo. A partir da revisão de literatura, foi elaborado um roteiro para as entrevistas feitas nos hospitais estudados. Após a realização destas entrevistas, foi possível descrever e analisar os quatro casos à luz da literatura. 6.2 CONCLUSÕES A partir da análise dos casos desta pesquisa, serão respondidas as perguntas motivadoras deste trabalho; com isso, será possível obter uma descrição geral do modus operandi da gestão de estoques nos hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Qual a importância desta área para os hospitais? 141 De maneira geral, os hospitais entrevistados mostraram dar bastante importância à gestão de seus estoques. Essa impressão é subjetiva, principalmente se considerado o fato de que as pessoas entrevistadas eram responsáveis por essas áreas e possuem motivos para mostrar tal preocupação que pode ser maior que a do hospital como um todo. Além disso, como esse foi o único assunto tratado nas entrevistas é difícil fazer comparações com as outras áreas dos hospitais e saber quais recebem, de fato, mais atenção. Na verdade, é de se esperar que, pela natureza do negócio, as áreas mais diretamente relacionadas ao trato dos pacientes recebam mais atenção. Isso é ainda mais provável em hospitais em que a administração é responsabilidade dos próprios médicos ou farmacêuticos. Esse era o caso de um dos hospitais entrevistados, em que a gestão de estoques era feita pelos farmacêuticos, que se esforçavam para concentrar atenções nesta atividade, ainda que tivessem mais interesse pelo trato dos pacientes. Vale lembrar que esta pesquisa foi feita em hospitais razoavelmente bem conceituados e organizados, sem grandes limitações de recursos e localizados em locais nobres das duas cidades mais ricas do Brasil. Pode-se imaginar que a falta de profissionalismo administrativo seja bem mais grave em hospitais de regiões mais pobres, tanto do Rio de Janeiro e de São Paulo quanto de outras regiões mais remotas do Brasil. No entanto, quando se olha para os números, percebe-se que os hospitais realmente possuem razões para se importar com a gestão de estoques. Assim como foi descrito pela literatura, os custos da gestão de estoques nos hospitais estudados que calculam este número representam uma grande fatia de seu orçamento total. Na verdade, estima-se que esta fatia seja maior que a relatada por eles, uma vez que o único custo que está sendo levado em consideração nesta conta pelos hospitais é o custo de aquisição dos produtos e é sabido, através da literatura que há outros custos envolvidos na gestão de estoques, como custos de oportunidade e de armazenagem. Essa displicência no cálculo dos custos de estoques mostra que ou os administradores dos hospitais visitados não possuem o conhecimento necessário 142 para o bom desempenho da função ou pode, também, ser visto como sinal de que não se dá a devida importância para esta atividade. Apenas um dos hospitais relatou não gastar boa parte de seu orçamento com a gestão de estoques. Coincidentemente ou não, este foi o hospital com melhor estrutura administrativa e melhores resultados no trato dos pacientes, tido como referência nacional. Isso pode ser um indício de que, se a gestão dos estoques for bem feita, seus custos diminuem e sobra mais verba para investir na atividade fim do hospital, fazendo com que diminua a proporção do orçamento gasto com estoques. Que fatores são levados em consideração quando do dimensionamento dos estoques? O ponto de partida para o dimensionamento dos estoques é a previsão de consumo e o principal fator levado em consideração nessa previsão é o histórico de consumo. A maioria dos hospitais entrevistados, inclusive, utiliza o histórico como único fator formalmente presente na previsão de consumo, o que pode indicar um erro. Na maioria das vezes, outros fatores como a sazonalidade ou a programação de cirurgias são incluídos na análise, porém apenas de maneira informal. A não inclusão destes fatores no cálculo mostra certo amadorismo dos hospitais na sua previsão de consumo, uma vez que há modelos mais complexos que poderiam ser utilizados. No entanto, nenhum dos hospitais mencionados se mostrou muito disposto a adotar novas técnicas, com exceção do Hospital DELTA, que já possui um modelo de previsão de consumo bastante complexo. Outro ponto levado em consideração é, obviamente, o custo dos estoques. O grande problema aqui, como mencionado anteriormente, é o fato de que, na maioria das vezes, apenas o custo de aquisição dos produtos é considerado, evitando que se tenha a dimensão exata de quanto esta atividade custa para o hospital. No entanto, o dimensionamento não é feito da mesma maneira para todos os produtos; algumas características particulares dos itens, como volume de consumo e tempo de resposta de seus fornecedores são levados em consideração para 143 segmentar os produtos de forma a dimensionar suas quantidades assumindo mais ou menos riscos. Um fator também muito presente no dimensionamento dos hospitais participantes deste estudo foi a definição de uma cobertura máxima de estoques a ser mantida. Ela costuma ser combinada à previsão de consumo para saber quanto deve ser comprado a cada vez que um novo pedido é feito. Essa prática facilita a determinação das quantidades, porém a definição de quanto deve ser esse nível máximo não costuma ser feita de forma embasada em cálculos, como deveria. Outro problema é que nem sempre os níveis máximos são seguidos. Isso significa que os hospitais podem ser duplamente conservadores, primeiro ao estabelecer níveis máximos maiores que o necessário, e depois por manter estoques acima dos limites definidos por eles próprios. O excesso de conservadorismo não costuma levar a decisões ótimas. Este mesmo problema de informalidade do cálculo, muitas vezes associada ao conservadorismo, gerando excesso de estoques é observado na determinação de outro fator importante para o dimensionamento, o estoque de segurança. A maioria dos hospitais não calcula quanto deve ser mantido, apenas estabelece um número de acordo com a experiência dos profissionais da área, o que muitas vezes acaba levando a estoques maiores que o necessário. Há casos ainda de hospitais que não calculam nem controlam informações sobre quanto estoque de segurança é mantido, sem separá-lo do restante. Um ponto que se mostrou positivo para os hospitais foi o estabelecimento de contratos de longo prazo com certos fornecedores. Com eles, as entregas ficam mais confiáveis e o tempo de ressuprimento mais previsível, facilitando o dimensionamento dos estoques através da redução de incertezas. Pode-se supor que esses contratos também sejam vantajosos para os fornecedores, uma vez que os hospitais relataram ser frequentemente procurados por seus fornecedores para a elaboração de novos contratos como estes. A decisão a cerca de onde e de que forma estocar o que foi comprado também é importante. A opção mais utilizada é a mistura entre centralização e descentralização em que parte do estoque é mantida em armazéns centrais e parte 144 em farmácias periféricas próximas aos pontos de uso. Essas farmácias costumam ser abastecidas periodicamente pelos produtos do armazém central. Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do dimensionamento dos estoques? A maneira e os motivadores das tomadas de decisões variam muito de hospital para hospital. Em um deles, o hospital público, as oportunidades de se tomar decisões são mais limitadas, muitos dos campos para elas são engessados pela legislação, de maneira que pode-se dizer que em vários aspectos, as decisões são tomadas por falta de opção. Naquilo que se tem controle e em que se pode decidir livremente, o tom costuma ser de cautela e as decisões bastante conservadoras em relação à possibilidade de falta de algum medicamento, nem sempre adotando as medidas aconselháveis, porém sempre tedo mais preocupação com a falta que com o excesso. Isso é facilmente observado pela cobertura de estoque que eles mantêm, que é enorme se comparada a qualquer outro hospital visitado ou à literatura. Essa situação, no entanto, não deve ser padrão para hospitais públicos, uma vez que se vê na mídia que muitos deles não possuem verbas suficientes para comprar produtos em excesso. Porém, dada a falta de estrutura de gestão e à falta de infraestrutura dos hospitais públicos brasileiros é possível imaginar que aqueles que têm verbas para tal, tenham o mesmo tipo de comportamento cauteloso do Instituto ALFA. Os hospitais que faziam parte de redes também possuem certas limitações para tomada de decisões, uma vez que eram obrigados a seguir determinados procedimentos. No entanto, isso não se mostrou um problema para eles, sendo até benéfico para formalizar certos processos. Na verdade, os dois hospitais que apresentam esta característica são bem diferentes em termos administrativos. O que está localizado no Rio de Janeiro possui estrutura de gestão bastante inferior ao paulista e pôde tirar mais benefícios da exigência de formalização dos processos trazida pela rede. Naquilo em que os hospitais possuem autonomia para decidir, a principal forma de tomada de decisão parece ser baseada no conhecimento tácito de seus funcionários que, apesar de possuírem experiência no setor de saúde não são, necessariamente, 145 especialistas em gestão. Desta maneira, as decisões são muitas vezes tomadas através do método de “tentativa e erro”, em que se testam várias opções ao longo do tempo para que se chegue a um bom resultado. Este método foi citado especificamente pelo Hospital BETA para a decisão sobre frequência da colocação de pedidos. Ele realmente pode ajudar a melhorar processos que não estejam tendo o desempenho esperado, porém seria melhor que o ponto de partida para as “tentativas e erros” fosse, de alguma forma, mais estruturado com base em cálculos, comparações ou observação de padrões. Os hospitais localizados em São Paulo parecem tomar as decisões relativas a estoques de forma mais estratégica que os cariocas, integrando-as às suas demais decisões administrativas, não enxergando-os apenas como contingência, como um “mal necessário”. Esses hospitais contam com profissionais qualificados e seguros para essa tomada de decisão e não dependem apenas de sua experiência para decidir, contando com métodos mais impessoais de decisão. No entanto, dado o tamanho reduzido da amostra desta pesquisa, não é possível afirmar que os hospitais de São Paulo são mais bem estruturados que os do Rio de Janeiro no que se refere à gestão de estoques. Como e por que são tomadas as decisões dos diferentes aspectos do controle dos estoques? O controle de estoques depende muito da tecnologia disponível para esta atividade. Esta percepção, além de aparecer na literatura, coincide com a opinião dos hospitais também. Eles reconhecem a importância do investimento em Tecnologia da Informação para esse fim e o fazem quando possível. Através da tecnologia de informação, as informações a cerca de quanto se tem em estoque e onde ele está guardado são muito mais fáceis de serem obtidas e muito mais confiáveis que se dependessem apenas de funcionários fazendo a contagem. Obviamente alguns hospitais possuem estruturas tecnológicas melhores que outros, porém essa diferença é proporcional à diferença de estrutura administrativa e não significa que um dê mais importância a esse tema que o outro. 146 De qualquer forma, ainda há muito espaço para os quatro hospitais evoluírem neste sentido. Há muitas tecnologias mais evoluídas disponíveis no mercado, como o RFID, por exemplo, mencionado pela literatura como uma boa opção para melhorar o monitoramento do fluxo de produtos e informações. A grande barreira neste caso é o custo destes sistemas. Outras tecnologias, como aquelas que integram os hospitais aos seus fornecedores para ganhar rapidez na colocação de pedidos e compartilhar previsões de consumo também poderiam ser interessantes para os hospitais. No entanto, elas esbarram não só no custo como nas restrições oriundas de certos processos que alguns dos hospitais precisam seguir. Pode-se observar que o controle também depende muito do próprio dimensionamento dos estoques. Quando se opta por manter níveis mais baixos de estoques, mais próximos à previsão de consumo, sem muita sobra, é necessário fazer um controle rigoroso para que não falte nenhum produto. No entanto, quando os níveis de estoques são grandes o suficiente para que a falta vire algo raro, principalmente para determinados produtos com consumo mais constante, a preocupação maior passa a ser a obsolescência e seu controle, mais uma vez, é primordial. Ainda que se mantenha um nível alto de estoques e se controle ele bem, eventualmente, é necessário fazer alguns pedidos de emergência. Nessa situação, o que se observou foi uma grande vantagem pra hospitais que possuam contratos de ressuprimento com fornecedores em que sejam estabelecidos os lead times mais curtos possíveis. Para isso, é necessário que se tenha uma rede de fornecedores localizados geograficamente próximos ao hospital e que sejam capazes de responder rapidamente e com boa confiabilidade aos pedidos dos hospitais, por mais emergencial que sejam. Como os hospitais pretendem melhorar a gestão de seus estoques? Apesar de nem todos os hospitais poderem fazer todas as alterações que gostariam, de maneira geral há desejo de melhorar a gestão de seus estoques. A busca por certificações e acreditações, que é a realidade atual da maioria doa hospitais, é um grande incentivo a melhorias. Muitas mudanças já foram feitas nos hospitais 147 visitados para conseguir determinadas certificações e outras adequações ainda estão por vir. Nem sempre as mudanças exigidas são relacionadas à gestão de estoques, porém também não é raro que essa atividade seja afetada por essas exigências, seja no sentido de melhorar o espaço físico, as condições de trabalho ou a formalização de processos. Outra forma de inspiração para melhorias utilizada é a comparação com outros hospitais que sirvam de referência ou, até mesmo, com empresas de outros setores. Essa prática é interessante para que não haja acomodação dos hospitais em pensar que seus indicadores estão tão bons quanto poderiam ser e busquem, verdadeiramente a melhoria contínua. É também visível a importância que se dá à formalização de processos e procedimentos operacionais. A maioria dos hospitais já os possui bem definidos e os outros têm esse objetivo. A própria busca por certificações ajuda nesse processo, uma vez que dá diretrizes de como realizar essa melhoria. O fato de se fazer parte de uma rede com processos padronizados também ajuda nessa mudança. Investimentos em tecnologia também estão nos planos dos hospitais. O desejo maior atualmente parece ser em tecnologias que possibilitem o rastreamento dos produtos dentro e fora dos hospitais, desde que são solicitados aos fornecedores, até que sejam utilizados pelos pacientes. No entanto, nenhum deles mencionou interesse específico na tecnologia RFID, que poderia servir para este fim, apesar de a literatura já ter relatado alguns casos de sucesso de sua inserção em hospitais. Outra maneira de a tecnologia ajudar os hospitais é através de códigos de barra que indiquem o lote e a validade dos produtos. Alguns hospitais estão fazendo isso por conta própria, porém esse processo seria muito facilitado se os próprios fornecedores dispusessem desta tecnologia, o que em alguns casos já está sendo negociado. Há também melhorias físicas sendo implantadas, como aumento do espaço da farmácia e otimização de Centros de Distribuição. Essas alterações são especialmente importantes para hospitais que estejam planejando expandir suas 148 operações. É comum ver hospitais que vão crescendo sem pensar nesta área, o que costuma trazer problemas no futuro. Além das melhorias planejadas e implementadas pelos próprios hospitais, uma mudança está vindo de fora e parece ser benéfica para todos. A obrigação da utilização da nota fiscal eletrônica está sendo vista como um fator que irá facilitar o trabalho dos hospitais no momento do recebimento da compra, uma vez que não precisarão mais perder tempo na conferência manual das notas. 6.3 CAMPOS PARA PESQUISAS FUTURAS Para conseguir respostas mais abrangentes para essas perguntas a nível nacional, seria interessante realizar pesquisas semelhantes em hospitais de outras regiões do Brasil. Foi possível identificar algumas diferenças de perfil dos hospitais no Rio de Janeiro e em São Paulo, que são cidades com realidades sócio-financeiras parecidas. A pesquisa em cidades da região Nordeste, por exemplo, poderia ser esclarecedora no sentido de evidenciar como é a situação dos hospitais brasileiros. Também seria muito interessante a realização de pesquisas quantitativas nesta área, como a realização de cruzamentos de dados de hospitais públicos com particulares, ou hospitais pertencentes a redes com hospitais únicos ou ainda hospitais gerais com outros especializados no tratamento de certas doenças. Porém, como os hospitais possuem características muito diferentes e poucos deles possuem dados confiáveis sobre sua administração, ainda é difícil imaginar esse tipo de estudo na Brasil. 149 REFERÊNCIAS APTEL, O.; POURJALALI, H. Improving Activities and Decreasing Costs of Logistics in Hospitals: a comparison of U.S. and French hospitals. The International Journal of Accounting, v. 36, n. 1, p.65-90, 2001. ARNTZEN, B. C.; BRADLEY, J. R. The Simultaneous Planning of Production, Capacity, ans Inventory in Seasonal Demand. Environments. Operations Research, v. 47, n. 6, p.795-806, Nov./Dec. 1999. 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Que área da empresa se encarrega da gestão dos estoques? i. Qual a relação dessa área com a área de compras? ii. O Hospital integra alguma central de compras? 3- Dimensionamento dos estoques a. Quais custos são considerados custos de estoque? Por que? i. Como são calculados custos de perda, avaria e obsolescência? ii. Como é calculado o custo de oportunidade do hospital? b. Como é feita a previsão de consumo? Por que? Quem faz? i. Como é medida a exatidão da previsão? 157 ii. Como ela poderia melhorar? c. O hospital percebe sazonalidade na demanda ou oferta de algum item? Como? d. Como são medidas as perdas por perecibilidade? e. Quanto se perde com perecibilidade? Por que? f. O hospital pratica segmentação de estoques? Como? i. Quais os critérios utilizados? Quem faz? g. Que modelo de dimensionamento é usado (NR, LEC)? Por que? h. Como é a relação com os fornecedores (grupo de compras, JIT, VMI)? Por que? i. Quantos fornecedores o hospital possui por SKU? ii. Quais são os lead times apresentados por eles? iii. Os fornecedores cumprem os prazos acordados? Em geral, qual o desvio? iv. O hospital possui informações sobre o status dos pedidos? i. Quanto é mantido em estoque de segurança? Por que? Como é feito o cálculo? j. Os estoques estão centralizados? Que itens? Por que? 4- Controle de estoques a. Qual o giro dos estoques? b. A revisão é feita de forma contínua ou em intervalos? (PP, IR) Por que? c. Como são controlados os itens perecíveis? Por que? d. Como é tratado o consumo emergencial? Por que? e. Que sistemas de informação são usados no auxílio ao controle de estoques? Como? Por que? f. SÓ PARA HOSPITAIS CERTIFICADOS: Por ocasião da Certificação, a Gestão de Estoques passou por alguma modificação? Quais as mudanças introduzidas? 5- Como o hospital avalia sua gestão de estoques? 158 a. Há planos de mudança na gestão dos estoques? Quais? Quando serão implementados?