Sheila Lima Ribeiro de Souza Seminário de Enfermagem

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Sheila Lima Ribeiro de Souza
Seminário de Enfermagem professora Carmem
Tabu do Corpo - Capitulo 3
Os códigos do corpo e os códigos da sociedade
O corpo é sempre uma representação da sociedade, e, não há processo
exclusivamente biológico no comportamento humano. Na análise da problemática
“nojo do corpo” se lida com processos simbólicos mais que com processos naturais,
isto porque o corpo é elemento de um complexo social, é um complexo de símbolos.
Um sistema de símbolos que está sempre presente no comportamento social em
relação ao corpo, ou no comportamento do corpo em relação à sociedade, mesmo que
esta seja apenas uma associação simbólica.
As codificações do corpo condensam em si as codificações da organização social.
Nessas codificações do corpo, a apropriação intelectual é matizada de emocionalidade,
a consciência intelectual se obscurece por condutas emocionais que expressam
sentidos inconscientes. As reações de nojo são condutas dessa espécie: simbolizam,
sob a capa da emotividade, significados infinitamente afastados das coisas de que se
tem nojo, mas que a elas se reúnem no plano do inconsciente. Sobre as coisas
consideradas nojentas, é sempre necessário saber quando, como e por que elas são
nojentas e quando, como e por que deixaram de ser nojentas. É preciso compreender
as situações em que aparecem e a identidade que então os produtos corporais
adquirem. Uma mulher considerará repulsivo o catarro que escorre do nariz de sua
cozinheira, mas verá completamente diferente o eu provém de seu filhinho adoecido.
É preciso explicitar o código dessas situações. Portanto, falar em “código” é falar de
uma abstração, é pensar em regras abstratas e negligenciar as situações concretas em
que são implementadas.
As práticas corporais são comportamentos rituais sustentados por crenças místicas.
Dentre os modos de se abordar o comportamento ritual, um dos mais difundidos é o
de considerar os seus propósitos ou finalidades manifestos, o que ilustra a própria
terminologia: ritos de inversão, ritos de passagem, ritos propiciatórios, ritos
comemorativos, etc. O comportamento ritual não pode ser entendido como um
simples meio de conseguir algo: é preciso também considerar a sua eficácia simbólica.
O propósito principal das crenças e práticas higiênicas é fixar modelos para o
comportamento das pessoas, impedindo que transgridam limites e desorganizem a
ordem simbólica. As coisas poluígenas, as coisas poluídas, as coisas nojentas, são
coisas perigosas para a ordem intelectual.
A organização do corpo encaminha, motiva, convida o pensamento a pensar a
organização da sociedade. As características do corpo abrem para o pensamento a
possibilidade de formular analogias com a estrutura social e estimulam o homem a
revivê-las. Todavia, é necessário cuidar com o perigo de supor que existe algo no corpo
que determina uma imagem particular da sociedade. Pelo contrário, é a sociedade que
manipula o corpo a expressar-se.
Como resumiu Mary Douglas, “nossa idéia de sujo é composta de duas coisas:
cuidado pela higiene e respeito pelas convenções”. Uma coisa nojenta é sempre uma
coisa que cruza indevidamente uma linha demarcatória, estabelecendo-se em um
lugar impróprio e deslocado no sistema de ordenação. A reação do nojo é uma reação
de proteção contra a transgressão da ordem. O fato de uma pessoa ser ameaçada de
morte, ou de se ver desprotegida diante de um animal feroz pode produzir medo, mas
não representa perigo para mais ninguém e não requer nenhum procedimento ritual
posterior. Entretanto, um indivíduo poluído é também poluígeno, uma coisa suja deve
ser afastada. O medo que as pessoas têm de um leão não é exatamente igual ao medo
que têm de baratas, ratos e outros animais associados a lugares sujos. Baratas, ratos e
vermes são tão destrutivos como leões, mas de uma maneira diferente. Quem tem
contato com eles se torna impuro, quem convive com leões, controla-os.
Para nós, o que importa é que o indivíduo demonstra socialmente que segue, ou
não, os padrões culturais que programam as emoções que ele deve sentir em
determinadas contingências, mesmo que as caretas e os sons guturais que traduzem a
reação do nojo não correspondam a uma objetiva e sincera vontade de vomitar.
Dor e cultura – Capítulo 7
A dor, seja qual for sua forma, é uma parte inseparável da vida cotidiana. Ela é mais
do que um simples evento neurofisiológico, há também fatores sociais, psicológicos e
culturais associados a ela que devem ser considerados. Primeiro, nem todos os grupos
sociais e culturais reagem à dor da mesma forma. Segundo, a maneira como as
pessoas percebem e reagem à dor, tanto em si mesmas como em outras pessoas, pode
ser influenciada pela sua origem e formação cultural e social. Terceiro, a maneira como
as pessoas comunicam a dor, se é o que fazem, aos profissionais de saúde ou a outras
pessoas também pode ser influenciada por fatores culturais e sociais.
O COMPORTAMENTO DE DOR
Do ponto de vista fisiológico, a dor pode ser considerada como um “tipo se
dispositivo de alerta para chamar a atenção para uma lesão no tecido ou para algum
mau funcionamento fisiológico”. A dor surge quando há algo de errado acontecendo
com o corpo, por esse fator, ela é de extrema importância para a proteção do mesmo.
Devido a esse papel biológico da dor, às vezes se presume que ela independa de
cultura, no sentido de haveriam estímulos biológicos a fatos como um objeto
pontiagudo ou extremos de calor ou frio. Essas duas formas de reação são
diferenciadas em:
1 – Reação involuntária, instintiva, como o recuo diante de um objeto
pontiagudo.
2 – Reação voluntaria, tal como:
a) Eliminar a fonte de dor e providenciar o tratamento do sintoma.
b) Pedir ajuda de outra pessoa para eliminar o sintoma.
Existem dois tipos de dor, a dor privada e a dor pública. Conforme ressalta Engel, a
dor é um “dado privado”, ou seja, para sabermos se alguém tem dor, dependemos de
uma demonstração verbal ou não-verbal desse fato por parte da pessoa. Quando isso
acontece, a experiência e a percepção privadas da dor se tornam eventos públicos e
sociais: a dor privada se transforma em dor publica. No entanto, em algumas ocasiões
a dor pode permanecer privada, isso ocorre quando existe a falta de sinal ou indício
externo de que a pessoa está sentindo dor, mesmo que a dor seja muito intensa. Esse
tipo de comportamento é comum em sociedades que valorizam o estoicismo e a força.
Esse tipo de reação é mais esperado dos homens, que vêem a dor como prova de
garra, principalmente na passagem da infância para a adolescência, onde passar por
alguns momentos de dor sem exprimir estímulos desta, demonstra virilidade.
Portanto, a ausência de comportamento de dor não significa, necessariamente,
ausência de dor privada.
O comportamento de dor, especificamente em seus aspectos voluntários, é
influenciado por fatores sociais, culturais e psicológicos. Esses fatores determinam se a
dor privada será traduzida em comportamento de dor, assim como determinam a
forma que tal comportamento vai assumir, alem do ambiente social em que ela
ocorrerá. O que ajuda a determinar se a dor privada se tornará pública ou não é a
interpretação individual da dor, se é uma dor normal ou anormal. A dor considerada
anormal tem mais probabilidade de ser levada a outras pessoas. Já as definições sobre
o que constitui uma dor anormal, dependem da cultura e podem variar de acordo com
o tempo. Outras definições de dor anormal dependem das definições culturais da
imagem do corpo e da estrutura e de função do corpo. As expectativas culturais de um
grupo com relação à dor como parte normal da vida determinarão se a dor será vista
como um problema clínico que requer solução clínica. Há culturas em que dores que
vêm de determinadas causas são aceitáveis e até mesmo esperadas, enquanto em
outras culturas essa mesma dor é evitada ao máximo. Essas posturas frente a dor são
adquiridas no início da vida, como parte da criação em uma família ou comunidade em
particular, e são essenciais nas práticas de educação das crianças em qualquer cultura.
OS ASPECTOS SOCIAIS DA DOR
A dor pública implica uma relação social, de qualquer duração, entre a vítima e uma
ou mais outras pessoas. A natureza dessa relação determinará, em primeiro lugar, se a
dor será revelada, como será revelada e a natureza da resposta a ela. A vítima, nesses
momentos, cria inúmeras expectativas, principalmente quanto às respostas prováveis
à sua dor e as chances dessa doença influenciar outras pessoas, que terão de ter
solidariedade para lidar com tal problema, isso terá grande influencia sobre a vítima,
determinando se ela expressará sua dor como realmente sente ou não. Conforme
afirma Zola: “É a adequação de determinados sinais aos principais valores de uma
sociedade que determina o grau de atenção que os mesmos vão receber”. Há,
portanto, uma dinâmica entre o indivíduo e a sociedade mediante a qual o
comportamento de dor e as reações a ele se influenciam mutuamente ao longo do
tempo.
A DOR CRÔNICA
Um tipo peculiar de dor, a dor crônica, causa problemas peculiares às vítimas e às
pessoas a sua volta. A dor crônica é um distúrbio privado. Diferente da dor aguda, que
dura por um breve período de tempo, a dor crônica faz com que o sofrimento das
pessoas continue, visto que esta não passa tão rapidamente. Na situação da dor
crônica, as vítimas podem desenvolver formas de manifestar publicamente sua dor
privada àqueles à sua volta a fim de receber ajuda e atenção. A dor crônica, muitas
vezes, está intimamente ligada a problemas psicológicos e sociais. As tensões
interpessoais, por exemplo, pode fazer com que alguém desenvolva a dor crônica e
vice-versa. Em muitas famílias e grupos culturais, a encenação da dor pode ser a única
maneira de sinalizar sofrimento pessoal, seja lá qual for à causa.
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