construindo espaços

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SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP
Reitor
Prof. Dr. José Carlos Souza Trindade
Vice-Reitor
Prof. Dr. Paulo Cezar Razuk
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Prof. Dr. Marcos Macari
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
Diretor
Prof. Dr. Hélio Borghi
Vice-Diretor
Prof. Dr. Ivan Aparecido Manoel
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Prof. Dr. Pe. Mário José Filho
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
Serviço Social & Realidade
Franca
ISSN 1413-4233
v.12, n.1
p.1-250
2003
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE
Editor
Prof. Dr. Mário José Filho
Comissão Editorial
Prof. Dr. Mário José Filho
Profa. Drª Neide Aparecida de Souza Lehfeld
Profa. Drª Íris Fenner Bertani
Profa. Drª Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade
Prof. Dr. Ubaldo Silveira
Profa. Drª Maria Rachel Tolosa Jorge
Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi
Prof. Dr. Paolo Nosella (Universidade Federal de São Carlos)
Profa. Drª Lizete Diniz Ribas Casagrande (USP)
Profa. Drª Luzia Aparecida Martins Yoshida (UNICAMP)
Publicação Semestral/Semestral publication
Solicita-se permuta/Exchange desired
Correspondência e artigos para publicação deverão ser encaminhados a:
Correspondende and articles for publicacion should be addressed to:
Faculdade de História, Direito e Serviço Social
Rua Major Claudiano, 1488
CEP 14400-690 - Franca –SP
Endereços Eletrônico / email
[email protected]
SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE (Faculdade de
História, Direto e Serviço Social – UNESP) Franca,
SP, Brasil, 1993 1993 – 2003, 1 – 19
ISSN 1413-4233
APRESENTAÇÃO
... “Pesquisar é uma arte da interlocução” ...
Ao oferecer à Comunidade Científica mais um exemplar da revista
Serviço Social & Realidade, cumpre ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da UNESP – Campus Franca, refletir sobre a importância
do momento da produção científica do Serviço Social em nível regional,
nacional e internacional.
Aberto aos questionamentos que se impõe às Ciências Sociais
Aplicadas o Serviço Social vem avançando na interdisciplinaridade,
buscando capacitar-se para intervir na realidade social.
Muito se tem produzido, ultimamente, demonstrando o esforço
empregado em socializar as discussões acadêmicas e científicas que
envolvem a prática profissional, identificando principalmente a
necessidade de se sistematizar um conjunto teórico-metodológico técnicooperacional em atividades de pesquisa, ensino, extensão e atuação
profissional.
As crescentes “crises sociais”, o alarmante crescimento do
desemprego e das desigualdades sociais, a invasão de realidades
“paupérrimas”, revelando índices elevados de miserabilidade, exigem
novas e contundentes posturas de intervenção que só serão possíveis no
diálogo interdisciplinar.
Neste número da Revista Serviço Social & Realidade,
apresentamos diversidade de assuntos, que vão desde a necessidade de
reflexão sobre a formação do profissional, sobre nossa participação em
diversas instâncias, sobre formas de compreensão do agir profissional.
Os textos aqui apresentados são fruto de reflexões interdisciplinares
que apontam o cenário atual como espaço privilegiado da nossa ação
como atores sociais. Esses textos revelam argumentos de sustentação da
pesquisa e consistência, possibilitando a comparação com outros estudos
em diferentes regiões do Brasil e América Latina, trazendo em si a
possibilidade de novas discussões.
A pesquisa tem se tornado um rico instrumento para o
desenvolvimento das Ciências Sociais Aplicadas e nesse sentido não
precisamos inaugurar metodologias, estabelecer novas teorias ou
revolucionar paradigmas. É preciso perceber a realidade tão complexa e
multifacetada aproveitando o momento privilegiado da pesquisa para
qualifica-la a partir de novas propostas, ainda que se corra algum risco. O
risco é inerente à Ciência comprometida consigo mesma e revela a
coragem dos autores, expondo suas idéias na medida de suas
convicções, conscientes de que elas serão debatidas, refletidas e
conseqüentemente enriquecidas com novas e importantes reflexões.
Prof. Dr. Pe. Mário José Filho
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social – UNESP – Franca
SUMÁRIO/CONTENTS
• Caps: uma nova proposta de tratamento e a importância desse atendimento
aos seus usuários
CAPS: a new proposition of treatment and the importance of this service to its
users.
Elaine Cristina Marchis; Maria Odete Simão; Ana Guilhermina M.
Pinheiro ................................................................................................
9
• O significado da participação para os pais coordenadores do programa
agentes multiplicadores do Serviço Social de projetos comunitários do HRAC
The meaning of participation to the coordinators parents of the Multipliers
Agents Program of Social Work in communal projects of HRAC.
Marcela Cristina Chaddad; Silvana Aparecida Maziero Custódio; Lilia
Christina de Oliveira Martins ................................................................
21
• Construindo espaços: a história das associações de pais e portadores de
lesões lábio-palatais e a contribuição do Serviço Social
Building spaces: the history of associations of parents and beares of cleft lip
and palate and the social service contribution
Maria Inês Gândara Graciano ................................................................
45
• O perfil profissional do Serviço Social e a importância de cursos para a
formação de formadores (docentes/supervisores de campo)
The new professional profile to Social Work and the importance of formation
courses of formers (teaching staff/field supervisors)
Rosane A. de Sousa Martins ...............................................................
69
•
O processo de participação na escola pública: perspectiva dos sujeitos
envolvidos
The process of participation in the public school: point of view of each
member of the sochool community
Eliana Bolorino Canteiro Martins ...........................................................
87
• A formação de conceitos de uma perspectiva Vygotskiana
The formation of concepts, based on a Vygotsky perspective
Djanira Soares de Oliveira e Almeida ..................................................
101
• Na contramão da engrenagem: uma abordagem reflexiva
Against the gearing: a reflexive approach
Ubaldo Silveira; Niulza Antonietti Matthes .............................................
111
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 1-250, 2003
7
•
•
•
•
•
As organizações atuais: perfil profissional esperado
The current organizations: the professional profile expected
Ana Paula Barbosa Indiano de Oliveira; Daltro de Oliveira Carvalho ....
129
Vínculos enlouquecedores nas instituições
Madden tieds in institutions
Sirlene Aparecida Pessalacia Barreto; Íris Fenner Bertani ..................
151
A Política de Seguridade Social: Constituição Federal de 1988 e a LOAS –
Lei Orgânica da Assistência Social
The social security politics: the 1988 Federal Constitution and the LOAS –
Organic Law of Social Assistance
Ana Maria Tassinari; Juliane Stamato Taube Stamato; Maria Inês
Nascimento Fonseca de Sousa; Adriana Giaqueto; Lilia Christina de
Oliveira Martins ......................................................................................
159
A teoria Social de Marx e o Serviço Social
The Marx Social Theory and the Social Work
João Antônio Rodrigues ......................................................................
169
As configurações da Questão Social no Brasil e os desafios do Serviço
Social
Configurations of the Social Question in Brazil and of the defiances to Social
Work
Marilena Jamur ....................................................................................
197
RESENHAS/ REVIEWS
• DEMO, Pedro. Pesquisa – Princípio Científico e Educativo
Rita de Cássia Camargo Brandão .......................................................
•
•
BIANCHETTI, Lucídio.; MACHADO, Ana Maria Netto (org.). A bússola do
escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações
Silvia Cristina Arantes de Souza .........................................................
229
MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à Educação do Futuro
Sira Napolitano ....................................................................................
235
ÍNDICE DE ASSUNTOS .........................................................................................
SUBJECT INDEX ....................................................................................................
ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX .............................................................
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAL ................................................
8
225
241
243
245
247
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 1-250, 2003
CAPS: UMA NOVA PROPOSTA DE TRATAMENTO E A IMPORTÂNCIA
DESSE ATENDIMENTO AOS SEUS USUÁRIOS1
Elaine Cristina MARCHIS*
Maria Odete SIMÃO**
Ana Guilhermina M. PINHEIRO***
•
RESUMO: A assistência psiquiátrica foi baseada até 1970 na internação de pessoas
portadoras de transtorno mental em instituições psiquiátricas fechadas. Como ressalta
LEMGRUBER (2001) “os estados mentais conhecidos como loucura eram motivos de
isolamento e tratamentos radicais”, afinal as pessoas portadoras de transtorno mental
poderiam contaminar outras pessoas da sociedade, representando perigo para mesma.
Era preciso isola-las para que fossem reequilibradas para conviverem socialmente. Muitas
críticas surgiram quanto ao tratamento psiquiátrico oferecido, principalmente após a
segunda guerra mundial, quando comparados os campos de concentração de prisioneiros
aos manicômios, nos quais os doentes eram internados. Era necessário reformular a
assistência psiquiátrica oferecida, entendendo os portadores de transtorno mental como
sujeitos e não como objetos de ação. Surge o movimento da reforma psiquiátrica. Uma das
diretrizes deste movimento tem sido a substituição gradativa dos hospitais psiquiátricos por
serviços abertos e comunitários. Em Botucatu uma das possibilidades de atenção à saúde
mental é o Centro de Atenção Psicossocial-CAPS “Espaço Vivo”, criado com a finalidade
de implementar esta nova forma de atenção à saúde mental e atendendo a proposta da
desinstitucionalização do doente mental. Este serviço, de acordo com os principais
resultados obtidos na pesquisa realizada junto aos seus usuários, influenciou de modo
positivo sua qualidade de vida, uma vez que evitou a internação fechada e possibilitou ao
indivíduo com transtorno mental permanecer em seu contexto familiar e social,
preservando as relações sociais.
•
PALAVRAS-CHAVE: Exclusão Social; Reforma Psiquiátrica; Tratamento.
Introdução
A saúde mental pode ser entendida como o pleno bem estar físico,
psíquico e social da pessoa, sendo esta possuidora de relações harmônicas no
trabalho, na família, no grupo de amigos. Muitas pessoas, por várias causas,
adoecem, comprometendo a saúde mental propriamente dita e passam a ser
portadoras de transtorno mental, vistas de forma leiga como “loucas”.2
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a FIB’s/UNIFAC, Botucatu/SP.
* Assistente Social da Seção Social Médica do Hosp. das Clínicas da Faculdade de Medicina – UNESP.
Doutoranda em Ciências pela USPRP, Assistente Social do Departamento de Neurologia e
Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP e Docente.
*** Assistente Social do CAPS – Espaço Vivo de Botucatu (DIR XI) – Secretaria Estadual de Saúde.
2 PITTA, A. M. F. Cuidar Sim, Excluir Não (evento comemorativo do Dia Internacional da Saúde
realizado em abril de 2001 em São Paulo).
**
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
9
Ao longo de muitos anos estas pessoas foram consideradas objetos de
pena e preconceito sendo tratadas com descaso e exclusão. Os estados mentais
conhecidos como loucura eram motivos de isolamento e tratamentos radiciais
(LEMGRUBER, 2001), afinal as pessoas portadoras de transtorno mental
poderiam contaminar outras pessoas da sociedade, representando perigo para a
mesma. Em todo o resgate da historicidade da assistência psiquiátrica vemos
cenários árduos, tendo como pano de fundo a solidão, a humilhação, o
desespero.3
A questão da saúde mental no mundo e no Brasil vem passando por
vários momentos históricos, marcando épocas e proporcionando mudanças em
relação ao tratamento oferecido às pessoas portadoras de transtorno mental.
Hoje se fala em Reforma Psiquiátrica, que segundo (AMARANTE, 1994),
é o conjunto de iniciativas políticas, sociais, culturais,
administrativas e jurídicas que visam transformar a relação da
sociedade para com o doente. A reforma psiquiátrica que
estamos construindo vai das transformações na instituição e no
saber médico-psiquiátrico até as práticas sociais em lidar com
as pessoas portadoras de problemas mentais.
Dentre os pontos principais das discussões em torno dessa reforma está a
questão do isolamento das pessoas portadoras de transtorno mental em
hospitais psiquiátricos, não permitindo o convívio dessas pessoas em seu meio
ambiente e de seus direitos enquanto ser humano, os quais se perderam ao
longo dos tempos. Busca-se mostrar que é possível tratar as enfermidades
mentais no seio da comunidade, podendo as pessoas acometidas por esse
transtorno usufruir os recursos desta como qualquer outro cidadão, superando o
preconceito existente na sociedade.
A criação do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luís Cerqueira, na
cidade de São Paulo, no ano de 1987, foi um exemplo das novas práticas em
saúde mental propostas no movimento da reforma psiquiátrica, uma vez que é
um serviço extra-hospitalar e possibilita o tratamento de pessoas portadoras de
transtornos mentais que demandam um cuidado contínuo. Seu funcionamento é
de 08 horas diárias e em cinco dias da semana (AMARANTE, 1995).
O Deputado Paulo Delgado, no ano de 1989, apresentou ao Congresso
Nacional o Projeto de Lei n. 3.657/89 no qual propôs a extinção progressiva dos
manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais. Este projeto de
Lei tramitou pelo Senado desde 1990 até ser aprovado pelo mesmo com
3
Idem.
10
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
substitutivos em 1999 (LIMA, 1999) e sancionado pelo Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso sob a Lei Federal n. 10.216 em 06/04/2001. (BRASIL,
Leis etc. Lei n. 10216 de 6 de abril de 2001. –Psiquiatria hoje. n.2, p.8-9, 2001).
A Lei Federal n. 10.216 garante os direitos individuais dos pacientes
psiquiátricos e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, buscando
tornar a assistência psiquiátrica menos hospitalocêntrica, enfatizando um
atendimento comunitário.
Considerando as novas propostas da política de saúde mental e com o
anseio de proporcionar um atendimento que extrapolasse os muros da
instituição, vários profissionais que desenvolviam suas ações técnicas no
hospital psiquiátrico “Professor Cantídio de Moura Campos” – HPCMC,
localizado na cidade de Botucatu/SP, começaram a discutir a possibilidade de
implantar um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS na cidade. As discussões
foram amadurecendo e em fevereiro de 2000, após a conclusão da proposta
terapêutica, deram início aos atendimentos.
O CAPS – “Espaço Vivo” é um serviço extra – hospitalar vinculado ao
HPCMC e atende as normas técnicas da Portaria do Ministério da Saúde n. M.S.
224/92 (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA, 1997). Seu atendimento
está voltado para adolescentes e adultos de ambos os sexos, portadores de
transtorno mental que demandem ou necessitem atenção intensiva e contínua,
residentes nos municípios da região de Botucatu.
Tem capacidade para atender 45 pessoas, sendo 15 em período integral e
30 em período parcial, de acordo com a proposta terapêutica de cada usuário,
sendo que, em cada período o usuário participa das atividades propostas e
recebe alimentação.
A proposta de trabalho do CAPS – “Espaço Vivo” está baseada num tripé,
composto por equipe interdisciplinar, na qual cada profissional, inclusive o
assistente social, oferece seus conhecimentos específicos para juntos definirem
estratégias terapêuticas; família que é fundamental para o apoio e a orientação
àqueles que fazem parte do convívio da pessoa com transtorno mental e o
projeto terapêutico individual (PTI), necessário para identificar as necessidades
de cada um e também mais um instrumento que permite avaliar a trajetória do
usuário dia a dia no serviço.
Baseado neste tripé o serviço visa prestar um atendimento que possibilite
a pessoa portadora de transtorno mental desenvolver e/ou ampliar sua
autonomia em relação a sua vida, respeitando as singularidades de cada um
bem como permitir um tratamento no qual a pessoa possa continuar o convívio
em seu meio social e familiar. Desta forma o CAPS “Espaço Vivo” procura evitar
ao máximo as internações psiquiátricas.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
11
Paralelamente a este objetivo, o serviço tem em vista ainda, atuar frente à
comunidade a fim de possibilitar uma melhor compreensão da doença mental.
Assim, as atividades oferecidas no serviço não têm como princípio manter o
indivíduo ocupado, mas sim possibilitar a produção de sentido, de convívio, de
identidade em cada atividade.
Para que os objetivos do CAPS “Espaço Vivo” sejam alcançados o serviço
também adotou um sistema de referência, ficando cada profissional com um
número determinado de usuários sob sua responsabilidade. A pessoa de
referência traça a trajetória do dia a dia do usuário no serviço – PTI,
acompanhando todo o processo de tratamento, utilizando-se dos outros
profissionais, os quais recebem o nome de rede de ajuda, para viabilizar ações
terapêuticas (PINHEIRO, 1999).
Visto que o CAPS “Espaço Vivo” é o primeiro na região da cidade de
Botucatu vindo de encontro às novas propostas de tratamento do doente mental,
as quais estão sendo discutidas acirradamente, foi importante realizar a presente
pesquisa para avaliar o serviço e traçar o perfil de seus usuários em seu primeiro
ano de atendimento e obter maior conhecimento sobre a realidade vivida pelas
pessoas portadoras de transtorno mental.
Sujeito e Métodos
A pesquisa foi realizada com usuários do serviço CAPS “Espaço Vivo”, de
ambos os sexos, que participaram do tratamento no mínimo de uma semana, em
dias consecutivos, durante o período de 01 de março e 2000 a 30 de março de
2001. A amostra inicial consistia em 55 usuários correspondendo a 100% da
clientela atendida. No entanto, houve uma perda de cinco pessoas: três foram a
óbito, uma não foi localizada e uma outra não foi possível o acesso. Assim nossa
amostragem final foi de 50 usuários.
Os dados foram coletados no período de abril a julho de 2001 através da
aplicação de formulários, contendo 24 questões. A aplicação dos mesmos
ocorreu no próprio serviço ou em visitas domiciliares quando necessário, mesmo
no caso dos usuários que residiam em municípios fora de Botucatu.
Resultados e Discussão
Através da pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção
Psicossocial Espaço Vivo pudemos caracterizar a população do serviço em seu
primeiro ano de atendimento. Constatamos que há o predomínio de mulheres
(52%), podendo ser explicado pelo fato das mesmas procurarem mais os
serviços de saúde do que os homens. O Hospital – Dia da Faculdade de
Medicina de Botucatu é um serviço similar ao CAPS – Espaço Vivo e em seu
12
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
grupo de usuários de acordo com a pesquisa realizada (LIMA, 1999), o sexo
feminino também foi o predominante (76,5%).
Com relação à idade, a população usuária do CAPS – Espaço Vivo é
jovem e está em período produtivo da vida, 40% possuem idade entre 30 e 39
anos e 22% entre 20 e 29 anos. Um fator que pode ser investigado dentro desta
análise é o fato das pessoas mais idosas já estarem institucionalizadas, o que é
justificado pela própria história da assistência psiquiátrica, ou então, devido o
período de tempo da doença ser grande e os familiares diminuíram as
expectativas de melhora (LIMA, 1999).
Quanto ao estado civil, há uma porcentagem considerável de pessoas
solteiras (54%) enquanto apenas 24% estão casadas. Podemos dizer que uma
doença, no caso, a mental, dificulta o estabelecimento de um relacionamento de
toda natureza, incluindo o conjugal (tabela 1).
Tabela 1: Idade, sexo e estado civil dos usuários do CAPS - Espaço Vivo
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Estado
Civil
Idade
Solteiro
Casado
Separado
Solteira
Casada
Separada
Viúvo
%
%
%
%
%
%
%
20-29
7 - 14
1–2
2–4
1-2
30-39
8 - 16
1–2
1-2
1–2
6 - 12
3-6
40-49
2-4
1–2
2–4
1-2
2-4
1–2
9 – 18
50-59
2-4
3–6
1-2
1-2
1–2
8 – 16
1–2
2–4
3–6
50 – 100
60-69
TOTAL
11 – 22
1–2
19 - 38
3–6
2-4
8 – 16
9 -18
%
6 - 12
20 – 40
Fonte: Pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo Botucatu, SP, 2001.
Como era previsto, a procedência maior foi da cidade de Botucatu (68%),
pois além do serviço ser regionalizado e prestar atendimento aos trinta
municípios que estão vinculados a DIR XI, a locomoção das pessoas que
residem em outra cidade até o município do serviço é intrincado.
Em relação a escolaridade, 60% dos usuários do CAPS “Espaço Vivo” tinham
instrução apenas no ensino fundamental, sendo que desta, 48% possuía o ensino
fundamental incompleto e 12% o ensino fundamental completo. A escolaridade
verificada neste trabalho, não destoa daquela encontrada em outros estudos. LIMA
(1999) avaliando usuários do Hospital – Dia da Faculdade de Medicina de Botucatu
encontrou que 64,7% tinha até a 8ª série do ensino fundamental (tabela 2).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
13
Tabela 2: Quanto à escolaridade dos usuários do CAPS - Espaço Vivo
Escolaridade
N
Analfabeto
1
2
Ensino Fundamental Incompleto
24
48
Ensino Fundamental Completo
6
12
Ensino Médio Incompleto
2
4
Ensino Médio Completo
10
2
Curso Técnico
1
2
Superior Incompleto
3
6
Superior Completo
2
4
Não soube responder
1
2
50
100
TOTAL
%
Constatou-se que 24% dos entrevistados são aposentados, seja por
tempo de serviço ou devido problemas de saúde, 38% estavam desempregados
no momento da entrevista e 8% faziam “bicos” como forma de ajudar no sustento
ou mesmo para provê-lo. Nesse contexto não podemos deixar de considerar o
problema do desemprego que agrava o País, a baixa qualificação da população.
No entanto estes são fatores que provavelmente se somam ao preconceito
existente na sociedade em relação aos doentes mentais, que são vistos como
incapazes de realizar qualquer tipo de atividade. Talvez seja importante
mencionar que existem quadros psiquiátricos em que de fato, a pessoa vai aos
poucos se debilitando, mas não podemos generalizar, pois muitos adoecem
mentalmente e após tratamento possuem plenas condições de retornarem ao
mercado de trabalho.
Em relação a renda dos usuários, 46% possuíam renda entre um e três
salários mínimos (salário mínimo vigente de R$ 200,00), provenientes de
benefícios de prestação continuada, aposentadorias entre outros e 34% não
possuía nenhuma renda, o que acabou influenciando diretamente na qualidade
de vida da pessoa.
Durante toda a história da assistência psiquiátrica no mundo e em
especial no Brasil, os doentes mentais dificilmente foram ouvidos, sendo sujeitos
passivos do tratamento. Hoje a reforma psiquiátrica busca torná-los sujeitos
ativos, ouvindo seus desejos, críticas, opiniões e sugestões, e isto, de fato está
ocorrendo, pelo menos no CAPS “Espaço Vivo” onde 80% de seus usuários
sentem que suas idéias têm valor.
14
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
Ao aplicar o formulário para a realização da presente pesquisa, um
familiar mencionou que o Ministério da Saúde havia enviado uma carta
solicitando que os dados da internação do paciente fossem conferidos e que
respondessem cinco perguntas com o intuito de avaliar o hospital onde esteve
internado. Esta iniciativa por parte do Estado foi a primeira vez na história da
psiquiatria, significando que de fato estão buscando mudar a saúde mental no
Brasil e procurando ouvir do usuário, sua avaliação sobre o tratamento recebido.
Ele passou a ser sujeito da ação.
A família é um outro ponto discutido no processo da reforma
psiquiátrica. É necessário que esta participe efetivamente do tratamento de
seu familiar. Segundo 76% dos usuários do CAPS – Espaço Vivo a
participação da família é importante, e como afirmam, 50,1% são as pessoas
mais próximas que convivem junto a eles e participando do tratamento podem
entender melhor a doença, demonstrando preocupação e assim fazendo com
que a pessoa/usuário se sinta melhor, como responderam 5,3% dos
entrevistados (tabelas 3 e 4).
Tabela 3: Importância da participação da família no tratamento na visão dos usuários do
CAPS - Espaço Vivo
Sim
Importância
N
38
%
76
Não
10
20
2
4
50
100
Não responderam
TOTAL
Fonte: Pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo Botucatu, SP. 2001.
Tabela 4: Motivos que os usuários do CAPS - Espaço Vivo apresentam em relação à
importância da família estar participando do tratamento.
Motivos
Os familiares são as pessoas mais próximas e podem entender melhor a doença
N
19
%
50,1
A família apóia e fortalece
7
18,5
A participação da família faz parte do tratamento
1
2,6
Mostram que se preocupam com eles, assim sentem-se melhor
2
5,3
É importante devido aos problemas de saúde
3
7,8
Ajudam a resolver os problemas
1
2,6
Não souberam responder
5
13,1
TOTAL
38
100
Fonte: Pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial EspaçoVivo Botucatu, SP. 2001.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
15
Observamos que a importância da participação da família no processo
de tratamento, também está sendo compreendida pela mesma, 58% dos
usuários contaram com a participação de pelo menos um familiar no
tratamento (tabela 5).
Tabela 5: Quanto à participação da família no tratamento
Participação
N
%
Sim
29
58
Não
19
38
2
4
50
100
Não responderam
TOTAL
Fonte: Pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo –
Botucatu/SP 2001.
O grupo de apoio à família foi freqüentado por 62,1% dos familiares dos
usuários do serviço, sendo esta uma das formas de expressão que os familiares
recorrem. Quanto aos familiares que não participaram (38%), referiram ser a falta
de tempo (15,8%) e problemas pessoais (10,5%) os motivos que “impedem” tal
participação.
Um dos pontos discutidos no movimento da reforma psiquiátrica é a
exclusão social das pessoas portadoras de transtorno mental. Em relação a esta
variável constatamos que 50% dos usuários do CAPS “Espaço Vivo” não se
sentem segregados, ou seja, marginalizados pela sociedade, indicando que o
serviço está desenvolvendo seu trabalho no sentido de colaborar na superação
do preconceito existente na sociedade, em relação às pessoas portadoras de
transtorno mental. No entanto, não podemos desconsiderar que 40% dos
entrevistados responderam que se sentem marginalizados sim, apresentando
motivos convincentes e reais, como a falta de confiança e o afastamento das
pessoas devido à doença mental (65%) e comentários (25%). Salientamos que a
questão do preconceito não é fácil de ser trabalhada, pois é uma questão que foi
sendo estruturada ao longo dos anos.
De acordo com os resultados obtidos na pesquisa, podemos dizer que o
CAPS “Espaço Vivo” vem buscando melhorar as relações sociais de seus usuários,
segundo 76% dos entrevistados, seja através de grupos (34,2%), passeios,
comemorações com familiares, atividades expressivas e manuais (13,2%) ou
devido ao próprio ambiente (7,9%). Uma usuária mencionou que ir ao CAPS
melhorou sua vida, pois voltou a viver normalmente; ser alegre; ir aonde desejasse
sozinha; antes chorava muito, tinha medo de tudo, até de chegar perto dos filhos.
16
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
Com este relato somado aos dados coletados, percebemos que o CAPS –
Espaço Vivo influencia de modo positivo na qualidade de vida de seus usuários
(75,5%), seja melhorando a saúde (17,6%); o relacionamento com outras
pessoas, havendo um convívio social (22,8%) ou por não precisarem de
internação psiquiátrica fechada (8,8%). Os objetivos do CAPS- Espaço Vivo
estão sendo atingidos, como o de evitar internações, dos 55 usuários que
passaram pelo serviço no primeiro ano de atendimento, foram efetuadas onze
internações (20%). É um número favorável se considerarmos que 26% dos
entrevistados tiveram anteriormente ao tratamento, de duas a cinco internações
e 22% mais do que dez internações psiquiátricas fechadas (tabela 6).
Tabela 6: Número de Internações em Hospitais Psiquiátricos dos usuários do CAPS Espaço Vivo
N. de Internações Psiquiátricas
N
%
Nenhuma
1
2a5
6 a 10
10
Não lembra
TOTAL
10
20
8
16
13
26
7
14
11
22
1
2
50
100
Fonte: Pesquisa realizada junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo
– Botucatu/SP, 2001.
Bueno (2001), relata em seu livro Canto dos Malditos o seguinte depoimento:
Ao sair dos hospícios, ficamos com muitas seqüelas. O nosso
emocional fica quebrado, altamente sensível e inseguro para
enfrentar a vida aqui fora. Ficamos com medo de sair na rua,
com desconfiança de nos aproximarmos das pessoas. Muitas
vezes, leva tempo para nos livrarmos dos efeitos da medicação
excessiva que tomamos. Outro problema são as cobranças dos
familiares, que também não sabem lidar com a situação
precária, com o emocional do ex-interno. Se, na minha época,
existissem os “trabalhos substitutivos” creio que eu nem teria
sido internado...
Conclusão
A saúde mental é um setor que ainda precisa passar por várias
transformações, propostas de serviço são, sem dúvida, imprescindíveis para o
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
17
sucesso nesta área, mas devemos estar atentos a pontos como o de ter serviços
de saúde organizados e orientados para as necessidades de seus usuários,
identificando e investindo nas potencialidades das pessoas, as quais tem direitos
e valores, tratando-as com humanidade e respeito, considerando suas
singularidades. E como afirma Rosa (2002), a maior tecnologia em saúde mental
é o relacionamento humano.
É preciso menos exclusão, menos discriminação para que as pessoas e
seus respectivos familiares atingidos pelo transtorno mental possam ter uma vida
melhor.
MARCHIS, E. C.; SIMÃO, M. O.; PINHEIRO, G. M. CAPS: a new proposition of treatment and the
importance of this service to its users. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p.9-20,
2003.
•
ABSTRACT: The psychiatric assistance was based until 1970 on the internment in enclosed
psychiatric institutes the carriers of mental perturbations. “Mental conditions kenned like
madness was motive to isolation and radical treatments”, as emphasizes LEMGRUBER
(2001), seeing that people carriers of mental perturbation would can contaminate other people
of society, representing a social danger. Many critiques emerged regarding the psychiatric
treatment that was offered, mainly behind the Second World War, when the psychiatric
asylums were compared to the prisoners concentration fields. It was necessary a
reformulation in the offered psychiatric assistance, seeing the carriers of mental perturbation
like subjects and not objects of action. Arises the movement of psychiatric reform. One of the
guidelines of this movement is the gradual substitution of the psychiatric hospitals for
communal and open services. In Botucatu one of the possibilities of mental health attention is
the Social Psychic Attention Center – CAPS “Espaço Vivo”, created towards the
implementation of this new form of attention to the mental health, corresponding to the
retirement of mental carriers of institutions. This work according to the principal obtained
results in the performed research with users, demonstrated that the life quality bettered, in
order that avoided the closed internment and made possible to people with mental
perturbations to stay in their familiar and social contexts, kepting its relations.
•
KEYWORDS: Social Exclusion; Psychiatric Reform; Treatment.
Referências Bibliográficas
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PINHEIRO, A. G. M. et al. Projeto Centro de Atenção Psicossocial de Botucatu.
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ROSA, Lucia Cristina dos Santos. Serviço Social e Saúde Mental. Palestra
proferida durante o Curso de Saúde Mental e Serviço Social no I CONASS,
realizado em abril de 2002, em São Paulo.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 9-20, 2003
19
O SIGNIFICADO DA PARTICIPAÇÃO PARA OS PAIS
COORDENADORES DO PROGRAMA AGENTES MULTIPLICADORES
DO SERVIÇO SOCIAL DE PROJETOS COMUNITÁRIOS DO HRAC
Marcela Cristina CHADDAD*
Silvana Aparecida Maziero CUSTÓDIO**
Lilia Christina de Oliveira MARTINS***
•
RESUMO: A Reabilitação tem na participação social um dos meios para sua
concretização. Tornou-se importante situar a relação entre o significado da participação e
o nível de envolvimento para os pais coordenadores do Programa Agentes Multiplicadores
do Serviço Social do HRAC-USP. Objetivou-se com este estudo a explicação e a
compreensão do significado da participação para os pais coordenadores. A metodologia
da pesquisa baseou-se na abordagem quanti-qualitativa e a análise dos dados concebeuse pelo método dialético. A pesquisa teve como sujeito os pais coordenadores vinculados
as associações, tendo como instrumental de investigação o questionário semi estruturado
que trabalhou alguns eixos analíticos como participação, organização e mobilização.
Verificou-se que as ações desenvolvidas por estes pais imprimem gradualmente o caráter
sócio-político e o processo de participação vem sendo entendido como elemento essencial
para as mudanças sociais e a conquista da cidadania.
•
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; Pais Coordenadores; Agentes Multiplicadores.
Introdução
O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de
São Paulo (HRAC-USP), fundado em 1967, é especializado no tratamento das
anomalias craniofaciais (fissura labiopalatal e deformidades congênitas do crânio
e da face) e distúrbios da audição, visão e linguagem. O Hospital presta
atendimento público e integral, reconhecendo saúde como direito universal e
dever do Estado. O tratamento oferecido é mantido pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) e tem por objetivo a reabilitação de seus pacientes. O tratamento
das fissuras lábio-palatais é complexo e longo, por isso necessita de
acompanhamento contínuo da equipe reabilitadora, de acordo, com as etapas
terapêuticas. São atendidos pacientes de todas as regiões do Brasil e de alguns
países vizinhos. (GRACIANO et al., 1999).
As atividades desenvolvidas pelo Hospital têm por finalidade o ensino, a
Assistente Social, aluna do curso de Especialização em Serviço Social (HRAC/USP).
Mestre em Serviço Social e Coordenadora do Serviço Social de Projetos Comunitários do
HRAC/USP – Orientadora.
*** Livre Docente em Serviço Social e professora do Departamento de Serviço Social da UNESPFranca – Co-orientadora.
*
**
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
21
pesquisa e a extensão dos serviços a seus pacientes. Entre as atividades
destacam-se: assistenciais, de prevenção, tratamento, proteção e recuperação
da saúde. Para atender seus objetivos conta com uma equipe especializada e
interdisciplinar, composta por profissionais de nível superior (médicos, dentistas,
fonoaudiólogas, psicólogas, enfermeiras, assistentes sociais, fisioterapeutas,
nutricionistas e outros). (GRACIANO et al., 1999)
Tendo em vista a participação como meio eficaz de mudanças nas
políticas públicas, que favorece a consolidação dos direitos sociais e viabilizando
a emancipação do ser enquanto sujeito individual para o coletivo, a presente
pesquisa buscou situar a relação entre o significado da participação e o nível de
envolvimento comunitário dos agentes do Programa dos Pais Coordenadores do
Serviço Social do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo.
Dessa maneira, a análise teve como objetivo a explicação e compreensão
do significado da participação para os agentes multiplicadores do Hospital.
Procurou analisar a importância do processo de participação para os pais
coordenadores, verificando se este trabalho voluntário tem estimulado a
participação em outras lutas sociais mais amplas. Buscou refletir sobre o
processo de conquista dos direitos sociais e a consolidação da cidadania desses
agentes, analisando como ocorre a participação e atuação na sociedade civil.
Esta pesquisa também pretendeu enfocar a representação social desses
agentes, propondo medidas que visem melhorias em sua capacitação,
objetivando-se, portanto, a qualidade do Programa.
Em primeiro lugar è contextualizado o trabalho desenvolvido pela equipe
de Serviço Social e, em específico, o Programa Agentes Multiplicadores do
Serviço Social de Projetos Comunitários do HRAC-USP.
Em segundo discute-se as questões relacionadas à participação social.
Inicialmente, foi traçado um breve histórico-social da participação,
contextualizando-a em seus aspectos e conceitos fundamentais. A realidade
social vivenciada no campo da saúde foi refletida com a abordagem a
participação diante do contexto sócio-político brasileiro e do programa de pais
coordenadores.
Em seguida o texto descreve o processo metodológico usado para a
realização da pesquisa e, em seguida, ocupa-se em trabalhar com a
interpretação dos dados coletados, correlacionando teoria e prática.
As Considerações Finais analisam a consecução dos objetivos propostos
da pesquisa, avaliando a relevância do estudo. Discutiram-se ainda alternativas
que visem melhorias na capacitação dos agentes multiplicadores.
22
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
1
Contextualização do Serviço Social do HRAC-USP
Para iniciar a discussão em torno do significado da participação para os
pais coordenadores é necessário contextualizar antes o trabalho desenvolvido
pelo Serviço Social do HRAC-USP.
1.1
Serviço Social no HRAC-USP
O Serviço Social do HRAC-USP pertence à Divisão de Atividades Técnico
Auxiliares (DATA) e compreende três setores: Ambulatório, Internação e Projetos
Comunitários. Atua como mediador entre usuários, familiares e comunidade nas
relações com o Hospital e tem por objetivo a viabilização do acesso ao
tratamento e sua continuidade, visando à inclusão dos portadores de anomalias
craniofaciais em uma política de saúde, por meio dos programas de apoio à
reabilitação.
O Serviço Social desenvolve diversos programas sociais na área de
prestação de serviços, ensino, pesquisa e gestão.
Os programas de prestação de serviços (GRACIANO et al., 1999)
desenvolvidos pelo Serviço Social incluem:
• Serviço Social Ambulatorial: Acolhimento e atendimento de casos
novos; Assistência continua aos pacientes e familiares: plantão social
in loco.
• Serviço Social “Projeto Bauru”: Acolhimento a casos novos de
Bauru; Assistência contínua aos pacientes de Bauru: Família, Escola,
Trabalho e Comunidade; Prevenção e Intervenção em casos de
abandono de tratamento do Projeto Bauru; Adoção Nacional e
Internacional.
• Serviço Social de Internação: Integração e dinamização hospitalar:
internação, acompanhamento, alta e óbito; Assistência hospitalar aos
usuários: plantão social durante o período de internação; Assistência
hospitalar aos usuários: Chamadas emergenciais.
• Serviço Social de Projetos Comunitários: Agentes multiplicadores:
pais coordenadores; Parceria com Prefeituras Municipais; Carona
Amiga; Capacitação de representantes comunitários; Mobilização do
Tratamento Fora do Domicílio (TFD) do SUS; Parcerias com
Promotorias Públicas; Intervenção em casos de abandono de
tratamento e sempre que possível prevenção do abandono;
Assessoria às associações e núcleos; Parceria entre Serviço Social
de Projetos Comunitários e Programa de descentralização.
• Parceria com Recursos Institucionais: Assistência aos usuários
das Unidades de Pré-internação e Pós – cirúrgico; Assistência social
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
23
integrada: HRAC-USP e Sociedade de Promoção Social do Fissurado
Lábio Palatal (PROFIS).1
Todos os programas/ projetos sociais se articulam na perspectiva de
totalidade e cidadania visando à inclusão social.
Os programas de ensino e pesquisa objetivam a formação e
aperfeiçoamento dos recursos humanos em Serviço Social (supervisão dos
estagiários, curso de malformações, curso de aperfeiçoamento e cursos de
especialização), a participação em eventos científicos, bem como a participação
em pesquisas sociais e/ou interdisciplinares.
No programa de Gestão, a administração de Recursos Humanos, visa o
planejamento, organização, coordenação, supervisão e avaliação das atividades
do Serviço Social.
Com todos esses programas/projetos o Serviço Social tem como desafio a
construção de diferentes espaços rumo à conquista de direitos de cidadania, por
meio de uma prática profissional competente e comprometida com os usuários,
(GRACIANO, 1999).
Apresentaremos a seguir uma visão geral do Programa de Pais
Coordenadores/Agentes Multiplicadores, no qual estão inseridos os sujeitos
desta pesquisa, visando fornecer subsídios que possibilitem o seu conhecimento
e apreensão do compromisso com a população usuária.
1.2
Programa de Pais Coordenadores/Agentes Multiplicadores
Pais coordenadores são pais e/ou pacientes adultos que, por meio do
trabalho voluntário, representam elementos de ligação entre a família, a
comunidade e o Hospital. São representantes dos portadores de deficiências de
suas respectivas cidades, trabalhando em busca da defesa de seus direitos e
interesses comuns.
Para ser coordenador o ideal é que os pais procurem de forma
espontânea o serviço social com o interesse em ser o coordenador de seu
município, no entanto quando isso não ocorre o serviço social procura durante
seus atendimentos identificar pais com potencial para assumir tais
responsabilidades. Para tanto, é necessário, um certo grau de instrução,
facilidade
de
comunicação
para
efetuar
os
contatos
com
representantes/autoridades em seu município e condições de acesso facilitado
(domicílio fixo, telefone e outros). No entanto, o mais relevante para a
elegibilidade é o tipo de fissura e a etapa de tratamento que o paciente se
1 PROFIS - Sociedade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal, tem por finalidade prestar
assistência social aos pacientes em tratamento no HRAC/USP (Centrinho), com o qual ela
mantém convênio e intercâmbio de idéias e programas.
24
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
encontra, o que determina a sua freqüência ao hospital. Periodicamente o setor
de Serviço Social de Projetos Comunitários analisa as listagens das cidades que
não possuem pais coordenadores e a partir dessa análise solicita o seu
agendamento para verificar o interesse e potencial para assumir a
responsabilidade como representante dos pacientes em seu município.
Em relação a este Programa o Serviço Social tem como função motivar,
selecionar, capacitar, supervisionar e avaliar os coordenadores, dando apoio e
suporte ao trabalho comunitário desenvolvido. Dessa maneira, busca capacitar
os pais coordenadores para o processo participativo e organizativo em apoio à
reabilitação, através de entrevistas, reuniões, encontros e cursos. Entre as
funções dos pais coordenadores estão: divulgação, apoio, mobilização e
organização.
• Divulgação: tem por objetivo a apresentação do Hospital e das
associações de pais em pontos estratégicos de sua comunidade.
Trabalho que procura democratizar as informações a cerca dos
serviços prestados em relação aos hospitais e as associações.
• Apoio: tem por objetivo prestar orientação e esclarecimentos sobre
as rotinas do Hospital, recursos comunitários (Tratamento Fora de
Domicílio - TFD, Sistema Único de Saúde - SUS, Promotorias,
Conselhos, Carona Amiga, Associações e outros). Visa também ao
acompanhamento da freqüência do paciente ao tratamento,
localizando pacientes e, situação irregular (faltosos), dando apoio
através da motivação e diálogo com os pacientes e familiares entre
outras atividades de apoio.
• Mobilização: mobilizar recursos humanos e materiais em sua
comunidade, viabilizando o acesso ao tratamento por meio de
Prefeituras, Carona Amiga, Tratamento Fora de Domicílio, Sistema
Único de Saúde, Promotorias e Associações e a sua continuidade.
Identificar profissionais interessados em tornar-se representantes
comunitários para um trabalho em conjunto.
• Organização: coordenação e organização da carona amiga e das
associações, promoção de reuniões, eventos e visitas que facilitem
seu trabalho, registro das atividades executadas e outras atividades.
Dessa maneira, por perceber que a reabilitação da pessoa portadora de
anomalias craniofaciais, entendida como processo que busca a inclusão social,
tem na participação um dos meios para sua concretização, tratou-se de abordar
aspectos relacionados à participação, objetivando pela construção e discussão
de conhecimentos a cerca da temática.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
25
2
Participação Social
Com base em Demo (1993), a participação é definida como um processo
de conquista imprescindível para a organização da sociedade. O processo da
participação, compreendido, então, como conquista, se opõe a toda e qualquer
forma de concessão, necessitando do compromisso e envolvimento para a
garantia dos direitos sociais e consolidação da cidadania. Por meio da
participação abre-se espaço para a conquista da democracia, visando à justiça
social, assegurando, dessa forma, a universalidade de acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais. Conforme Bonetti (1998) a
democracia é entendida enquanto socialização da participação política e da
riqueza social produzida.
2.1
Aspectos Relevantes da Participação Social
A participação ao longo da história aparece vinculada a diversas idéias.
Durante o período pós-guerra, esteve associada as idéias de modernização e
democracia, na medida em que preconizava a inserção dos países
subdesenvolvidos no desenvolvimento internacional, (SIMIONATO, 1997).
Já nos anos oitenta, assiste-se ao fortalecimento do discurso da
participação, enfocada-a em seu caráter coletivo, associada a democracia e ao
controle social. Dessa maneira, a participação aparece como fortalecedora dos
espaços de controle social e gestão das políticas públicas.
No entanto, em virtude do reordenamento das políticas públicas em favor
da implementação do projeto neoliberal, a participação aparece desconstituída
de seu caráter coletivo, para expressar apenas a cooperação solidária.
O discurso da participação aparece descaracterizado e
reduzido a operação solidária entre os cidadãos, mediada pelo
Estado, ausente de sentido político e envolto em uma grande
opacidade e maleabilidade, (SIMIONATO, 1997 p. 158).
Apesar da busca concreta e constante por sua legitimidade enquanto
processo de caráter sócio-político, a participação, face à implementação da
política neoliberal, sofre com o esvaziamento e deturpação de seu discurso
enquanto mantenedora do projeto de transformação social, favorecendo a
garantia dos direitos sociais em busca da cidadania plena.
No entanto, apesar dos contrapontos, é necessário lembrar a importância
do processo de participação para a efetivação dos direitos sociais. Deve-se visar
por práticas que coloquem a participação como processo democratizante,
objetivando-se a construção de novos sujeitos políticos coletivos e a
emancipação do ser humano. Ressalta-se, dessa forma, seu papel no
26
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
fortalecimento dos espaços de controle social e gestão das políticas públicas.
A participação se coloca como processo inerente ao ser humano de
pensar e agir sobre determinada realidade, visando o enfrentamento de desafios
e conquista de seu espaço. Deve ser enfocado nas relações sociais, almejando o
poder de decisão sobre suas condições básicas de existência. Portanto, não
pode ser dissociada da questão social. Assim, a participação, enquanto processo
social, pode tanto caminhar para a transformação da realidade social, buscando
o rompimento com a alienação sócio-cultural-política como apenas ser mais um
instrumento de reprodução das relações sociais.
O processo participativo envolve algumas dimensões como: a
representatividade da liderança que envolve democraticamente a confiança, a
legitimidade do processo, a participação de base que envolve a reivindicação
dos direitos e compromisso e o planejamento participativo auto-sustentado.
(DEMO, 1991).
Entende-se, então, que a participação ocorre das e nas relações sociais,
que é um processo histórico e está permeada pelo pensamento de grupos sociais.
O processo de participação abrange a conscientização, organização e
capacitação, pois somente por meio do compromisso e do real entendimento de
sua importância, é que esta irá garantir seu papel de não reprodutora das
relações sociais.
A conscientização, enquanto processo de desvendamento da realidade
social, visa à ação do homem em sua realidade. A conscientização permite a
passagem do homem da consciência individual para a consciência social. Na
medida em que o processo de conscientização busca a ação coletiva do homem
sobre a realidade, a organização se coloca como processo inerente à
conscientização. Conforme Souza (1993, p. 93),
Conscientização é organização, pois supõe tomada de atitude
que implica a compreensão da força social da população
quando articulada e organizada Por sua vez, organização é
conscientização, pois a população projeto, avalia e confronta
sua força social com a dinâmica da realidade social.
Complementa essa autora que a partir do momento em que a população
inicia seu próprio processo de conscientização e organização, percebendo a
essência da realidade social, temos o processo de capacitação.
A ausência de qualidade nas organizações reflete a não qualidade
democrática da sociedade. Para garantirmos os direitos sociais, é necessário
caminhar em busca da qualidade política, e compreender que somente por meio
da organização da sociedade é que será possível ter a cidadania plena.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
27
Conforme Demo (1988, p. 40) "Qualidade política é aquela que trata dos
conteúdos da vida humana e sua perfeição é a arte de viver”.
Portanto, a participação, aparece como uma das principais diretrizes
preconizadas pelas políticas públicas. Assiste-se o enfoque da participação
tanto pela sua importância para formulação e execução das políticas sociais
em busca da concretização dos direitos sociais, como para o processo de
democratização e justiça social para consolidação do projeto ético-político
visando à emancipação do ser humano. Em seguida, será contextualizado a
participação social no campo da saúde em relação ao contexto social e político
brasileiro.
2.2
Participação Social na Saúde Diante à Realidade Brasileira
A crise econômica e o processo de redemocratização do Brasil na década
de oitenta, culminou com a rediscussão do Sistema Nacional de Saúde
Brasileiro. A 8ª Conferência Nacional de Saúde impulsionou segmentos da
sociedade e de profissionais da saúde para o debate em torno da reestruturação
da saúde, por meio da Reforma Sanitária. (MENDES, 1994).
A Reforma Sanitária poder ser entendida como processo democratizante
e modernizador em torno da política de saúde, trazendo mudanças na política
judiciária, operacional e institucional. Com esse processo, a saúde, a partir da
promulgação da Constituição Federativa de 1988 e da implantação do Sistema
Único de Saúde (SUS), é colocado como questão coletiva, de natureza social e
política. A saúde é entendida como direito do cidadão e dever do Estado, sendo
garantida a universalidade e igualdade nas ações e serviços prestados para a
promoção, proteção e recuperação, integrando a rede organizada e
hierarquizada formada pelo SUS.
Dessa forma, presencia-se diversas mudanças na Política de Saúde, tais
como: estratégia do SUS, democratização do poder local, descentralização das
ações para os estados e municípios e outras. Assistimos, então, a alteração do
conceito de saúde, sendo esta expressada por meio dos níveis de organização
social e econômico da população brasileira, tendo como fatores determinantes e
condicionantes a alimentação, moradia, meio ambiente, renda, educação, lazer,
trabalho, saneamento básico e transporte.
Com a implantação do SUS temos como principais diretrizes e princípios
da Saúde: universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos níveis de
assistência, integridade de assistência, igualdade da assistência à saúde,
preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral, descentralização político-administrativa, participação social e outros.
Dessa forma, por meio do processo de descentralização e
28
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
democratização da política de saúde assiste-se ao fortalecimento do controle
social e, da participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas.
Portanto, participação social aparece delimitando o controle social na gestão da
política de saúde, sendo os Conselhos de Saúde um dos mais importantes
canais de participação social.
O controle social é entendido como participação da comunidade na gestão
das políticas públicas e, não no sentido de manutenção da ordem social. Nesse
sentido, entende-se que a construção da cidadania ocorre a partir desses
espaços de participação.
A participação permite a construção dos espaços de controle social, tais
como os Conselhos, viabilizando a capacitação e formação de novos sujeitos
políticos. De acordo com Bravo e Potyara (2002, p. 44),
A participação é concebida como a gestão nas políticas através
do planejamento e fiscalização pela sociedade civil organizada.
Ou seja, a interferência política das entidades da sociedade
civil em órgãos, agências ou serviços do Estado responsáveis
pela elaboração e gestão das políticas públicas na área social.
No entanto, lembramos que a partir dos anos noventa, com a
implementação da política neoliberal no Brasil, assiste-se ao redirecionamento
do papel do Estado. Presencia-se a redução dos direitos sociais e o desmonte
das políticas públicas.
Ressalta-se que enquanto no cenário mundial a desregulamentação, a
flexibilização e a privatização aparecem como elementos inerentes à política
neoliberal, o Brasil ainda estava em processo de criação de mecanismos
políticos-democráticos de regulação do sistema produtivo. No entanto, a
reestruturação do capitalismo veio implementar medidas visando à integração ao
sistema econômico mundial que conforme Neto (1999, p. 79),
tratava-se de implementar uma orientação política
macroscópica que, sem ferir grosseiramente os aspectos
formais da democracia representativa, assegurasse ao
Executivo Federal a margem de ação necessária para
promover uma integração mais vigorosa ao sistema econômico
mundializado-integração conforme às exigências do grande
capital e, portanto, sumamente subalterna.
Dessa maneira, nota-se que a implementação do projeto político do
grande capital inviabiliza a alternativa constitucional da construção do Estado
atrelado as propostas de responsabilidade social e direitos sociais universais, na
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
29
medida em que implementa a liberalização comercial, abertura sem restrições ao
capital internacional, minimização do papel do Estado na economia, privatização
estatal, revogação das leis de proteção social e trabalhistas visando a autoregulação econômica pelo mercado.
No entanto, os espaços de representação social coletivo podem tanto
favorecer o avanço da política neoliberal, preconizando as práticas de autogestão, autonomia do indivíduo e liberdade, como também podem constituir um
espaço de luta pela democratização e de patamares de equidade e justiça
social.
Dessa forma, as novas diretrizes propostas pela política nacional de
saúde se podem favorecer a consolidação da saúde como direito universal,
requisitando pela participação da sociedade na gestão da política, pode também
contribuir para a implementação do projeto neoliberal implementando a participação
da sociedade civil sem o devido repasse dos recursos públicos, visando em sua
totalidade pela ausência do Estado em suas responsabilidades sociais.
Portanto, a descentralização político-administrativa dos serviços e ações
de saúde preconizada como uma das principais diretrizes do SUS, não aparece
como partilha de poder, mas sim como descongestionamento da saúde por meio
de medidas que visem ao cerceamento dos recursos e estimulem medidas em
acordo com a agência do mercado financeiro. “O problema do enfoque neoliberal é
que a descentralização dá se num contexto de uma proposta de diminuição do
Estado em busca de um Estado Mínimo”. (MENDES, 1994, p. 51).
Sendo assim, no campo das políticas sociais, diante à política neoliberal,
presencia-se três eixos fundamentais como estratégia de estabilização:
privatização, descentralização e focalização.
Reafirma-se a necessidade de estabelecer estratégias que visem à
participação consciente e transformadora da realidade social, possibilitando a
garantida dos direitos sociais e a consolidação da cidadania.
2.3
Participação e o Programa de Agentes Multiplicadores
O Programa Pais Coordenadores tem na participação o principal meio
de sua concretização. Sendo uma das principais diretrizes do SUS, a
participação vem permitir o controle social na gestão das ações e serviços.
Considerando a política neoliberal e sua repercussão nas políticas sociais,
percebe-se que o processo participativo dos pais coordenadores abre espaço
para o fortalecimento dos canais de controle social, privilegiando a formação
de novos sujeitos políticos coletivos. Permite a acessibilidade dos usuários, de
forma participativa, ao seu tratamento, contribuindo para a democratização de
suas ações e serviços.
30
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
Nota-se que o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social do HRAC-USP
em relação ao programa de Agentes Multiplicadores tem atendido de maneira
comprometida as diretrizes propostas pela nova política de saúde e com a
construção e fortalecimento do projeto ético-político profissional, daí mais uma
vez a importância desse estudo para detectar o significado da participação para
os sujeitos políticos inseridos neste programa.
3
Metodologia
A metodologia da pesquisa baseou-se na abordagem quanti-qualitativa,
na relevância de que seu principal elemento é propor respostas às questões
particulares de uma realidade, trabalhando com o universo de significados e
valores vinculados nas relações e processos que não se reduzem apenas à
quantificação. (MINAYO, 1997).
Em relação à abordagem qualitativa, buscou-se explicar e compreender o
significado da participação, trabalhando em torno de conceitos, valores e idéias.
A quantificação foi necessária na medida em que descreveu dados relacionados
ao nível, tempo e à freqüência de participação dos pais coordenadores no
Programa Agentes Multiplicadores.
Conforme Minayo (1997, p. 22),
O conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se
opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade
abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer
dicotomia.
A pesquisa pretendeu trabalhar o significado da participação social para
os pais coordenadores do Programa Agentes Multiplicadores do Serviço Social
do HRAC-USP - USP. Teve como sujeitos os pais coordenadores dos municípios
que apresentam associações. Atualmente há 46 Associações de Pais e
Portadores de Fissuras Lábio Palatais e 542 pais coordenadores no país
cadastrados no HRAC-USP. No entanto, conforme levantamento realizado nos
projetos comunitários, constatamos que 38 associações contam com pais
coordenadores em seus municípios.
Dessa forma, o instrumental de investigação utilizado foi o questionário
semi-estruturado enviado com respectivo termo de consentimento por correio
para 38 pais coordenadores dos municípios que apresentam Associações de
Pais e Portadores de Fissuras Lábio Palatais em diversos estados brasileiros,
abrangendo as regiões sudeste, sul, centro-oeste, norte e nordeste, compondo
assim, o universo da pesquisa. O questionário semi-estruturado permitiu uma
reflexão mais ampla e dinâmica por parte dos sujeitos da pesquisa sem
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
31
comprometer seus eixos analíticos referendando o processo participativo, que
são os seguintes: conscientização, organização e capacitação.
Para a análise dos dados foram utilizados os questionários recebidos dos
pais coordenadores dos municípios que apresentam associações. Assim, dos 38
questionários enviados foram devolvidos 14 questionários sendo 13 respondidos
e 1 deles sem resposta, caracterizando uma amostragem de 36,8% do universo
de pesquisa.
Em relação ao questionário não respondido o coordenador justificou que
não seria coerente participar da pesquisa uma vez que não está mais atuando na
associação. Desconsiderou-se esse questionário na quantificação dos dados, já
que optou-se em utilizar apenas os questionários respondidos. Sendo assim,
para a análise dos dados foi considerada a amostragem de 34,8%, ou seja, os
13 questionários respondidos.
Dessa forma, teve como sujeitos da pesquisa 13 pais coordenadores dos
municípios onde existem as associações, representadas por 4 regiões do Brasil.
(Sul, Sudeste, Norte e Nordeste).
A pesquisa foi descritiva incluindo a bibliográfica, a documental e a
pesquisa de campo. Conforme Barros e Lehfeld (2000, p. 70), este tipo de
pesquisa "Procura descobrir a freqüência com que um fenômeno ocorre, sua
natureza, característica, causas, relações e conexões com outros fenômenos”.
A análise dos dados concebeu-se pelo método dialético, na medida em
que apresenta-se relevante a interpretação do estudo a partir do processo
histórico-social e suas contradições, analisando-a em sua totalidade. De acordo
como Faleiros (1985, p. 91) "Do ponto de vista dialético, a metodologia não é um
conjunto de regras mas uma consciência dos processos globais historicamente
dados numa relação contraditória e globalizadora".
Na análise da interpretação dos dados da pesquisa de campo procurou-se
correlacionar os fundamentos teóricos/práticos.
4
Análises dos Dados
Antes de iniciar a análise dos dados com os referidos eixos analíticos da
participação: conscientização, organização e capacitação, torna-se interessante
o perfil dos pais coordenadores, sujeitos da pesquisa, objetivando traçar
aspectos referentes a sua caracterização social, sua atuação como
coordenadores, vínculo com as associações. Acredita-se que essa
contextualização inicial permite maior conhecimento e esclarecimentos dos
sujeitos da pesquisa, possibilitando analisar aspectos relevantes para explicar e
compreender o significado da participação.
32
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
4.1
O Perfil dos Pais Coordenadores
Tabela 1 – Os sujeitos da Amostra Segundo Classe Social, Procedência, Vínculo e Tempo de Atuação
Classe Social
Freqüência
Porcentagem
Baixa Inferior
1
7,6%
Baixa superior
2
15,3%
Média inferior
6
46%
Média
2
15,3%
Média Superior
2
15,3%
Total
13
100%
Procedência
Freqüência
Porcentagem
Norte (AC e AM)
2
15,3%
Nordeste (PE)
1
7,1%
Sudeste (03 SP e 02 MG)
5
38,4%
Sul (03 PR, 01SC e 01RS)
5
38,4%
Total
13
100%
Pai
Mãe
Pais
Paciente
Outros
Total
Vinculo/Paciente
Freqüência
1
6
3
3
13
Porcentagem
7,1%
46,1%
23%
23%
100%
Tempo de Atuação
1 a 3 anos
3 a 5 anos
Acima de 5 anos
Total
Freqüência
4
1
8
13
Porcentagem
30,7%
7,1%
61,4%
100%
Ao ser analisado o perfil dos pais coordenadores vinculados a pesquisa
verificou que 46% destes pertencem a classe sócio econômica média inferior,
sendo que apenas 7,6% da amostra está inserida na classe social baixa inferior.
Esse dado é um reflexo do universo dos pais coordenadores que compreende:
Baixa Inferior 5%, Baixa Superior 31%, Média Inferior 46%, Média 13% Média
Superior 2.5% e não caracterizado 2.5% e também devido aos critérios de
elegibilidade do Serviço Social do HRAC-USP. No entanto ao indagar sobre a
classificação sócio econômica para os pais coordenadores 46,1% consideraramse pertencentes a classe média inferior, 23,0% da classe baixa superior, 15,3%
da classe baixa inferior, 7,6% da classe média, 7,6% classe média superior e
7,6% da classe alta.
Constatou-se também que a maior parte deles é proveniente da região Sul
(38,4%) e Sudeste (38,4%), seguida respectivamente da região Norte e
Nordeste. Ressalta-se aqui, que não foi possível obter representatividade da
região Centro Oeste, já que não foi devolvido nenhum dos questionários
enviados à esta região.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
33
Em relação ao vínculo do coordenador e paciente foi verificado que 46,1%
destes são mães de paciente. Assim, percebe-se que o envolvimento da mulher
no programa, como também em outras lutas sociais, está relacionado a várias
implicações sócio-culturais. Essas implicações refletem que o processo
participativo, conforme referendado nas análises teóricas, se dá mesmo a partir
da necessidade de mudança em uma determinada realidade social, se
colocando como processo de conquista, necessitando de compromisso e
envolvimento para a garantida dos direitos sociais e para o processo de
construção e consolidação da cidadania. Importante também é a participação
dos pais de 23% no programa mostrando a importância da família no tratamento
de reabilitação dos pacientes.
Verificou-se que os pais coordenadores (64,1%) envolvidos na pesquisa
atuam no Programa por mais de 5 anos, demonstrando a continuidade e
necessidade do compromisso e envolvimento para a objetivação do programa
de Agentes Multiplicadores.
4.2
Participação dos Pais Coordenadores nas Associações
Constatou-se, em relação à amostragem, que 84% das associações estão
em funcionamento, sendo que a maioria destas, ou seja, 72,7% apresentam
vínculo com os Conselhos Municipais. Entre estes estão: Conselho Municipal da
Assistência Social (45%), Conselho Municipal da Saúde (27,2%), Conselho da
Criança e Adolescente (36%) e Conselho da Pessoa Portadora de Deficiência
(18,1%).
Em relação ao vínculo com a associação, os dados obtidos apontaram o
período de 1 a 3 anos, em sua maioria, como tempo de atuação do coordenador
na associação, seguido de 36,3% dos pais coordenadores acima de 5 anos,
sendo que a maioria destes, cerca de 63,6% exercem função na diretoria.
Constatou-se ainda que 90,9% dos pais coordenadores participam das reuniões
das associações. As dificuldades colocadas pelos pais coordenadores que não
participam das reuniões estão associadas à falta de informações e espaço para
a participação. No entanto, os pais coordenadores reconhecem a importância de
sua participação para o contato com os outros pacientes, o repasse de
informações e planejamento e execução das ações da associação. Em relação a
participação nas reuniões assinala-se: "...acho importante e necessário participar
das discussões, tanto para planejar as ações como para avaliar as que estão em
prática". (DP 1).2
Verificou-se em relação às associações em funcionamento, que 90,9%
2
A identificação dos questionários será fornecida por depoimento com as siglas DP 1 a DP 13.
34
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
dos pais coordenadores participaram da fundação da associação. Ao indagar-se
sobre as dificuldades da atuação na associação notou-se que estes enfrentam
problemas relacionados com a falta de recursos humanos, articulação com
outras entidades, dificuldades de mobilização de recursos e também de
comunicação com os pais e pacientes. Constatou-se que somente 45,4% dos
pais coordenadores realizaram curso de capacitação de entidades sociais.
Verifica-se a necessidade do incentivo e implementação a cursos de
capacitação, os quais possibilitam aprimoramento, o conhecimento e
gerenciamento de entidades sociais que são aspectos inerentes às atividades
dos pais coordenadores nas associações.
Em relação ao vínculo dos pais coordenadores com as associações os
dados demonstram que estes estiveram presentes, em sua maioria, ou seja,
90,9% na fundação e que exercem grande importância para o funcionamento da
associação. Permite colocar que os Programa Agentes Multiplicadores favoreceu
a participação destes nas associações uma vez que o tempo de atuação como
pais coordenadores, em sua maioria, coincide com o tempo de atuação na
associação. Nota-se a importância do Programa como elemento desencadeador
do processo participativo. Em seguida o estudo tratará de discutir a participação
social e os Pais Coordenadores.
4.3
Participação Social em relação à concepção dos Pais Coordenadores
Acredita-se que para a compreensão e a explicação do significado da
participação no Programa é necessário refletir os processos que permeiam a
participação social. Sendo assim, a análise considerou os seguintes eixos
analíticos do processo participativo: conscientização, organização e capacitação.
Verificou-se que os pais coordenadores consideram importante a
participação social. Ao ser indagado sobre a importância e o significado de
serem coordenadores notou-se que estes aparecem relacionados a vários
sentimentos e valores refletidos na satisfação de poderem ajudar as pessoas em
suas dificuldades, troca de experiências, repartindo as dificuldades no tratamento
e reabilitação dos pacientes. O processo participativo destaca-se pela
mobilização de recursos, permitindo o entrosamento dos pais e/ou pacientes,
facilitando as ações para consecução dos objetivos necessários a reabilitação.
Ao considerar a análise dos eixos analíticos referendados no processo
participativo foi percebido que a conscientização apareceu vinculada a idéia de
ajuda, organização, senso de responsabilidade e orientação. Muitos pais
coordenadores consideram que a consciência está relacionada com a ajuda,
ou seja, "Eu me conscientizo que tenho que ajudar o pequeno a se ajudar..."
(DP 12).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
35
Esse discurso vem descaracterizar a conscientização em seu caráter
político, uma vez que rompe com o entendimento de processo de
desvendamento da realidade, visando a ação do homem. No entanto, ao
preconizar a consciência para ajudar reflete a passagem do homem da
consciência individual para a consciência social, embora muitos pais
coordenadores não façam a relação da conscientização com despertar para a
realidade social, na prática, mesmo permeado pela idéia de ajuda implícita na
atual sociedade, buscam pela ação coletiva do homem sobre a realidade.
Considera-se, então, que embora não haja maior entendimento do
processo de consciência a nível dessas reflexões, a conscientização entendida
como ajuda, responsabilidade e organização expressa o caminho pela
consciência coletiva.
Porém, por outro lado, alguns pais coordenadores expressaram a
conscientização como processo de desvendamento da realidade social
reforçando as análises teóricas. De acordo com estes pais coordenadores a
conscientização pode ser entendida como:
Despertar a consciência de um grupo para os direitos e
deveres. A conscientização leva a participação... (DP 10).
Passar para as pessoas o conhecimento sobre determinado
tema ou assunto e com elas interagir, para que as mesmas
compreendam e entrem nessa realidade e passem a ser
sujeitos dos processos. (DP 1).
A organização aparece relacionada com diversas idéias. Vem associada
com a idéia de traçar objetivos e estabelecer as metas a serem cumpridas, como
também a união, liderança, envolvimento e participação. Reflete também a
organização para o bom funcionamento da estrutura, assumindo, nesse sentido,
a organização do tratamento, em relação aos cuidados com a higiene e a
alimentação, buscando viabilizar o processo de reabilitação. No entanto a idéia
principal expressa de organização reside em:
Grupo que por terem interesses comuns passam a formar um
conjunto de necessidades em ações concretas para conseguir
atingir seus objetivos. Para isso criam regras dentro do
movimento (DP 1).
Nota-se que a organização aparece relacionado à idéia de grupos com
interesses comuns que se unem e se organizam para atingirem seus objetivos.
Verifica-se, entre linhas, a presença da compreensão da força social da
36
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
população quando articulada e organizada na conquista dos direitos sociais.
A capacitação aparece relacionada à preparação para a ação e aquisição
de conhecimentos, expressando sumamente a necessidade de buscar caminhos
que tornem as pessoas capazes de agirem na luta pelos seus direitos sociais. Da
capacitação tem-se: "Ato de tornar capazes os sujeitos que pretendem atuar na
busca de garantia de direitos. Exercício de uma ação que possa mudar seu
comportamento". (DP 1).
Como é notado, a análise dos eixos analíticos possibilitou maior
entendimento do significado da participação social para os pais coordenadores.
Verificou-se que embora alguns pais coordenadores ainda sintam dificuldades de
compreensão da participação como uns dos principais meio de fortalecimento
dos espaços sociais e caminho a ser percorrido para a conquista dos direitos
sociais, o discurso que prevalece atende as reflexões teóricas, uma vez que
imprimem ao significado da participação seu caráter sócio-político.
Dessa forma, ao ser analisado o entendimento por participação social
constatou-se que esta aparece associada à idéia de bem comum e a união em
busca de objetivos comuns. Dessa forma, aparece vinculada a mobilização de
pessoas por uma causa justa, visando pela reflexão e mudança em determinada
realidade social.
Participação Social é participar de qualquer movimento que
tenha o objetivo de garantir o exercício da cidadania, de ter
acesso aos bens e serviços produzidos na sociedade. E, fazer
parte do grupo, lutando, discutindo, propondo e ajudando a
decidir (DP 1).
No entanto, percebe-se ainda que o discurso da participação, ao ser
associada com o bem comum, muitas vezes expressa valores permeados pela
ideologia neoliberal, que enfatiza a participação da sociedade civil não como
forma de controle social, mas como alternativa para a ausência do Estado no
papel da execução de políticas públicas. Disso assinala-se: "Desempenhar um
papel que traga benefícios para toda sociedade". (DP 13). "Onde todos da
comunidade participem buscando o bem comum". (DP 1).
Nesse sentido é preciso refletir que participação social não é somente
desempenho de papéis sociais buscando o bem de toda sociedade, mas sim,
processo de conquista que se opõe a toda e qualquer forma de concessão, que
deve ser entendido em suas contradições, na medida que ocorre nas e das
relações sociais, sendo permeada pelos conflitos de classes e, portanto,
adquirindo sentido antagônico entre os diferentes grupos sociais.
Notou-se também, ao analisar a importância e o significado da
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
37
participação no programa, que esta aparece associada com a idéia de
necessidade para a viabilização do tratamento e reabilitação dos seus filhos e a
importância de poderem ser solidários e contribuir para o tratamento dos demais
pacientes. Percebe-se que os dados referentes ao vínculo com o paciente
refletem, dessa forma, não só a questão da necessidade como também do
envolvimento com a situação vivenciada que estimula as mães a participarem
em maior número do Programa. Confirma-se, dessa forma, o real entendimento
do significado da participação, conforme trabalho anteriormente pelos eixos
analíticos. "É extremamente importante a experiência e o envolvimento dos pais
no repasse aos pacientes novos, nada como alguém que já passou pela
problemática". (DP 11).
Dando prosseguimento a análise buscou-se traçar o significado e a
importância de serem coordenadores. "Significa doação daquilo de bom que
também recebi. Através de pequenos esforços, unidos, obtemos grande força de
mobilização". (DP 6).
Nota-se com este discurso que o Programa Agentes Multiplicadores não
só reflete sua importância como vinculador do processo participativo, enfatizando
seu papel na continuidade e não abandono do tratamento e na reabilitação
global de seus pacientes, como também no reconhecimento pessoal de atuar
como coordenador.
Ao analisar como ocorre a orientação dos pacientes em relação aos
recursos comunitários, verificou-se que os pais coordenadores preocupam-se com o
repasse das informações sempre direcionadas pela perspectiva dos direitos
sociais. Percorrem por atividades que vão desde a indicação dos pacientes para as
associações, hospitais e demais instituições sociais como também orientações
sobre os recursos disponíveis, o caminho percorrido para alcança-los e avaliação
das dificuldades encontradas na consecução desses direitos sociais. Porém,
embora desenvolvam trabalho direcionado na perspectiva dos direitos sociais, em
alguns casos, ainda ocorre a falta de envolvimento do usuário. Percebe-se que
ainda muitos pais coordenadores não possuem preocupação real com a
participação do usuário no exercício da cidadania, uma vez que as ações para a
consecução dos direitos sociais aparecem centralizadas, em alguns casos, na
figura do coordenador. Assim, ao indagar sobre como ocorre a orientação dos
recursos comunitários obteve-se: "...ligando e marcando exames e consultas dos
pacientes, através do SUS e outros. Procuro fazer o melhor". (DP 3).
Se por um lado o significado da participação aparece entendida por parte
dos pais coordenadores em sua concretude, associada com a idéia de luta pelos
direitos sociais e mudança em determinada realidade social, por outro, a
centralização das ações na figura do coordenador implica no reconhecimento de
38
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
diversas questões políticas e culturais que permeiam as relações sociais.
Questões estas que culminam na cultura da não participação, refletidas pelo
processo histórico social da sociedade brasileira e referendadas na análise teórica.
Outra questão a ser discutida diz respeito ao conhecimento da Política
Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência e de seus direitos sociais. Dos pais
coordenadores, 76,9% afirmaram ter conhecimento da política e 84,6% em
relação aos direitos sociais. Entre as dificuldades apontadas foi colocado a
preocupação na aplicação dos direitos sociais referentes a pessoa portadora de
deficiência, sendo muito discutida o enquadramento da pessoa com fissura lábiopalatal como pessoa portadora de deficiência para obter seus direitos sociais em
relação a inserção no mercado de trabalho. Essa questão vem sendo alvo de
discussões tanto pela equipe de profissionais do HRAC-USP, como também
pelos diversos segmentos de profissionais e de organizações sociais que atuam
na Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência. Nota-se, então, que a
preocupação dos usuários reflete, de certa maneira, a prática profissional do
Hospital que busca sempre possibilitar a capacitação do usuário para sua
atuação na sociedade civil em defesa de seus interesses comuns, garantindo a
viabilização da cidadania.
Em relação à participação dos pais coordenadores em outras atividades
verificou-se que 69,2% possuem envolvimento, sendo que (46,1%) mantém
vínculos com os Conselhos Municipais, (30,7%) com grupos sociais e (23%) com
centros comunitários. Ao indagar se o Programa Agentes Multiplicadores
influenciou a participação nessas atividades, 100% destes afirmaram que a
atuação como pai coordenador facilitou a participação em atividades interligadas
a saúde e impulsionou o desenvolvimento de trabalhos voluntários, permitindo
atividades de orientações em outras instituições, influenciando a atuação e o
acompanhamento nos Conselhos de Saúde e outros. Um depoimento assinala
esta colocação: "Atuação em diversas atividades ligadas a saúde e a educação,
em geral como também voluntariado". (DP 7).
Os dados inicialmente obtidos permitem a compreensão da importância
do Programa Agentes Multiplicadores como vinculador da participação social,
uma vez constatado sua importância na realização de outras atividades
comunitárias. Por meio destes tornou-se possível demonstrar que os agentes
multiplicadores vêem se envolvendo em lutas sociais mais amplas, buscando
percorrer caminhos a favor da garantida dos direitos sociais.
Portanto, esses dados permitiram a reflexão de vários aspectos
interligados á participação, que conforme nas análises teóricas, a coloca não só
como processo fortalecedor, mas também como criador de espaços para a
consolidação e garantida dos direitos sociais.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
39
Finalizando, a pesquisa, como meio de propor alternativas visando a
melhoria na capacitação dos pais coordenadores e objetivando-se pela
qualidade do Programa, conforme proposto nos objetivos deste estudo, procurou
realizar uma avaliação da atuação do Serviço Social de Projetos Comunitários no
Programa Agentes Multiplicadores.
De forma geral, o trabalho realizado pelo Serviço Social de Projetos
Comunitários em relação ao Programa Agentes Multiplicadores foi considerado
importante. Considerou-se que o Serviço Social possui equipe de profissionais
qualificados, funcionando como coordenador das atividades e dessa forma,
influenciando o trabalho dos agentes multiplicadores. Colocou-se ainda que o
assistente social é o profissional que está sempre informado sobre a situação de
tratamento dos pacientes, fornecendo orientações e apoio sempre que solicitado.
No entanto, alguns pais coordenadores apontaram questões relacionadas com a
sobrecarga do setor de Serviço Social e com a necessidade da realização de um
trabalho mais dirigido e com maior número de reuniões. Por outro lado, os
próprios pais coordenadores consideram as dificuldades enfrentadas como
decorrência da distância de suas cidades. "Dificuldades para mim é o contato,
gostaria que fosse mais freqüente, mas é difícil pois a distância é grande para
estar indo mais vezes, além das datas de retorno”. (DP 1).
Ao indagar o que acham sobre o programa afirmaram que o programa é
indispensável para o processo de reabilitação Conforme depoimento.
possibilita auxiliar os outros mostrando a importância de
diminuir as ansiedades de nossos semelhantes. (DP 4). Acho
muito importante que as pessoas tenham um ponto de apoio,
uma referência e os pais coordenadores são um exemplo
disso. (DP 1).
No entanto apesar da maioria dos pais coordenadores afirmarem a
necessidade do programa, um dos depoimentos de pais coordenadores coloca
que o programa é dispensável nas cidades que possuem associações. "Acredito
que onde haja associação/núcleo torna-se dispensável o programa". (DP 11).
No entanto, conforme análise dos dados percebe-se que o vínculo dos pais
coordenadores com as associações é muito forte, sendo que a maioria destes
participam ativamente das associações, exercendo cargos na direção das
mesmas. A maioria dos pais coordenadores também esteve presente no processo
de fundação da associação, o que demonstra a importante do programa. Conforme
depoimentos desses pais, o trabalho dos agentes multiplicadores nas associações
é imprescindível para o funcionamento da associação, uma vez que permite agilizar
o tratamento e a reabilitação das pessoas portadoras de fissuras lábio palatais.
40
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
Conforme depoimento: "...acho importante e necessário participar das
discussões, tanto para planejar ações como para avaliar as que estão em
prática". (DP 1).
O estudo reconheceu como importante o Programa Agentes
Multiplicadores, uma vez que visa dar apoio ao processo de reabilitação,
permitindo o suporte ao trabalho comunitário desenvolvido. As dificuldades
apontadas com relação ao Programa centralizam-se nas questões que envolvem
o tempo disponível para atuar como coordenador e a distância de suas cidades
em relação ao hospital, o que dificulta a realização de um trabalho mais dirigido e
maior contato com a equipe dos profissionais de Serviço Social responsáveis
pelo Programa. As facilidades destacam-se pela educação e dedicação dos
profissionais e o apoio recebido pela continuidade e não abandono do
tratamento.
Em seguida, o estudo se ocupa das considerações finais, procurando
analisar na totalidade o significado da participação social, buscando refletir de
forma crítica e dialética sobre a referida temática. Dessa forma, procura por
alternativas que visem melhorias no Programa Agentes Multiplicadores,
avaliando, de forma geral, a consecução dos objetivos propostos neste estudo.
Considerações Finais
A análise permitiu o conhecimento à cerca do significado da participação
para os pais coordenadores. Dessa forma, notou-se que embora o discurso da
participação ainda apareça muitas vezes vinculado ao processo de
solidariedade, descaracterizado de seu caráter coletivo e político, a participação
social, de maneira geral, conforme explícito nas reflexões teóricas, é entendida
como processo imprescindível para a organização da sociedade.
Nesse sentido a idéia de solidariedade ainda aparece implícita na
participação social, sendo relacionada com a troca de experiência e união por
bens comuns. Nota-se então, que essa idéia reflete a concepção política
neoliberal, que imprime nos programas e políticas sociais o caráter expresso por
seu discurso ideológico, reforçando a autonomia e liberdade dos indivíduos em
detrimento do caráter sócio-político do processo participativo.
Portanto, a participação, conforme destacada nas análises teóricas, em
função do discurso neoliberal, ainda aparece, em alguns dos depoimentos dos
pais coordenadores, descaracterizada de seu caráter coletivo, constituindo-se
em mecanismos de consentimentos na implementação das políticas e programas
sociais a favor do projeto sócio econômico.
No entanto, a prática dos pais coordenadores revela que o processo de
participação social vem contribuindo para a efetivação dos direitos sociais,
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
41
constituindo-se em um processo democratizante, que caminha na construção de
novos sujeitos políticos coletivos.
Sendo assim, a análise dos referendados eixos analíticos permitiu maior
compreensão e esclarecimento do significado da participação para os pais
coordenadores e, embora ainda seja presenciado que alguns pais
coordenadores sentem dificuldades de estabelecer as inter-relações do processo
participativo, o estudo dos eixos analíticos revelou que estes estabelecem
práticas direcionadas na perspectiva dos direitos sociais. Portanto, percebe-se
que a participação e a atuação desses agentes na sociedade civil está
favorecendo a construção de novas relações sociais na realidade vivenciada
pela pessoa portadora de fissura lábio palatal. Por meio desse trabalho
voluntário ocorre o envolvimento em outras atividades comunitárias e a
participação em outras lutas sociais mais amplas.
O profissional de Serviço Social demonstrou ter papel importante tanto na
condução do Programa como também por ser profissional que está sempre
integrado em relação ao tratamento dos pacientes.
Dessa forma, ao ser feito a inter-relação do significado e importância da
participação para os pais coordenadores com a atuação do Serviço Social,
entendendo a participação como processo de conquista, propõe-se, levando em
consideração os dados obtidos com essa pesquisa, que sejam criadas alternativas
que possibilitem diferentes programas de capacitação. A presente proposta
torna-se pertinente, uma vez que possibilitará em relação aos dados da pesquisa:
• Suprir a carência de cursos de capacitação de entidades sociais e
outros, conforme constatado no estudo.
• Reforçar as práticas de mobilização de recursos comunitários,
buscando despertar nos pais coordenadores a importância da
participação social de todos na busca pelos direitos sociais. A idéia
parte da necessidade de estabelecer práticas que além de reforçarem
o trabalho já exercido pelos pais coordenadores em relação a
mobilização de recursos também possam contribuir para as questões
relacionadas ao processo de participação, uma vez que constatou-se
que alguns pais coordenadores ainda não demonstram preocupação
com o envolvimento dos outros pacientes na consecução dos
objetivos para o processo de reabilitação.
• Importância do profissional de serviço social na condução dos
mecanismos e programas visando o processo participativo.
• Importância de reforçar as práticas exercidas pelos pais coordenadores,
uma vez que o estudo verificou que os mesmos exercem práticas
coerentes pela viabilização e garantia dos direitos sociais.
42
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
•
Interesse em estimular o envolvimento entre os pais coordenadores,
já que a troca de experiência foi considerada muito importante para a
atuação dos pais coordenadores.
O processo de capacitação irá favorecer a atuação dos pais
coordenadores e permitirá que o processo participativo seja cada vez mais
consciente e comprometido com o exercício da cidadania plena e a emancipação
do ser humano.
Portanto, considera-se que em vistas aos objetivos propostos por este
estudo verificou-se que não houve dificuldades quanto à consecução dos
mesmos, uma vez que os dados obtidos permitiram o conhecimento do
significado da participação para os pais coordenadores, viabilizando, dessa
maneira, a construção de novos conhecimentos sobre a atuação dos pais
coordenadores e a verificação com êxito dos objetivos traçados.
CHADDAD, M. C; CUSTÓDIO, S. A. M.; MARTINS, L. C. O. Meaning of participation and level of
envolvement to co-ordinating parents of multipliers Agents Program. Serviço Social & Realidade.
(Franca), v.12, n.1, p. 21-44, 2003.
•
ABSTRACT: Rehabilitation, understood as a process that search for social inclusion, has
on participation on of the means for being realized. So, has become important to place the
relationship between meaning of participation and level of envolvemnet to co-ordinating
parents of multipliers Agents Program HRAC/USP Social work. The purpose of this
research is explanation and comprehension of participation`s meaning for co-ordinating
parents. The reseatch`s methodology has been based on quantitu-qualitu aproach and
figures analysis has made by dialectic method. Research has takem as subject the coordinating parents connected to associations, has as instrumental of investigation the self
framed questionary that has worked some of analytic uses so as participation, organization
and mobilization. Checked that action developed bau co-ordinating parents have b
gradually printed the social political character and participation process has been taken as
an essential component for social changes and citizen conquest.
•
KEYWORDS: Social Work; Parents Co-Ordinating; Multipliers Agents.
Referências Bibliográficas
BARROS, A. J.; LEHFELD N. A. Fundamentos de metodologia científica: um
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 21-44, 2003
CONSTRUINDO ESPAÇOS: A HISTÓRIA DAS ASSOCIAÇÕES DE
PAIS E PORTADORES DE LESÕES LÁBIO-PALATAIS E A
CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL1
Maria Inês Gândara GRACIANO*
•
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo conhecer a história e a organização de
associações de pais e portadores de lesões lábio-palatais no país e a contribuição do
Serviço Social no fortalecimento desse processo de participação, com vistas à
descentralização dos serviços do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo (HRAC-USP). A organização desse segmento da sociedade
civil vem construindo diferentes espaços de luta e tem como eixo central a questão da
solidariedade em função de um problema comum – as lesões lábio-palatais. A partir da
contextualização dos municípios em que se situam as associações, aprofundamos a
análise enfocando a sua origem, os significados atribuídos à associação, participação e
solidariedade; os recursos humanos, materiais e institucionais; a organização e estrutura
de funcionamento; serviços prestados; processo eleitoral e mobilização dos associados;
assessoria às associações; desafios e propostas. Essas associações constituem-se em
um dos programas do Serviço Social do HRAC-USP, situado em Bauru-SP, considerado
como de referência nacional e internacional na área da saúde/reabilitação das lesões
lábio-palatais. Esse processo de organização social é um exemplo de luta pela conquista
de direitos garantidos pela Constituição, numa sociedade em fase de construção da
democracia.
•
PALAVRAS-CHAVE: Fissura Lábio-palatal; Pais-associações; Serviço Social.
Introdução
O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de
São Paulo (HRAC-USP), considerado como um serviço público de alta
tecnologia, serve a uma grande parcela da população brasileira que necessita de
serviços especializados para a reabilitação. O seu universo de pacientes em
dezembro de 2000 era de aproximadamente 33.000 portadores de lesões lábiopalatais, procedentes de todo o país, dentre outras deficiências atendidas.
É reconhecido pelo Ministério da Saúde como um centro de referência no
país para o tratamento das malformações crânio-faciais. Seu objetivo está
intrinsecamente ligado ao ensino, a pesquisa e à prática de prestação de
serviços.
1 Trabalho extraído da tese. GRACIANO, M. I. G. Construindo espaços: a história das associações
de pais e portadores de lesões lábio-palatais e a contribuição do Serviço Social. São Paulo, 1996.
328p. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
* Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Diretora Técnica
do Serviço Social do (HRAC-USP), Bauru/SP.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
45
Dada a sua crescente demanda e a falta de recursos especializados no
país, o HRAC tem um compromisso assumido com a população na
descentralização nacional de seus serviços, tendo como objetivo firmar-se como
um centro formador de recursos humanos.
Este estudo que versa sobre o processo histórico e organizacional de
associações de pais e portadores de lesões lábio-palatais foi desenvolvido em
1995/1996 a partir de nossa experiência no Serviço Social do HRAC.
Acreditamos que são as associações e ou movimentos sociais, no âmbito da
sociedade civil, que vêm tentando criar ou ampliar espaços de participação e
definição de políticas sociais. Daí nosso interesse em compreender como a
formação associativista em função de um problema comum - malformações
congênitas lábio-palatais - vem contribuindo para o processo participativo desse
segmento social, considerando principalmente a sua estrutura e dinâmica de
funcionamento enquanto campo de aprendizagem da participação e como
espaço da ação profissional do Assistente Social.
O objetivo geral é conhecer a história e a organização das associações
em diferentes contextos, buscando identificar a ação do Serviço Social no
fortalecimento do processo de participação.
O eixo central desse estudo é a questão da solidariedade entre pessoas
envolvidas num mesmo problema, bem como a questão da parceria da
associações com o HRAC e outros serviços.
O interesse por este estudo ocorreu a partir de nossa prática ao longo de
mais de duas décadas de experiência no HRAC, e do compromisso em
aprofundar o assunto discutido na tese de mestrado - De cliente a agente: os
pais coordenadores e sua ação multiplicadora num programa com portadores de
lesões lábio-palatais (GRACIANO, 1988).
Trata-se de uma pesquisa qualitativa e com uma direção reflexiva, sendo
que a apresentação e análise interpretativa dos dados estão estritamente
relacionados.
Quanto aos procedimentos, optamos por apresentar o universo das
associações de pais e portadores de lesões lábio-palatais do país, cadastrados
no HRAC, (12/1995) que somam 43 associações, iniciando com a reflexão sobre
essa totalidade e aprofundando posteriormente o estudo na amostra escolhida 07 associações.
O tipo de pesquisa adotado é o estudo de caso histórico organizacional e
o instrumento para a coleta de dados aplicados foi o questionário,
complementado por entrevistas, visitas às associações e documentos.
Neste estudo, consideramos tanto as particularidades presentes na
história de cada uma delas como os seus aspectos gerais, tomando-as da forma
46
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
associativa que as une, enquanto possibilidades de encaminhamento a questões
comuns.
Para a análise interpretativa nos apoiamos nos resultados alcançados no
estudo, na fundamentação teórica e na nossa experiência profissional e de
investigador, tendo como base uma direção teórico-metodológica-históricoreflexiva, não existindo visão isolada das diversas partes do estudo.
Esse estudo visa além de conhecer a história e a organização das
associações de pais e portadores dessas lesões, no país, compreender o
significado dessa prática associativista com vistas à descentralização dos
serviços do HRAC em diferentes regiões do país.
1
Associação e Participação
As associações são consideradas a exemplo das organizações não
governamentais, instituições filantrópicas e fundações privadas como
organizações do 3º setor (LANDIM, 1996), expressão utilizada em contra posição
à idéia de que o 1º setor é o Estado e o 2º a iniciativa privada.
Segundo (FERREIRA, 1986) associação é o efeito de associar-se; é a
combinação, união; significa também sociedade; liga, organização.
(CESAREO, 1991) define que as associações voluntárias consistem em
grupos formais livremente constituídos aos quais se tem acesso por própria
escolha e que perseguem interesses mútuos e pessoais ou então escopos
coletivos.
O fundamento deste tipo particular de grupo é normativo - o que significa
tratar-se de uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um
conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os meios, os
poderes, os procedimentos dos participantes, com base em determinados
modelos de comportamento oficialmente aprovados.
(BARCELO, 1986) afirma que o fato de associar-se é voluntário: um
conjunto de cidadãos se agrupam livremente pra conseguir seus objetivos, que
são explícitos, comuns e definidos previamente, a serviço dos quais se colocam,
e que individualmente não seriam atingidos. O nascimento de uma associação é
produzida, portanto, em função de seus objetivos, que podem ser econômicos,
sociais, políticos, culturais, recreativos, gerais e outros.
Esse autor ressalta que a maioria das associações estão configuradas por
objetivos setoriais, ou seja, esporte, cultura e outros..., mas para que a questão
da territoriedade seja vista de forma global como um sistema capaz de
impulsionar transformações que transcendem inclusive o território, é importante
que haja a participação de diferentes entidades setoriais, o que favoreceria a
inter-relação de projetos comuns de diferentes associações.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
47
É nesse sentido que entendemos que as associações precisam
estabelecer parcerias com outras formas de organização, para a discussão mais
ampla de problemas comuns a diferentes áreas: assistência, saúde, criança e
adolescente, educação e outras, impulsionando o seu crescimento organizativo
na busca de respostas e gestão de recursos coletivos.
O associativismo é um fato voluntário, mas a gestão de seus recursos
exige um certo grau de profissionalismo. Para tanto é preciso criar parcerias e
mecanismos de formação permanente, tanto dos voluntários como dos
profissionais, permitindo uma reciclagem contínua dos recursos humanos que
formam uma associação.
As associações têm um papel estrutural na configuração da dinâmica
social global, já que são suporte de uma vida coletiva representando valores,
atitudes e opções que potencialmente são dinamizadas na sociedade. Portanto
podem pressionar o seu conhecimento, e se constituir um instrumento de
transformação.
Um associativismo democrático deve ter uma estrutura organizativa com
alto grau de representatividade, assessoramento na formação e dinamização das
atividades, bem como propiciar a comunicação e geração de opinião entre os
cidadãos para sua credibilidade.
A partir desses elementos, entendemos que o associativismo é uma forma
ideal de capacitação da ação coletiva e definição de certos interesses dos
cidadãos, que cria espaços de solidariedade e de intercâmbio de idéias e
experiências, portanto de relações, dependendo da força dos associados.
Segundo (MACIVER; PAGE, 1973) as associações são meios de
perseguir fins, supondo portanto alguma base cooperativa. Essa perspectiva de
cooperação é por nós entendida como um trabalho em comum, sendo uma
importante forma de ação coletiva. Ao cooperar com os outros de acordo com
um plano, as pessoas se libertam das amarras de sua individualidade e
desenvolvem o espírito de solidariedade, o que implica assumir um verdadeiro
compromisso de ação coletiva.
Segundo esses autores, a ação coletiva envolve também a reciprocidade
entre seus membros, pois definem associação como um grupo expressamente
organizado em torno de um interesse peculiar, grupo entendido como qualquer
reunião de seres sociais que entram nitidamente em relações sociais entre si.
As associações, segundo eles, são meios ou agências através dos quais
seus membros procuram concretizar seus interesses similares ou
compartilhados. Tais organizações atuam, como agências, não só por
intermédio de líderes, como também por intermédio de funcionários ou
representantes. Normalmente as associações atuam através de agentes que
48
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
são responsáveis por elas e para com elas, o que confere um caráter peculiar e
status especial e legal.
A associação verdadeiramente não tem interesses que não sejam os de
alguns de seus membros ou de todos eles. Tem, porém, métodos de operação
que lhe são peculiares enquanto associação. Pode possuir propriedades, pode
possuir fundos, que seus membros não podem distribuir, à vontade, entre si; tem
direitos e obrigações, poderes e responsabilidades que os membros não podem
exercer como indivíduos, mas apenas como autênticos representantes.
Esses autores argumentam que um grupo pode organizar-se
expressamente com o fim de atingir alguns de seus interesses em conjunto e
quando isso acontece, surge uma associação. Definem, portanto, uma
associação como um grupo organizado que visa atingir certo interesse ou
conjunto de interesses em comum.
Porém, ao considerar o aspecto dos interesses das associações,
ressaltam que essas são organizadas para fins particulares, visando interesses
específicos. Isto nos leva a refletir que participar de uma associação pode ter um
significado limitado, se ela existir tão somente em virtude de alguns interesses
específicos. Daí a importância de sua articulação com outros segmentos, numa
perspectiva de percepção mais ampla das políticas sociais, em função de suas
necessidades.
Segundo (FARIAS, 1987) num estudo sobre associativismo e
participação, a prática associativista permite o desenvolvimento de atividades
que correspondem às necessidades e/ou interesses de uma determinada
camada da população envolvida nessa prática. Às atividades alia-se também o
treinamento para a vivência dessa mesma prática. Com base nessas duas
ocorrências, o associativismo poderá vir a ser encarado como um possível
campo de aprendizado da participação popular.
Nesse sentido entendemos que um dos fatores que determinam a
participação são os motivos que levam à criação das associações. Isto é, quando
as associações nascem como resposta à iniciativa dos próprios associados
podem ter sua ação voltada para atividades de caráter mais amplo.
A autora enfoca o associativismo como um campo de participação que
ganha significância, pois a população passa a expressar suas reivindicações.
Alerta porém que, quando a participação significa acesso às decisões, os
espaços nem sempre estão garantidos para a maioria dos sócios.
As colocações dessa autora (FARIAS, 1987) encontram apoio nos
princípios da teoria associativista que asseguram aos associados o direito de
discutir seus problemas, de gerir os seus assuntos e de controlar seus
mecanismos de funcionamento das associações.
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49
Assim, consideramos o associativismo um fator importante para a
organização e participação popular, desde que obedecidos esses princípios
fundamentais, especialmente o acesso às decisões os quais devem orientar a
gestão dos assuntos e os meios de exercer o controle social dos representantes,
através das bases.
Essa participação deve garantir não só o acesso a seus serviços
enquanto direito que lhe é devido, mas a participação em lutas mais amplas na
sua área de interesse tais como saúde e assistência entre outras, redefinindo
políticas de interesse coletivo.
Observamos que, no Brasil, há um conjunto valioso de práticas
participativas populares, que se manifestam através da dinâmica interna de seus
grupos e organizações, no aprendizado com diferentes projetos comunitários
alternativos e com ações renovadoras. Entendemos, porém, que sua importância
reside no que elas representam como aprendizagem de participação, e na forma
como esta aprendizagem vem sendo realizada. A participação porém não deve
ocorrer somente na execução ou avaliação de serviços ou no acesso aos
mesmos, mas também na definição e formulação de políticas de organizações,
na definição de seus objetivos, na elaboração de planos, programas e projetos e
na destinação de recursos.
Abordar o tema da participação popular via associações é, no nosso
entendimento, colocar a questão nos marcos de uma perspectiva democrática.
Para tanto deve, no sentido do universal, representar os interesses de todos os
associados, ser transparente nas decisões, no oferecimento das informações, na
alocação de recursos, criando possibilidades de controle social.2
Esse caráter democrático também deve incluir abertura de meios e
instrumentos para que haja acesso às informações, participação nas decisões,
respeito às diferentes ideologias, estímulo à construção de laços fortes entre
representantes (dirigentes) e representados (associados), divisão de
responsabilidades, estabelecimento de regras para o comprometimento
individual, orientação da gestão pela relevância social e pelos critérios da
equidade.
Além disso, o caráter de eficiência deve ser assegurado garantindo
avaliações periódicas, que estimulem um relacionamento franco e aberto entre
os dirigentes, os associados e os técnicos (devidamente selecionados), bem
como o desenvolvimento do processo participativo em relação a causa
defendida.
2 O Controle social é entendido como possibilidade de criar condições para que a sociedade civil
tenha acesso ao processo decisório do Estado, auxilie, acompanhe e possa alterar o seu percurso,
o que exige informação e transparência.
50
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2
A Pesquisa
2.1
O Universo da Pesquisa
O universo da pesquisa é representado por 43 associações de pais e
portadores de lesões lábio-palatais cadastrados no Hospital até o final de 1995,
compreendendo 5 regiões do país, e 17 Estados da Federação (SP, MG, RJ, ES,
PR, SC, RS, DF, GO, MS, CE, PB, PE, RN, BA, RR, PA) com cobertura a 13.135
pacientes (60% do universo dos pacientes do Hospital).
O potencial de cobertura das associações (60,0%) constitui-se num
grande alerta para o HRAC, para que direcione sua política de descentralização
de serviços partindo das associações, pois acreditamos que são as associações,
em parceria com instituições ou outras formas de organização popular, que no
âmbito da sociedade civil vêm criando e ou ampliando diferentes espaços de
participação, e influenciando na definição de políticas sociais. Com certeza farão
um trabalho de base, dando suporte aos programas de descentralização do HRAC.
2.2
Os Sujeitos da Pesquisa
Consideramos como sujeitos da pesquisa as associações escolhidas para
a amostra, através de seus representantes legais. A amostra engloba 7 associações:
• AAFLAP - Associação de Apoio dos Fissurados Lábio-Palatais - São
José dos Campos/SP.
• PROFIS - Associação de Pais e Portadores de Lesões Lábio-Palatais
do Espírito Santo (Vitória/ES).
• APOFILAB - Associação de Portadores de Fissuras Lábio-Palatais de
Cascavel/PR.
• AFISSUR - Associação de Reabilitação Social de Fissurados LábioPalatais (Curitiba/PR).
• AFIM - Associação de Fissurados de Maringá/PR.
• ALRPLLP - Associação Londrinense de Reabilitação e Promoção
Social de Portadores de Lesões Lábio-Palatais (Londrina/PR).
• PROFIS - Associação de Portadores de Fissuras Lábio-Palatais
(Concórdia/SC)
2.3
Histórico e Organização de Associações de Pais e Portadores de
Lesões Lábio-palatais
a)
Contextualização dos Municípios
Com base nos dados sobre a contextualização dos municípios: região,
fundação, atividades e população, as associações pesquisadas referem-se a 02
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
51
(duas) regiões: Sul (5 - 71,5%) e Sudeste (2 - 28,5%), regiões em que está
concentrado o maior número de associações existentes no país, ou seja:
Sudeste (19 - 44,2%) e Sul (11 - 25,6%), dentre as 43 cadastradas no HRAC
(100%). Essa concentração deve-se ao fato de que, embora o Hospital atenda a
todas as regiões do país, a maior procedência dos pacientes, que totalizam
cerca de 23.000 casos (12/95), é das regiões Sudeste (61,6%) e Sul (18,3%),
justificada pela maior proximidade deste recurso hospitalar pelo melhor nível
sócio-cultural, entre outros fatores.
Esses municípios contam, na maioria, com mais de 100 anos de
existência (42,8%), ou seja: São José dos Campos/SP (229 anos), Vitória/ES
(444 anos) e Curitiba/PR (302 anos). Numa situação intermediária temos os
municípios na faixa de 50 a 100 anos de existência (28,6%) como: Londrina/PR
(61 anos) e Concórdia/SC (61 anos). Os municípios mais novos referem-se a
faixa de menos de 50 anos de existência (28,6%) e são eles: Cascavel/PR (44
anos) e Maringá/PR (48 anos).
Dentre as suas principais atividades temos agricultura, indústria e
comércio (85,7%) dentre outras (57,1%).
Com relação ao número de habitantes, os municípios da amostra foram
classificados como: até 100.000 habitantes (14,2%) como Concórdia/SC, de
100.000 a 300.000 habitantes (28,6%) como Vitória/ES e Maringá/PR e acima de
300.000 habitantes (57,2%) como São José dos Campos/SP, Cascavel/PR,
Curitiba/PR e Londrina/PR.
Considerando a previsão do número de portadores de lesões lábiopalatais nos municípios e regiões da amostra, o número de pacientes em
tratamento no HRAC - o número de pacientes matriculados no HRAC
procedentes dos municípios da amostra somam 1083 casos (23,3%) dentre os
4.646 (100%) casos previstos.
Preocupa-nos porém uma questão: considerando que o HRAC é o único
recurso especializado no país a oferecer um tratamento interdisciplinar e a longo
prazo, como fica a situação da maioria dos excluídos deste serviço especializado
que somam 25.900 casos (85,6%) dentre os 30.233 previstos só para esses
municípios e regiões, se destes, somente 4.333 casos (14,4%) são atendidos
neste Hospital?
Há portanto que se definir uma política de descentralização desses
serviços nas demais regiões do país: norte, nordeste, sul e centro-oeste, pois o
HRAC não poderá atender à demanda do país, estimada em cerca de 233.000
52
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
casos.3 Temos consciência de que esses serviços altamente especializados não
poderão ser reproduzidos em alta escala, devendo porém ser assegurados, por
regiões, para que a população tenha acesso aos mesmos.
Portanto, para garantir os serviços assistenciais aos portadores de lesões
lábio-palatais, é preciso descentralizar os programas de saúde e reabilitação do
HRAC nas diferentes regiões do país, responsabilizando-se este pela demanda
do Estado de São Paulo (47,6% dentre os 23.000 pacientes do país matriculados
no HRAC até dezembro 1995) ou região sudeste, bem como pelo atendimento
das patologias mais graves dos demais regiões do país. Deverá ainda se
responsabilizar pelo programa de formação de recursos humanos, em nível
nacional repassando suas experiências e tecnologias desenvolvidas ao longo de
três décadas de existência.
Descentralização, segundo (SPOSATI, 1995) é a passagem de um
espaço para outro espaço, implicando porém em novos pólos de poder, novos
pólos de decisão, novos pólos de conflito e, portanto, novas formas de relações.
Supõe o deslocamento do poder e a construção da democracia participativa,
com a participação da sociedade civil a favor da cidadania, criando-se espaços
para decisões (Ex: conselhos, associações, etc.).
A descentralização representa em teoria, segundo (JACOBI, 1993) a
possibilidade de ampliação para o exercício dos direitos dos cidadãos, a
autonomia na gestão local/regional, a participação dos cidadãos na gestão
pública, e uma potencialização de instrumentos adequados para um uso e
redistribuição mais eficientes dos recursos públicos.
O HRAC tem um compromisso assumido com os portadores de lesões
lábio-palatais e outras deficiências, no empenho para a criação de núcleos de
atendimento em todo o território nacional, visando a implementação de
programas de forma integrada, preventivos e reabilitadores, descentralizando o
atendimento e possibilitando a reabilitação dos pacientes na sua região de
origem, preferencialmente em seu município.
O objetivo é, portanto, estender o atendimento a um número maior de
portadores dessas deficiências e assim promover a reabilitação com dignidade e
respeito (SOUZA FREITAS, 1994). É preciso porém definir melhor a proposta de
descentralização dos serviços do HRAC e sua parceria com as associações de
pais e portadores de lesões lábio-palatais existentes no país, para que possam,
enquanto sociedade civil organizada, ter acesso ao processo decisório do Estado
criando condições para auxiliar, acompanhar e alterar o percurso das políticas e
3 A previsão de portadores de fissuras lábio-palatais no Brasil é de cerca de 233.000 casos
considerando o número de habitantes no país (151.556.831 segundo o IBGE, 1991) e a incidência
de fissuras (1.650 nascimentos).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
53
serviços assistenciais em atendimento às reais necessidades dos usuários,
exercendo desta forma, o controle social.
Para tanto exigem-se informações e transparência, regras de convívio e
negociação, vontade política e investimentos numa pedagogia de ação, com
recursos humanos para implantar tal proposta.
b)
Origem das Associações
Os dados com relação ao tempo de existência das associações
evidenciam que as associações da amostra contam em sua maioria com mais de
05 anos de experiência. A mais antiga é a associação de Curitiba/PR, fundada
em 26/03/85 (10 anos) e a mais nova a de Cascavel/PR, fundada em 10/10/91 (4
anos), todas criadas nas décadas de 1980 e 1990.
Observamos que a criação dessas associações acentuou-se com as
mudanças previstas na Constituição de 1988, pois se abriu espaço para a
participação da sociedade civil através de diferentes formas de organização. A
constituição de 1988 legitima e incorpora o povo como co-participante ativo do
poder.
A democracia deixa de ser apenas representativa para tornar-se
participativa, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis.
O cidadão tem seus direitos definidos na constituição, mas o acesso aos
mesmos depende muitas vezes da pressão exercida através de partidos
políticos, sindicatos, associações e movimentos sociais, no sentido de ver as
necessidades e carências atendidas. O acesso da população a bens e serviços
resulta, portanto, de pressões e reivindicações num movimento da base em
direção à cúpula do poder.
Daí a importância de incentivarmos a criação de associações enquanto
organizações provedoras de bens e serviços para seus membros, devidamente
articuladas à outras organizações, pois acreditamos que é o associativismo uma
forma ideal de dinamismo social, de capacitação da ação coletiva e definição de
centros de interesse dos cidadãos.
Analisando os dados sobre a iniciativa e motivo da criação das
associações e influência do Serviço Social do HRAC, constatamos que ao
mesmo tempo em que predomina na sociedade atual o individualismo é possível
encontrar solidariedade entre pessoas que enfrentam problemas comuns - como
no caso de pais e portadores de lesões lábio-palatais.
Dentre os principais motivos da criação dessas associações, a condição
de ser pai/mãe ou portador de fissura lábio-palatal (85,7%), associada às
preocupações e envolvimento com outros portadores (42,8%), bem como o
54
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
conhecimento das dificuldades de tratamento especializado no país (71,4%)
impulsionaram a prática da solidariedade.
Estamos conscientes de que a solidariedade entre os portadores de
fissuras lábio-palatais não está apenas mobilizando pessoas através da ação
dos pais/pacientes coordenadores e associações em todo o país, mas está
denunciando a falta de uma política de saúde para a sua reabilitação nas
diferentes regiões do país e, conseqüentemente, o bloqueio dos direitos de
cidadania dessas pessoas. Nesse espaço as associações deverão lutar pela
perspectiva da igualdade de direitos garantindo o acesso ao tratamento.
c)
Significados: Associação, Participação, Solidariedade
A prática da participação e solidariedade e seus significados também
serão objetos de reflexão.
Os dados sobre entendimento e significado das associações, evidencia
que o entendimento dos sujeitos pesquisados sobre associações, em sua
maioria, apontam para a sua definição como um grupo de pessoas com objetivos
comuns (71,4%) seguidos da união de pessoas para a solução de problemas
comuns (57,1%) e grupo de apoio (14,2%).
As respostas evidenciaram que a união, a existência de objetivos,
necessidades e vivências comuns e a busca de soluções para a reabilitação de
seus filhos portadores de lesões lábio-palatais são os componentes do seu
entendimento sobre associação. Isto ocorre porque as associações foram
criadas em função de suas necessidades e interesses, no caso a preocupação
com a assistência aos portadores de lesões lábio-palatais e o enfrentamento do
problema.
Com relação aos significados atribuídos, os sujeitos pesquisados
ressaltaram que a associação é um serviço de referência regional na área das
fissuras lábio-palatais (71,4%), tendo o reconhecimento e apoio da sociedade
(42,8%) e garantindo direitos a partir de lutas coletivas (14,2%), além disso,
constituem-se em espaço de discussão de problemas e de participação (28,5%),
sendo considerada como elemento de ligação entre o Hospital e a comunidade
(28,5%). Em 100% dos casos foi ressaltada a importância do assessoramento e
da viabilização do processo de reabilitação.
Ressaltam ainda que a existência da associação funciona como um
recurso seguro para o tratamento de seus munícipes, além de oportunizar o
conhecimento sobre as fissuras e seu processo de reabilitação, reduzindo a
discriminação social.
É também uma forma -enquanto sociedade civil organizada - de
pressionar os poderes públicos para a implantação de serviços próprios para a
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
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assistência aos portadores de lesões lábio-palatais, informando-os a respeito
dessa problemática e sua demanda.
Ser pai/mãe ou portador de fissura lábio-palatal e participar das
associações tem diferentes significados conforme dados sobre o significado de
ser pai ou portador de fissura lábio-palatal e participar das associações.
Significa principalmente preocupação, apoio e união com outras pessoas
com problemas iguais (85,7%), aprendizado e crescimento (85,7%), a
possibilidade de viabilizar o tratamento e a reabilitação de outras pessoas
(57,1%), repassando e trocando experiências comuns (42,8%).
Significa ainda compromisso de agente multiplicador (100%) ou, mais que
isso, de cidadão (42,8%), pois enfoca a cidadania como processo de luta pelo
exercício e ampliação de direitos.
Os dados sobre a prática da participação e solidariedade e seu significado,
evidenciam o sentimento de preocupação entre as pessoas com problemas iguais
(85,7%), a importância do diálogo e apoio nas questões que envolvem a fissura e
seu processo de reabilitação (71,4%), a responsabilidade social consciente
(57,1%), a união das pessoas frente a uma problemática comum (42,8%).
Implica ainda no engajamento de pessoas comprometidas com os interesses dos
usuários dos serviços (57,1%) e na troca constante das experiências (28,5%).
Esses valores se manifestam na prática cotidiana quer através de ações
concretas, em sua maioria entendidas como a prestação da assistência ou
participação efetiva nas atividades da associação, através da prestação de
serviços voluntários (57,1%) integração entre os associados (57,1%), ajuda
mútua (57,1%), buscando-se com isso objetivos comuns face ao enfrentamento
da problemática e à busca de sua reabilitação (42,8%) e até mesmo a
preocupação com as ações da diretoria serem aprovadas (ou não) pelos
associados (14,2%).
Apesar do individualismo da nossa sociedade, há espaços de
solidariedade a partir da sensibilidade de alguns à mesma causa, num
sentimento de humanidade compartilhando-se problemas iguais. É a busca de
soluções num compromisso assumido, pois além do apoio, é preciso reunir
forças para o enfrentamento coletivo do problema.
Reafirmamos mais uma vez que é preciso incentivar diferentes formas de
solidariedade, não significando porém a desresponsabilização do Estado. O caminho
é fortalecer a solidariedade sem, no entanto se sobrepor às políticas sociais.
d)
Recursos Humanos, Materiais e Institucionais
Os dados dos recursos físicos e financeiros das associações, demonstram
que há os recursos provenientes de convênios (85,7%), somados aos de
56
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
doações e promoções da comunidade (85,7%), bem como os provenientes das
contribuições dos associados (71,4%).
Os dados sobre especificação do pessoal técnico-administrativo,
prestadores de serviços para as associações segundo a profissão, vínculo e
aprimoramento profissional, evidenciam que as mesmas incorporaram a idéia de
trabalho em equipe preconizada pelo HRAC.
Voltam-se para o processamento de demandas, objetivando fornecer
assistência integral aos casos, com a participação de diferentes profissionais:
médicos, fonoaudiólogos, dentistas, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes
sociais, pedagogos e outros profissionais de apoio, além de estagiários.
As (7 sete) associações estudadas contam com 131 profissionais ou
funcionários (100%) com maior concentração de fonoaudiólogos (19,8%),
médicos (12,2%), dentistas (14,5%), psico-pedagogos (9,9%), psicólogos (9,1%)
e assistentes sociais (4,5%) dentre outros (19,5%), pessoal técnico, auxiliar,
secretaria, serviços gerais e outros.
e)
Organização: Estrutura de Funcionamento
Analisando os órgãos diretivos e técnico administrativos das associações,
vimos que a maioria das associações, segundo seus estatutos, contam com
Assembléia geral (100%) Diretoria (100%) e Conselho Fiscal (85,7%).
A Assembléia Geral é definida na maioria dos estatutos como o órgão
máximo e soberano da associação, constituindo-se de todos os sócios em pleno
gozo de seus direitos políticos e estatutários, com poderes para deliberar sobre
qualquer assunto de interesse da associação e seus associados, desde que
respeite as normas estatutárias.
À Diretoria presente em todas as associações (100%), compete na
maioria de seus estatutos:
• Elaborar o programa anual de atividades e executá-lo;
• Elaborar e apresentar à assembléia geral o relatório anual de suas
atividades;
• Entrosar-se com instituições públicas ou privadas para mútua
colaboração em atividades de interesse comum;
• Contratar e demitir funcionários;
• Outras atividades afins.
O Conselho Fiscal é definido na maioria dos estatutos como um órgão
autônomo e fiscalizador dos negócios e interesses da associação. Dentre as
suas principais competências temos:
• Examinar os livros de escrituração da associação;
• Examinar o balancete semestral opinando a respeito;
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
57
•
Apreciar os balanços e inventários que acompanham o relatório anual
da Diretoria;
• Opinar sobre a aquisição, alienação ou permuta de bens;
• Examinar todas as contas da associação;
• Verificar a aplicação das verbas orçamentárias;
• Proceder à exação do patrimônio;
• Denunciar à assembléia geral as irregularidades encontradas;
• Sugerir medidas de caráter financeiro;
• Emitir pareceres quanto a processos ou questões que lhe forem
encaminhadas;
• Deliberar sobre os recursos interpostos pelos sócios e encaminhá-los
à assembléia geral.
A forma de dirigir a associação é outra decisão política importante, sendo
necessário projetar um modelo alternativo para defender os associados bem
como a comunidade do autoritarismo. Sabemos que caberá a toda a diretoria e
não somente ao presidente o desempenho da liderança organizacional na
dinâmica das associações, todos tomando iniciativas e mantendo os níveis de
mobilização e participação dos associados, conforme diretrizes a serem
definidas conjuntamente pela diretoria e aprovadas pela maioria dos associados
em assembléias gerais.
Para tanto as associações precisam ter estrutura organizativa, grau de
representatividade, assessoramento na formação e dinamização das atividades,
bem como propiciar a comunicação e a geração de opinião entre os cidadãos,
que favoreçam o seu desenvolvimento democrático.
Analisando os dados sobre o quadro de associados segundo estatutos,
constatamos que as associações contam com os seguintes tipos de sócios:
fundadores e beneméritos (85,7%), contribuintes (42,8%), usuários (71,4%),
voluntários (42,8%) e mantenedores (14,2%).
Independente da categoria de associado, o importante não é só a
contribuição financeira mas a sua participação como um elemento importante na
associação, pois um associativismo democrático e estruturado necessita utilizar
os canais de participação como um instrumento para conseguir os seus objetivos
e criar mecanismos de gestão de recursos coletivos.
Para tanto deve ter uma estrutura organizativa, alto grau de
representatividade, assessoramento na formação e dinamização das atividades,
bem como propiciar a comunicação e geração de opinião entre os associados.
Há uma diferença fundamental entre sócio e usuário na vinculação do
projeto associativo; o usuário é mais utilizador do serviço, não lhe interessando
muito a sua participação nos projetos das associações, sendo fundamental a sua
58
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
transformação em sócio ativo - que diferentemente dos usuários tem o poder de
decisão (BOSCHI, 1987).
f)
Serviços Prestados e/ou Viabilizados
Analisando cada associação, verificamos que todas contam com os
serviços básicos de apoio ao processo de reabilitação no HRAC, ou seja,
Medicina, Odontologia, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social (100%). Além
disso, 03 associações (42,8%) dão um destaque especial para a área de
pedagogia como São José dos Campos/SP, Cascavel/PR e Londrina/PR, dadas
as dificuldades psico-pedadógicas dos portadores de lesões lábio-palatais, não
em função da lesão em si, mas dos aspectos psico-sociais decorrentes de
problemas estéticos e fonoaudiológicos.
Como vimos todas as associações, além de prestar assistência social aos
portadores de lesões lábio-palatais, desenvolvem programas de apoio e de
intercâmbio com o HRAC, agilizando diversos serviços na área de reabilitação,
com a participação de diferentes especialidades.
Esse processo é de suma importância, pois garante aos pacientes a
realização de tratamento tanto no HRAC, como no seu município de origem
conforme condutas estabelecidas por este Hospital, numa relação de parceria.
A prática associativa, ao permitir a prestação de serviços, permite entre
outras questões o desenvolvimento de várias atividades, devendo sempre
considerar as necessidades e/ou interesses dos associados.
É necessário portanto incentivar o envolvimento da população nos
programas e atividades desenvolvidas, mesmo tendo consciência das
dificuldades identificadas no que tange à garantia da participação.
É importante ainda ressaltar que o associativismo ligado às pessoas
portadoras de lesões lábio-palatais é extremamente necessário, pois além de
garantir serviços, define solidariedade ao nível fundamental das relações
sociais.
Dentre as atividades temos uma maior concentração em reuniões com
pais, pacientes e diretoria (100%), visitas às maternidades e hospitais quando do
nascimento de novos bebês portadores de lesões lábio-palatais (100%),
encaminhamento para serviços na própria comunidade ou ao HRAC (100%),
contatos para apoio e esclarecimentos tanto aos pacientes e familiares como à
comunidade em geral (100%), acompanhamento dos pacientes com relação ao
processo de reabilitação criando condições de início e continuidade do
tratamento (100%), promoções diversas (100%), visitas domiciliares (71,4%),
realização de cursos, palestras na comunidade com a presença de profissionais
locais ou do HRAC (85,7%), cursos profissionalizantes (28,5%) e contatos com
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
59
promotores públicos para garantia de direitos aos pacientes e familiares
relacionados ao tratamento (28,5%).
Ao analisarmos esses depoimentos, fica evidente o compromisso das
associações com o processo de reabilitação dos pacientes, não medindo
esforços para a prestação de apoio nos problemas que envolvem a fissura e seu
enfrentamento.
A preocupação com o outro e o sentimento de solidariedade, associado
ao exercício da cidadania e à participação, são os fatores determinantes que
impulsionaram essa ação com enfoque tanto educativo como assistencial, social
e reabilitacional (100%) e até mesmo pedagógico (42,8%).
É o associativismo um ato voluntário, mas a gestão de seus recursos
exige um certo grau de profissionalismo. Para tanto é preciso criar mecanismos
de formação permanente, tanto para os voluntários como para os profissionais,
permitindo uma reciclagem contínua dos recursos humanos que formam uma
associação.
g)
Processo Eleitoral e Mobilização dos Associados
Os dados sobre a participação dos associados, revelam que alguns
dilemas específicos são identificados no que tange a garantia de participação.
Embora a participação seja registrada através do comparecimento dos
associados nas assembléias (100%) ou do comparecimento à associação,
normalmente, para acesso a algum tipo de serviço ou benefício (100%), através
de convocações (57,1%), espontaneamente (57,1%), ou associado a retorno ao
Hospital (100%), dentre outros. Não há garantias de que essa participação
ocorra com a maioria dos associados.
Dentre as diferentes formas de colaboração, a participação ocorre através
de campanhas (100%), atividades para manutenção do ambiente físico (18,1%),
reuniões (28,5%), doações (57,1%), dentre outras.
Esses dados traduzem que a participação está diretamente associada às
atividades e serviços prestados pelas associações. A maioria dos associados
precisam ser mobilizados, despertados, motivados para as atividades, pois a
participação espontânea é reclamada por muitos.
É portanto o associativismo que tem garantido o acesso aos serviços, a
participação em campanhas, promoções, outras atividades, embora o maior nível
de participação seja anunciado pelos dirigentes quando se refere ao recebimento
de serviços ou benefícios, tanto da associação como diretamente relacionado ao
HRAC e menor nas atividades organizacionais como assembléias, reuniões
periódicas, mutirão, enquanto estilos característicos de participação. Essas
últimas formas organizacionais não só implicam grande esforço de mobilização
60
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
mas tendem a perder eficácia a longo prazo quando demasiado freqüentes.
Devem portanto os dirigentes evitar que o ritmo de suas atividades
reiteradas comprometa a definição de seus objetivos, pois o ativismo e a
repetição podem levar a atitudes irreflexíveis dos membros da associação,
desestimulando-os.
Ressaltamos que, além das atividades rotineiras, é preciso lembrar que
uma associação é enriquecedora enquanto espaço e intercâmbio de idéias e
experiências, portanto de diálogo, de comunicação e de relações. É a
participação um elemento importante na associação e um associativismo
democrático e estruturado necessita utilizar os canais de participação como
instrumento para conseguir os seus objetivos e criar mecanismos de gestão
voltados para o coletivo.
Dentre as formas de tomar decisões são anunciadas: o poder concentrado
na diretoria (71,4%), na deliberação dos pacientes, normalmente em reuniões
(42,8%) ou em assembléias gerais (57,1%) e até mesmo através de avaliação
dos associados (14,2%). Os meios mais citados foram através de informação e
opiniões/críticas (28,5%) e sugestões (14,2%).
Com relação ao fato de as decisões serem concentradas na diretoria,
(DEMO, 1988) fundamenta que assembléia geral não é o lugar adequado para
decisões profundas e complicadas, que exigem tempo de reflexão,
amadurecimento no espaço e no tempo, compromissos gerais. Decisões
complexas tomam-se em pequeno grupo, em clima adequado, com toda a
discussão necessária, aberta e livre, desde que o pequeno grupo tenha mandato
para tanto.
Daí a importância da formação associativa de baixo para cima, que vai
formando seus representantes legítimos, capazes de decidir, porque para isto
foram eleitos. Havendo dúvidas, existe toda a condição de fazer o caminho de
volta, consultando o coletivo via assembléia geral, precisamente para preservar a
representatividade.
É importante também ressaltar que existe o problema das assembléias
pouco representativas, mas ávidas de decidir pelo todo. Sugere esse autor, que
se tome cuidado com o assembleísmo, enquanto vício que pode comprometer
muitas associações, a começar pela confusão entre finalidades de uma
assembléia geral que, além de fenômeno relativamente esparso, dedica-se a
referendar decisões, eleger diretorias, e à finalidade de tomar decisões
concretas.
Entendemos assim que as decisões, viabilizadas essencialmente através
da diretoria, estão previstas em seus estatutos e são legítimas. O que é
questionável é a questão da representatividade da diretoria, pois aos
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
61
representantes cabe debater e resolver em nome da base os assuntos de seu
interesse - o dos associados em seu coletivo.
Nesse tipo de representação da associação o objetivo perseguido é o
consenso em torno de objetivos comuns, não podendo significar concentração
de poder e manipulação. É preciso então garantir que essa representação seja
de fato uma força de participação organizada, segundo os interesses de uma
base social determinada - os associados portadores de lesões lábio-palatais e de
outras deficiências. A participação não é somente uma questão de acesso a
serviços ou associações, é a conquista de recursos e espaços o que exige
tomada de decisões na perspectiva do coletivo.
Uma outra questão importante é que o problema da representação4 não
se resolve por sua eliminação, o que é inviável, mas pelo controle que as bases
possam efetivamente exercer sobre os seus representantes. Mecanismos como
prestação de contas sistemática, revocabilidade de mandatos, publicidade das
reuniões decisórias (assembléias e outras reuniões), discussão das decisões
consultando as bases e outros podem ser meios de se tornar a representação
identificada com os interesses da base, garantindo sua legitimidade.
O índice de votação dos associados, mandato e composição das
diretorias nos alerta sobre a importância do associativismo através de uma
democracia representativa. Para tanto são necessárias as eleições, de preferência
concorrentes, eleições livres, abertas, sem cartas marcadas, sem vitaliciedade,
sem manobras. Desde que as eleições sejam corretas, as lideranças adquirem
caráter delegado, precisamente representativo. (DEMO, 1988).
Os dados mostram que o processo eleitoral das associações tem sido
conduzido com chapas únicas em sua totalidade (100%), embora o ideal seja
através de concorrentes. Parece-nos a princípio que isto ocorre devido às
dificuldades de mobilização dos associados, a dificuldade em se dedicar a essas
atividades em função de compromissos profissionais, pessoais ou familiares,
bem como ao absenteísmo presente em nossa sociedade, dada a cultura da não
participação em nossa história.
Quanto ao processo eleitoral queremos apontar que nas últimas gestões
das diretorias, o índice de votação foi em média de 36,3%, portanto, abaixo da
metade. Em 26 gestões assinaladas o número de sócios totalizou 3.599 e o
número de votantes 1.308.
Esse processo eleitoral, ainda que pouco representativo em algumas
associações, tem sua importância como ideal democrático, bem como para
consolidar uma estrutura de representação. As eleições, tanto para a diretoria
4 Ler a respeito da representação... Faleiros, V. de P. Formas ideológicas da participação. In:
______. Saber profissional e poder institucional. São Paulo: Cortez, 1985, p. 71-80.
62
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
como para o Conselho Fiscal, ou outros órgãos existentes, são fundamentais na
vida das associações determinando ciclos de participação e moldando sua
organização interna.
Na composição das diretorias a representatividade dos pais e/ou
portadores de lesões lábio-palatais e de outras deficiências é maior (87,0%)
quando comparada a outros participantes - profissionais, leigos - (9,2%), o que
garante a consecução dos objetivos bem como a ampliação da rede de
solidariedade entre os próprios portadores dessas deficiências.
Demo, 1988, ressalta que ao poder somente se chega por eleição e para
que haja democracia representativa autêntica, o representante precisa
literalmente ser perseguido pelo representado, ou em outras palavras as bases
precisam exercer controle sobre os representantes.
Quanto ao tipo de informações veiculadas, referem-se essencialmente ao
processo de reabilitação e ao processo de participação (100%), incluindo
orientação, encaminhamento e apoio às pessoas portadoras de lesões lábiopalatais e seus familiares (71,4%), divulgação sobre os serviços prestados pelas
associações, criando possibilidades de utilização dos seus serviços (57,1%),
informações quanto a normas e rotinas do atendimento tanto na associação
como no próprio HRAC, facilitando o trânsito dos associados (57,1%), em ambas
as instituições.
Os dados revelam em sua essência que a preocupação com o processo
de reabilitação dos portadores de lesões lábio-palatais é uma constante.
Demonstram ainda que os agentes informantes são antes de tudo agentes
solidários, agentes mobilizadores e incentivadores do tratamento.
h)
Assessoria às Associações
A contribuição do Serviço Social do HRAC para com as associações é
inquestionável, sendo sua ocorrência reconhecida unanimemente pelos
representantes das associações pesquisadas (100%). É definida como
assessoria em 71,4% dos casos, cooperação em 57,1% ou outras definições
como orientação, intercâmbio (57,1%).
Segundo o enfoque dado pelos representantes, o Assistente Social é um
técnico que possui capacitação para prestar assessoria, esclarecendo dúvidas,
repassando informações, mostrando caminhos, sempre com muita prontidão.
Assessorar significa servir de assessor, assistir, auxiliar tecnicamente
graças a conhecimento especializado em dado assunto. (FERREIRA, 1986)
Assessoria, segundo (NOGUEIRA, 1990) se define pelo caráter sistemático,
permanente ou temporário, em função de ajuda técnica em um campo
específico. Tem por finalidade mostrar alternativas de decisão e é realizada
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
63
fundamentalmente a partir de solicitação de órgão executor e realizada, via de
regra, por pessoal interno da organização.
No caso do HRAC a assessoria tem seu componente político na medida
em que o Assistente Social que a executa, enquanto agente institucional, define
sua ação com base nas necessidades de cada associação, incentivando
posições críticas coletivas.
O componente educativo está presente na assessoria não como uma
simples intermediação burocrática, mas fundada em determinada direção. Significa
concretamente ensinar a fazer uma leitura da realidade, elaborar programas,
controlar a ação, efetivar a avaliação das ações, compreender os padrões ditados
pelas agências financiadoras, alocar recursos financeiros. Supõe habilitar as
associações a operarem os instrumentos e técnicas necessárias ao
encaminhamento de suas demandas, sejam de ordem jurídica, tecnicamente
administrativa, cultural e político-ideológica, que moldam a sua linha de ação.
O componente ideológico relaciona-se com a visão de mundo, envolvendo
valores, representações, idéias e orientações cognitivas unificadas por uma
determinada perspectiva e ponto de vista social que, no caso do HRAC, se dá
numa perspectiva democrática.
O aspecto administrativo é constituído pela incorporação de instrumentos
e funções essencialmente administrativas e organizacionais na ação profissional.
Deriva do enquadramento de situações problemáticas do contexto social em
atividades administrativas, relacionando-se com a efetivação de objetivos
desejados. Não significa a preocupação excessiva com regulamentos, normas,
controles legais descabidos, com um fim em si mesmo, mas como de propiciar o
melhor rendimento aos objetivos previstos. Neste componente enfatiza-se a
operacionalização das políticas sociais públicas e a otimização dos recursos
destinados às associações.
A importância do Serviço Social na assessoria aos coordenadores
(agentes multiplicadores do Hospital) contribui significativamente para fundação,
estruturação, organização e aprimoramento das associações bem como para um
melhor conhecimento da dinâmica do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de
Lesões Lábio-Palatais. Essa assessoria faz com que os agentes se sintam mais
seguros, motivados para o trabalho cotidiano.
i)
Desafios e Propostas
Avaliando a contribuição das associações no processo de reabilitação dos
pacientes em seus respectivos municípios e regiões, constatamos que há uma
participação significativa na viabilização do tratamento de seus representados pacientes e familiares - no HRAC.
64
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
Os dados evidenciam que num esforço conjunto de coordenadores,
associações, núcleos, instituições locais e Serviço Social do HRAC, os pacientes
matriculados neste Hospital, procedentes dos diversos municípios/regiões da
amostra, encontram-se em sua maioria em situações regulares (72,5%), ou seja,
em tratamento (64,5%) ou alta (8%). O percentual para os casos irregulares
(11,8%) incluem os casos com interrupção (0,9%), abandono (4,7%), ignorado
(2%) e suspenso (4,2%). Além disso temos os de situação especial (15,7%) que
são casos de óbito (2,5%), casos de avaliação inicial sem tratamento (10,7%) e
os casos não caracterizados por insuficiência de dados ou pessoal (2,5%).
Esses dados revelam ainda que, apesar das dificuldades geoeconômicas, sociais e culturais, o HRAC mantém um alto índice de pacientes em
situação regular face ao tratamento (72,5%), produto da cultura e filosofia da
Superintendência deste Hospital que, desde a implantação do Serviço Social em
1973, definiu como prioridade a prevenção e o controle do abandono de
tratamento, incorporada por toda a equipe e tarefa precípua do Serviço Social.
A contribuição do Serviço Social nesse processo de reabilitação, que
demanda longos anos, é imprescindível e seu objetivo principal é criar condições
de acesso e de seguimento do tratamento. Esta filosofia de atendimento vem
sendo mantida porque devido à falta de recursos especializados no país, o
Serviço Social tem implantado diferentes programas com vistas a manter os
pacientes em tratamento.5
São milhares de portadores dessas malformações no país (233.000) e
poucos serviços de saúde disponíveis nessa área, o que aumenta a cada dia o
número de excluídos do sistema de saúde. O HRAC, como um dos poucos
recursos do país, atende cerca de 10% desse universo. E os demais?
Certamente muitos estão isolados da sociedade, outros mutilados e poucos
reabilitados ou em processo de reabilitação.
Não basta dizer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, é
preciso garanti-la mediante políticas que viabilizem o acesso às ações e serviços
de reabilitação dos portadores de lesões lábio-palatais que estão - como a
maioria da população - excluídos do Sistema Único de Saúde, em prejuízo dos
seus direitos de cidadania.
5 Do universo dos pacientes matriculados no HRAC até 02/06/95 ou seja, 22.249 casos (100%) o
índice era de 72,4% para casos regulares (63,4% em tratamento e 8,8% em alta), 13,2% irregulares
(0,8% interrupção, 6,1% abandono, 2,3% ignorado, 3,9% suspenso), e 14,4% situações especiais
(2,6% óbitos, 9,8% avaliação inicial, 1,9% não caracterizados). Esse índice fica bem próximo aos dos
municípios com associações, pois a ação do Serviço Social é globalizadora.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
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Considerações Finais
A partir da análise interpretativa dos resultados da investigação
levantamos algumas conclusões:
1) O HRAC, Bauru/SP, é um dos poucos recursos do país especializado
nessa área. Presta serviços numa perspectiva de igualdade de
direitos a uma parcela significativa da população brasileira que
procura seus serviços, cerca de 23.000 casos (10% dentre os
233.000 portadores previstos no Brasil), mantendo relações de
parceria com associações afins para ampliar a rede de serviços e de
solidariedade no país.
2) As associações de pais e portadores de lesões lábio-palatais, são
consideradas espaços importantes de participação e de criação de
serviços de reabilitação no país. Atualmente as associações
cadastradas no HRAC, somam 43 municípios, com extensão a 701,
incluindo suas regiões, com potencial para cobrir 13.135 casos (60%)
dentre os 23.000 matriculados no HRAC.
3) O grande motivo impulsionador da criação das associações é a
solidariedade - além da preocupação em garantir acesso a
continuidade de tratamento a um maior número de pessoas,
ampliando as oportunidades de reabilitação. Essa solidariedade além
de mobilizar milhares de pessoas no país, está pressionando os
poderes públicos para a definição de políticas de saúde/reabilitação
para as pessoas portadores dessas lesões.
4) No campo de significados, os depoimentos definem associações
como a união de pessoas com objetivos comuns, em busca de soluções
para seus problemas, sendo em espaço de troca de idéias e experiências,
de relações e de intercâmbio com o HRAC e outros serviços.
5) A ação do Serviço Social do HRAC junto as associações é
considerada por todas como de fundamental importância, e
classificada prioritariamente como de assessoria. Seu papel foi
sempre o de articulador, facilitador e intermediador e sua contribuição
foi reconhecida pelas associações, dada a sua importância enquanto
assistência, auxílio, colaboração, ajuda, e acima de tudo como
mediador das relações de parceria entre as associações e o HRAC.
6) A contribuição das associações, considerando o índice de pacientes
em tratamento ou reabilitados no HRAC, procedentes dos seus
municípios e regiões é bastante positivo, (72%), evitando-se casos de
abandono de tratamento.
66
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
7) As associações tem viabilizado a criação de uma rede de
solidariedade e de serviços no país, em função da reabilitação das
lesões lábio-palatais. E, enquanto expressão da organização da
sociedade civil, tem impulsionado e dado sustentação a vários
desafios especialmente ao de descentralização dos serviços de
Hospital, garantindo o acesso a saúde/reabilitação, como um direito
de cidadania.
GRACIANO, M. I. G. Building spaces: the history of associations of parents and beares of cleft lip
and palate and the social service contribution. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p.4568, 2003.
•
ABSTRACT: The present study has the purpose of getting to know the history and
organization of associations of parents and beares of cleft lip and palate in my country as
well as the contribution of social service in the strengthening of this participation process
arming the descentralization of the services offered by Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais of University of São Paulo (HRAC-USP).The organization of this
segment of the civil society has been created different struggle fields and has as major
axis; the matter of solidarity around a common problem cleft lip and palate. From the
contextualization of counties in when the associations are located, we have deepened the
analysis, focusing their origin, meanings attributed to the associations, participation and
solidarity; human, material and institutional resources; organization and working structure;
rendered services; electing process and associates mobilization, advising offered to the
associations, challenges and proposals. These associations are part of one the programs
kept by social service from HRAC-USP, located in Bauru-SP, wich is considered a national
as well as an international reference center in the field of health and rehabilitation of cleft lip
and palate. This process of social organization is an instance of struggle for conquering
rights garanteed by brazilian Constitution, in a society in building process of the democracy.
•
KEYWORDS: Cleft lip and palate; parents-association; social work.
Referências Bibliográficas
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68
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 45-68, 2003
O PERFIL PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL E A IMPORTÂNCIA
DE CURSOS PARA A FORMAÇÃO DE FORMADORES
(DOCENTES/SUPERVISORES DE CAMPO)
Rosane A. de Sousa MARTINS*
•
RESUMO: A importância de cursos de formação continuada apresenta-se como um dos
mecanismos de promoção de capacitação e aprimoramento, no sentido de promover
maiores reflexões sobre as novas perspectivas e demandas profissionais frente a
realidade, a inserção não só dos docentes mas também dos assistentes sociais da prática
na construção de conhecimentos e de uma nova proposta de ação e a importância de se
fazer a articulação entre universidade – construtora e transmissora de novos
conhecimentos e a categoria – principalmente aquela que se detém somente na
intervenção cotidiana.
•
PALAVRAS-CHAVE: Formação Continuada; Serviço Social; Educação Continuada.
Introdução
A partir da implementação da LDB iniciou-se na maioria das instituições
de nível superior discussões sobre a importância e a necessidade de rever o
currículo mínimo. Grande parte dos cursos universitários se envolveram neste
processo e iniciaram reflexões e ações no sentido de reorganizar a proposta
curricular de cada profissão.
O Serviço Social, que tinha seu currículo embasado na proposta curricular
de 1982 inicia grande movimento através da ABESS, hoje ABEPSS (Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), e de grandes universidades
como PUC/SP, PUC/RJ, UFPE, UERJ, UFRJ, UFMA, UNESP/Franca, dentre
outras, cuja preocupação refere-se à necessidade de superação de traços
teoricistas e o distanciamento entre a teoria (as idéias dos intelectuais do Serviço
Social) e o exercício profissional cotidiano.
A partir daí são feitos vários encontros entre os intelectuais/profissionais
no sentido de discutir as propostas para o projeto de formação profissional. Estas
discussões ocorrem até a atualidade, demonstrando a importância e
necessidade de participação de toda a categoria – o que não é muito comum
entre os assistentes sociais que não estão na docência.
* Doutoranda em Serviço Social pela UNESP/Franca, Mestre em Serviço Social pela PUC/SP,
especialista em Formação de professores em EAD pela UFPR, especialista em Serviço Social e
políticas sociais pela UNB, especialista em Planejamento Social pela UNIT/Uberlândia, Graduada
em Serviço Social pela UNIT/Uberlândia, assistente social do Hospital-escola da Faculdade de
Medicina do Triângulo Mineiro - FMTM e Diretora do curso de Serviço Social da Universidade de
Uberaba/MG.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
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Neste contexto elucida-se alguns requisitos para garantir a qualidade da
formação profissional do assistente social na atualidade. Busca-se fortalecer a
formação de um profissional criativo, propositivo que tenha competência e
agilidade na pesquisa e no desvendamento da realidade, apreendendo a
dinâmica dos processos sociais na sua totalidade. Neste aspecto espera-se a
superação da visão fragmentada, praticista e determinada unicamente pelos
interesses da instituição na qual está inserido o assistente social.
Assim, as diversas instituições de ensino de Serviço Social se
mobilizaram “na defesa dos princípios acadêmicos-profissionais e ético-políticos
norteadores do Código de Ética dos Assistentes Sociais e da proposta de
Diretrizes Curriculares da Área de Serviço Social”. (IAMAMOTO, 2000, p.37).1
Segundo IAMAMOTO estas diretrizes foram construídas coletivamente e
aprovadas por unanimidade, em 1996, pelas 64 unidades de ensino do país,
então filiadas à ABEPSS. A primeira informação trazida pelas diretrizes
curriculares do Curso de Serviço Social refere-se ao perfil do Bacharel em
Serviço Social:
Profissional que atua nas expressões da questão social,
formulando e implementando proposta para seu enfrentamento,
por meio de políticas sociais públicas, empresariais, de
organização da sociedade civil e movimentos sociais.
Profissional dotado de formação intelectual e cultural
generalista crítica, competente em sua área de desempenho,
com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto
das relações e no mercado de trabalho. Profissional
comprometido com os valores e princípios norteadores do
Código de Ética do Assistente Social do Assistente Social.
As transformações ocorridas na sociedade, as mudanças nas relações de
trabalho através do fim de antigas funções, surgimento de novas demandas,
atribuições e espaços ocupacionais e requisitos novos para a qualificação dos
trabalhadores especializados, em especial do assistente social determinam
reflexões e novas propostas para garantir a autonomia e respeito ao projeto
ético-político do Serviço Social.
Segundo Netto2 (1999, p. 104-105),
1 IAMAMOTO, Marilda Vilela. Associação Brasileira de ensino e pesquisa em Serviço Social.
Reforma do Ensino Superior e Serviço Social. In: Reforma do Ensino superior e Serviço Social.
Brasília: Valci, 2000.
2 NETO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social frente à crise
contemporânea. In: Capacitação em Serviço Social e política social: Módulo 1: Crise
contemporânea, questão social e serviço social – Brasília: CEAD, 1999.
70
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
este projeto ético-político tem em seu núcleo o reconhecimento
da liberdade como valor central [....] daí um compromisso com a
autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos
sociais [....] O projeto profissional vincula-se a um projeto
societário que propõe a construção de uma nova ordem social,
sem dominação e/ou exploração de classe/etnia e gênero [....]
afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do
arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o
pluralismo – tanto na sociedade como no exercício profissional
[....] ele se posiciona em favor da eqüidade e da justiça social, na
perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços
relativos aos programas e políticas sociais; a ampliação e a
consolidação da cidadania são postas explicitamente como
condição para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais das
classes trabalhadoras. [....] O projeto implica o compromisso com
a competência, que só pode ter como base o aprimoramento
intelectual do assistente social. Daí a ênfase numa formação
acadêmica qualificada, alicerçada em concepções teóricometodológicas críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma
análise concreta da realidade social – formação que deve abrir o
passo à preocupação com a (auto) formação permanente e
estimular uma constante postura investigativa [...].
É seu componente estrutural o compromisso com a qualidade
dos serviços prestados à população, incluída nesta qualidade
dos serviços prestados à população, a publicização dos
recursos institucionais, instrumento indispensável para a sua
democratização e universalização e, sobretudo, para abrir as
decisões institucionais à participação dos usuários. [....] o
empenho ético-político dos assistentes sociais só se potenciará
se a categoria articular-se com os segmentos de outras
categorias profissionais que partilhem de propostas similares e,
notadamente, com os movimentos que solidarizam com a luta
geral dos trabalhadores.
Partindo de toda a explanação feita por Netto sobre o projeto ético-político
do Serviço Social e assentando-o na nossa realidade local/regional ressalta-se a
preocupação sobre o acesso dos assistentes sociais (docentes e profissionais da
prática) a tais reflexões e análises.
Esta é também a preocupação da ABEPSS e dos intelectuais que estão
discutindo as diretrizes curriculares e as novas propostas de formação do
assistente social. Por isso Ferreira3 (2000, p.93) afirma que:
FERREIRA, Ivanete Boscchetti. Implicações da reforma do ensino superior para a formação do
Assistente Social: desafios para a ABEPSS. In: Revista da Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS, Reforma do ensino superior e Serviço Social. Brasília:
Valci, 2000.
3
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
71
a formação profissional, tal como colocada nas diretrizes
curriculares, deve, portanto:
• Fomentar a apreensão crítica dos processos sociais numa
perspectiva de totalidade;
• Instigar a análise do movimento histórico da sociedade
brasileira, apreendendo as particularidades do
desenvolvimento do capitalismo no país e situando o Serviço
Social nestas relações sociais;
• Fortalecer os valores e princípios legitimados no Código de
Ética profissional, exercitando a vivência da cidadania,
democracia e participação política;
• Garantir a compreensão do significado social da profissão
e de seu desenvolvimento sócio-histórico nos cenários
internacional e nacional, desvelando as possibilidades de
ação contidas na realidade;
• Possibilitar a identificação das demandas presentes na
sociedade, tradicionais e emergentes, visando formular
respostas profissionais para o enfrentamento da questão
social, considerando as novas articulações entre o público e
o privado;
• Consolidar o entendimento da prática profissional como
trabalho socialmente determinado, de modo que o assistente
social se reconheça como trabalhador assalariado.
Mediante toda a ampla perspectiva de atuação dos assistentes sociais de
um lado e de outro as transformações societárias através da reestruturação
produtiva, influências da globalização ampliada e da implementação dos ideais
neoliberais, o acirramento da desigualdade e exclusão social com as mais
variadas seqüelas na classe trabalhadora e do desfacelamento das políticas
públicas (em especial a educação; nas universidades públicas, novos projetos de
universidade baseado nas leis de mercado com critérios de avaliação a ele
pertinentes), confirma-se a necessidade para a implantação de programa de
Educação continuada.
Esta proposta justifica-se por entendermos que a capacitação e
aprimoramento profissional são componentes básicos para o processo de
ensino-aprendizagem e contribuem decisivamente para a concretização da
relação teoria-prática dos assistentes sociais, reconhecendo os nexos entre os
conhecimentos do Serviço Social e a realidade da prática profissional na sua
relação com a demanda, com a instituição e com a realidade social, assim como,
contribui para o processo de desenvolvimento das habilidades técnicooperacionais desejáveis à prática profissional, visando o atendimento das
demandas frente à realidade social e as alternativas de enfrentamento às
questões sociais que emergem do cotidiano desta prática.
72
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
Mediante o exposto ressalta-se a importância de cursos para “formação
de formadores” como um dos mecanismos de promoção desta capacitação e
aprimoramento, no sentido de promover maiores reflexões sobre as novas
perspectivas e demandas profissionais frente a realidade acima citada, a
inserção não só dos docentes mas também dos assistentes sociais da prática na
construção de conhecimentos e de uma nova proposta de ação e a importância
de se fazer a articulação entre universidade – construtora e transmissora de
novos conhecimentos e a categoria – principalmente aquela que se detém
somente na intervenção cotidiana.
O Novo Perfil Profissional e Importância de Cursos de Educação
Continuada para Formadores em Serviço Social
As exigências centrais da formação profissional no contexto das
transformações sociais em curso têm como base a questão social alicerçada na
dinâmica da vida social e no mundo do trabalho. Busca-se compreender e
apreender o significado social da profissão enquanto especialização do trabalho
coletivo.
As profundas mudanças nas relações de trabalho e na reprodução da vida
social são influenciadas pela reestruturação produtiva, reforma do Estado
seguindo orientações principalmente de órgãos externos como FMI, e
conseqüentemente pelas novas formas de enfrentamento da questão social.
Percebe-se a necessidade de um repensar dos profissionais frente a
todas as transformações societárias, uma vez que também o Serviço Social sofre
as influências das mudanças na realidade social.
Assim, as exigências da formação profissional baseiam-se em princípios
como reorganização do currículo de 1982, aproveitando os pontos positivos e
modificando aqueles que impedem o desenvolvimento profissional proposto.
É necessário um rigoroso trato teórico-metodológico e histórico da
realidade social e da própria profissão. Tal necessidade reforça a importância de
novas técnicas de ensino através de disciplinas mais abrangentes e definidas,
seminários, congressos, workshops, oficinas, atividades complementares e
tópicos especiais. Isto permite maior dinamicidade nos currículos.
Busca-se também a formação de um profissional com visão de totalidade
percebendo as dimensões de universalidade, particularidade e singularidade.
Desta forma propõe-se a superação da fragmentação de conteúdos, a
pulverização de disciplinas e a dificuldade em perceber as interfaces entre os
conteúdos.
A pesquisa e intervenção devem ser tratadas como princípios de
formação profissional e como base para a relação teoria-realidade-prática,
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
73
refletindo na indissociabilidade entre ensino-pesquisa e extensão, assim como
entre estágio-supervisão acadêmica e profissional. Por fim a Ética profissional
que deve ser o eixo central da formação profissional do assistente social. Neste
contexto as diretrizes curriculares serão o caminho através do qual poder-se-á
atingir a capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa
necessária à nova formação profissional do assistente social.
Para iniciar a análise sobre a formação profissional e o novo perfil para o
Serviço Social torna-se importante fazer uma reflexão sobre a educação neste
contexto de transformações societárias. As novas perspectivas de formação do
assistente social buscam atender à nova realidade social apresentada e aos
novos paradigmas da educação que direcionam os destinos da humanidade.
Ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como
um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos
ideais de paz, da liberdade e da justiça social. Através de
análises, reflexões e propostas, a Comissão deseja partilhar
esta convicção com o maior número de pessoas, numa altura
em que as políticas educativas enfrentam fortes críticas, ou são
relegadas, por razões econômicas e financeiras, para a última
ordem de prioridades. (DELORS, 2000, p. 11).
Esta é uma realidade premente no Brasil que tem se caracterizado pelo
aumento da desigualdade social, miséria, violência, prostituição, desemprego,
exclusão sob todos os aspectos, crescimento industrial e tecnológico
desenfreado que contribui para a destruição disfarçada do planeta.
A educação deve encarar de frente este problema, pois, na perspectiva do
parto doloroso de uma sociedade mundial, ela se situa no coração do
desenvolvimento, tanto da pessoa humana como comunidades. Cabe-lhe a
missão de fazer com que todos, sem exceção, façam frutificar os seus talentos e
potencialidades criativas, o que implica, por parte da cada um a capacidade de
se responsabilizar pela realização do seu projeto pessoal. (DELORS, 2000 p.
16).
Através da educação é possível refletir sobre os movimentos societários e
construir propostas para a superação das mazelas sociais a que está submetida
a humanidade. Há que se encontrar uma saída. O primeiro passo é pensar
conjuntamente e iniciar a construção de um mundo melhor.
Tudo nos leva, pois, a dar novo valor à dimensão ética e cultural da
educação e, deste modo, a dar efetivamente a cada um, os meios de
compreender o outro, na sua especificidade e de compreender o mundo na sua
marcha caótica, para uma certa unidade. Mas antes, é preciso começar por se
conhecer a si próprio, numa espécie de viagem interior guiada pelo
74
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
conhecimento, meditação e pelo exercício da autocrítica. (DELORS, 2000, p. 16).
Desta forma educação contribui para o desenvolvimento social
sustentável, para o alcance de objetivos societais na dimensão da totalidade e
conseqüentemente para a melhoria da qualidade de vida.
Para isso faz-se necessário que todos os envolvidos no processo como
governo, profissionais da educação, sociedade civil, alunos, pais/responsáveis
se organizem e assumam seus papéis e responsabilidades para a construção de
um mundo melhor através da educação. Portanto, as mudanças e ações
necessárias a esta construção diz respeito a todos.
Mas a modificação profunda dos quadros tradicionais da existência
humana coloca-nos perante o dever de compreender melhor o outro, de
compreender melhor o mundo. As exigências de compreensão mútua, de entre
ajuda pacífica e, por que não, de harmonia são, precisamente os valores de que
o mundo mais carece. (DELORS, 2000, p. 19).
Partindo deste ponto de vista propõe-se uma ampliação da proposta de
educação, contribuindo para que todos tenham acesso a dados, informações,
fatos permitindo que estes possam analisar, relacionar, escolher, organizar e
lançar mão destes conhecimentos para a complementação da formação
humana. Aliado a isto está a importância de conhecer a si mesmo e a si
compreender neste processo.
Para podermos compreender a crescente cumplicidade dos fenômenos
mundiais, e dominar o sentimento de incerteza que suscita, precisamos, antes,
adquirir um conjunto de conhecimentos e, em seguida, aprender a relativizar os
fatos e a revelar sentido crítico perante o fluxo de informações. A educação
manifesta aqui, mais do que nunca, o seu caráter insubstituível na formação da
capacidade de julgar. Facilita uma compreensão verdadeira dos acontecimentos,
para lá da visão simplificadora ou deformada transmitida, muitas vezes, pelos
meios de comunicação social, e o ideal seria que ajudasse cada um a tornar-se
cidadão deste mundo turbulento e em mudança, que nasce cada dia perante
nossos olhos. (DELORS, 2000, p. 47).
No entanto, o ensino superior no Brasil ainda não atingiu este ideal. As
universidades brasileiras estão passando por um processo de reestruturação
direcionado pela reforma do Estado. Este processo caracteriza-se pela
organização da política de educação que segundo Neto (1999 p. 29), apresenta
traços tais como:
o favorecimento da expansão do privatismo, a liquidação da
relação ensino, pesquisa e extensão, a supressão do caráter
universalista, a subordinação das demandas do mercado, a
redução do grau de autonomia pensada apenas como
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autonomia financeira: a subordinação dos objetivos
universitários às demandas do mercado, nexo organizador da
vida universitária; a supressão de autonomia docente, são os
traços fundamentais que resultam, como um pacto para o
ensino superior, desse duplo e imbricado movimento político de
ajuste e de reforma do Estado.
Por outro lado, este mesmo autor admite que apesar de todos os
problemas e limitações vividos pelas universidades brasileiras, em especial as
públicas, ela ainda representa um espaço importante de reflexão, discussão e
ação frente à realidade apresentada.
Essa universidade com todos os problemas que tem é uma
escola de cidadania, ela inquieta, ela agita, ela subverte, ela
faz germinar. Então trata-se de suprimir esse seu papel
democratizante. (NETO, 1999, p. 29).
O ensino superior brasileiro, também, está submetido a um movimento de
reformas indicadas pelo Estado, através das políticas de ajustes de cunho
neoliberal, “determinada” por organizações internacionais como FMI, Banco
Mundial, etc. A reforma na área da educação responde à crise do estado de
bem-estar social, às diretrizes das políticas neoliberais e ao interesse do
mercado.
Os cortes orçamentais provocam três efeitos principais na vida
institucional da universidade. Porque são seletivos, alteram as
posições relativas das diferentes áreas do saber universitário e
das faculdades, departamentos e unidades onde são
investigadas, e (ou) ensinadas, e, com isso, desestruturam as
relações de poder em que se assenta a estabilidade
institucional. Porque são sempre acompanhadas do discurso
da produtividade, obrigam a universidade a questionar-se em
termos que lhe são pouco familiares e a submeter-se a critérios
de avaliação que tendem a dar do seu produto, qualquer que
ele seja, uma avaliação negativa. Por último, porque não
restringem as funções da universidade na medida das
restrições orçamentais, os cortes tendem a induzir a
universidade a procurar meios alternativos de financiamentos,
para o que se socorrem de um discurso aparentemente
contraditório que salienta simultaneamente a autonomia da
universidade e a sua responsabilidade social. (SANTOS, 1996
p. 214).
À luz desta realidade estão ocorrendo transformações profundas na
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
proposta de participação do Estado nas questões sociais, construindo diferentes
mecanismo para garantir a efetividade das reformas indicadas. Entre elas podese ressaltar as diretrizes estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei n. 9.394, de 20/12/96, que pretendem reorganizar a
política educacional brasileira.
Sua estruturação e implantação têm se pautado pela criação de medidas
provisórias, decretos, portarias, emendas constitucionais, etc. Desta forma o
governo tem minado os espaços de participação e reivindicação da sociedade
civil, dificultando ou até mesmo impedindo a realização de um processo
democrático, aberto para implementação destas reformas, cujo controle social
estaria na responsabilidade de toda a sociedade.
O que supõe, como requisito, articular permanentemente, análises das
tendências estruturais com a dinâmica conjuntural; apropriar-se criticamente da
lógica que preside a política de ensino superior e acompanhar as medidas nas
quais se materializa. Realizar, enfim, uma vigilância cívico – acadêmica, de
modo a apropriar-se das possibilidades de interferências – dentro dos limites
presentes – nas regras do jogo que regem a formulação e implementação da
política do ensino superior, no cotidiano das relações que conformam a vida
universitária e o exercício profissional (IAMAMOTO, 1999, p. 38).
A regulamentação da LDB é constituída por um pacote de medidas do
governo para garantir a reforma do ensino superior. De acordo com o discurso
governista o Brasil tem uma economia diversificada que demanda mão de obra
qualificada. Neste contexto são implementadas algumas medidas para
flexibilização dos processos de formação profissional, critérios de inserção no
ensino superior, mudanças para ordenação do exercício profissional. Entre as
medidas pode-se ressaltar exame nacional de cursos, mestrado
profissionalizante, cursos seqüenciais, diretrizes curriculares em substituição aos
currículos mínimos, ensino à distância. Estas medidas complementam a
perspectiva de construção de novos modelos para a educação superior.
Incentiva-se a participação da iniciativa privada na manutenção e financiamento
de projetos, pesquisas e convênios junto às universidades públicas. Neste
contexto cabe refletir sobre as implicações para o Serviço Social, mediante as
reformas propostas ao Estado.
Segundo (IAMAMOTO, 1999, p. 66),
O (a) assistente social trabalha no âmbito das relações sociais,
em suas expressões na vida quotidiana, nas esferas pública e
privada. Interfere na reprodução das condições de vida material
dos segmentos populacionais que tem acesso aos serviços
previstos nas políticas sociais públicas e empresariais. Mas,
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
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também, opera no minado terreno político ideológico – que
incorpora conhecimentos, valores, comportamentos, atitudes,
sentimentos e emoções, que conformam a esfera da
subjetividade dos indivíduos sociais, cuja existência é
socialmente objetiva. O assistente social, ao acompanhar o
movimento e o ritmo das marés neoliberais, pode vir a torna-se
um eficiente e eficaz coadjuvante dos mecanismos de
fetichização da vida social: um profissional mistificado e da
mistificação ...
Portanto, a reforma de ensino superior engloba uma série de medidas que
está atingindo diversos níveis da educação (desde a básica até o ensino
superior) e as mais diversificadas profissões e cursos. Entre elas, pode-se
ressaltar as diretrizes curriculares para o Serviço Social aprovadas em abril de
2001 pelo MEC. De acordo com (FERREIRA, 1999, p. 91) “Este projeto está em
dois princípios básicos”.
No âmbito ético-político, trata-se de um projeto comprometido com a
liberdade como valor central, que se expressa no compromisso com a
autonomia, a emancipação e a expansão dos indivíduos sociais. Assume claro
posicionamento em favor da equidade e da justiça social, que assegure a
remunerabilidade de acesso aos bens e serviços referentes às políticas sociais.
No âmbito da prática profissional, esses valores se expressam na defesa
da qualidade dos serviços, na competência profissional, na viabilização dos
direitos sociais e da cidadania, na luta pela radicalização da democracia no
aprimoramento intelectual dos profissionais. Daí a preocupação e ênfase em
uma formação acadêmica qualificada, fundamentada em concepções teóricometodológicas críticas e sólidas.
As diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social trazem
inovações que contribuem para a organização da proposta pedagógica dos
cursos, sem no entanto delimitar ou determinar as caracterizações apresentadas
pelas escolas de Serviço Social na sua organização curricular.
Estas diretrizes apresentam inicialmente o perfil dos formandos. Tal perfil
possibilita aos cursos organizar mais propostas pedagógicas de forma a
contemplar essa perspectiva, ou seja,
profissional que atua nas expressões da questão social,
formulando e implementando propostas, de intervenção para
seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício
pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos
usuários do Serviço Social no conjunto das relações sociais e
no mercado. (Diretrizes curriculares para os cursos de Serviço
Social, Abril de 2001).
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
Outro aspecto importante é a inserção dos requisitos de competência e
habilidades. Entende-se que a formação profissional deva viabilizar a aquisição
de competências, como a capacitação teórico-metodológica e ético-política, por
meio do desenvolvimento de habilidades nos aspectos cognitivos, afetivo social e
psicomotor.
Para tanto as D. C. apresentam alguns critérios para a organização dos
cursos. Tais como: flexibilidade dos currículos plenos com a inserção de
outros componentes como seminários, oficinas, estágios etc. Se antes o
currículo proposto apresentava as disciplinas a serem ministradas, com suas
respectivas cargas horárias, nas D. C. atuais os conteúdos curriculares são
propostos através da ordenação de núcleos de fundamentação da formação
profissional.
As exigências centrais da formação profissional no contexto das
transformações sociais em curso têm como base a questão social alicerçada na
dinâmica da vida social e no mundo do trabalho. Busca-se compreender e
apreender o significado social da profissão enquanto especialização do trabalho
coletivo.
As profundas mudanças nas relações de trabalho e na reprodução da vida
social são influenciados pela reestruturação produtiva, reforma do Estado
seguindo orientações principalmente de órgãos externos como FMI, e
conseqüentemente pelas novas formas de enfrentamento da questão social.
Percebe-se a necessidade de um repensar dos profissionais frente a
todas as transformações societárias, uma vez que o Serviço Social sofre as
influências das mudanças na realidade social. Nesse sentido, as diretrizes
curriculares propõem contribuir para que haja uma apreensão crítica do processo
histórico como totalidade, apreensão das particularidades que culminam na
constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país,
entendimento sobre o significado social da profissão e conhecimento e
apreensão das novas demandas postas ao Serviço Social através do mercado
de trabalho e no enfrentamento das questões sociais.
As diretrizes curriculares definem as competências e atribuições do
assistente social prevista na atual legislação profissional contribuindo para a
efetivação da nova formação profissional. A partir daí exige-se também uma
reflexão daqueles profissionais já formados há muito tempo sobre a necessidade
de capacitações freqüentes para que não haja grande distância entre os
assistentes sociais graduados após as mudanças nas diretrizes curriculares e
aqueles com muitos anos de graduação e distantes dos meios acadêmicos.
As D. C. apresentam três núcleos:
• Núcleo de fundamentação teórico-metodológicos da vida social;
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•
Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade
brasileira;
• Núcleo de fundamentos do trabalho profissional.
Esta organização permite aos cursos através de aprovação dos
colegiados, a formatação de sua proposta pedagógica atendendo aos
conhecimentos necessários à formação profissional e à realidade social a qual a
escola de Serviço Social esteja inserida. Neste contexto o Estágio
Supervisionado e o TCC completam os requisitos para a formação do assistente
social.
Podemos mesmo afirmar que o eixo fundamental da direção social e do
perfil profissional definidos neste currículo impõe esta postura para continuar
avançando no sentido de colocar o Serviço Social na direção histórica de ruptura
com a velha formação profissional acadêmica, com as velhas práticas
profissionais, enfim com a velha sociedade, contribuindo para a construção de
novas relações e condições e para a emancipação da humanidade. O aparente
idealismo aqui é realismo político porque sustentado na possibilidade histórica
(CARDOSO, et al, 1999, p. 125).
Frente à realidade exposta ressalta-se a importância de se fortalecer as
análises e discursos sobre as novas perspectivas de formação profissional e sua
repercussão no exercício profissional, mediante as implicações da LDB e das
transformações societárias sobre a profissão. A reforma do Estado,
especificamente na área de Educação propõe a flexibilização das políticas
educacionais, colocando-as a mercê dos interesses de mercado e a
conseqüente desresponsabilização do Estado frente à educação pública.
Esta constatação nos remete à importância da educação continuada na
“formação de formadores”, que estão trabalhando cotidianamente com todas
estas mudanças. O desenvolvimento do projeto pedagógico supõe uma clara
política de capacitação continuada que coloca a questão da atualização e
qualificação docente, bem como da categoria profissional de um modo global,
considerando as necessidades da formação e da prática profissional e os
avanços teóricos e políticos alcançados pela profissão nas últimas décadas. A
avaliação deste elemento deve, portanto, considerar a relação entre a
graduação, pós-graduação e o movimento organizativo da categoria, na
perspectiva da elevação das condições intelectuais e políticas do exercício
profissional. (CARDOSO, et. al, 1999, p. 130).
A partir da aprovação das diretrizes curriculares e a recomendação de que
as unidades de ensino procedem à sua implantação, instalam-se os desafios
para a formação profissional do Assistente Social em novos parâmetros e sob
um novo olhar.
80
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
A revisão curricular proposta na década de 90 tem propiciado um
repensar da categoria, principalmente daqueles diretamente relacionados à
formação profissional. São apresentados alguns desafios como a superação da
educação pautada apenas no conteúdo /disciplina, a fragmentação e o
distanciamento do contexto social e mesmo a proposição de atividades
complementares diversificadas como iniciação científica, pesquisa e extensão
para enriquecer a proposta pedagógica dos cursos de Serviço Social.
Nesse sentido reforça-se a importância de proposta de capacitação
profissional no âmbito teórico, metodológico, técnico-operativo, e ético-politico
dos sujeitos envolvidos na formação profissional. Todos os sujeitos envolvidos
têm suas responsabilidades, que compreendem o respeito ao outro, o
compromisso com o coletivo e a coerência entre os valores éticos assumidos e
as atitudes práticas. Na relação professor e alunos, estas responsabilidades são
diferentes, exigindo do corpo docente uma constante reflexão sobre suas
práticas pedagógicas, critérios de avaliação, postura profissional e relação com
os demais colegas de campo e docentes. (BRITES; BARROSO, 2000, p. 28).
Considerações Finais
Foram destacados aqui alguns desafios e polêmicas que estão se
apresentando aos profissionais do Serviço Social, em especial àqueles que se
dedicam à formação de novos profissionais. A formação do assistente social é
estabelecida pela proposta pedagógica dos cursos de Serviço Social, onde há
uma inter-relação pedagógica entre os conteúdos e discussões contidas nos
núcleos de fundamentação da formação profissional. Com a participação ativa do
aluno e a sua inserção no espaço sócio-institucional. È neste contexto que se
discutem os desafios do ensino e da prática e se insere novos sujeitos na
proposta de formação e aprimoramento profissional. Para iniciar esta discussão
pode-se ressaltar os cursos de atualização, capacitação e especialização como
elemento constituinte do processo ensino-aprendizagem em Serviço Social, e um
dos alicerces da educação do futuro.
Discutir sobre o processo de ensino-aprendizagem em Serviço Social,
tendo como referência a atualização remete-nos à reflexão sobre a articulação
das dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas do processo de trabalho
em Serviço Social em sua inter-relação com as demandas de mercado e a
realidade social atual.
A capacitação profissional, de forma mais elaborada, pode ser
estabelecida na construção cotidiana da relação teoria-prática e se consolidar
através do entendimento sobre a fusão de habilidades e competências e a busca
de viabilidade dos projetos de mudanças sociais com os quais a profissão está
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
81
associada. As expectativas e estratégias de organização de cursos de
capacitação vêm materializar concretamente esta perspectiva e consolidar a
proposta dos cursos de capacitação/educação continuada aos assistentes
sociais que atuam cotidianamente na formação em Serviço Social.
A importância dos cursos de extensão e especialização no processo de
ensino-aprendizagem do Serviço Social é clara e constitui-se num espaço
estratégico na consolidação do projeto de formação de novos profissionais. As
questões que determinam a necessidade de cursos de educação continuada vão
desde a insegurança dos profissionais ao conteúdo/conhecimento apreendido, a
defasagem ou desatualização teórica-metodológica até as novas perspectivas e
espaços ocupacionais que reforçam as dificuldades de acompanhar as
demandas para o Serviço Social e a necessidade de articulação da
teoria/conhecimentos e as dimensões ético-políticas, teórico-metodológicas e
reflexivas, contidas no processo de trabalho do assistente social, principalmente
no “despreparo” dos profissionais para serem educadores.
De acordo com Cassab, o ensino da prática pode ser entendido em duas
de suas dinâmicas. Na primeira, como um momento privilegiado de
estabelecimento de sínteses possíveis no processo da capacitação do aluno
para a apreensão da singularidade das situações vividas no trabalho do Serviço
Social e para o estabelecimento de objetivos e estratégias de seu enfrentamento,
a fim de que seja possível empreender ações qualitativamente diferentes. A
Segunda dinâmica [....] refere-se à formação de uma cultura investigava, como
condição necessária para o conhecimento dos sujeitos com os quais trabalha o
Serviço Social, dos elementos presentes nos processos de trabalho nos quais
estão envolvidos e das faces da questão social presentes nas circunstâncias que
vivem os sujeitos [....] o ensino da prática supõe a dimensão do conhecimento da
matéria sobre a qual o Serviço Social atua, dos meios e instrumentos
necessários na produção dos resultados e ainda um conhecimento acerca das
condições que potencializam ou dificultam seu fazer, além, é claro, do horizonte
ético-político construído pela categoria profissional. (2000 p. 128).
Compreender toda esta complexidade que envolve o ensino da prática
contribui para um repensar profundo sobre a efetividade de discursos sobre as
diretrizes curriculares, a organização das propostas pedagógicas dos cursos de
Serviço Social, a educação continuada e seu impacto na formação profissional,
mediante as transformações societárias constatadas cotidianamente.
E, do mesmo modo outros elementos poderiam ser ressaltados em
relação à formação profissional. Entre eles o próprio processo de trabalho dos
assistentes sociais. A categoria vem sofrendo as conseqüências da ampliação
do ideário neoliberal, da implantação da reestruturação produtiva, flexibilização
82
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
das relações de trabalho, minimização da participação do Estado nas políticas
públicas, descaso com a área social. Tudo isso repercute nas condições de
trabalho do assistente social. Diariamente ele se vê envolto por um acúmulo de
trabalho, aumento de seu desgaste físico e diminuição de recursos e alternativas
para o enfrentamento das questões sociais.
Estes aspectos fazem parte dos desafios e dilemas que compõe a
formação profissional e contribuem efetivamente para o processo de ensinoaprendizagem de todos os envolvidos na educação. Isto porque:
O ensino da prática propicia o estabelecimento de um tipo de
relação pedagógica no processo de formação de profissional
particularmente privilegiado em termos da capacidade do aluno
de estabelecer síntese, de desconstruir um pensamento
orientado por modelos aplicáveis, de articular críticas e
formação, em síntese, de se construir em sua identidade de
trabalhador, de assistente social. (CASSAB, 2000, p. 132).
Este é um aspecto extremamente importante e pode ser contemplado
através da implementação de cursos de atualização, extensão e especialização,
principalmente para aqueles que lidam diretamente com a formação de novos
profissionais. Há que se instituir ações que desvelem perspectivas e
possibilidades de enfrentamento da realidade social apresentada e suas
potenciais mudanças incentivando o desenvolvimento de práticas pedagógicas
que contribuam para a apropriação dos debates teóricos acerca da profissão e
concomitantemente para a construção de mediações que aproximem a realidade
profissional das demandas contemporâneas para o Serviço Social.
A construção coletiva de um projeto político pedagógico para
implementação de cursos de aprimoramento, atualização e capacitação para
docentes vai muito além da observação formal dos contextos indicados, das
novas diretrizes curriculares propostas pela ABEPSS ou pelas normas do MEC.
Será sim uma sensibilização para a importância de atualização teóricometodológica, ético-política, técnico-operativa dos docentes e supervisores de
campo e a percepção das vantagens em ser organizada pela própria
universidade. Obter-se-á resultados em uma formação profissional satisfatória se
for decorrente de um espaço coletivo que envolva as mais diversas áreas de
atuação. Pensar na construção coletiva deste projeto pedagógico exige centrar a
formação dos novos profissionais em uma nova perspectiva de prática
pedagógica onde a educação assume o desafio de construir e universalizar a
cidadania.
Por isso, a educação deveria mostrar e ilustrar o Destino multifacetado do
humano:
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
83
O destino da espécie humana, destino individual, o social, o
destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Assim,
uma das vocações essenciais da educação do futuro será o
exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à
tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da
condição comum a todos os humanos e da muito rica e
necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas,
sobre novo esvaziamento como cidadão da terra... (MORIM,
2000, p. 61).
MARTINS, R. A. de S. The new professional profile to Social Work and the importance of formation.
Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p.69-69, 2003.
•
ABSTRACT: The importance of the continual educational training courses takes the role of
a mechanism intended to promote the capability of self-improvement so that further
reasoning on new persrpectives and professional demanding can be promoted in face of
the reality, the inclusion of not only the educators, but also the social assistants of the
practice in the building of knowledge and of a new proposal for the action together with the
importance of making the articulation between the university – the builder and conveyer of
new learning and the teaching class – especially those that keep solely the daily
pedagogical intervention.
•
KEYWORDS: Continual Educational Training Courses; Social Work; Education Continual.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 69-86, 2003
85
O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA:
PERSPECTIVA DOS SUJEITOS ENVOLVIDOS
Eliana Bolorino Canteiro MARTINS*
•
RESUMO: O presente artigo oferece uma reflexão sobre o processo de participação da
comunidade escolar nos diferentes níveis de representação existentes na escola pública;
bem como a relação que se estabelece entre escola-família-comunidade, na perspectiva
destes sujeitos.
•
PALAVRAS-CHAVE: Educação; Participação; Representatividade; Escola Pública.
Introdução
O caminho a ser percorrido neste artigo, que reflete sobre o processo de
participação da comunidade escolar, perpassa sobre a questão da democracia.
A palavra democracia designou inicialmente, uma forma particular de
governo da sociedade – o governo de todos. Com a evolução da cultura humana,
o conceito de democracia foi se ampliando para significar um tipo de sociedade e
um tipo de cultura que incorporam três valores básicos de convivência social: a
liberdade, igualdade e participação.
Segundo Vieira (1992), referindo-se ao estado de Direito no Brasil, define
a democracia como o resultado da luta pela liberdade contra a autoridade.
Nos anos 80, os processos políticos e sociais de restauração da
democracia e dos direitos civis e políticos, bem como as lutas pela ampliação e
reconhecimento legal dos direitos sociais - conquistados na Constituição de 1988
– ensejaram mudanças no processo de participação da população no controle e
gestão das políticas públicas, de forma geral. As legislações ordinárias
regulamentadoras da Constituição previram conselhos colegiados, em geral
paritários e deliberativos, nas mais diferentes instâncias do governo e também
das instituições públicas.
Na escola pública, como veremos a seguir, a luta pelo processo de
democratização tem três grandes frentes: a ampliação do acesso à instituição
educacional; a democratização dos processos pedagógicos e a democratização
dos processos administrativos.
É este último aspecto que será abordado no presente artigo, considerando
que a consolidação de uma gestão democrática no interior da escola não é um
processo fácil, pressupõe uma construção coletiva que se materializa por meios
de avanços e retrocessos característicos de tal processo.
*
Mestre em Serviço Social - UNESP- Franca/SP. Doutoranda em Serviço Social - PUC - SP.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
87
Para iluminar a reflexão proposta neste artigo é importante reportar-se ao
pensamento de Antônio Joaquim Severino (1986), a educação tem um papel
significativo na reprodução social, na medida que a mesma atua eficazmente na
reprodução ideológica. Mas esta função reprodutora da educação não esgota
sua significação total - a educação, contraditoriamente, também é força de
transformação objetiva das relações sociais, ou seja, a força da educação não
tem sentido unívoco enquanto pura instância de reprodução. O processo de
educação, no seu conjunto e no seu interior geram e desenvolvem também
forças contraditórias que comprometem o fatalismo da reprodução, quer
ideológica, quer social, atuando simultaneamente no sentido de transformação
da realidade social.
Portanto, o saber acaba levando ao questionamento das relações sociais
mediante processo de conscientização do real significado dessa relações
enquanto relações de poder, revelando inclusive a condição de contraditoriedade
que as permeia. A conscientização aqui é entendida como a passagem de uma
consciência puramente natural para uma consciência reflexiva, de uma
consciência em si, para uma consciência para si, de uma consciência dogmática,
para uma consciência crítica. Esta é a função intrínseca da educação e o seu
papel preponderante na contribuição que pode dar a transformação social.
A educação, entendida como a apropriação do saber
historicamente produzido é prática social que consiste na
atualização cultural e histórica do homem. Este, na produção
material de sua existência, na construção de sua história,
produz conhecimentos, técnicas e valores, comportamentos,
atitudes, tudo enfim que configura o saber historicamente
produzido. Saber que é passado para as novas gerações,
mediação realizada pela educação. (PARO, 1999, p. 300).
Compreender como se materializa nas instituições escolares públicas o
processo educacional é avaliar o contexto global da escola no seu interior, nas
relações estabelecidas entre os sujeitos que a compõem, na forma como conduz
a sua gestão administrativa.
Há muitas reflexões a este respeito, recentemente estimuladas pelas
controvertidas analises da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(1996), especificamente no que se refere a democratização da escola pública tanto na gestão administrativa, quanto na articulação com a comunidade,
visando maior integração escola-sociedade, conforme revela vários artigos e
incisos da referida Lei, tema que o presente artigo pretende enveredar-se.
Como nenhum homem é uma ilha e desde a sua origem vive agrupado
com seus iguais, a participação sempre tem acompanhado - com altos e baixos,
88
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
as formas históricas que a vida social foi tomando. Entretanto no mundo inteiro
nota-se uma tendência a intensificação dos processos participativos. Estão a
favor da participação tanto os setores progressistas que desejam a democracia
mais autêntica, como os setores tradicionalmente não muito favoráveis aos
avanços das forças populares. A razão, evidentemente, é que a participação
oferece vantagens para ambos, ou seja, pode ter objetivos de liberação e
igualdade como para manutenção de uma situação de controle de muitos por
poucos.
A participação facilita o crescimento da consciência crítica da população,
fortalece seu poder de reivindicação e a prepara para adquirir mais poder na
sociedade. Facilita também, o controle das autoridades por parte do povo, visto
que as lideranças centralizadas podem ser levadas facilmente á corrupção e a
malversação de fundos. Quando a população participa da fiscalização dos
serviços públicos, estes tendem a melhorar em qualidade e oportunidade.
Segundo Netto (1989) - participar é tomar parte em alguma coisa, é ter
parte em alguma coisa, é fazer algo, é ser parte de alguma coisa. Assim, os
seres humanos tomam parte, têm parte, são parte da humanidade. Quer dizer,
participam desse grande conjunto de seres que forma a humanidade.
Sabe-se que a participação é produzida mediante mecanismos que
variam conforme cada sociedade, cada momento histórico, funcionando como
oportunidade à população em função do processo participativo. Temos como
exemplo: o voto, o plebiscito, a representação política, os conselhos e outros.
Uma das questões mais importante, talvez um dos grandes desafios para
toda administração, é o acesso dos cidadãos à informação enquanto base para
garantir uma participação real. A questão não é só de informar os cidadãos, mas
de explicar e tornar transparente e abertos os canais de participação.
Para (PEDRO DEMO, 1988) um dos papéis da educação está em ser
instrumento de participação política. A educação é uma condição necessária
para desabrochar a cidadania desde que voltado para a formação do homem
como sujeito do desenvolvimento inserido dentro de um contexto de direitos e
deveres.
A participação não é um conteúdo que se possa transmitir, mas uma
mentalidade e um comportamento com ela coerentes, é uma vivência coletiva e
não individual, de modo que somente se pode aprender na práxis grupal. Só se
aprende a participar participando.
Para discutir sobre o processo participativo, em construção, na escola
pública, faz-se necessário percorrer dois movimentos dialeticamente articulados:
a participação dos elementos da comunidade escolar nas mais diferentes
instâncias representativas presentes na escola como os Conselhos de Escola, os
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
89
Grêmios Estudantis, as Associações de Pais e Mestres e demais instâncias
significativas de poder decisório, bem como compreender a relação que se
estabelece entre escola-comunidade.
A Escola e o Processo Participativo
A escola, como qualquer instituição social, é um espaço contraditório de
lutas e empates historicamente construído pelos sujeitos que a compõem.
Atualmente a escola possui instrumentos legais que garantem o processo de
participação de todos os elementos envolvidos na comunidade escolar, num
processo contínuo de democratização da escola como única alternativa viável
para o enfrentamento das novas demandas postas pela sociedade que exigem
um redimensionamento da mesma.
O Conselho de Escola, por exemplo, é o resultado de uma trajetória
histórica de lutas pela democratização da gestão escolar, iniciado pela
Congregação (1953), Conselho de Professores (1961), Conselho de Escola
Consultivo (1977), Conselho de Escola (1978) e Conselho Deliberativo (1985),
alterando-se em sua forma e estrutura visando aproximar-se cada vez mais de
uma espaço realmente democrático.
Atualmente, o Conselho Deliberativo de Escola, é regulamentado pelo
Estatuto do Magistério, sendo eleito anualmente, durante o primeiro mês letivo;
presidido pelo Diretor da Escola, tem um total de 20 a 40 componentes fixados
sempre proporcionalmente ao número de classes existentes no estabelecimento
de ensino. A sua composição é parietária, com a participação de elementos da
escola e da comunidade.
No texto legal, nas atribuições do Conselho de Escola, transparece um
processo democrático, porém há dificuldades na prática, neste e nas demais
instâncias de poder presentes na instituição escolar que acabam por espelhar o
que ocorre na sociedade de uma forma mais ampla.
Este foi um dos aspectos abordado na Dissertação de Mestrado (UNESP
– Franca/SP, 2001), denominada - Serviço Social: mediação escola e sociedade,
apresentada pela referida autora, cuja pesquisa abrangeu os diversos
segmentos da comunidade escolar, ou seja, diretor, vice-diretor, coordenador
pedagógico, supervisor de ensino, professores, serventes, merendeiras,
inspetores, pais e alunos de duas escolas públicas do município de Bauru,
trazendo contribuições significativas para o entendimento desta questão.
Para realizar a análise da participação no âmbito escolar e comunitário,
percebeu-se que o viés que conduziu este processo reflexivo, foi a avaliação da
participação da comunidade escolar nas instâncias de poder decisório existentes
na escola pública, ou seja, o Conselho de Escola e a Associação de Pais e Mestres.
90
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
Ao abordar-se este tema como os diretores, vice-diretores, coordenadores
pedagógicos e supervisores de ensino, todos consideram importante a existência
do Conselho de Escola e da Associação de Pais e Mestres, porém, enfatizam os
entraves existentes para que estes órgãos cumpram, integralmente seus
objetivos. Elencam como uma das maiores dificuldades, a escassez de
participação dos pais - por diversos fatores que vão desde a acomodação, o
desconhecimento, até a falta de tempo - para atuarem nestas instâncias de
poder decisório.
Algumas afirmações demonstram que estes órgãos existem juridicamente,
por força de Lei, mas não exercem suas funções de fato.
O Conselho é muito mais um órgão de obrigatoriedade, de
papel, do que de fato.(diretora).
O Conselho funciona, apesar de ter problemas para conseguir
horário adequado para as reuniões, principalmente em relação
aos pais. (vice-diretora).
Muitos analisam a questão da não participação dos pais como um dos
entraves para a efetivação das instâncias de poder decisório na escola, às vezes
compreendendo os determinantes conjunturais, culturais, que incidem sobre esta
questão e, outras, fazem sua análise com uma visão ingênua, centrada no
indivíduo e não na sociedade como um todo, conforme revelam as suas falas:
Existe a cultura da não participação. O diretor fica com uma
certa preocupação que o Conselho vai interferir, pela
responsabilidade que ele tem na escola. Preocupação
exagerada, muitas vezes se fechando e dificultando a
participação. Os pais por sua vez, quanto mais humildes,
pensam que só podem dizer 'amém'....( supervisor de ensino).
Do total de doze professores entrevistados, nove participam do Conselho
de Escola e três da Associação de Pais e Mestres, sendo que apenas um
participa das duas entidades.
As referências sobre esta participação são muito significativas para
compreender a organização, a operacionalização dos Conselhos de Escola e da
Associação de Pais e Mestres.
O Conselho de Escola tem grande poder, porque nós
precisamos reunir o Conselho para expulsar um aluno da
escola, porque ele desacatava demais... e o Conselho teve
força para isso. O próprio aluno vê que o Conselho tem poder,
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
91
quando a gente fala - olha menino, seu nome vai para o
Conselho, ele dá uma maneirada no comportamento.
(professora).
No Conselho nós temos duas reuniões anuais, uma cada
semestre, que é obrigatória. Sempre que há um assunto
importante a ser discutido, então convoca uma reunião
extraordinária.Enfim, é extremamente o que é legal [jurídico].
(professora).
Fica explicito, na maioria das afirmações, que o Conselho de Escola é
uma instância burocratizada da escola, que não atinge seus objetivos na sua
abrangência, competência e poder de decisão; apontam também a dificuldade de
participação dos professores e pais.
As declarações das famílias, confirmam a posição dos professores,
porém, acrescentam que a maioria desconhece a real competência do Conselho
de Escola, conforme verifica-se a seguir:
Participo do Conselho de Escola. Tem duas reuniões por ano,
mas até agora não fui convocada para nenhuma. Entrei porque
acho que a gente tem que estar presente na escola. (família).
Depreende-se destas e demais declarações dos diversos segmentos da
comunidade escolar, pontos que determinam questões observadas na prática
dos Conselhos, sendo:
• Não correspondem à totalidade de suas atribuições, centrando sua
ação apenas em uma das suas funções, ou seja, aplicar penalidade
disciplinares àqueles que estiverem sujeitos, especialmente os
alunos;
• Não há a socialização do conhecimento de ordem administrativa e
pedagógica, portanto, a escola acaba monopolizando o poder decisão
das questões relacionadas ao projeto pedagógico;
• Não há representatividade efetiva dos conselheiros e sim
posicionamentos pessoais, conseqüência da forma como ocorre o
processo de eleição, fazendo dos Conselhos órgãos meramente
formais e legais;
• A postura do diretor é de importância capital, é ele quem dá a direção
nas relações estabelecidas na escola, especialmente nas efetivadas
no Conselho de Escola;
• O exercício da participação de todos nas questões administrativas,
financeiras, pedagógicas e sociais, conforme trata a própria Lei de
92
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
criação dos Conselhos, é minimizado, restringindo-se a ações
extremistas como transferências e expulsões de alunos.
A visão que a instituição escolar é uma entidade coletiva - situada num
certo contexto social, com práticas, convicções e saberes que se entrelaçam
numa história própria em permanente mudança e que precisa ser pensada
coletivamente por toda comunidade escolar - ainda está muito restrita ao
discurso de alguns teóricos e assessores curriculares, encontrando inúmeros
obstáculos para a sua concretização.
O mesmo ocorre com as Associações de Pais e Mestres das duas
unidades de ensino pesquisadas, onde fica evidenciado o consenso que este é
um órgão meramente articulador de recursos financeiros, funcionando
precariamente, com a participação de poucos pais.
A escola não funciona sem a Associação de Pais e Mestres.
Nós dependemos de verbas para ter material para as crianças
carentes. Então fazemos festas, vendemos doces para
arrecadar dinheiro, porque a verba que o Estado manda é
muito pouca. (professora).
Outro espaço de participação importante nas escolas é o Grêmio
Estudantil, que deveria existir com a finalidade de mobilizar nos alunos, a visão
do coletivo, da organização, propiciando condições de incentivo aos estudos e
estimulando o sentimento de pertença à instituição escolar, além de
consubstanciar-se em um exercício de democracia, de participação.
No entanto, percebe-se que
a falta de participação, na verdade, serve à velha cultura
dominante pautada no centralismo das decisões e na obediência
incondicional das massas às normas e determinações que, além
de raramente corresponderem aos seus interesses,
necessidades e preocupações, ainda voltam-se a impedir sua
participação consciente. (AMARO et al, 1997, p. 47).
Ainda no que se refere à participação, todos os sujeitos envolvidos na
comunidade escolar foram questionados sobre a relação estabelecida entre
escola-família-comunidade, registrando posições ambíguas e diversos
obstáculos, conforme exposto a seguir.
Os educadores, no geral, consideram que há um bom relacionamento
entre escola-família-comunidade, porém suas declarações apontam
contradições:
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
93
A relação da escola com a comunidade é boa, os pais quando
chamados, atendem. Há vários problemas na escola: pais
presos, falta de segurança na escola, falta de transporte para
os alunos, tudo a gente tem que conversar com os pais e com
a comunidade. (diretora).
De certa forma somos privilegiados neste ponto. O
relacionamento com a família é bom... com as famílias que a
gente consegue chegar... A gente consegue trazer os pais para
conversar, embora eles venham com a idéia de que o seu filho
é um anjinho. (vice-diretora).
Um aspecto relevante a se considerar é que os educadores restringem a
participação das famílias à sua presença nas reuniões de pais e mestres ou
quando são chamadas em decorrência de algum problema com o seu filho.
Em relação à família, percebe-se que ela precisa aprender a ocupar os
espaços de participação com um caminho para a real democratização da escola
e da sociedade.
Por outro lado, os coordenadores pedagógicos, inspetoras de alunos,
merendeiras e serventes deixam transparecer em suas declarações as
dificuldades que existem na relação escola-família, havendo um jogo em que se
culpa principalmente a família, demonstrando uma visão distorcida em relação a
ela, desconectada de uma crítica da própria instituição escolar e do contexto
vivenciado pelas famílias, conforme descrito a seguir:
A relação escola-família é nota zero, a participação da família é
nenhuma. É difícil um pai vir aqui, mesmo quando é chamado
com reclamação do seu filho... A escola é aberta aos pais, eles
é que não vem. (servente).
A escola deveria ser mais rigorosa com os alunos. A família
não participa, e às vezes os alunos não comunicam seus pais e
outros são omissos mesmo. Tem aluno 'bandidinho' que os
pais já não agüentam mais em casa e mandam para a escola e
a gente tem que agüentar. (merendeira).
Certos casos fica difícil, porque as mães pensam que a escola
é responsável pela educação de seus filhos... Então elas
confundem, transferindo totalmente a responsabilidade da
educação de seus filhos para a escola. (inspetora de aluno).
Quanto aos professores das escolas pesquisadas, prevalecem duas
posições: aqueles que consideram que há um bom relacionamento da escola
com a família-comunidade e os que expõem as contradições desta relação.
94
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
Estes últimos demonstram Ter uma visão mais crítica, analisando as
determinações atreladas à família e outras à própria instituição escolar, conforme
registra-se a seguir:
A escola tem feito um trabalho legal, nos casos de mais
necessidade, todos ajudam e a família é chamada para inteirarse do assunto, para saber como agir. (professora).
Nós entendemos que a educação só se faz cm este conjunto:
família-escola-sociedade juntos, valorizando o ser humano...
(professora).
Nossa comunidade é pouco participativa... os pais só vem
quando solicitados, por atos de indisciplina dos seus filhos...
(professora).
Em casa os pais deveriam ver a tarefa dos filhos, eles não
fazem sua obrigação de pais. (professora).
Explicita-se na fala de alguns professores sua concepção em relação às
famílias, cobrando das mesmas um modelo idealizado, desconsiderando as
condições sócio-econômicas-culturais da população usuária da escola pública.
Esta atitude reforça a subalternidade, ideologicamente passada para as famílias
de classes populares, que aceitam passivamente as condições que lhes são
impostas; não aprendendo a reivindicar, perpetuam a cultura da não participação.
Verifica-se que os professores vêem as famílias de seus alunos como
desestruturadas, desinteressadas, carentes e violentas. Segundo Szymanski
(1996, p.35), um pouco de reflexão junto a esses professores eles se darão
conta de que:
• A família desestruturada não quer dizer mais do que uma família que
se estrutura de forma diferente do modelo de família nuclear burguês;
• A organização da família não é responsável por todo comportamento
acadêmico de suas crianças;
• Nem todas as famílias são violentas, muitas vezes o bater significa
uma punição pelo baixo rendimento escolar;
• As famílias também são vítimas de violência - exclusão social;
• As famílias podem recorrer à violência contra a escola e a professora,
reproduzindo o modelo de como são tratadas;
• A condição de famílias trabalhadoras, a baixa escolaridade, dificultam
o acompanhamento acadêmico de seus filhos.
As afirmações aqui transcritas entre outros, conduzem a análise para a
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
95
compreensão das mediações existentes nesta relação escola-família-sociedade
com o processo de democratização da escola pública.
Se a finalidade maior da educação, é preparar o aluno para o exercício da
cidadania, esse aprendizado deve ser iniciado no interior da própria escola,
afastando concepções cristalizadas - que não respeitam a heterogeneidade
cultural e social - e práticas institucionais que tutelam, manipulam e
subalternizam os usuários, utilizada pelas camadas que representam o poder e
que reproduzem práticas conservadoras.
Por isso, a escola precisa ser garantida como um espaço de exercício
interdisciplinar, interpretando e reinterpretando as relações internas e externas a
ela - que constituem uma trama de mediações de vínculos e de relações sociais
que dela emergem - e a ela voltam conforme seus objetivos.
A discussão da democratização da escola pública passa ainda,
necessariamente, pela análise do tema autonomia.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz, pela primeira
vez, a autonomia escolar e o projeto pedagógico vinculados num texto legal,
estabelecendo que a elaboração e execução do mesmo é uma tarefa coletiva,
devendo contar com a colaboração de todos segmentos envolvidos com a
educação, inclusive a comunidade local.
Desta forma reconhece que a instituição escolar é uma instituição social,
uma entidade coletiva, situada num contexto determinado, e que, portanto,
mobilizar o Conselho de Escola, a Associação de Pais e Mestres, o Grêmio
Estudantil para a construção do projeto pedagógico e considerar a relevância de
tudo que envolve a teia de relações escolares, é o caminho a ser percorrido
pelas escolas.
Para isso é essencial ter uma visão totalizante das relações sociais
internas e externas a escola.
A seguir verifica-se, na ótica das famílias esta relação escola-famíliasociedade, conforme suas declarações.
É bom, tudo que a gente precisa, eles orientam e a gente é
sempre bem recebido. (família).
Comigo é bom, eu me dou bem; em relação a outras mães eu
não sei. Todo dia eu converso com a professora e pergunto se
meu filho fez bagunça, aí eu educo ele. Eu passo para a
professora as suas dificuldades e ela ajuda meu filho. (família).
Percebe-se nas respostas que as famílias não possuem, muitas vezes,
indicadores que fundamentem com maior precisão a intensidade deste
relacionamento, tendo uma visão individualizada do mesmo.
96
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
Por outro lado, uma minoria de mães, principalmente da escola de
periferia pesquisada, revelou haver problemas neste relacionamento,
contraditoriamente centrando-os às vezes na própria família ou na escola.
Eu percebo que poucas famílias vêm de encontro a escola e
quando vêm, é em massa para criticas. Não vêm dar sugestões
boas, só criticar. Por isso acho que deveria Ter uma pessoa
que faça os pais entenderem a importância da sua
participação. (família).
A relação está muito distante. Ao mesmo tempo que a escola
quer a participação dos pais, vendo na TV propagandas do
Projeto Amigos da Escola, não é para você dar palpites, da
sugestões. O que eles querem é que os pais venham aqui para
lavar o banheiro, consertar porta, pintar parede... essas coisas.
(família).
Os relatos destas mães, suscitam a reflexão sobre as contradições
existentes na relação escola-família, marcada historicamente, pelo signo da
oposição, onde a maior preocupação é buscar os culpados e não elucidar as
alternativas de parceria. Embora as escolas desejem a participação da família e
a família também almeje esta participação, nenhuma das partes tem claro o que
busca com esta participação; muitas vezes, nem ao menos possuem clareza da
concepção de participação que pauta suas ações.
Na verdade, a escola não se percebe como limitadora desta participação,
reproduzindo, muitas vezes, a ideologia da subordinação e alienação, próprias
da ordem capitalista. Os que nela estão inseridos, pensam que a existência de
canais de participação são o suficiente para que a participação ocorra como que
por 'milagre'.
Compreende-se que a participação é uma conquista que ocorre num
processo contínuo em que o indivíduo vai adquirindo uma consciência crítica,
percebendo as contradições presentes na sociedade, compreendendo que só de
forma organizada pode conseguir melhorar as suas condições de vida e
especificamente as condições de educação.
É claro que a condição sine qua non para atingir esta meta é existir uma
relação dialética que garanta a condição de sujeito tanto ao educador quanto ao
educando e sua família.
Portanto, as relações escola-família devem ser permeadas pelo respeito
mútuo, tendo claramente delimitados os papéis e âmbitos de atuação de cada
um. Neste sentido, a família e os educandos precisam de orientação para que
possam trocar saberes de modo que estes façam emergir novos modelos
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
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educativos, tanto na escola quanto na família, abertos à continua mudança.
Paralelo a esta questão é importante salientar que a consolidação de uma
gestão democrática, portanto participativa, na escola não é um processo
espontâneo e fácil, é um processo de construção coletiva que se materializa por
meio de avanços e retrocessos próprios de um processo de transformação,
presentes nas ações e reflexões cotidianas dos envolvidos e na explicitação
coletiva dos fundamentos da conquista.
Neste sentido é de extrema relevância, para o sujeito administradoreducador, compreender a dimensão política da sua ação administrativa,
respaldado na ação participativa, rompendo com a rotina alienada do mando
pessoal e racionalizada da burocracia. Comprometido com uma ação educativa
revolucionária que venha a servir de instrumento de superação da dominação e
alienação.
Desta forma, o administrador-educador, os educadores, a família e a
própria comunidade precisa entender que a escola não é um órgão isolado do
contexto global, portanto suas ações devem estar interligadas com o mundo ao
qual ela pertence, ou seja, a realidade municipal, regional e estadual.
Constata-se portanto, que a gestão democrática, nas relações
estabelecidas com os educadores, família e comunidade, incidem entraves
exógenos e endógenos à instituição escolar, que se projetam, principalmente,
nas instâncias de poder decisório - Conselho de Escola, Associação de Pais e
Mestres e Grêmio Estudantil.
Marcados pela cultura da não-participação, traço histórico,
ideologicamente imprimido aos brasileiros, os sujeitos envolvidos com a escola
pública permanecem no imobilismo, cristalizando pré-concepções, fatalismo e
omissões. Os profissionais da educação, a família e os alunos não se vêem
como sujeitos capazes de interferir nos rumos da educação, raramente discutem
a função social da escola e os papéis de cada segmento no processo educativo.
A escola, família e comunidade possuem dificuldade de estabelecer uma
relação de parceria, de co-responsabilidade no processo educativo dos alunos,
apesar dos sujeitos pesquisados, de ambas as partes, afirmarem a imperiosa
necessidade deste relacionamento.
Sabe-se que a premissa que conduz a participação é a informação, o
conhecimento mútuo. Isto é, a família precisa conhecer as diretrizes
educacionais, o funcionamento da escola, e esta, por sua vez, deve organizar
um diagnóstico do perfil dos alunos, família e comunidade, conhecendo as
peculiaridades sócio-econômica-culturais desta comunidade, suas expectativas e
aspirações, para efetivar a parceria. É preciso ainda, conectar esta realidade
particular a um contexto mais amplo, visualizando os determinantes que incidem
98
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
sobre aquela comunidade, só assim será possível romper a alienação que a
lógica capitalista impõe às pessoas e instituições, o que raramente acontece no
âmbito da instituição escolar.
Por outro lado, constata-se que apesar das dificuldades para que relações
mais democráticas ocorram na escola, existe por parte da maioria dos sujeitos
envolvidos neste contexto, o desejo para que ela se concretize, cunhando o
primeiro passo para efetivar um projeto sócio-pedagógico democrático - a
intencionalidade dos sujeitos.
Considerações Finais
A escola pública, no contexto atual, urge por modificações para atender as
demandas advindas das alterações societárias, decorrentes do processo de
globalização, bem como das expectativas e interesses dos educadores e dos
educandos. Analisando a escola numa perspectiva dialética, constata-se a
existência de um processo contraditório, ou seja: a escola não é absolutamente
independente da sociedade capitalista, nem puro reflexo do sistema econômico,
mas um palco de lutas.
Coragem, ousadia, comprometimento com a educação não faltam a maioria
dos educadores, mas considerando a complexidade das relações sociais e das
questões sociais que perpassam a escola pública contemporânea, acredita-se que
somente o esforço isolado dos seus interlocutores, não serão o suficiente para
efetivar a função social e política da escola, ruma a sua democratização.
O Serviço Social, cujo projeto ético-político estabelece a luta pela
cidadania, democracia, equidade e justiça social, revela o ponto de conversão
com a educação, na identidade social e política dos profissionais e nos objetivos
pelos quais acreditam e lutam.
Portanto, acredita-se que o Serviço Social pode contribuir com a
educação, como um recurso a mais, no processo de democratização das
relações internas e externas a escola pública, ampliando a participação dos
sujeitos nela envolvidos.
MARTINS, E. B. C. The process of participation in the public school: point of view of each member
of the sochool community. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p.87-100, 2003.
•
ABSTRACT: The present article offers a reflection about the process of participation of the
school community on the differente levels of representation that exist in the public school;
as well as the relation established between school-family-community, according to the point
of view of each member of that school community. It is based on one of the aspects from
the essay named. ‘Social work - mediation school and society’.
•
KEYWORDS: Education; participation;representation; public school.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
99
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40.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 87-100, 2003
A FORMAÇÃO DE CONCEITOS, DE UMA PERSPECTIVA
VYGOTSKIANA
Djanira Soares de Oliveira e ALMEIDA*
•
RESUMO: Uma das indagações a serem feitas por qualquer pessoa que se proponha a
analisar a alfabetização é a de saber para que alfabetizar. E, em decorrência, uma segunda se
coloca: como alfabetizar? O presente estudo tem por objetivo apresentar estratégias de
alfabetização a partir da construção de conceitos, da forma como propõe Vygotsky. A
metodologia da pesquisa consistiu na observação das atividades de uma classe das professoras
e dos alunos de duas séries iniciais (Grupo A e Grupo B) de Ciclo Básico, utilizando métodos
diferentes, em escolas da rede pública, na cidade de Franca, São Paulo. Os momentos aqui
relatados se referem à metodologia alternativa, sem uso de cartilha. O relato das crianças que
construíam conceitos e a linguagem por elas produzida é o principal aspecto a ser demonstrado.
A professora do Grupo A trabalhava com materiais alternativos. A linguagem posta na interação
foi sempre observada por ser veículo e principal instrumento em todas as atividades. Tratou-se
de pesquisa qualitativa, não participante. Ao longo do período de observação, foram acumuladas
descrições das ações, pessoas em interação, fatos e manifestações de linguagem. A pesquisa
ficou centralizada na busca do lingüístico, como são incentivados os diferentes usos da
linguagem, as possíveis distorções na construção dos conceitos via instrumento verbal, o
conhecimento do professor em relação às especificidades da língua portuguesa, as
interferências nas atividades das crianças e em que medida essas se enquadram, ampliam
ou cerceiam os sistemas de referência já construídos. A questão básica na formação de
conceitos são os meios, as formas de pensamento pela quais uma operação é realizada
numa situação concreta, conforme a idade da criança. Daí entender-se que, dependendo
da idade, as crianças têm respostas diferentes para as mesmas questões. Foi possível
verificar que o exercício mental na solução de problemas via linguagem leva ao
pensamento conceitual; o ambiente pode retardá-lo ou estimular seu surgimento. Vygotsky
chama a atenção para a necessidade de se diferenciar a atividade mental centrada na vida
cotidiana e a elaboração sistematizada na escola. As brincadeiras de ‘O que é, o que é’
são um recurso interessante na caminhada das crianças em direção à formação de
conceitos científicos.
•
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem; Conceito; Mediação.
Introdução
O presente estudo tem por objetivo discutir estratégias de alfabetização a
partir da construção de conceitos, da forma como propõem as observações do
psicólogo russo L. S. Vygotsky e colaboradores. Pretende relatar pesquisa
efetuada pela autora, com observação das atividades de duas classes de séries
iniciais de Ciclo Básico, em que foram utilizados métodos diferentes de ensino,
Docente do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional da UNESP –
Franca/SP.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
101
em escolas da rede pública, na cidade de Franca, estado de São Paulo.
No registro das observações, levantaram-se as seguintes situações de
uso da linguagem:
Situação 1:
Professora: Onde fica Ribeirão Preto?
Aluno D: Onde minha avó mora.
Situação 2:
Professora: Quanto são quarenta e seis mais vinte e dois?
Aluno E: Quarenta e seis mais vinte e dois dá seis e oito.
Situação 3:
Professora: Por que será que Adalberto é o número um?
Aluno A: Porque ele é piquinininho.
Aluno B: Mas eu também sou piquinininho e não sou o número
um.
Aluno C: Porque o nome dele começa com a letra A.
Professora: Porque a lista de chamada é pela ordem
alfabética.
A seguir, a professora escreve o nome das três primeiras crianças na
lousa e explica o conceito de ordem alfabética.
Situação 4:
O aluno Sílvio propõe adivinhações para a classe, lendo-as na
revista infantil Amiguinho. Outros colegas participam, com
perguntas de seu próprio repertório.
É a vez da Miriam: O que é, o que é? Anda, mas não tem pé,
fala, mas não tem boca.
Como as crianças não adivinharam, a professora interfere,
escrevendo na lousa “anda, fala...”
Ivo quer saber: De que cor? Miriam: É branco.
A professora solicita que fale cada um de uma vez e as
crianças arriscam: livro, chinelo, avô.
Ivo novamente: É redondo? Miriam: É quadrado. Tem braço?
Não é bicho. Tem bico? Não. Todo mundo tem? Quase.
Miriam acrescenta: Nós recebe ela em casa. E os colegas:
Carta!
Situação 5:
Fernanda pergunta: O que é, o que é? Entra rindo e sai
chorando?
E começam as tentativas e perguntas: Cachorro. Fernanda:
Não. Gato. Não. É de plástico. Que tamanho? Tem desse
tamanho (a criança faz gestos com as mãos), tem desse
(menor). Picolé. Não! Sorvete. Não! Caixa de som. Não! É
quadrado ou redondo? Começa grosso e vai afinando.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
A professora intervém: Fernanda, dá mais uma dica. Ele tem
um ferrinho para segurar. E continuam os colegas: Armário.
A professora também participa: A gente tem que comprar?
Fernanda: Tem! Só a mãe que usa? Tem quem quer. Uma
criança: Rádio. E a resposta de Fernanda: Não!
Para terminar, Fernanda explica: É balde. Ele entra sem água
no tanque e depois, põe água dentro, ele sai chorando. (EEPG
Adalgisa de São José Gualtieri, C. B. F., 1991).
Os exemplos acima permitem algumas reflexões, sobre a formação de
conceitos, mediatizados por palavras, no cotidiano escolar. Os momentos aqui
relatados se referem à metodologia alternativa, sem uso de cartilha. O relato das
crianças que construíam conceitos, a interação entre elas e a professora e a
linguagem por elas produzida é o principal aspecto a ser demonstrado.
Segundo (LURIA, 1987, p. 32), a principal função da palavra é exercer um
papel designativo, ou seja, quando empregada na função referencial da
linguagem.
A construção da linguagem deu-se por etapas, na história social do
homem; primeiro associada ao trabalho, depois passou a ser empregada como
suporte da ação e se transformou em instrumento do conhecimento humano.
Com o tempo o homem pôde construir um sistema de códigos que lhe permitisse
traduzir as ações e as relações entre elas e individualizar as características dos
objetos, superar os limites da própria experiência e prever novas possibilidades
de ação.
Considerada em sua dimensão social escolar, a atividade lingüística de
adultos e crianças pode mediar a organização de processos mentais superiores,
de forma a transformar experiências concretas em elaborações conceituais
sistematizadas. Os diálogos acima relatados são parte de interações ocorridas
no cotidiano das crianças, em sala de aula.
O elemento fundamental da linguagem, segundo Vygotsky, é a palavra,
porque ela tem um peso semântico considerável: designa as coisas, codifica a
experiência, denomina as ações e suas relações, descreve situações, reúne
elementos em sistemas abrangentes.
O tema principal nos estudos de Vygotsky é a dimensão social do
desenvolvimento humano: o indivíduo só se constrói como tal, se estiver em
relação com o outro, numa interação quase sempre mediada pela palavra. Na
escola, essa mediação se produz pela participação do adulto.
Entre outras concepções acerca do processo de desenvolvimento se
encontra a questão da formação de conceitos. Esta, por sua vez, remete as
relações entre pensamento e linguagem, a questão da mediação cultural, ao
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
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processo de internalização e ao papel da escola como transmissora oficial de
conhecimentos, diferente dos apreendidos na vida cotidiana.
O estudo da formação de conceitos na maneira tradicional tem partido da
definição verbal já produzida. Esse método é inadequado porque trabalha o produto
e não o processo e também porque valoriza as palavras, não a elaboração mental
que as produziu (VYGOTSKY, 1987, p. 45). Como pudemos observar, a criança
não traz prontos os conceitos, mesmo os mais simples; cabe a escola ampliar os
sistemas de referência trazidos de experiências anteriores com a linguagem.
Estudos mais recentes contestam que a formação de conceitos se dê de
maneira associativa, de forma a associar palavras e objetos. Fica evidenciado
que se trata de um processo criativo e não mecânico, passivo. Pesquisas
também tem revelado que crianças diferem entre si (Situação 1) e de
adolescentes e adultos na forma como suas mentes trabalham na solução de
problemas (VYGOTSKY, 1987, p. 47).
Piaget também propôs estágios de desenvolvimento para crianças e
adolescentes: período pré-operatório, de 2 a 7 anos, operações concretas de 7 a
12 anos e operações formais de 12 anos em diante (PIAGET,1969, p. 13).
A questão básica na formação de conceitos por diferentes idades não é a
compreensão do problema proposto em uma situação concreta, mas os meios,
as formas de pensamento pelas quais uma operação é realizada. Daí entenderse que, dependendo da idade, as crianças têm respostas diferentes para as
mesmas questões (Situações 1 e 2).
Todas as funções psíquicas superiores são processos
mediados, e os signos constituem meio básico para dominálas. O signo mediador e incorporado a sua estrutura como uma
parte indispensável, na verdade a parte central do processo
como um todo. Na formação de conceitos, esse signo e a
palavra, e, posteriormente, torna-se o seu símbolo
(VYGOTSKY, 1987, p. 48).
O exercício mental na solução de problemas leva ao surgimento do
pensamento conceitual. O meio ambiente não é suficiente, mas pode estimular
ou retardar o surgimento do pensamento conceitual.
A criança, no início, tem dificuldade para operar com conceitos abstratos e
para generalizar a partir de fatos de sua experiência ou de outros. Por isso,
muitas vezes, constrói hipóteses inadequadas de fatos de sua experiência e de
outros, a partir dos elementos que possui (Situação 3). Tais hipóteses, uma vez
diagnosticadas, devem ser trabalhadas a partir de dados concretos. Os conceitos
matemáticos de agrupamentos, valor absoluto e relativo merecem tratamento
especial (Situação 2).
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
Todos os processos de abstração ou de generalização, conceitos
fundamentais dentro dos currículos escolares, prestam-se à reflexão e ao
estabelecimento de relações, mediadas pela linguagem.
Para ser denominado carta (Situação 4), o objeto deve ser uma
mensagem escrita e endereçada, de um emissor a um destinatário. Alguns
dados do objeto são comuns a outros, mas há elementos que o individualizam.
Da mesma forma, chama-se balde (Situação 5) a um vaso de metal, de madeira
ou plástico, com alça, para tirar água.
Uma carta, um bilhete e um telegrama têm características comuns, que
lhes permitem ser chamados de mensagens; um balde, um prato e uma colher
têm traços semânticos que lhes permitem ser classificados como utensílios
domésticos.
Os conceitos são construções culturais internalizadas pelos indivíduos ao
longo de um processo de desenvolvimento. Portanto, dependem dos grupos
culturais que os construíram, na medida em que os usuários desse grupo
definem os atributos pertinentes, necessários e suficientes para definir os
significados. Por isso os conceitos se modificam de grupo para grupo e, no
mesmo indivíduo, dependendo da fase do desenvolvimento.
De acordo com as relações que os usuários estabelecem com o geral, por
meio da palavra, o significado das palavras muda; mas, a trajetória de um
conceito irá depender sempre do significado das palavras na linguagem dos
adultos (Situação 3).
Os pequenos usuários organizam e fortalecem sua atividade mental pela
elaboração da linguagem do adulto. Portanto, a mediação sistemática da escola
permite a criança operar com conceitos e praticar o pensamento conceitual de
forma consciente e deliberada.
(VYGOTSKY, 1987, p. 51) relata experiências com crianças e jovens em
sua trajetória até a formação de conceitos. Em todas as fases a ajuda da
linguagem é fundamental. No exercício de relacionar palavras e objetos, a
criança constrói um amontoado de objetos não relacionados entre si, o que é
chamado de sincretismo, de relações confusas e subjetivas entre os mesmos.
Num segundo nível, a criança já caminha para o pensamento objetivo, que
Vygotsky chama “pensamento por complexos”. Ela agrupa os objetos por
“famílias”, identificando relações concretas entre os mesmos, mas ainda não o
faz no plano lógico e abstrato. É capaz de organizar por associações, coleções,
blocos em cadeia, generalizações.
A última etapa dessa fase é quando a criança já é capaz de produzir um
pseudoconceito, isto é, formar, pela semelhança concreta visível, “um complexo
associativo restrito a um determinado tipo de conexão perceptual”.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
105
Os pseudoconceitos se baseiam nas generalizações que as crianças
fazem a respeito das palavras, fora da influência dos adultos. Esta atrapalha o
pensamento próprio da criança nessa idade. É importante, pedagogicamente,
não apresentar o significado acabado das palavras para a criança, mas deixá-la
utilizar os próprios canais.
A transição do pensamento por complexos para o pensamento por
conceitos não é percebida pela criança porque os seus pseudoconceitos já
coincidem em conteúdo, com os conceitos do adulto (VYGOTSKY, 1987, p. 59).
Essa equivalência possibilita a consciência clara das operações que realiza.
A terceira fase do processo de formação de conceitos é caracterizada
experimentalmente pelo agrupamento de objetos por um único atributo e se
chama fase dos conceitos potenciais. A totalidade dos traços foi destruída pela
sua abstração, criando-se a possibilidade de unificar os traços em uma base
diferente (VYGOTSKY, 1987, p. 68; SMOLKA; GOES, 1993, p. 122).
O uso das palavras é o recurso básico na formação de conceito; todo o
processo que vai desde o sincretismo, o conceito por complexos, conceitos
potenciais até conceitos propriamente ditos, é mediado pelo sistema lingüístico e
a palavra ainda é fundamental na formação dos verdadeiros conceitos, resultado
final de todo esse caminho (Situações 4 e 5).
Conceitos espontâneos e científicos se interpenetram e carecem de uma
definição verbal, necessitam de aplicação em operações para serem firmados e
poderiam servir de instrumentos na construção de conceitos mais elaborados. O
conceito tempo histórico só pode começar a se desenvolver quando os conceitos
espontâneos de passado e presente estiverem suficientemente estabelecidos.
As narrativas e suas estruturas marcadas se prestam como auxiliares nessa
tarefa. As formas verbais “aqui” e “lá”, “ontem” e “hoje” são signos de localização
geográfica e temporal, abstrações ou generalizações elementares dos conceitos
de espaço e tempo.
Vygotsky chama a atenção para a necessidade de se diferenciar a
atividade mental centrada sobre a vida cotidiana e a elaboração sistematizada na
escola (SMOLKA; GÓES, 1993). As brincadeiras de “O que é, o que é?”, como
referido anteriormente, são um recurso interessante na caminhada das crianças
em direção à formação de conceitos científicos.
Piaget, que é retomado por Vygotsky, mostra a diferença entre conceitos
científicos e cotidianos com o seguinte exemplo: O pesquisador perguntou a um
grupo de crianças de 7 a 8 anos, o significado da palavra porque na frase
“Amanhã não vou à escola porque estou doente”. As crianças não
compreenderam que a pergunta não era sobre o conteúdo semântico da
proposição, mas sobre a conexão entre os fatos doença e falta às aulas.
106
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
A criança aos poucos vai desenvolvendo a capacidade de verbalizar seus
processos lingüísticos interiores:
É válido afirmar que a criança inicialmente não tem percepção
da atividade da mente, isto é, não tem consciência de sua
função, não tem controle sobre a mesma. Na segunda infância
ela já é capaz de perceber seus próprios processos psíquicos
como processos significativos e é capaz de verbalizá-los
(VYGOTSKY, 1987, p. 79).
O aprendizado escolar torna a criança capaz de operações, como
lembrança ou imaginação, e a torna também capaz de dominá-las. Daí que se
percebe a diferença entre conceitos espontâneos (a criança está centrada no
objeto ao qual o conceito se refere e também no ato do pensamento em si,
Situação 1). Na realidade, a inter-relação entre conceitos científicos e
espontâneos está na base da relação entre o aprendizado escolar e o
desenvolvimento mental da criança. As exigências da escola com a
memorização deixam passar a oportunidade de criar nas crianças o hábito de
pensar logicamente. O momento da fala infantil poderia ser aproveitado, no
exemplo, para situar espacio-temporalmente a cidade de Ribeirão Preto.
É comum crianças pré-escolares, perguntadas sobre o que é um
cachorro, dizerem que se trata de um animal, que “o cachorro morde”, ou “o
cachorro cuida da casa”, sempre referindo-se a uma situação imediata. Mesmo
neles já se manifesta a operação de introdução do objeto em uma categoria
determinada, quando dizem “é um animal”. A referência do objeto dado a uma
categoria determinada ou a introdução deste em um determinado sistema de
conceitos predomina em escolares de mais idade. A determinação do significado
de uma palavra começa a se dar pela introdução da mesma no sistema de
relações lógico-verbais: “O que é EUA?” “É um país”. (LURIA, 1987, p. 60). Ou,
“O que é Ribeirão Preto?” “É uma cidade”.
É importante refletir sobre as interações sociais escolarizadas e sua
influência na formação de conceitos científicos. Na realidade, nem sempre a
escola opera com estes últimos, nem cria situações que oportunizam a
aquisição, pela criança, de conhecimentos sistematizados.
Os conceitos sistematizados (científicos, na expressão de
Vygotsky) são parte de sistemas explicativos globais,
organizados dentro de uma lógica socialmente construída e
reconhecida como legítima, que procura garantir-lhes coerência
interna (SMOLKA; GÓES, 1993, p.124).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
107
Por trabalhar o conhecimento de forma redutora e generalizante, a escola
desempenha um papel decisivo na elaboração conceitual pela criança nos
rudimentos da sistematização. Daí que o ensino de línguas deve operar com a
língua antes de trabalhar os fatos gramaticais. A criança necessita da palavra
para operar com os conceitos, lingüísticos e não lingüísticos, porque um conceito
conhecido ajuda a compreender outros conceitos ainda não conhecidos.
O exercício da comparação de objetos (LURIA, 1987, p. 61), em princípio
um método da psicologia, de larga aplicação pedagógica, consiste em se
apresentar ao sujeito duas palavras que designam determinados objetos e pedir
que diga o que há de comum entre eles.
A dificuldade do exercício consiste em apresentar palavras que
representam objetos da mesma categoria (comparar) ou de categorias distintas
(diferenciar). A aproximação de objetos muito diferenciados (ex: rádio e balde;
máquina de escrever e lápis) exige um nível maior de abstração.
É tarefa mais fácil nomear as características de cada um, sem comparálos; ainda é mais fácil mostrar diferenças do que mostrar o que há de comum
entre eles. O pensamento concreto-imediato interfere na operação de
diferenciação, enquanto a generalização depende da introdução do objeto em
uma categoria abstrata.
Um desenvolvimento do método da comparação e diferenciação está na
classificação, que consiste em escolher alguns objetos entre muitos que se
incluam numa mesma categoria: forma, cor, tamanho.
Em uma série de investigações especiais, demonstrou-se que as
pessoas que vivem em condições de muito baixo nível sócioeconômico e no analfabetismo utilizam predominantemente a
classificação de objetos por inclusão em situações realconcretas... Somente com a alfabetização, com a passagem a
formas sociais complexas de produção, estes sujeitos passam
a dominar facilmente a forma categorial de generalização dos
objetos (LURIA, 1987, p. 67).
A criança tem dificuldade para tomar consciência da estrutura verbal da
linguagem. O fato de ela adquirir desde cedo um extenso vocabulário não
significa que esteja consciente da palavra como unidade isolada da linguagem
(LURIA, 1987, p. 73). Primeiro ela toma consciência das palavras concretas
(substantivos), depois das que indicam ações e qualidades. Ainda mais difícil é
dar-se conta das palavras auxiliares como preposições e conjunções.
Acrescentem-se as unidades não significativas, como sílabas e letras. As
junções e segmentações inadequadas na escrita, como amenina, a-limentar, depois, têm a ver com esta dificuldade.
108
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 101-110, 2003
Dos dados levantados na pesquisa e aqui referidos, podem ser inferidas
conclusões a respeito da formação de conceitos em crianças em fase inicial de
alfabetização. As considerações a respeito não alcançaram toda a trajetória da
construção, por terem sido um recorte no tempo. O trabalho permanente do
professor pode alcançar resultados satisfatórios. À psicolingüística cabe estudar
as dificuldades na construção e análise da linguagem e à didática descobrir
recursos para conduzir o processo de tomada de consciência das diversas
formas de composição verbal da mesma linguagem.
ALMEIDA, D. S. O. The formation of concepts, based on a Vygotsky perspective. Serviço Social &
Realidade (Franca), v.12, n.1, p. 101-110, 2003.
•
ABSTRACT: One of the questions that must be done for any person that has as proposal
to analyze the teaching of alphabet is why teaching the alphabet. And, also, how
teaching the alphabet. The present essay has as objective presents some strategies to
the teaching of alphabet with effect from the construction of concepts, go upon the
proposals of Vygotsky. The basic question in the formation of concepts are the ways, the
forms to think and achieve an operation with the concrete context, according to the
different children ages. Then, understand that, according the age, children have different
answers to the same questions. We have checked that the mental exercise in the
resolution of problem through the language conduces to the conceptual thinking; the
environment can retard or incite its appearance. Vygotsky cry out the attention to the
necessary difference between the mental activity centered in the quotidian life and the
systematized elaboration of school.
•
KEYWORDS: Language; Concept; Mediation.
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110
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NA CONTRAMÃO DA ENGRENAGEM: UMA ABORDAGEM
REFLEXIVA
Ubaldo SILVEIRA*
Niulza Antonietti MATTHES**
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a
história, resistiu até ao esgotamento completo.
Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os
seus últimos defensores, que todos morreram. Eram
quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma
criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco
mil soldados. (EUCLIDES DA CUNHA. Os sertões).
•
RESUMO: Neste artigo, esse sujeito, agente de sua realidade, é focalizado em sua
identidade, como ser social e político, inserido num contexto em que a ética do mercado
transforma sonhos em utopias e necessidades básicas em artigos de luxo. A abordagem
tem a intenção de levar à reflexão, é menos explicativa e mais polêmica, sugerindo
questões que possibilitem um segundo momento de aprofundamento e discussão. Nessa
abordagem, o caminho investigativo sugere uma reflexão sobre o conceito “sem-terra”,
transpassando o campo semântico e atingindo o ser humano, indivíduo inserido no
contexto político atual, subordinado a uma economia globalizante, cujos valores éticos são
determinados pelo mercado capitalista.
•
PALAVRAS-CHAVE: Luta pela terra; Assentamento/Sem-terra; Carta da Terra; Cidadania;
Globalização; Estrutura fundiária; Questão Agrária; Ética.
Introdução
Até que ponto a identidade de um homem é determinada pela terra? Que
tipo de raiz, sólida e inquebrável, estrutura um corpo físico a ponto de confundirse com seu próprio espírito? As marcas da partida, o ciclo interminável da busca
e da chegada ao mesmo ponto do qual se partiu, a expressão calada e
submissa, o “sertanejo forte” ou o Conselheiro determinado: todos esses tipos e
caminhos já foram traçados, literariamente, pelos poetas e porta-vozes da
camada oprimida. De Canudos a Vidas Secas, de Severino à Carta da Terra, a
luta se repete. O poder abre as portas da masmorra e encerra as bocas
pequenas e as barrigas vazias; e a caminhada se perpetua, terminando onde
começou. Os acontecimentos históricos também se repetem, do feudo e da
Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social – UNESP – Franca/SP.
** Doutoranda em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação – UNESP – Franca/SP.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
111
escravidão negra, à exploração não necessariamente negra, mas
necessariamente humana. No olhar incipiente, nas palavras ansiosamente
humildes – quem fala bonito é doutor! – o “dono-de-nada” sobrevive e espera o
seu quinhão na grandeza imensurável de Deus: a Terra.
A luta pela terra já carrega consigo muitas mortes. Quando não é a aridez
da seca, são as disputas com grileiros e jagunços, ou são as precárias condições
de vida no campo, ou são os desmandos de algum senhor amparado pelas
“vistas grossas” de “doutores”, ou pelos acordos coletivos. A trajetória
empreendida pelo camponês que se junta a outros camponeses, empreendendo
uma forma de vida e de luta em comum, constituem-no um indivíduo coletivo que
não só coloca em prática a experiência adquirida no campo, na agricultura, mas
também que atua como sujeito de sua transformação, lutando pela terra, e
construindo uma identidade política e econômica. Na busca pela terra como
garantia de sobrevivência, a produção agrícola torna-se o objetivo, todavia, além
disso, os grupos de camponeses buscam a produção para a vida.
Reconhecendo que o mercado não é garantia de terra e que não é através de
produção para o mercado capitalista e da eficiência econômica que irão garantir
a sua sobrevivência, partem acirrados na conquista de seus direitos como
cidadãos da terra.
O Círculo Vicioso: A Engrenagem Capitalista
Desde a metade do século XX a agricultura foi apontada como obstáculo
ao progresso da industrialização. A indústria em ascensão rende graças ao
soberano, o deus capital e, em seu nome, vai invadindo o campo. Enquanto
diminui o número de pessoas morando e trabalhando na lavoura, aumenta o
número de desempregados na cidade. Os recursos tecnológicos introduzidos
pela indústria prometem mais conforto e produtividade, com menos esforço. No
entanto, a agricultura continua à mercê da mecanização, como conceito
apropriado a mundo subdesenvolvido.
Nos anos 50, a agricultura era vista como um entrave à industrialização
porque não aumentaria a produtividade dos trabalhadores, não alcançaria a
demanda de alimentos e matérias-primas solicitados pela indústria e não se
elevariam os níveis de renda da propriedade agrícola. Assim, não se constituiria
um mercado consumidor capaz de absorver a produção industrial crescente.
Todas essas impressões se tornaram apenas falácias maldosas, à medida que
se expande a fronteira agrícola, acelera-se a urbanização e industrializa-se a
agricultura, criando-se, de modo simultâneo, a oferta e o mercado consumidor
necessário à industrialização. De acordo com (GRAZIANO SILVA, 1981, p. 100),
a reforma agrária que aparecia nos anos 50 representava o remédio para a crise
112
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
agrária e para a crise agrícola à medida que, visando alterar a estrutura de posse
e uso da terra, pudesse contribuir para o rápido desenvolvimento da produção
agrícola:
Pretendia-se, assim, exorcizar os fantasmas dos ‘restos
semifeudais’ escondidos nos latifúndios que atormentavam a
vida dos trabalhadores rurais. A reforma agrária, entregando
esses latifúndios para os camponeses, suprimiria as ‘relações
pré-capitalistas’ (isto é, resolveria a questão agrária) e faria
aumentar a produção, uma vez que colocaria as terras ociosas
dos latifúndios em cultivo (isto é, resolveria a questão agrícola).
(parênteses do autor).
Essa reforma não foi feita e o círculo se fecha novamente, no mesmo
ponto em que teve início. O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil
criou riqueza em poucas mãos e miséria em muitas. No sistema capitalista o que
interessa em um pedaço de terra é que produza lucros, sejam estes auferidos ou
não da produtividade da terra. Mesmo nesse contexto, estrutura agrícola
brasileira não foi empecilho ao processo de industrialização do país. Ao
contrário, conseguiram-se grandes avanços na solução de questões agrícolas,
ligadas à produção, logrando, no entanto, um hiato cada vez maior em relação à
questão agrária, ligada à miséria da população rural brasileira.
Em toda a evolução histórica da economia, um braço se fez
presente como força motriz da produção, mas sempre à
margem dos benefícios mais elementares do progresso: o
braço da massa trabalhadora. A reforma agrária que ressurge,
em mais uma partida, é a de ser uma resolução para a crise
agrária brasileira e não para a crise agrícola.
A política do governo autoritário no setor agrário desenvolve-se à custa do
estímulo ao êxodo rural, do gasto exorbitante com defensivos agrícolas que
agridem os rios e reduzem a oferta de trabalho aos agricultores assalariados. Por
outro lado, a implantação de indústrias modernas provocou a expansão da
monocultura (cana, por exemplo), estimulou a expansão de gramíneas em áreas
pecuárias de clima seco e possibilitou a concentração da renda, sem qualquer
política de desenvolvimento de formas cooperativas. O Estatuto da Terra é
violado de forma cruel; posseiros e indígenas que ocupavam áreas subpovoadas são expropriados, pequenos produtores se convertem em assalariados
e se dedicam a culturas de subsistência, enquanto, a seu lado, crescem o
latifúndio e as usinas hidrelétricas, cada vez mais distantes do ser humano.
Afirma (ANDRADE, 1987, p. 10):
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
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Para acalmar o movimento [o golpe de 64], o governo militar
promulgou o Estatuto da Terra, apresentando-o como
instrumento capaz de fazer a reforma agrária tão aspirada,
instrumento que foi utilizado, durante vinte anos de
autoritarismo, não para atenuar as grandes desigualdades no
campo, mas para consolidar a grande propriedade capitalista,
ampliando e protegendo o latifúndio.
O milagre brasileiro se esvazia, camponeses se movimentam, o
autoritarismo político dá lugar à democracia e, com ela, afirma-se a necessidade
da reforma agrária. Os grandes proprietários e tecnocratas continuam a enxergar
o homem como incapaz e incompetente para tomar decisões. Propostas
ministeriais e da Igreja são descartadas e grandes áreas continuam a ser
ocupadas por latifúndios pertencentes a empresas nacionais e estrangeiras. Os
conflitos de terra se exacerbam e os camponeses, esfomeados, ocupam áreas
de propriedades não aproveitadas, ociosas e deixadas pelos latifundiários como
reserva de valor. O pano de fundo é negro e, no palco, muito vermelho... da
morte, “que acontece em vida”.1
De acordo com (GRAZIANO SILVA, 1981, p. 102), o processo de
desenvolvimento capitalista no Brasil foi o responsável pelo quadro que hoje se
verifica: a riqueza concentrada nas mãos de poucos e a miséria generalizada,
embora muita gente acreditasse que esse processo fosse representar a
redenção da burguesia nacional e a dos trabalhadores brasileiros em geral:
Por isso, as alianças propostas eram as dos trabalhadores
(rurais e urbanos) com a burguesia nacional contra seus
inimigos comuns: o latifúndio e o imperialismo. Hoje, o
latifúndio se aburguesou e se internacionalizou. Não são mais
apenas os velhos coronéis do Nordeste. Os grandes
latifundiários, hoje, são também os bancos e as grandes
multinacionais: O BRADESCO, A Volkswagen, a Jarí...
O paradoxo: No Brasil, um país abundante em terra, falta terra – só pode
ser entendido por conta da má distribuição de terra. (SILVEIRA, 1998, p. 156)
reafirma o cenário pleno de contradições que o Brasil apresenta sendo “o décimo
país mais rico do mundo e o segundo na concentração da terra, perdendo
apenas para o Paraguai e, seguido por Angola”; mais uma vez, a certeza de que
o paradoxo só se explica pela má distribuição de terra, “um dos principais fatores
de violência e dos conflitos fundiários”. Prossegue o autor: “Os conflitos no meio
rural têm aumentado, não só em termos do número de assassinatos, como
1
João Cabral de Melo Neto In: Morte e vida Severina.
114
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
também quanto ao número de pessoas neles envolvidas, e a tradicional
impunidade dos culpados”.
Continuando nesse raciocínio dedutivo, a premissa que segue torna-se
evidentemente verdadeira: se de um lado existem terras em abundância,
também são abundantes as leis que amparam medidas governamentais, as
idéias, as sugestões e as promessas tão largamente apregoadas. Por outro,
também são abundantes as contradições, as ambigüidades, os mal-entendidos,
o abuso do poder, os inadequados tributos e até mesmo a desordenada invasão
de propriedades públicas e privadas. Ninguém consegue provar ao caráter
especulativo de muitas terras, ninguém consegue corrigir distorções na estrutura
agrária e na distribuição de renda nacional. (MARTINEZ, 1991, p. 25) afirma que,
a reforma agrária que verdadeiramente se acha em curso é a
do grande capitalismo monopolista, baseado na posse da terra
e das colheitas por poucos empresários que detêm o poder de
dispor delas como for melhor para o rendimento dos capitais.
Ainda de acordo com o autor, a empresa rural parece ser a forma principal
de organização do capital e do trabalho, pelo menos do ponto de vista
tecnológico e jurídico. Na medida em que as forças políticas pressionam em
favor de uma reforma agrária popular e ampla, mais o impulso parece ser dado
no sentido de objetivos capitalistas. Conclui o autor p. 55:
A linha mestra da economia agrícola tende a ser, cada vez
mais, a empresa rural mecanizada, eletrificada e articulada
com outras empresas, em sistemas fechados e financiamento,
abastecimento, processamento e industrialização ou
comercialização da produção.
O quadro continua se repetindo na História, desde o período colonial. A
política de incentivos fiscais às grandes empresas costurou o viés do “novo” a
esse velho emaranhado de retalhos e o resultado é que a manta tecida continua
a ser insuficiente para abrigar pequenos proprietários, indígenas e pequenos
posseiros que são expulsos ao relento. A justiça é lenta, os processos de
documentação da terra são caros, por vezes ininteligíveis ao camponês e, sem
conseguir fazer valer seus direitos de posse perante a justiça, o grupo de
excluídos, parte - como vítima submissa ou resistente - mas parte, em busca de
outras terras, de novo abrigo.
Hoje, a reforma agrária emergente como solução para a crise agrária, é
uma voz gritante do trabalhador rural, sugado pela penetração parasitária de
uma face capitalista que atinge a toda a sociedade brasileira.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
115
A Reforma da Engrenagem: Reconstrução ou Remendo?
O espaço histórico-temporal, os movimentos pela posse da terra
consolidaram-se como sinônimo de ocupação de terra, anulando quaisquer
outras ações sociais realizadas em acampamentos e assentamentos. Essa
consolidação semântica estreitou o campo das ações das lutas dos sem-terra, já
limitados pelas normas legais e pelos “pacotes da reforma agrária” implantados
pelo governo. Como afirma Navarro, in: (COSTA & SANTOS 1998, p. 183): “Este
é um claro limite para o MST, pois ao não se alterar mais ambiciosamente,
poderá defrontar-se em breve com barreiras de difícil transposição política”. Os
movimentos pela conquista da terra assustam às elites que detêm o poder e sua
rejeição constitui-se numa ação política de grande significado. O assentamento
e, evidentemente, a reforma agrária, representam o desenvolvimento de forças
produtivas, aumento de produção e acúmulo de lucros e rendas. No entanto,
esse elemento estimulador do desenvolvimento econômico não é capaz de
mobilizar ao proprietário interessado na terra apenas como reserva de valor, num
modo de produção capitalista cuja apropriação da terra significa menos-processo
de trabalho e mais-valia social. Transformada em mercadoria, a terra permite ao
proprietário o acúmulo de capital pela posse da terra, o que torna a reforma
agrária, conforme afirma (FABRINI, 2001, p. 20): “um instrumento de
questionamento da ordem oligárquica e capitalista no campo”.
Agravando esse quadro, não há manifestações dos responsáveis pelo
governo que apontam para uma reforma agrária como uma estratégia viável de
geração de emprego e renda. Num país onde há tantas extensões de terra não
aproveitadas, um programa de reforma agrária deveria premiar a possibilidade
de tornar produtivas essas terras, integrando social e economicamente as
famílias rurais. No entanto, a instalação e consolidação de assentamentos têm
sido feitas de forma desigual em relação aos prazos de estruturação da
produção em condições sustentáveis. Embasa essas palavras, a afirmação de
(SILVEIRA, 1998, p. 157): “Violência e conflitos não são aspectos isolados, mas
integrantes ativos da questão nacional como um todo. Portanto estão ligados
diretamente à ação ou à omissão do Estado”.
Muitas áreas apresentam projetos de assentamento com muitos lotes
utilizados como chácaras de lazer, estabelecimentos comerciais, enfim, com
elevada “urbanização”, sob o argumento de que a modernização das técnicas de
produção no campo e a queda dos rendimentos provenientes da agricultura têm
levado à mudança de perfil de ocupação e uso da terra nos últimos anos. De
acordo com Fabrini, muitos estudiosos defendem atividades não agrícolas a
serem desenvolvidas por trabalhadores do campo, como abertura de um novo
campo de atividade profissional. Dessa forma, a terra deixa de ser o elemento
116
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
principal e essencial da produção no campo, cedendo sua prioridade para
atividades não agrícolas, que não precisam da terra para sobreviver. Afirma o
autor (2001, p. 97):
Evidentemente, a idéia de retirar a importância da terra como
um meio de produção, está comprometida com o interesse dos
grandes proprietários de terra. Não sendo importante na
produção agrícola, a terra poderia continuar concentrada nas
mãos da classe latifundiária.
A reforma agrária, com esse tipo de objetivo, contemplaria a concentração
de terra nas mãos de poucos, mantendo as classes dirigentes e os latifundiários
livres de qualquer ameaça e desvinculando os movimentos pela posse da terra
de seu objetivo único: a terra. Conforme (FABRINI, 2001, p. 98), é evidente que
os agricultores e assentados, inseridos na dinâmica capitalista macroeconômica,
são impelidos para fora das atividades agrícolas para garantir sua subsistência,
mas, pelas próprias pesquisas do autor, apenas 10% das famílias consideram as
atividades agrícolas como sua principal fonte de renda, contra 90% cuja renda
das famílias assentadas se constrói prioritariamente de atividades agrícolas, o
que prova a evidência de que toda mobilização dos “trabalhadores excluídos é
para entrar na terra, ou seja, querem e exigem o seu direito de ser agricultor
assentado”.
Ora, a prática da reforma agrária em nosso país mantém-se
fundamentada na iniciativa e no poder do governo federal. A ação do Incra, na
tutela efetiva da vida dos assentamentos, é definida por LINS, In: COSTA &
SANTOS, 1998, p. 192) em duas agendas:
A primeira delas se refere à intervenção fundiária redistributiva
e tem como objetivo central promover o acesso à terra; a
segunda se refere às ações de desenvolvimento em apoio aos
assentados.
Ao entrar na terra, a maioria dos agricultores sem-terra, agora
assentados, passa por dificuldades em relação a equipamentos, ferramentas de
trabalho para o desenvolvimento de suas atividades. O crédito de implantação
deve então entrar em cena exatamente para minimizar essas necessidades.
Explica FABRINI (2001, p.101):
O crédito implantação é formado basicamente de três
modalidades: crédito habitação, fomento e alimentação. O
crédito habitação consiste no financiamento de construção de
moradias para as famílias assentadas, com materiais
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
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adquiridos em regime comunitário. O crédito fomento destinase à aquisição de ferramentas, equipamentos, insumos
agrícolas e máquinas para o início das atividades produtivas
nos assentamentos. O crédito alimentação é uma forma de
proporcionar meios para a aquisição de gêneros alimentícios
para a subsistência das famílias enquanto iniciam o
desenvolvimento de culturas.
Não raro, no entanto, esse dever parece falhar. Para ilustrar e levantar
uma polêmica, tome-se como exemplo a reportagem da Folha de São Paulo, de
03 de maio de 2002, na qual Marta Salomon cita a pesquisa de duas universidades
federais do Rio de Janeiro, a UFRJ e a Rural, que tacham como “insuficiente a
intervenção do Estado nos projeto”. Os trechos da reportagem ressaltam a
demora da liberação do dinheiro para a instalação dos assentados; a falta de
financiamento para a compra de máquinas e equipamentos; os problemas de
abastecimento de água (em quase metade dos lotes) e de energia elétrica (em
mais de dois terços); a estrutura deficiente para suportar as chuvas; e o trabalho
educacional reduzido à alfabetização. O trabalho de pesquisa foi feito em
algumas regiões de maior concentração de assentamentos do país, envolvendo
assentamentos instalados até 97, e, apesar da precariedade dos recursos, os
dados revelam que “42% dos assentamentos têm produtividade melhor do que a
média da região”. A partir desses dados, Salomon conclui seu artigo acrescentando
que, apesar desses cinco anos para amadurecer, a reforma agrária no Brasil,
não mudou substancialmente a concentração de terras no país
e é produto direto dos conflitos de terra: 96% dos casos
estudados na amostra de 181 projetos resultam de disputa pela
propriedade e da iniciativa dos trabalhadores.
Neologismo ou Dialeto?
Dentro do campo semântico, as palavras da língua portuguesa possuem
força ou significado engajado ao contexto em que se inserem. No contexto atual,
por exemplo, temos a criação do vocábulo “brasiguaio”, designando o novo
personagem brasileiro que “sobrou” do processo de modernização da agricultura
dos anos 70 e 80. A pátria legítima lhe falta e ele emigra para o Paraguai.
(SILVEIRA, 1998, p. 156) afirma:
O ‘brasiguaio’, não sendo aceito em seu próprio país, o Brasil,
e por ter sido expulso do Paraguai, surge como um novo
personagem na realidade latino-americana. Na verdade, os
‘brasiguaios’ são brasileiros que não encontram mais a própria
identidade; não são brasileiros e muito menos paraguaios, e
sim os ‘sem-terra’ e os ‘sem-pátria’.
118
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Da mesma forma, é o que está acontecendo agora com a palavra
assentado. Não fora tão explorada antes em seus significados, como o está
sendo agora, neste início de século. Eliminando o contexto político e
mergulhando, apenas, no técnico, o termo, assentamento provavelmente tenha
surgido no interior do Estado referindo-se às ações que têm por fim ordenar ou
reordenar recursos fundiários com alocações de populações para solução de
problemas socioeconômicos.2 A ação do Estado, nesse caso, é meramente
técnica, sem compromisso político, enquanto as pessoas beneficiadas ficam
desobrigadas da atividade. Por outro lado, a força semântica do termo
assentamento fica evidente, quando inserido no contexto político, referenciando
um movimento organizado de lutas, resistências e ocupações de terra já há
quase quatro décadas acontecendo na realidade brasileira. O resgate da ação
política dos trabalhadores exige a conseqüente ação política do Estado. Um
conceito muito mais amplo, portanto, que dá ao termo assentamento uma
abrangência social capaz de mobilizar o mundo, quase um sinônimo de
instrumento de transformação social. Guimarães Rosa, o mestre dos
neologismos, com certeza faria uso poético do novo significado engajado à velha
realidade do novo milênio. A antítese seria explorada com magnitude no
paradoxo assentamento/sem-terra.
A prefixação permitiu tantas manobras políticas desvirtuando as palavras
de seu contexto real, mas certamente, esta é a mais séria delas: o prefixo sem
criou um vocábulo inusitado e por que não dizer ininteligível – como pode
existir a palavra sem-terra, significante e significado, num mundo denominado
Terra? A dádiva divina nos fez pioneiros e únicos a andar sobre ela e nela,
fincando nossas raízes como primatas racionais. Como explicar,
racionalmente, um sem, como negação de um presente do Criador? Pior: o
prefixo da ausência aplica-se a quem era antes possuidor, caso que não se
adequa aos sem-terra, que antes também não possuíam, legalmente nunca
tiveram a posse, apenas ocupavam.
Livros, charges e crônicas já registram exemplos, por vezes ironicamente,
da formação prefixal de palavras novas: os sem-nada, os sem-razão, os semteto e assim por diante. Presos ao dinamismo da língua, os vocábulos crescem e
se fortificam. Nesse léxico, mais uma concessão é feita aos com-terra (aquela
minoria que não entra na camada dos sem): a atribuição de um novo significado
ao vocábulo assentamento. Agora, assentado não é mais a família que tem toda
a infra-estrutura básica, acesso à água, luz, rede de esgoto e crédito para a
construção de casa.3 É fácil modificar a lei em seu benefício próprio criando
2
3
De acordo com Esterci, 1992, p. 5, In: Fabrini, p. 18.
De acordo com o Manual do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
119
novos signos lingüísticos que justifiquem ações humanas, quando se detém o
poder de movimentar a caneta que assina o tal documento.
Essa é a temática desenvolvida pelo Editorial da Folha de São Paulo,
03/05/02, intitulada Os sem-critério, termo que, fazendo analogia com os tantos
sem, denomina o Ministério do Desenvolvimento Agrário. A falta de critério
acontece como estratégia subterfúgica à afirmação da Folha (reportagens
seqüenciais – abril/maio/2002) de que a pasta vinha inflando os números da
reforma agrária. Nasce então, do poder da pena, como fruto do movimento dos
sem-critério, a portaria de número 80, do Ministério do Desenvolvimento Agrário,
de 24 de abril de 2002, segundo a qual o assentado passa a ser definido como
candidato inscrito que, após ter sido entrevistado, foi selecionado para ingresso
no programa da reforma agrária. De acordo com o edital, por essa nova
normatização, a família não precisa ter seu lote demarcado, nem receber infraestrutura básica e créditos para ser considerada assentada. Em outro edital
(02/05/2002), a Folha já informara que a justificativa dada pela assessoria do
ministério ao jornal, pela criação desse novo universo semântico, teria sido a
suposta necessidade de padronizar e ajustar os conceitos adotados nos
documentos internos do ministério (normas, instruções normativas, normas de
execução, entre outras), gerando, assim, não um conceito diferente, mas apenas
um parâmetro para uniformizar a leitura sobre o tema.
A denúncia do jornal aponta que nos balanços atuais do governo constam
famílias em áreas onde não foram feitos investimentos, ou que se relacionam a
propriedades em fase de decreto de desapropriação ou subseqüentes e também
somam trabalhadores cadastrados pelos correios, que nem ainda sabem em que
área serão colocados. Um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), financiado pelo próprio governo, também apontou diferenças e
contradições entre os dados relativos ao número de famílias que teriam sido
assentadas pelo governo no programa de reforma agrária no biênio 1999/2000 e
as que efetivamente aparecem nos registros do Incra.
O mesmo Edital da Folha ainda registra que a explicação obtida para a
contradição entre os dados, contabilizando terrenos baldios e pessoas fora de
suas terras como assentados fundamentou-se no jogo contraditório das palavras
- recurso estilístico tão largamente utilizado por Vieira, em seus sermões, no
estilo barroco conceptista, século XVII. As famílias contabilizadas como
assentadas não constam de portaria publicada em Diário Oficial da União e as
áreas às quais elas estavam relacionadas ainda dependiam de atos jurídicos e
administrativos para serem obtidas pelo governo. Assim, o conceito de
assentados contrapõe-se ao do termo instalado, embora esse novo conceito não
conste da nova portaria criada pelo ministério. Para ilustrar melhor o novo
120
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
conceito de assentado seguem dois trechos da portaria, publicados pela Folha
de São Paulo, 02/05/2002:
[Assentado] é o candidato inscrito que, após ter sido
entrevistado, foi selecionado para ingresso [ao programa de
reforma agrária], sendo-lhe concedido o direito ao uso da terra.
[Assentamento é a] unidade territorial obtida pelo programa de
reforma agrária por desapropriação, arrecadação de terras
públicas, aquisição direta, doação [...], para receber indivíduos
selecionados pelos programas de acesso à terra.
A polêmica está lançada. Com certeza, alguma pena mágica criará novas
palavras, novos números e novas razões. Certamente, mais uma vez o círculo se
fechará e o camponês, ou bóia-fria, ou sem-terra, ou instalado, ou talvez até o
dadaísta anarquista da Pós-Modernidade, iniciará novamente sua caminhada do
ponto de que já partiu e a que tantas vezes já voltou. Apenas mais um
personagem do vasto regionalismo brasileiro?
Paradigma Globalização
A economia mundial é cada vez mais um todo interdependente: cada uma
de suas partes tornou-se dependente do todo e, reciprocamente, o todo sofre as
perturbações e os imprevistos que sofrem as partes. A humanidade cresceu de
uma existência de “famílias” para a “aldeia global”. Por sua amplitude e
velocidade, a globalização está afetando profundamente indivíduos, empresas e
nações, pois altera os fundamentos sobre os quais se organizou a economia
mundial nos últimos cinqüenta anos. Embora conserve conotações relacionadas
a idéias secularmente inseridas na temática da cultura ocidental, como
universalização, fraternidade, eliminação de diferenças, consagramento, os
problemas gerados pelo processo de mundialização econômica são conhecidos.
Ela torna mais fácil o enriquecimento dos que já são ricos e mais pobres os que
já são pobres, aumentando o fosso que separa os dois grupos. Além do
enfraquecimento dos governos nacionais, subordinados aos interesses externos
e do aumento do desemprego, provocado por políticas que privilegiam interesses
privados, há evidências de que a globalização, no campo social, está produzindo
desigualdade crescente. Não se trata apenas de estudar as estatísticas
econômicas, distribuição de renda, mas também do reconhecimento de direitos,
do acesso a instituições, à alfabetização, à tecnologia e outros critérios sociais.
O cenário internacional do início dos anos 90 foi marcado pela crescente
hegemonia do ideário neoliberal como modelo de ajuste estrutural de economias.
O neoliberalismo e a globalização complementam-se até hoje. A crença no livre
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
121
mercado atingiu níveis que atingiram o ponto mais alto do fundamentalismo
dogmático. Sob a necessidade de modernização e de aumento de
competitividade, gerou-se o desemprego, novas tecnologias e máquinas foram
incorporadas, o trabalhador perdeu espaço, aumentou a distância entre os
países centrais e periféricos e a desigualdade se manteve por razões históricas:
herança escravocrata e outras econômicas. A interconexão dos mercados de
consumo, produção e capital tornou-se um dos fatores responsável pelo
processo de desagregação e ruptura das redes de solidariedade. A cidadania se
desvaneceu ao desarticular os mecanismos de formação das vontades coletivas
e esvaziar os padrões mínimos de igualdade material e integração social. Dessa
forma, desestruturou-se todo um padrão ético e todo um sistema de direitos
construídos em torno de valores como o respeito à dignidade humana.
Na sociedade brasileira, esse cenário se repetiu. O processo neoliberal
trouxe grandes seqüelas para as economias latino-americanas. O Brasil foi o
último dos principais países da América Latina a se embrenhar no tão falado
modelo salvador. Abrimos nossa economia, privatizamos praticamente todo o
segmento potencialmente lucrativo sob o discurso da modernização. Passamos
a depender do capital externo sob forma volátil. De forma acelerada, agravou-se
a pobreza. Segundo (BARBOSA, 2001, p. 106), o IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) analisou 174 países com dados para o ano 1999,
com o propósito de classificá-los em termos de indicadores sociais, levando em
conta a renda per capita, o nível de escolaridade da população adulta e a
expectativa de vida:
O Brasil ocupa a 69a posição, sendo incluído nos países de
desenvolvimento humano médio, junto com a maioria dos
países latino-americanos e do Leste Europeu, alguns países
africanos, como Egito e África do Sul, além de países asiáticos,
como Tailândia e Filipinas.
A pobreza ampliou-se de forma significativa com o processo de
globalização econômica e trouxe, concomitantemente, maior concentração da
população nas cidades. Como, na globalização, o espaço econômico se irradia
sobre os demais, levando as condições de vida e trabalho a serem
condicionadas por valores como poliqualificação, eficiência e ganhos incessantes
de produtividade, os excedentes populacionais não têm conseguido se integrar
ao sistema produtivo da sociedade urbano-industrial e, nesse contexto, hoje, a
situação do homem do campo agrava-se ainda mais. Completamente longe do
aparato industrial, despreparado, sem escolarização, sem preparação
profissional, o pobre do campo carece de condições materiais básicas para
122
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
exercer até mesmo os próprios direitos de cidadania, já que não é aceito em um
mercado de trabalho guiado exclusivamente pelo critério do lucro. Junto a outros
exemplos de desagregação social no mundo globalizado, os camponeses
comprometem seu futuro, a sua saúde e os seus valores morais, mas, em
contrapartida, manifestam-se como agentes sociais à medida que reagem contra
esse sistema avassalador, insurgindo-se como um Adamastor4 que obstrui a
passagem dos navegantes. Conforme explica (BARBOSA, 2001, p. 115-117):
Como em outros períodos da História, o surgimento de
problemas sociais no atual mundo globalizado traz como
resultado um conjunto de forças contestadoras. (...) Talvez não
haja melhor exemplo de globalização das demandas sociais do
que a articulação entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) brasileiro, a Confederação Camponesa
Francesa e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)
mexicano sob o ‘guarda-chuva’ da Via Campesina, organização
global que reúne camponeses de mais de cem países. O dia 17
de abril transformou-se inclusive no Dia Internacional da Luta
Camponesa, em memória ao massacre dos trabalhadores semterra pela Polícia Militar, na cidade de Eldorado dos Carajás, no
estado do Pará.
Quanto maior for a organização da sociedade, menos o Estado brasileiro
poderá exercer seu poder de manipulação das classes subalternas, menos a lei
estará a serviço de apenas alguns. Conforme explica (SILVEIRA, 1998, p. 169),
esse Estado protecionista de um modelo de desenvolvimento brasileiro centrado
na industrialização trouxe um grande custo para a população, principalmente a
rural. “E ainda mais com a globalização da economia, neste final de século XX,
fica claro que não basta a reforma do Estado. É preciso transformação do Estado
Brasileiro”.
Os movimentos sociais contestadores são o outro lado da globalização,
sem a dependência econômica do mercado, mas visando à integração e à
liberdade de todos. Seu poder de mobilização e conscientização possibilita
ações políticas coletivas cujas metas, quando unificadas, poderão levar o sujeito
à verdadeira condição de agente transformador.
Episódio do Gigante Adamastor – ponto culminante do Canto V de Os Lusíadas, de Camões.
Marca a passagem da narrativa para o plano do maravilhoso: o rochedo do Cabo das Tormentas é
animizado e simboliza, com suas ameaças, a força bruta da natureza impondo-se como obstáculo
à viagem de Vasco da Gama. As proporções gigantescas e terrificantes do gigante tornam maior o
heroísmo dos portugueses que, em condições desiguais em força física, venceram os imensos
obstáculos que se erguiam à sua vontade de conquista.
4
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
123
Notas Finais: Um Pouco de Esperança
Em uma sociedade que sofre transformações tão profundas e às vezes
até bruscas, necessitamos de uma educação para a decisão, para a
responsabilidade social e política. Isso significa reconhecer a capacidade
humana de decidir, de optar, de assumir uma atitude criticamente otimista que
recusa, de um lado, os otimismos ingênuos e de outro, os pessimismos
fatalistas; significa encarar a História como possibilidade, em que a
responsabilidade individual e social dos seres humanos se tornaram exigências
fundamentais da liberdade. (PAULO FREIRE, 1996, p.114) nos orienta que, em
uma sociedade em transição como a nossa, inserida no processo de
democratização fundamental, a educação deve colaborar com o povo na
indispensável organização reflexiva de seu pensamento, colocando à sua
disposição meios com os quais possa superar a captação mágica ou ingênua de
sua realidade por uma dominantemente crítica. Contra qualquer tipo de
fatalismo, o discurso profético insiste no direito que tem o ser humano de
comparecer à História como seu sujeito. De acordo com (FREIRE, 2000, p. 115):
Há uma espécie de ‘nuvem cinzenta’ envolvendo a História
atual e afetando, ainda que diversamente, as diferentes
gerações – ‘nuvem acinzentada’, que é, na verdade, a
ideologia fatalista opacizante, contida mo discurso neoliberal. É
a ideologia que mata a ideologia, que decreta a morte da
História, o desaparecimento da utopia, o aniquilamento do
sonho.
Seguindo a orientação de Morin,5 pode-se acreditar que o homem possui,
em si mesmo, recursos criativos inesgotáveis, o que permite ao mundo,
a esperança de vislumbrar para o terceiro milênio a possibilidade
de nova criação, cujos germes e embriões foram trazidos pelo
século XX: a cidadania terrestre. E a educação, que é ao
mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para
receber o novo, encontra-se no cerne dessa nova missão.
Todos os humanos, desde o século XX, vivem os mesmos problemas
fundamentais de vida e de morte e estão unidos na mesma comunidade de
destino planetário. Aprender a estar aqui, no planeta, significa aprender a
comungar, a ser terrenos, não só dominar, mas condicionar, melhorar e
compreender. Afirma (MORIN, 2001, p. 78):
Para maiores informações sobre o tema, ver MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à
Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília/DF: UNESCO, 2001. Capítulo IV.
5
124
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
Civilizar e solidarizar a terra, transformar a espécie humana em
verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e
global de toda a educação que aspira não apenas ao progresso
(...). A consciência de nossa humanidade nesta era planetária
deveria conduzir-ns à solidariedade e à comiseração recíproca,
de indivíduo para indivíduo, de todos para todos... A educação
do futuro deverá ensinar a ética da compreensão planetária.
Era de globalização – época de pensar e agir como se o mundo todo
estivesse pertinho de nós, e num simples estalar de dedos pudéssemos atingir
toda a “aldeia global”. Nasce a Carta da Terra. Nasce a preocupação com as
gerações futuras e com a defesa de nossa natureza. Nasce a vontade de trocar
o pano negro de fundo, pelo amarelo da esperança. Nasce a necessidade de
substituir a ética do mercado, individual e imediatista, pela ética da cidadania
planetária, humana e consciente. O novo paradigma precisou de séculos para
ressuscitar. Na verdade, ele apenas dormia o sono da Cinderela, esperando o
beijo de amor para acordar. A tomada de consciência faz com que a humanidade
redescubra a Terra como pátria comum e dá início a um novo processo de
civilização.
Gadotti (2000, p. 194), defendendo uma educação que tenha a Terra
como paradigma, reescreve as palavras de Leonardo Boff, proferidas no discurso
de abertura da Conferência Intercontinental das Américas sobre a Carta da Terra
(Cuiabá, 31 de novembro de 1998), na qual Boff diz que só via sentido em
declarar a dignidade da terra em uma carta se três tarefas fossem cumpridas: o
resgate do sagrado, o resgate do princípio feminino e a mutação de nosso
estado de consciência. A citação abaixo refere-se à última tarefa:
Uma mutação da consciência se opera no momento em que
sentimos realmente que nós somos a própria Terra, a Terra
que caminha. Somos a Terra que pensa, que ama, que venera,
que celebra. Ela não contém vida. Ela é a vida. Não temos a
idade de quando nascemos, mas a idade de todo o universo.
Quando se formaram as estrelas e os planetas, nós nos
formamos também. É a mesma matéria. Como as estrelas,
somos feitos de poeira cósmica. Somos os últimos dos grandes
seres que entraram na história do Universo. (grifo do autor).
A cada passo, o grupo de camponeses desafia a engrenagem. Cabe
voltar aqui, ao ponto de partida deste artigo: o eu, indivíduo e identidade,
constituindo-se coletivo e social. Essa inserção derruba o conceito de
passividade embutido no trabalhador rural e abre espaço para a criação de novo
signo lingüístico. O significante será construído aos poucos, nessa trajetória
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
125
descontínua de vitórias e derrotas. Mas, o significado já está estruturado nesse
processo histórico de busca pela dignidade, como sujeito político, social e
transformador de sua realidade.
MATTHES, N. A.; SILVEIRA, U. Against the gearing: a reflexive approach. Serviço Social &
Realidade. (Franca), v.12, n.1, p.111-128, 2003.
•
ABSTRACT: In this article, the subject, agent of its reality, is focalized in its identity, like a
social and politics human being, inserted in a context that the market ethics transforms
dreams in utopias and basic necessities in luxury items. This approach has the intention to
take a reflection, according questions that can make possible a deeper treatment of the
theme. In this treatment, the investigative way, suggests a reflection about the concept of
“sem-terra”, besides the semantic analysis, and attaining the human being, person inserted in
the current politics context, underling of a globalizant aconomy, whose ethics values are
determined by the capitalist market.
•
KEYWORDS: Struggles for soil; Settling/Sem-Terra; Soil’s Letter; Citizenship; Globalization;
Agrarian Structure; Agrarian question; Ethics.
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126
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 111-128, 2003
127
AS ORGANIZAÇÕES ATUAIS: PERFIL PROFISSIONAL ESPERADO
Ana Paula Barbosa Indiano de OLIVEIRA*
Daltro de Oliveira CARVALHO**
•
RESUMO: Com as mutações ocorridas nas organizações decorrentes das tecnologias e
do grande número de informações, empresas decidira por buscar novos talentos, capazes
de administrar essas mudanças. Vários fatores atuam hoje neste novo panorama, tais
como motivação, aperfeiçoamento, investimentos no capital humano e outros. Um histórico
desde o início da revolução industrial até nossos dias, notamos que os tempos atuais
apresentam mudanças constantes e mais rápidas que antigamente. O papel atual das
organizações é buscar seu poder de gestão entre vários atributos necessários para atuar
no mundo de globalização. A empresa busca um novo perfil profissional que possa atender
às suas necessidades e que se encaixe com a nova realidade.
•
PALAVRAS CHAVES: Organização; trabalho; profissional; globalização.
Introdução
A época atual vem sendo marcada por grandes e rápidas mudanças. Nas
organizações, o ser humano caminha para deixar de ver o local em que trabalha
como um mecanismo dentro do qual é apenas uma peça. A empresa, por sua
vez, passa a tratá-lo como um indivíduo cujas potencialidades precisam ser
descobertas e cujo crescimento interessa-lhe também. Nas bases em que se
apóiam os modernos conceitos de produtividade e competitividade, a educação
organizacional continuada, destaca-se como uma estratégia de transformação e
crescimento de valor mundialmente reconhecido. As maneiras tradicionais de
relacionamento com os funcionários, com o público consumidor, com os
fornecedores e com a sociedade começam a ser revistas por grande parte das
organizações, uma vez que se evidencia que as formas clássicas de comando e
de relacionamento com o mercado mudaram. O grande desafio contemporâneo
é pois, preparar pessoas capazes de se adaptar a esta nova realidade e
transformá-la, objetivando encontrar maneiras mais eficazes de enfrentar a
realidade dinâmica e cada vez mais competitiva.
A história mostra-nos que existe uma tendência de multiplicarem as ações
de formação e de aperfeiçoamento na busca de um perfil adequado. Nasceu
Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos/SP, doutoranda no Programa de
Pós Graduação em Serviço Social – UNESP - Franca/SP.
** Mestre em Gestão Empresarial pela FACEF – Franca/SP, doutorando no Programa de Pós
Graduação em Serviço Social e Pesquisador/ Grupo de Pesquisa em Serviço Social/UNESP –
Franca/SP.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
129
uma nova profissão e, às vezes uma nova vocação: a de gestor ou responsável
de formação.
Operacionalmente podemos definir aperfeiçoamento e formação.
Formação é o desenvolvimento de novas capacidades (voltada para o homem) e
aperfeiçoamento é a busca do melhoramento das capacidades em exercício
(voltada para a empresa). (ARDOINO,1971).
Dentro de uma perspectiva psicosociológica mais exigente, podemos
considerar uma proliferação de ações de formação como um sintoma social
perfeitamente característico de nossa época, e buscar o que ele em última
análise encobre.
Quando nos perguntarmos sobre o motivo de uma política de
investimentos intelectuais praticadas hoje em dia por algumas empresas, a
resposta normalmente é que se trata de um esforço para aumentar a
produtividade. Isto nos retrata a presença de um modelo mecanicista.
Hoje a motivação aparece mais como um fator de ação, e por conseguinte
de eficácia. Taylor explicava antigamente por uma diferença de método de
trabalho. Entretanto, falando historicamente ele não estava errado. Taylor
raciocinava com os dados de seu contexto econômico e social. Hoje, isto não é
mais verdade, sem deixar entretanto de o ter sido.
A partir do momento que certos níveis econômicos foram ultrapassados,
os problemas que já existiam potencialmente começaram a se afirmar por força
de repressões econômicas. É necessário agora, tomá-los em consideração, ao
passo que antes poderíamos evita-los.
Com a revolução industrial o "homo aconomicus" dá lugar ao "homo
psychologicus ou sociopsychlogicus". Passamos do modelo mecanicista
clássico, ao modelo cibernético mais moderno. (ARDOINO, 1971).
A psicologia passa a ter maior importância. Ensinar-se-á aos técnicos, aos
vendedores e a todos que sentirem necessidade os rudimentos da psicologia.
Existe uma tentativa de "equipa-los" psicologicamente na busca de um perfil
profissional mais adequado aos dias atuais. Mas existe um longo caminho a ser
trilhado. Nas escolas o que aprendemos de psicologia é muito superficial e não
nos ensina a ser um técnico ou vendedor preparado psicologicamente. E nas
empresas este investimento ainda é pequeno, e as pessoas muitas vezes não
estão preparadas para aplicá-lo e nem para recebê-lo.
Mas por outro lado, se aceitarmos a idéia do que o ideal é mecanizar o
homem, para que ele corresponda a nossas solicitações, poderemos então dizer
que a formação de técnicos constitui um condicionamento em segundo grau,
levando a "fabricar máquinas que fabricam outras máquinas".
Hoje, já se utiliza testes psicosociológicos, com a ajuda dos quais o
130
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
candidato é examinado no plano de suas inter-relações. Como bem enfatiza
(ARDOINO, 1971), só nos resta saber, se recorremos a eles apenas para
completar o exame clássico, se não há no fundo, o preconceito de uma
personalidade bem "aparelhada" para o mando e para a venda, que terá sucesso
quase sempre, seja quem for o interlocutor.
Desde então, torna-se teoricamente suficiente, interrogar sobre a
personalidade do candidato, para saber se ele está bem aparelhado, se tem
ascendência, prestígio e autoridade.
Sendo assim o aluno, o técnico ou o vendedor em formação são
dependentes do mestre, do professor, do animador de formação. São
relativamente passivos. O saber é representado como uma espécie de alimento.
Reencontramos a representação mecanicista de antes.
Alguns psicanalistas, pedagogos e psicosociólogos contemporâneos,
tentaram por em evidência o fato de que nossas concepções tradicionais da
autoridade e do comando, vêem sua lógica interna e sua justificação de origem
cultural e, geralmente inconsciente. Isso pode ser verificado na história pessoal
do indivíduo, através das representações que temos de nossos pais, chefes e ao
mesmo tempo de nós mesmos.
A história de nossa civilização é rica em exemplos próprios para ilustrar
essa maneira de ver, mas as relações sociais evoluíram e a distância social
entre os indivíduos fundamenta-se agora em outros critérios diferentes da
essência.O gigantismo das organizações humanas e a complexidade das
articulações e das comunicações levam fatalmente a certas descentralizações (a
delegação de autoridade, a necessidade do trabalho em equipe, entre outros).
(ARDOINO, 1971), enfatiza que o gestor moderno, deveria ocupar 30 por
cento de seu tempo com sua formação e seu aperfeiçoamento técnico e
humano, com atitudes de previsão e integração, e com a formação e o
aperfeiçoamento de seus subordinados.
Partindo disto, o gestor acaba tendo uma função de educador, delegando
cada vez mais seus poderes e tornando-se disponível para colaborar no que for
necessário.
Suas relações seriam mais democráticas, do tipo A<=>B , pois a utilização
do esquema A=>B trás conseqüências inevitáveis. As relações A=>B podem ser
comparadas ao modelo escolar, que privilegia as relações de cada aluno com o
professor, do chefe com seu subordinado, que retrata uma situação de poder
sobre a outra pessoa.
Dentre os fatores humanos da produtividade, destacam-se a motivação do
trabalhador para aquilo que ele faz, o sentimento de dignidade para a sua pessoa,
que ele associa a seu trabalho e à remuneração que é a compensação econômica.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
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Esses fatores desempenham um papel de vital importância na conjuntura
atual. Acreditamos, que muito mais que pensar em produção, isto é, o número de
peças fabricadas ou vendidas, deveremos pensar em produtividade como algo
que envolve pessoas e seu sentimento frente ao trabalho.
Atualmente na empresa, além da função econômica, esboça-se uma
função social autêntica, sem a qual sua função econômica estaria de resto,
rapidamente comprometida. Espera-se que as atividades sociais constituirão um
aspecto da redistribuição das riquezas, fundamentada economicamente.
O grupo torna-se um conjunto dinâmico, que obedece as leis globais e
tem uma realidade distinta da dos indivíduos que o compõem. Neste caso, as
noções de papel e de função, assumidas predominam sobre qualquer outra
consideração. Dependendo dos grupos, o líder ou condutor deve elaborar uma
política, determinar os objetivos, encontrar soluções para problemas novos,
repartir tarefas, fiscalizar, deve demonstrar competência técnica, ideológica e
humana, ser mediador, representar o grupo no exterior, tornar-se seu símbolo.
É por isso que o papel e as funções do líder podem variar ao longo de sua
carreira. Sendo assim, a noção de aptidão para um determinado comando, e não
mais para um comando qualquer, se reduz à questão de saber se existe
correspondência entre as necessidades do grupo e os papéis e funções que o
líder é capaz de assumir.
Na empresa, não se trata mais de melhor ajustar o trabalhador ao seu
trabalho, mais ainda, de conseguir um melhor ajustamento aos diferentes
aspectos, econômicos e humanos, considerados dependentes de um dinamismo
interno.
É importante perceber que nossa formação e nosso ensinamento
tradicionais oscilam entre duas tendências: a formação prática (busca de tipos de
saber cultural) e as "humanidades" (cultura geral).
Na maioria das vezes estamos diante, da busca de um melhor
ajustamento a um modelo determinado, constante e imutável.
Mas no que se refere à empresa, ela não pode sem graves riscos, guardar
por muito tempo suas tradições. Isto é, ser imutável. Ela se insere num contexto
que por sua vez se move, e é essencialmente dinâmico.
O meio exerce pressões sobre a empresa, entre o meio e a empresa
estabelecem-se tensões recíprocas, que podem resultar em equilíbrio ou
desequilíbrio, dependendo do mercado, da concorrência.
Sendo assim, a empresa moderna deve partir de uma política coerente de
pessoal, que implica em atitudes de previsão e promoção. Formar é pré-adaptar,
isto é, se necessário passar de um modelo para outro.
Na empresa, as estruturas, os métodos e as normas devem mudar. E isto
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
inclui o mais simples funcionário até o diretor da empresa. Para que ela de
alguma maneira, possa se ajustar neste mundo em transformação. Estamos
talvez na história do pensamento, num momento comparável àquele em que se
tomava consciência de que a geometria euclediana não era a única possível.
A necessidade de mutação, de transformação, a cada dia fica mais clara
dentro das organizações industriais e comerciais, pois se trata efetivamente de
sobreviver diante da realidade do mercado.
Sendo assim, o objetivo básico deste estudo, foi, sem a pretensão de
universalizar conceitos, ou criar modelos, o de buscar compreender o perfil
profissional que vem sendo exigido neste novo século, como conseqüência de
um processo de constante modificações, levando em consideração os meios que
as organizações atuais oferecem a seu funcionários, que possam contribuir para
que eles correspondam à esse perfil desejado.
Estudar as relações humanas e o perfil profissional esperado para este
novo mercado, globalizado e muito concorrido, advém do nosso interesse em
aprofundar no assunto, assim como compartilhá-lo com outras pessoas, que
comungam as mesmas indagações. Além disso, este artigo poderá contribuir
com nossas futuras pesquisas para o programa de Doutorado que estamos
freqüentando.
O tema embora discutido, ainda tem muito a ser explorado, se
considerarmos a questão da capacitação profissional e o perfil profissional
esperado.
Metodologia
Pesquisa científica é a realização concreta de uma
investigação planejada, desenvolvida e redigida de acordo com
as normas de metodologia consagrados pela ciência. É o
método de abordagem de um problema em estudo que
caracteriza o aspecto científico de uma pesquisa (RUIZ, 1996,
p. 48).
Atualmente fala-se muito em globalização, em mudanças que estão
ocorrendo mundialmente e que vêm afetando todas as classes sociais. O
emprego está se tornando escasso e novas exigências estão surgindo neste
mercado competitivo.
Cada vez mais, as pessoas são obrigadas a se moldarem acompanhando
as mudanças que acontecem em um ritmo muito mais acelerado e com mais
intensidade.
Este trabalho possuiu como objetivos, pesquisar sobre o perfil profissional
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
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que será exigido neste novo século e as características necessárias ao gestor de
recursos humanos, entendendo as transformações que ocorreram e que ocorrem
na natureza organizacional, levando em consideração os recursos que as
organizações oferecem a seus seres humanos possibilitando-os corresponder a
esse perfil, atendendo às suas exigências.
Para elaboração do trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que
segundo (BARROS & LEHFELD 2000, p. 70): "é a que se efetua tentando
resolver um problema ou adquirir conhecimentos a partir do emprego
predominante de informações advindas de material gráfico, sonoro e
informatizado".
Para a realização desta pesquisa, levantamos algumas abordagens já
trabalhadas por outros estudiosos, assimilamos conceitos e exploramos os
aspectos já publicados. Em virtude do tempo ser escasso, selecionamos
conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras e internet. Sabemos que
não foi possível um levantamento profundo sobre o tema, mas pretendemos
trazer algumas informações úteis para as organizações atuais e para o indivíduo
trabalhador.
As Organizações Atuais: O Papel do Gestor e as Demandas do Negócio
O diferencial do século XXI serão as pessoas. Um dos maiores desafios
enfrentados pelas organizações é atrair e reter talentos.
A máquina não vai substituir o que existe de mais humano: a criatividade,
a paixão pela descoberta e a disponibilidade para aprender. O profissional será
obrigado a estudar permanentemente.
A multicompetência será a principal característica necessária aos
profissionais do futuro. Quem estiver apto para atuar em todas as áreas, com
habilidade de relacionamento em todos os níveis, especializando-se em vários
assuntos, estará pronto para enfrentar as mudanças e atuar em qualquer área. A
avaliação do profissional será fundamentada pela função conhecimento técnico x
personalidade.
O eixo da personalidade do futuro deverá conter: postura ética,
idoneidade, flexibilidade para adaptar-se às mudanças, estabilidade emocional
para trabalhar em equipe, maturidade para exercer comando e capacidade
analítica para resolução de problemas.
Já o conhecimento técnico será necessário para concretizar idéias e
permitir a conexão do homem com o mundo informatizado.
A busca de um profissional que reúna as qualificações expostas acima
requer das empresas muito tempo, além de gastos com anúncios, seleção de
currículo, entrevistas individuais e avaliação psicológica.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
Escolher a pessoa certa para o lugar certo é indispensável para que o
processo seletivo seja feito de maneira criteriosa, dentro dos mais modernos
recursos disponíveis no mercado.
De acordo com o exposto, exige-se nesse contexto não só as
competências técnicas, como era até o momento, soma-se a essas as
competências sociais que delineiam um novo profissional.
Novos paradigmas surgiram criando um novo cenário, inovador e propício
a novas perspectivas de mercado de trabalho. Uma visão de mundo holístico
concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes
dissociadas. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência
fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que enquanto indivíduos e
sociedades, estes se encaixam nos processos cíclicos da natureza.
Portanto, (CAPRA apud GUIMARÃES, 1999), faz perguntas profundas a
respeito dos próprios fundamentos da nossa visão de mundo e de nosso modo
de vida moderno, científicos, industriais, orientados para o crescimento e
materialistas. A ecologia questiona todo o paradigma a partir da perspectiva de
relacionamento interpessoal, com as gerações profundas e com a teia da vida da
qual todos fazem parte.
Atualmente percebemos uma profunda crise mundial. É uma
crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam
aspectos da vida como um todo - na saúde e o modo de vida, a
qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da
economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões
intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala de
premência sem precedentes em toda a história da humanidade.
Pela primeira vez, defronta-se com a real ameaça de extinção
da raça humana e de toda a vida no planeta, (CAPRA, 1982),
as mudanças estão atingindo a vida do ser humano em todos
os níveis, onde ocorre um aumento nos problemas de saúde e
diversificadas anomalias econômicas.
No momento atual, o que diferencia, é o ritmo no qual as mudanças estão
se dando. É um ritmo muito mais dramático do que qualquer precedente. A crise
atual não é, apenas uma crise de indivíduos, governos ou instituições sociais; é
de uma dimensão planetária. Como indivíduos, como sociedade, como
civilização e como ecossistema planetário, chega-se a um momento decisivo.
Cabe ainda ressaltar, que as ciências administrativas, o campo do
comportamento organizacional desenvolveu-se isoladamente, negligenciando os
conhecimentos mais recentes básicos: o quantitativo e as organizações no
centro de seu universo, como todo recurso a um pensamento externo e
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
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forçosamente crítico, podendo sempre ameaçar a ordem organizacional
estabelecida. (CHANLAT, 1991).
Estes questionamentos tornam-se cada vez mais pertinentes à medida,
que as críticas são mais numerosas em relação à formação que recebem os
futuros gestores e quando os problemas que surgem no cotidiano não são
resolvidos de acordo com o que se pensa ou se ensina.
Começando pelo ambiente no qual esse personagem, o gestor, atua,
observa-se que alguns processos já deixaram irremediavelmente sua marca e
sua influência na constituição do universo sócio-econômico das empresas: o
ambiente de mudanças e incertezas, a já desenvolvida internacionalização dos
grupos empresariais, as dinâmicas de fusão e centralização dos capitais e, ao
mesmo tempo, a descentralização das unidades produtivas: a desregulação e
a privatização, a volatilidade e interdependência dos mercados financeiros, o
desenvolvimento e socialização da tecnologia da informação (impensável há
escassos 20 anos atrás), a nova consciência ecológica e outros.
Essas questões, e muitas outras não citadas, têm sido pensadas como
elementos fundamentais desse ambiente onde atua o gestor. Por essa razão,
uma parcela importante da literatura tem caracterizado o perfil do gestor para os
próximos anos a partir dessa "demanda" do ambiente, resultando na elaboração
de vastos conjuntos de "competências desejáveis". Trata-se de fato, de um
conjunto de atributos ambiciosos, seja pela sua abrangência, seja pela sua
diversidade.
Podemos apontar alguns atributos como altamente relevantes para o perfil
de um gestor no mercado globalizado: (ECHEVESTE, S. et al, 1999).
• Capacidade de liderança;
• Visão estratégica;
• Integridade;
• Visão da empresa;
• Capacidade de decisão;
• Foco no resultado;
• Ética no trato das questões profissionais e aspectos sociais;
• Capacidade de negociação;
• Motivação;
• Coordenação de trabalhos em equipe;
• Habilidade interpessoal;
• Atitude pró-ativa.
Os atributos dos gestores face as novas condições do ambiente de
negócios, não é muito diferente, resultando também em expectativas
abrangentes e diversificadas. Publicações recentes têm revelado essas
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
perspectivas, como se pode observar pelas "amostras" selecionadas a partir de
entrevistas ou artigos da autoria de (PRAHALAD, 1999), (OHMAE, 1998),
(BROWNER, 1999), (HEIFETZ, 1999), dentre os quais destacamos:
1) Capacidade para atuar com emissão e recepção de informações;
2) Capacidade para sintetizar e criar;
3) Habilidade para comandar grupos, assessores e outras redes de
pessoas e para estimulá-las a enfrentar desafios;
4) Desaprender periodicamente e aprender de novo;
5) Familiarizar-se com geografia, mas especialmente com as diferenças
e conflitos culturais;
6) Abertura para novas idéias e novas perspectivas de mercado, produto
ou processo (capacidade para "ouvir", "ver" e "perceber");
7) Levar as competências além das fronteiras das unidades de negócios
(competência é uma dimensão da cadeia produtiva e não apenas da
empresa);
8) Iniciativa, coragem, flexibilidade e tolerância.
Ora, é evidente que nenhuma pessoa é capaz de desenvolver ou
apropriar todos essas atributos. Perfis deste tipo, tão abrangentes e
diversificados seriam capazes de criar sentimento de inferioridade nos mais
reconhecidos executivos do século XX, vivos ou mortos. A maior parte dos
executivos são homens comuns. Assim como em outras profissões.
Embora todos, empresas e gestores estejam sempre procurando
desenvolver o melhor para si (ao menos as empresas e pessoas que se
administram de uma forma profissional, e não amadora), por mais programas de
desenvolvimento que realizem, não vão nunca chegar nem próximo destes perfis
superestimados. E então, para onde nos leva esse debate acerca do perfil do
gestor do século XXI?
Em nosso entender, se trata de uma caracterização de tudo aquilo que a
gestão, e não o gestor de forma isolada, deve realizar para que a organização
consiga uma performance compatível com os melhores níveis de desempenho. E
num período em que a gestão das organizações têm muito mais de atividade
coletiva do que individual, passa a ser apropriado pensar que esse conjunto
super estimado de atributos, não é uma tarefa de um, mas de um ou mais
coletivos de gestores.
Por outro lado, estas considerações nos remetem a uma nova
problemática: como tratar o desenvolvimento destas competências gerenciais
"desejadas" nesse ambiente de negócios em mudança continuada?
Para compreender as transformações culturais faz-se necessário atentar
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para a situação no contexto da evolução cultural humana. Como diz (CAPRA,
1982, p. 24),
transferir nossa perspectiva do final de século XX para um
período de tempo que abrange milhares de anos; substituir a
noção de estruturas sociais estáticas por uma percepção de
padrões dinâmicos de uma mudança. Vista desse ângulo a
crise apresenta-se como um aspecto da transformação.
Há um velho ditado neste mundo, nada é certo, com exceção de duas
coisas: a morte e os impostos. (CHIAVENATTO, 1996). E a estas duas certezas,
acrescenta ainda a terceira: a mudança. Dizer que o homem está vivendo em um
mundo em constante mudança é simplesmente dizer o óbvio, principalmente,
nestas duas últimas décadas, em que a mudança vem ocorrendo a taxas
explosivas e gradativamente aceleradas.
É evidente que já avançamos o suficiente na nova sociedade póscapitalista para rever e revisar a história social, política, e econômica da idade do
capitalismo e da nação estado. Entretanto, ainda é arriscado prever como será o
mundo pós-capitalista, é o que diz (DRUCKER, 1997). Novas perguntas ainda
serão levantadas e as respostas ainda estão ocultas no interior do futuro. É
praticamente certo que a nova sociedade será não socialista e pós-capitalista.
Paralelo a essas mudanças, a economia também sofre suas alterações.
(DRUCKER, 1989) adverte que em suas bases e em suas estruturas três
mudanças fundamentais ocorreram na própria textura da economia do mundo:
• A economia de produtos primários desvinculou-se da economia
industrial.
• Na própria economia industrial, a produção está divorciada do emprego.
• Os movimentos dos capitais, e não o comércio de bens de serviços, é
que passaram a ser a força motriz da economia mundial.
Como reflexo da história nas relações de trabalho e na economia, as
relações empregatícias foram nitidamente atingidas por essas mudanças. Ainda
não se pode falar em uma estabilidade em um novo paradigma vigente que
delineie essas relações, pois vive-se um momento de transição.
(RIFKIN, 1995), que escreveu o livro sobre o "fim do emprego", vem
provocando um verdadeiro temor nas pessoas, no que diz respeito às
perspectivas futuras para as formas de relações do homem com o trabalho. A
referência ao fim do emprego feita pelo autor, se baseia na macrotendência do
mundo desenvolvido, que vislumbra o declínio da força da produção industrial
em contraposição ao crescimento do segmento de serviços, da multiplicação do
conhecimento e do poder da informação.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
As tendências atuais da força humana do trabalho indicam crescente
redução de proletariado fabril estável; aumento do trabalho precário informal: sub
empregados, sub contratados, contrato temporário, terceirização, par-time, maior
número de mulheres e crianças trabalhando de forma desregulamentada;
exclusão dos jovens e dos velhos no mercado de trabalho formal, trabalho
autônomo, residencial e on-line.
Segundo (LUDWING apud NEVES, 1998, p. 7), vive-se um novo
renascimento, um neoclassicismo grego, com todas as suas conseqüências, com
o homem no centro do processo, tendo a aprendizagem como fator mais
importante da produção. Aprender é mais importante do que trabalhar, mesmo
dentro da empresa. O commodite mais importante é a informação, que é usada
como forma de conhecimento, e que dá poder. Para tanto, é preciso saber
administrar isso.
Teve-se a oportunidade de observar a velocidade com a qual os padrões,
até então vigentes, estão sendo alterados. Percebe-se que quase nada é estável
e que as recentes mudanças mundiais induzem as pessoas a aderir um novo
estilo de vida. Para este, a que se criar uma atmosfera em que as pessoas
sintam que se pode cometer erros sem que o mundo caia sobre elas. Se isto não
ocorre, é porque não houve movimentos pois, estes provocam mudanças.
Transformações culturais dessa magnitude e profundidade, não podem
ser evitadas nem detidas, mas pelo contrário, bem recebidas, pois é a única
saída para que evitem a angústia, o colapso e a mumificação. As pessoas e as
organizações necessitam de preparação para a grande transição, de um
profundo reexame das principais premissas e valores da nossa cultura, de uma
rejeição daqueles modelos conceituais que duraram mais do que sua utilidade
justificava, e de um novo reconhecimento de alguns valores descartados em
períodos anteriores de nossa história cultural. (CAPRA, 1982).
Perfil Profissional Esperado
A organização moderna é busca especialistas do conhecimento, ela
precisa ser uma organização de iguais, pois nem um conhecimento se classifica
acima do outro, a sua posição é determinada pela contribuição para a tarefa
comum e não por alguma superioridade ou inferioridade inerente.
As organizações sociais e principalmente as empresas costumam
preservar muitos paradigmas do passado, como seus valores sociais, culturais e
tecnológicos. São tradições que ajudam a conectar o passado, o presente e o
futuro e proporcionar a continuidade de propósitos e aspectos desejáveis da
organização. Como proteção contra as mudanças que estão por vir, algumas
empresas endurecem sua resistência podendo levar a total incapacidade de
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
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enfrentar um novo ambiente e proporciona caminho direto para o fracasso. O
caráter conservador das empresas é mantido devido a adoção de paradigmas
organizacionais e culturais que petrificam a organização impedindo a mudança e
a inovação. Na era da informação, as mudanças que ocorrem nas empresas não
são apenas conjunturais, mas sobretudo culturais, comportamentais,
transformando poderosamente o papel das pessoas que nelas trabalham.
A globalização da economia trouxe novos conceitos como qualidade total,
produtividade, competitividade, como formas de sobrevivência empresarial.
Segundo (TOFFLER, 1985), as empresas em seu ciclo de vida devem
lidar em certas ocasiões, com níveis de novidade extremamente altos, enquanto
em outras ocasiões o nível é baixo, levantando questões sobre o tipo de direção
necessária na empresa. Uma companhia com nível baixo de novidade pode
exigir uma administração incrementada; enquanto uma empresa com um alto
índice de novidade pode precisar de uma administração radical.
Alternativamente, a mesma empresa pode precisar de estilos diferentes de
administração em diferentes estágios de seu ciclo de vida.
Algumas empresas são muito burocráticas, são as empresas não
flexíveis, incapazes de se adaptarem, podendo desaparecer. Ao invés de
rotineiro e previsível, o ambiente empresarial torna-se cada vez mais instável,
acelerado e revolucionário. Nestas condições, todas as organizações se tornam
extremamente vulneráveis a forças ou pressões externas.
Pode-se observar que as empresas buscam acompanhar as mudanças
que vêm ocorrendo no mundo. A economia globalizada exerce uma forte
influência no contexto organizacional e conseqüentemente o perfil do profissional
sofre constantes modificações.
Para fazer mudanças organizacionais ou culturais torna-se imprescindível
preparar as pessoas para que essas mudanças aconteçam. As mudanças reais
dentro das empresas somente ocorrem à partir das pessoas. É necessário
preparar o ambiente psicológico para as mudanças fazendo com que as pessoas
aprendam a aprender e inovar. Mas, um dos obstáculos é que os
administradores foram educados a trabalhar com a atenção voltada para
assuntos concretos e físicos, com dados previsíveis, coisas reais e palpáveis, e
sentem dificuldade em lidar com pessoas.
As pessoas podem ser os agentes passivos ou ativos de qualquer
programa de mudança organizacional. De um lado, as pessoas somente mudam
porque as empresas as fazem mudar. Porém, não participam das mudanças.
Elas simplesmente na maioria dos casos, fazem o que lhe pedem, mas não
ajudam em mais nada, por falta de comprometimento. Na realidade as pessoas
passam a representar o problema, a dificuldade e a resistência para a empresa
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
mudar, o obstáculo e a própria desvantagem estratégica.
Acredita que a mudança assusta e provoca até pavor diante de uma
situação nova e desconhecida. As pessoas têm um limiar de sensibilidade às
mudanças; até certo limiar, a mudança é um evento diário e comum e quase
sempre passa despercebida; mas, quando a mudança é grande, isto é,
ultrapassa o limiar de sensibilidade das pessoas, provoca um grande impacto,
preocupação, aflição, ansiedade e conseqüências desconhecidas. As pessoas
podem aceitar as mudanças de maneiras diferentes, adotando uma postura de
simples aceitação quando movidas pelos argumentos da direção ou quando
assumem uma postura proativa em que além de aceitar a mudança toma a
iniciativa de fazer ela acontecer. Também podem mudar porque simplesmente
são coagidas para isto, como acomodar-se à mudança e resistir a ela para
manter status quo dentro da empresa.
O perfil do profissional caminha lado a lado com o mercado de trabalho,
que é outra vertente em transformação. É um mercado como outro qualquer; ele
tem suas vagas próprias e uma lógica rápida, muito antiga, e que ainda hoje está
em evidência. É conceituado como o local onde profissionais trocam suas
competências por trabalhos remunerados, além de ser um local onde as
empresas buscam soluções para seus problemas.
(DRUCKER, 1989), considera que os empregados serão cada vez mais
forçados a mudar a sua opinião do que chamam de mercado de trabalho. O
candidato a uma vaga é que passará cada vez mais a ser visto como cliente,
com as oportunidades e características do emprego. Tradicionalmente, o
mercado de trabalho pode ser encarado como uma coisa homogênea, dividida
apenas por linhas muito amplas: idade e sexo, por exemplo, ou trabalho braçal,
trabalho de escritório, trabalho administrativo e técnico. Mas, é cada vez mais
comum a segmentação da força de trabalho disponível em número bastante
grande de mercados diferentes, com liberdade considerável para o indivíduo se
deslocar de um segmento a outro. Cada vez mais os empregados precisarão
aprender que os empregos são produtos que devem ser projetados para
compradores específicos, e promovidos e vendidos a eles.
O profissional que sempre teve emprego geralmente tem preconceitos em
vender o seu trabalho, de se comunicar mercadologicamente. Esse preconceito
gera uma falta de habilidade da venda em si. Para fazer marketing pessoal, o
indivíduo precisa se expor de várias maneiras: oferecendo serviços por mala
direta, colocando anúncios em revistas especializadas, freqüentando grupos de
profissionais, participando de associações de classes e, principalmente,
relacionando-se diretamente com potenciais empregadores. O que se percebe
atualmente, é que, o funcionário tímido, apático, sem iniciativa, cede seu lugar ao
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
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criativo, ambicioso e crítico, que toma decisões e que possui flexibilidade para
atuar em diferentes áreas. (NEVES & RODRIGUES, 1997). O funcionário
qualificado, é aquele que acompanha as mudanças, e que se adapta à elas,
superando suas deficiências, possuindo conhecimentos e iniciativa para
reconhecer os problemas do dia-a-dia da empresa.
Outro item a ser apresentado, é que não se fala mais em trabalho em
grupo; passa a existir o trabalho em equipe, em time, onde cada integrante
ajuda, coopera, e passa informações para os outros, colaborando no processo.
Além disso, o profissional competitivo do mercado atual necessita desenvolver
características de liderança e que a base da liderança eficaz é compreender a
missão da organização, defini-la e estabelecê-la de forma clara e visível; não é
baseada em ser inteligente, e sim em ser consistente; é ganhar confiança.
(DRUCKER, 1989). Outro item, que é exigido do profissional comprometido com
o futuro é o espírito de aprendiz. Para ter a imprescindível visão de
oportunidades, é necessária a inovação contínua, e a educação é a perspectiva,
o caminho da atualidade. Por isso, é indispensável a educação, para que as
pessoas aprendam a pensar e agir sobre reflexão, e não ficar a mercê das
tempestades, improvisando táticas de salvamento, mas se antecipar com ações
preventivas. O investimento permanente em educação é a única segurança, é o
que salienta (MATOS, 1996).
A sociedade do conhecimento exige que os homens estejam
continuamente se educando, não só como motivação de vida, mas como
necessidade de sobrevivência, em que a mudança tende a tornar o ambiente
mais desafiante e competitivo.
Com as mudanças que enfrenta-se, hoje, a educação não se limita mais a
sala de aula, nem se completa no período escolar, ela faz parte do complexo de
formação integral do homem, transformando-se em alguém capaz de pensar,
participar, trabalhar e continuar, enquanto for necessário, a se adaptar a novas
transformações, aos novos conceitos, a uma vida renovada.
Através dessa perspectiva as empresas têm buscado propiciar um
ambiente favorável para o desenvolvimento de seus profissionais. Segundo
(LACERDA, 1999), as organizações estão procurando realizar treinamento de
criatividade de seus funcionários com o objetivo de compensar a evolução
anticriativa que predomina atualmente na maior parte das instituições de ensino.
Além da criatividade também se fala muito em pessoas competentes e
habilidosas. Ser competente é ter facilidade para trabalhar em equipes, com
liderança, auto-motivação, vontade de aprender, permitindo um trabalho bem
feito. Habilidade é aquilo que a pessoa sabe tecnicamente. (GOMES, 1998).
O novo trabalhador deve mudar continuamente os seus conhecimentos, e
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assim por necessidade, ser um trabalhador em aprendizagem. A necessidade de
polivalências, a capacidade de adquirir um comportamento que se adapte a este
novo mundo.
As características necessárias ao profissional são: espírito de iniciativa,
perseverança, criatividade, sentido de organização, espírito crítico, autonomia e
auto controle, atitude de liderança, persuasão, auto confiança, percepção e
interpercepção nas relações pessoais, preocupação e solicitude em relação aos
outros, capacidade de cooperação e comunicação, capacidade de adaptação às
mudanças, capacidade de realizar tarefas variadas e complexas, capacidade de
planificação.
Para enfrentar a era da globalização, é necessário que o profissional
também encontre na sua atuação algo que lhe dê prazer. O prazer no trabalho é
fundamental, não somente para a qualidade de vida, mas porque ele é o
termômetro de sucesso daquilo que é feito. Trabalhando com prazer o sucesso é
garantido. Nos dias de hoje, de concorrência exacerbada e crescente no
ambiente de trabalho é indispensável um aprendizado constante, mesmo para
quem não está empenhado em obter sucesso no trabalho. Adquirir
conhecimento, sempre, cada vez mais, é algo inevitável simplesmente para
manter a empregabilidade. (PRADO, 1998).
Por tudo isso, cabe ainda ressaltar a importância da noção de
competências gerenciais e, por extensão, repensar alguns aspectos relacionados
ao desenvolvimento destas competências.
Genericamente, a questão da competência se coloca num espaço (um
tanto indefinido tanto sob o ponto de vista teórico, quanto empírico) de interação
entre, de um lado, as pessoas e seus saberes e capacidades e de outro, as
demandas das organizações no campo dos processos de trabalho essenciais e
processos relacionais (relações com mercados, clientes, fornecedores, com os
próprios empregados e com informações).
Esta noção tem, recentemente, ganhado um tratamento mais adequado.
Nesta ótica, não seria apenas um estado de formação educacional ou
profissional, nem tampouco se reduziria ao saber, ou ao saber-fazer, mas seria
isso sim a capacidade de mobilizar e aplicar esses conhecimentos e
capacidades numa condição particular, aonde se colocam recursos e restrições
próprias à situação. Pois a noção acima, permite que se conceba algumas
condições nas quais o desenvolvimento de competências gerenciais pode
apresentar mais viabilidade. Inicialmente, a percepção de que o desenvolvimento
de certo tipo de competências gerenciais vai exigir mudanças mais profundas
nas pessoas e nos grupos e de que essa mudança vai transitar por um autêntico
processo de aprendizagem. Na prática, esse processo de aprendizagem vai
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exigir mais do que é oferecido nos programas convencionais de formação e
treinamento gerenciais, mesmo os de longa duração. Ou seja, entendemos que
programas de formação e treinamento não conseguem "naturalmente" gerar um
up-grade no nível de competência de seus egressos. O que esses programas
estariam desenvolvendo seriam os recursos para a competência (saberes,
capacidades, habilidades, etc) mas não a competência propriamente dita. Nestas
circunstâncias, seria necessário desenvolver uma sistemática apropriada para
levar adiante esse link entre o desenvolvimento dos recursos e a ação
(competências).
Por outro lado, ao empregar até aqui os conceitos de competência
gerencial e de aprendizagem, não podemos colocar de lado uma outra
problemática também fundamental. É praticamente impossível que um ou alguns
poucos quadros gerenciais possam incorporar ou desenvolver a diversidade de
atributos requeridos à gestão das organizações. Neste contexto, são iniciativas
voltadas para o compartilhamento coletivo destes atributos, dentre vários
quadros e níveis gerenciais, aquelas que vão conseguir configurar um repertório
de respostas e alternativas à situações que se apresentam à organização
contemporânea. Assim, embora a condição para uma organização aprender seja
através da aprendizagem de seus membros, isso não significa que o
aprendizado individual desencadeie necessariamente um aprendizado coletivo.
Em outras palavras, o desenvolvimento de competências individuais é uma
condição necessária mas não suficiente para o desenvolvimento de
"competências organizacionais". Nesse caso, iniciativas de desenvolvimento de
competências gerenciais passam a ter sentido quando colocadas numa
perspectiva de desenvolvimento de competências coletivas ou organizacionais.
Somente nessas condições que a competência ganha estabilidade
organizacional e passa a gerar valor agregado de forma ampliada.
Em síntese, a questão dos perfis e do desenvolvimento gerencial deve ser
associada à problematização da noção de competências e às condições de
desenvolvimento dessas últimas. Certamente as questões esboçadas neste
breve texto exigiriam um debate muito mais amplo e complexo. Entretanto,
conforme destacamos inicialmente, este trabalho tem sobretudo a pretensão de
sensibilizar e não de apresentar alternativas para as questões apresentadas. De
qualquer forma, procuramos estabelecer um nexo entre o recente debate acerca
dos atributos "demandados" aos gestores nesse início de século e a
necessidade de pensar esses mesmos atributos de uma forma mais ativa (ação
associada à competência) e coletiva. Neste contexto, essa exploração coletiva e
ativa dos atributos transitaria, segundo essa perspectiva, pela revisão e
reposicionamento de alguns conceitos básicos.
144
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
O primeiro deles, o de competência gerencial, cuja noção se descola do
conceito básico de atributo ou de recursos (saber, capacidades, habilidades) e
se concentra na aplicação destes últimos em contexto profissional e oportuno.
O segundo, se refere a uma visão específica do conceito de mudança,
mudança essa essencial para a apropriação ou desenvolvimento de
competências gerenciais, na qual o processo de aprendizagem assume um
papel central. Nesta lógica, estaríamos reafirmando que sem aprendizagem não
há mudança e, no mesmo sentido, que o aprendizado no campo gerencial tem
suas próprias peculiaridades e que deve estar mais orientado para as
competências (ação) do que para seus recursos. Essa condição nos fez
repensar e questionar a eficácia dos cursos convencionais de formação e
treinamento gerencial, nos quais, essa problemática não é colocada em primeiro
plano.
Desta forma, tentamos contribuir com uma tentativa de dimensionar de
maneira adequada os conceitos de competências individuais e competências
coletivas ou organizacionais, valorizando apropriadamente a primeira, mas
colocando nas últimas a condição para o desenvolvimento mais profundo da
eficácia das atividades de gestão na organização contemporânea.
Considerações Finais
A escolha da estrada a ser percorrida, se deu através de vários
questionamentos que surgiram em nossa mente e que não encontrávamos
resposta. Foi preciso construir passo a passo a nossa caminhada, buscando
compreender a realidade que o homem vivencia, e nós, enquanto profissionais
iremos vivenciar.
Nosso objetivo era compreender o que é necessário para que o homem
se desenvolva e cresça enquanto pessoa e profissional.
Nos estágios na área de Psicologia Organizacional, realizados no quarto e
quinto ano de faculdade, vivemos o fazer parte de uma organização. Pudemos
experienciar as relações entre funcionários e organização e fazer parte de seus
dramas e suas tramas.
Essa vivência nos despertou uma vontade de buscar algo novo.
Percebemos que assim como uma empresa, o profissional necessita de alguma
coisa que o diferencie dos demais. A flexibilidade foi essencial para que
conseguíssemos sair de nosso estado de inércia, e desenvolver uma visão
holística.
Esse estudo nos proporcionou o interesse em aprofundar no assunto,
assim como compartilhá-lo com outras pessoas que comungam das mesmas
indagações. Nesse momento optamos em construir uma pesquisa que tivesse
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
145
como centro o homem profissional, não descartando o desenvolvimento das
organizações, mas preferimos olhá-la por meio do homem, e não o homem
através da organização. Esse olhar surgiu da crença de que as organizações
existem a partir do homem.
Tivemos a oportunidade de compreender melhor, a relação entre a
empresa e o profissional, que desde o início nos mobilizou. Acreditamos que a
evolução que a economia vem sofrendo, e que atinge diretamente no
desenvolvimento das organizações e pessoas que dela fazem parte, tiveram
desde o início, sua origem no homem. O homem cria, sua criação reflete no
meio, e este lhe devolve com crescimento.
Assim ocorre as quebras de paradigmas. As relações seguem a lógica da
terceira lei de Newton de ação e reação. Esse pensamento foi construído ao
longo de nossa pesquisa. Observamos que o desenvolvimento organizacional
está vinculado ao crescimento do homem.
Se nos remetermos à revolução industrial, veremos que as mudanças
ocorreram através da criação do homem. Este criou as máquinas, as
aperfeiçoou, e sua criação atingiu toda a estrutura social, econômica e de
trabalho. Esse mecanismo foi se intensificando, e hoje o que temos são relações
de trabalho bem definidas, e um pensar organizacional onde o homem não é
mais um braço para movimentar uma máquina ou exercer uma atividade; o
homem é um cérebro que interfere diretamente no movimento do mundo e em
seus resultados.
Para estruturar nosso pensamento foram necessárias várias leituras. Mas
não era o suficiente, queríamos ver como as organizações e os profissionais
reagiam a tantas mudanças. Para esse fim, optamos por um estudo de caso, que
nos possibilitou comprovar que o profissional, está em constante processo de
aprendizagem e adaptação.
O estudo de caso foi o alicerce de nossa construção, contribuindo para a
concretização do objetivo proposto, ampliando nossa visão de mundo e de
homem.
Nessa etapa da caminhada, foram levantadas várias competências que o
profissional precisa desenvolver para permanecer competitivo no mercado de
trabalho. O que vimos é que para que não ocorra a exclusão, esse profissional
tem que estar atento e flexível às mudanças e em contínuo movimento inovador.
Para que esse movimento aconteça é importante que as pessoas criem
um ambiente organizacional propício para o desenvolvimento e crescimento
humano.
Ficou claro também, que o ser profissional com preparo específico para
ocupar novos cargos, é muito importante, mas é preciso ir além. Este ser
146
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
profissional está fadado ao fracasso se não manter-se atento e preparado para
novas exigências e, sobretudo, às expectativas de mercado e necessidades das
organizações.
A estabilidade, a acomodação, o conformismo sede lugar às inquietações
e ao desconforto, pois o mercado está, cada vez mais profissional e se
diversificando.
Nesse contexto a Psicologia Organizacional caminha junto com a
Administração contribuindo para o desenvolvimento e crescimento do potencial
humano, centrando o homem como ser participante na construção da cultura
organizacional, buscando humanizar o processo de produção.
Com isso as empresas passam a desenvolver uma visão holística de seu
funcionário, e este, ao se sentir membro integrante e comprometido, passa a
contribuir mais para a empresa e investir em novas competências.
Assim, nossa caminhada não termina aqui, vários questionamentos foram
sanados, mas deram origem a muitos outros: quais são as condições que os
profissionais necessitam para acompanharem e enfrentarem os desafios
promovidos por essas mudanças; quais são os requisitos futuros que terão que
prever para se manterem no contexto organizacional de maneira competente e
produtiva.
E assim, vários outros questionamentos surgem a cada momento,
mediante as leituras especializadas, e sobretudo, frente ao cenário
organizacional e competitivo que experienciamos no cotidiano.
O profissional internalizado em cada um de nós, muitas vezes adormecido
mas, com potencial a ser desenvolvido, necessita apenas que alguém acredite
nele. E esse alguém somos nós mesmos.
OLIVEIRA, A. P. B. I. de; CARVALHO, D. de O. The current organizations: the professional profile
expected. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p. 129-150, 2003.
•
ABSTRACT: With the mutation that happened in the organizations decurrents of the
tecnologys and the large number of informations, the company decided to search new talents
that is able to manage this changes. Lots of factors act today in this new landscape, just like
motivation improvement, investiment in the human capital and others. A historical since the
beginning of the industry revolution until nowadays, we notice the new time presents, constant
changes faster them formerly. The conduct of the present from organizations and with no
power of managment between lots of necessary attributes to act in the word of globalization.
The company is scarching for a new professional profile, that can attend the organization´s
necessitys and to make them fit with the new reality.
•
KEYWORDS: Organizations; work (job); profissional; globalization.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
147
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 129-150, 2003
VÍNCULOS ENLOUQUECEDORES NAS INSTITUIÇÕES
Sirlene Aparecida Pessalacia BARRETTO*
Íris Fenner BERTANI**
•
RESUMO: O presente artigo faz uma reflexão ao que é instituição, como ela se faz presente
na vida de todo ser humano como formadora de identidade e sentimentos de inclusão ou
exclusão dentro do seu universo de relações e vivências. Trata também da questão da
formação de vínculos dentro de instituições de trabalho quando se trabalha em uma
instituição e se identifica com sua ideologia e subjetividade, acaba-se agindo frente às
situações da mesma forma em que a concebeu e se identificou. As instituições são lugares
férteis no desenvolvimento de vínculos geradores de ansiedades e defesas muitas vezes
persecutórios deixando quem nela trabalha suscetíveis às situações e à vínculos
“enlouquecedores” podendo causar distúrbios físicos e mentais deixando as pessoas
vulneráveis perdendo a capacidade de discernimento e de produção.
•
PALAVRAS-CHAVE: Instituição; Trabalho; Vínculos; Saúde Mental.
Introdução
Falar sobre instituições nem sempre é um processo simples; visto que,
todo ser humano é originário de uma família e traz consigo marcado objetiva
e/ou subjetivamente em si tudo que vivenciou.
O ser humano é um ser a princípio essencialmente social, passando toda
a sua vida fazendo parte de alguma instituição, sejam elas; família, grupos de
amigos, grupos de trabalho, sociedade ou Estado que irão inseri-lo no social
como pessoa e cidadão proporcionando-lhe o desenvolvimento de sua
personalidade, dando-lhe identidade capacitando-o à sentimentos de coesão ou
não que lhe darão condições de exploração de todas as suas potencialidades.
As instituições são organismos vivos, com características, ideologias e
com dinamicidades próprias.
O presente texto constitui-se em uma discussão teórica sobre instituição
como um campo fértil na geração de vínculos, nos seus desenvolvimentos e
interação com o seu meio.
Todas as instituições trazem em si valores, objetivos, princípios que estão
inscritos em quem nelas trabalham, e que acabam sendo os representantes e
propagadores de seus pensamentos, ações e ideologias perante a sociedade
onde se vive.
Psicóloga do Ambulatório de Saúde Mental de Franca; Administradora de Empresas; Especialista
em Psicologia Clínica, Especialista em Psicanálise UNIFRAN/FRANCA; Mestranda em Serviço
Social UNESP/FRANCA; Membro do GESQURT.
** Profª Livre Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP/FRANCA.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
151
A instituição traz registrada em si uma dicotomia de ser ao mesmo tempo
farta, provedora, capaz de suprir muitas necessidades, mas também traz a
questão de quem nela trabalha se sentir desnutrido de projetos e sentimentos
que possam levá-lo a busca de realizações e de um maior crescimento pessoal e
profissional.
A instituição é formadora de toda uma cultura que lhe é própria, e que é
reproduzida e repassada à sociedade através de seus membros.
O trabalho institucional exige alguns requisitos básicos, onde o
profissional deve estar maduro o suficiente para poder suportar muitas
frustrações e principalmente possuir uma mente própria que seja capaz de
discernir pulsões tanáticas que travam as suas disposições construtivas.
A maioria dos vínculos estabelecidos em instituições públicas entre
profissionais e usuários dos serviços, entre profissionais e chefia, profissionais e
seus iguais ou profissionais com suas atividades são marcados pelo subjetivo,
pelo vazio de positividade onde a instituição pública tem suas fundações. Na
prática o que encontramos são vínculos constituídos sob relações defensivas
gerando desgastes físico e psíquico causando stress e possivelmente
adoecendo o profissional tanto mental como fisicamente.
O bom trabalho institucional depende principalmente da atitude do
profissional; da sua condição de discriminar e perceber as representações que
se formam à nível subjetivo e que são reproduzidos ingenuamente como formas
defensivas às ansiedades e angústias.
A saúde dos profissionais e dos seus vínculos dentro de uma instituição
depende da capacidade desse profissional em lidar com a realidade, tanto da
instituição quanto da sua, sem perder de vista seus objetivos e também os da
instituição, o que requer clareza, firmeza de propósito, flexibilidade e disposição
de aceitação e transformação.
O Vínculo da Instituição e o Vínculo com a Instituição
É sempre muito penoso refletir sobre os contextos institucionais enquanto
sujeitos imersos em algum tipo de instituição todo indivíduo de alguma forma se
encontra inserido numa. Bleger (1984), coloca que toda a vida do ser humano
transcorre em instituições.
Já ao nascermos nos deparamos dentro de uma instituição que é a
família, que por sua vez está inclusa numa instituição maior que é a sociedade e
o Estado.
São nas instituições que encontramos um suporte de apoio, segurança e
identidade para podermos desenvolvermos. É também nas instituições que nos
inserimos no social como indivíduos participativos, produtivos ou não. As
152
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
instituições e as relações que nelas são desenvolvidas irão originar sentimentos
de pertença ou exclusão caracterizando toda uma forma de conduta das
pessoas.
Por instituição podemos definir uma organização de pessoas e trabalho
com objetivos específicos pré-estabelecidos em busca de um determinado fim. È
um local onde diferentes agentes contribuem com seus recursos para a
produção de serviços, onde cada indivíduo explora, adapta e habita com o fim de
realizar também seus próprios objetivos.
A instituição sendo uma organização de pessoas, recursos e trabalho é
um organismo vivo, dinâmico com ritmo e características próprias; constituídas
também por ações que irão defini-la.
Sempre que falamos em organização seja como sinônimo de instituição
ou de organização de trabalho, estamos falando de espaço físico e subjetivo,
categorias de profissionais que se relacionam com este espaço, onde são
estabelecidas as mais diversas e diferentes relações que irão se estruturar no
campo imaginário e se colocarem em prática.
O trabalho que se é desenvolvido em uma instituição e todos os vínculos
que nela se formam e ocorrem sofrem a influência do que é a instituição como
ela está organizada; para quê e a quem serve; sua ideologia; a questão de ser
pública ou privada vindo caracterizar a dinâmica do trabalho e do trabalhador
estabelecendo assim seus perfis.
Toda instituição é portadora de uma cultura com todo um repertório do
qual os indivíduos que dela fazem parte retiram seus códigos de aprendizagem e
de interação com o trabalho, com as pessoas e com o ambiente onde vive; é um
sistema de representações de valores que são compartilhados pelos seus
integrantes, instaurando um conjunto de relações e fixando normas que são
assimiladas subliminarmente pelos seus membros.
A instituição possui sua própria cultura que é transmitida aos
trabalhadores, usuários e à população que passam a ter um comportamento
específico para com a mesma, da forma em que ela é concebida na
subjetividade de cada indivíduo.
Neste artigo objetivaremos a instituição pública; quem trabalha em uma
sente as conseqüências do que nela está instaurado política e ideologicamente
há toda uma cultura do que é público incutida na mente das pessoas.
No Brasil existe uma cultura do público instaurado nas vivências de cada
um como algo que não funciona; de má qualidade; sentimentos de descaso;
desânimo; impotência e abandono.
As pessoas trazem introjetadas em si sentimentos de desatenção, falta de
respeito e cuidados humano que são revertidos em ataques à instituição e a
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
153
quem dela faz parte com atitudes de raiva, ironias e palavras pejorativas.
Os profissionais que trabalham nessas instituições muitas vezes não
conseguindo fazer um exercício de discriminação, são também abatidos por
esses sentimentos identificatórios e que foram introjetados de forma
inconscientes passando a ser atuados no contexto do trabalho.
As instituições públicas no Brasil é marcada pela carência de atenção por
parte dos governantes que por elas são responsáveis; carência de condições
básicas para que se possa trabalhar e desenvolver projetos que venham suprir
as necessidades da população.
Esses profissionais que estão inseridos nestas instituições muitas vezes
são também imbuídos pela carência de instrumentos teóricos e metodológicos se
sentindo sem apoio técnico e impossibilitados de dar continuidade a sua
formação em virtude da extensa carga horária que se tem que cumprir, do alto
custo financeiro que é necessário investir.
O contexto da maioria das instituições públicas remetem o trabalhador a
sentimentos de desamparo e abandono, vindo reforçar a idéia de ineficiência e
de não saber o quê e como fazer seu trabalho há registrado no imaginário a
cultura do que é público juntamente com um sentimento de impotência que
paralisa o trabalhador numa situação de entropia que pode levar as vias de fato,
como ao abandono do trabalho ou a morte da instituição.
A instituição traz consigo uma dicotomia por um lado existe a idéia e a
experiência do vazio e do outro a opulência.
A opulência é acompanhada por idealizações onde a instituição é vista
como uma mãe farta, provedora de sentimentos de segurança, de se ter bons
salários e possuir status. Idealiza uma fonte inesgotável de satisfação.
A vivência do vazio faz com que o indivíduo sente que nada ganha,
passando a agir com animosidade e hostilidade em suas relações na instituição.
Há um sentimento de persecutoriedade onde o indivíduo ataca e se sente
atacado.
Esta forma de dinâmica mental demonstra um funcionamento primitivo já
demonstrado por Freud em Totem e Tabu (1913). O objeto totêmico é carregado
de ambivalências, sentido como algo sagrado, protetor mas também visto com
horror; sendo este objeto capaz de destruição.
Ser parte integrante de uma instituição é muitas vezes ficar suscetível à
sentimentos bastante primitivos; mobilizando raiva, frustrações; idealizações e
também se utilizando mal do poder que muitas vezes lhe é outorgado.
Quando o profissional é investido por esses sentimentos tem a dificuldade
de realizar um trabalho produtivo, de qualidade capaz de gerar sentimentos
positivos em si e em relação à instituição.
154
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
Realizar tarefas e criar novas condições de trabalho e de relações se
torna angustiante, ficando a instituição depositária de queixas, desmotivações
que impedem os profissionais de crescimento e cristaliza posturas infantis de
ressentimentos e acusações, constituindo um Inconsciente Institucional
compartilhado entre seus membros e que vai refletir em todas as situações
vivenciadas na instituição.
Dentro do contexto institucional é comum relações desagregadoras que
muitas vezes são pautadas no poder, são mecanismos que Foucault (1979),
chamou de “práticas disciplinares de controle” como a questão da produtividade,
da vigilância de horários, atuações punitivas em desobediência as regras.
São situações que favorecem para que o trabalhador se sinta
pressionado, tenso, fazendo com que ele muitas vezes se vincule com seus
iguais também através da relação de poder e saber, “... há uma perfeita articulação
do poder com o saber e do saber com o poder.” (FOUCAULT, 1970, p.141).
É bastante comum nas instituições centralizar poder numa determinada
classe de profissionais instituindo-os de saber e poder. Em instituições de
promoção à saúde percebe-se uma centralização de poder e saber na figura do
médico, que quase sempre é visto de forma idealizada; e o mesmo, ficando
identificado com o que lhe é atribuído, assume esse lugar. Muitas vezes esse
tipo de relação se estende dos profissionais aos usuários do serviço da
instituição, sendo eles os detentores do saber acabam estabelecendo uma
relação de subjugação, ficando os usuários sob o poder do saber formando
assim relações perversas.
O poder quando nas mãos de quem não tem capacidade de suportá-lo e
de entendê-lo, leva a um desvio do caráter podendo tornar desagregador a quem
o usa, ao ambiente e as pessoas próximas.
São vínculos e relações que se estabelecem dentro de uma instituição
que deixa quem nela trabalha “enlouquecidos”.
O profissional na instituição só trabalha bem quando é capaz de
discriminar representações que se formam a nível intra-subjetivo para não
reproduzir ingenuamente as situações. Esse trabalhador deverá ter capacidade
de lidar com a realidade tanto da instituição como o que nela é produzido sem
perder de vista os seus objetivos e os da instituição, buscando mais uma atitude
de procurar o sentido subjetivo dos fatos para poder discutí-los dentro de uma
realidade.
Não conseguindo fazer este exercício, o trabalhador passa a ter que lidar
com vínculos que enlouquecem, se utilizando de uma quantidade maior de
energia psíquica para poder enfrentar situações desgastantes como;
insatisfações, pressões sentidas com as práticas disciplinares e outras, e tendo
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
155
que agir ao mesmo tempo de forma equilibrada sobre acontecimentos que
necessitam de sua intervenção.
Os vínculos, num ambiente tenso e hostil são estabelecidos de forma
ansiosa e defensiva, onde as pessoas tendem a esconder partes do seu “eu”
formando máscaras que ficam difíceis de serem desfeitas. Esses vínculos são
fatores acumulativos de carga psíquica, e não havendo a possibilidade de se
reestruturar a organização do trabalho, a relação do trabalhador dentro desse
universo é prejudicada surgindo um sofrimento mental podendo gerar atitudes de
insegurança, de temor e hostilidade produzindo stress que poderá ser
manifestado no corpo através de perturbações que se transformam em doenças.
É muito comum em ambientes de trabalho assim descritos, as freqüentes
faltas ou afastamentos dos profissionais por licença saúde e mesmo acidentes
de trabalho.
Nestes ambientes o profissional fica propenso a desenvolver reações
emocionais negativas, como o medo e a angústia instalando-se disfunções
psicológicas e comportamentais ficando os indivíduos vulneráveis principalmente
aos distúrbios psíquicos.
Hoje no mundo do trabalho temos visto uma grande quantidade de
pessoas sofrendo de depressões, fobias, pânicos sem falar das desordens
mentais que se confundem ou não se discriminam de forma clara e perceptível
colaborando para a formação de vínculos “enlouquecedores”.
Considerações Finais
O desenvolvimento de todo ser humano se dá num contexto social através
dos vínculos que se formam. Nós humanos estamos ao longo de toda a vida
ligados à uma instituição e também à algum tipo de vinculação refletindo muito
do que somos e do que suportamos.
São nas relações que o homem se torna quem ele é, incorporando
valores, crenças tentando dar sentido e explicações as coisas e à sua vida. “Não
há homens em si, apenas homens-em-relação.” (DUARTE JUNIOR, 1987, p.33).
Todas as relações estabelecidas seja com pessoas ou coisas estão o
tempo todo permeadas por sentimentos que são expressos nas atitudes frente à
situações e pessoas de forma concreta ou subjetiva.
As pessoas e os ambientes são formadores e geradores do que somos e
sentimos vindo a refletir nas atitudes que temos para com o mundo.
As instituições são lugares propiciadores de vínculos e relações dos mais
variados tipos; são lugares muito férteis na criação do subjetivo, de posturas que
podem ser positivas ou doentias. Não são as instituições propriamente ditas as
criadoras das “neuroses”, elas somente trazem à tona o que está submerso ou
156
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
enfatiza o que já existe numa personalidade que já está fragilizada.
As instituições carregam em si significados e ideologias que as
caracterizam e quem nelas trabalham acabam sendo os representantes desses
significados perante a sociedade, e quando identificados agem da mesma forma
que introjetaram esses sentimentos, vindo a se manifestar nas relações, no
ambiente que se trabalha e mesmo nas tarefas ou funções que se realiza.
A vivência pessoal e profissional numa instituição quando experienciada
com discernimento e reflexão torna-se rica em conhecimentos acarretando uma
construção de saber de si e do trabalho muito positivos. Mas, quando vivida
indiscriminadamente se torna desestruturante psíquica e fisicamente; os vínculos
e as relações estabelecidas remetem o trabalhador à sentimentos desagregadores,
confusos, duplos levando o profissional a emitir atitudes defensivas que podem
comprometer principalmente a saúde mental e o desempenho do trabalho.
Fazer parte de uma instituição de forma efetivamente produtiva é abrir
espaço para a reflexão buscando decodificar e dar significados objetivos para a
realidade onde se está inserido como pessoa e como trabalhador.
BARRETTO, S. A. P.; BERTANI, Í. F. Madden tieds in institutions Serviço Social & Realidade
(Franca), v.12, n.1, p. 151-158, 2003.
•
ABSTRACT:The presents article makes a reflexion about what institution ia, how it is present
in every human being formation of identite and feeling of inclusion or exclusion in it universe of
relationship. Also deal with entails formation inside of the labour institution and identifyng with
it ideology and subjectivity, may come to beliave in front at the situations, like the way
conceved and identifyed. The institutions are fertile places ins development of entais
originator of anxiety and self defense, many times persecution leting who works ins it
vulnerable to situations and to insane entais able to cause fisical and mental disturbs leting
people vulnerable and loosing their capacity of discernment and production.
•
KEYWORD: Institutin; Labour; Entails; Mental Health.
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158
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 151-158, 2003
A POLÍTICA DE SEGURIDADE SOCIAL: CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 E A LOAS - LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Ana Maria TASSINARI*
Juliane Stamato Taube STAMATO*
Maria Inês Nascimento Fonseca de SOUSA*
Adriana GIAQUETO**
Lilia Christina de Oliveira MARTINS***
•
RESUMO: A partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS – 1993, novos conceitos e novos modelos de Assistência Social passaram a vigorar no
Brasil, sendo colocada como direito de cidadania, com vistas a garantir o atendimento às
necessidades básicas dos segmentos populacionais vulnerabilizados pela pobreza e pela
exclusão social. A LOAS confere à Assistência Social o papel de política pública com a
universalização dos direitos sociais e a introdução do conceito dos mínimos sociais. A Política
de Assistência Social é política de eqüidade, quando se propõe a atender a heterogeneidade
entre os cidadãos. Seu papel político é de estimular a ruptura da subalternidade. As grandes
linhas indicativas das possibilidades de recomposição do campo assistencial, em sua
articulação com o sistema de Seguridade Social, estão garantidas legalmente. Mas a
implementação dos direitos sociais previstos, a transformação nas relações de poder – entre
Estado e Sociedade – só serão efetivamente materializadas pelas ações colocadas em
prática cotidianamente com vistas à aplicação da legislação. Da mesma forma, a direção
destas transformações depende das relações de forças resultantes da composição dos
dirigentes institucionais, dos conselhos de gestão, enfim, da sociedade civil como um todo.
•
PALAVRAS-CHAVE: Seguridade Social; LOAS; Assistência Social; Desafios; Eqüidade.
Introdução
A Política de Seguridade Social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar
os direitos da população relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A
Assistência Social é parte integrante das ações que visam garantir direito de
cidadania e igualdade de condições de vida a todos os brasileiros.
A Constituição Federal de 1988 consagrou, portanto, a Assistência Social
como parte do tripé da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência).
A legislação que a regulamenta (Lei Orgânica de Assistência Social n.
8.742, 7/12/1993; Política Nacional de Assistência Social e Norma Operacional
Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP- Campus de Franca/SP.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP- Campus de Franca/SP.
*** Professora Livre Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP –
Campus de Franca/SP.
*
**
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
159
Básica, publicadas no Diário Oficial da União de 16/04/1999), imprimiu-lhe
princípios como seletividade e universalidade na garantia dos benefícios e
serviços, gratuidade e não contributividade no que tange à natureza dos direitos;
redistributividade, no que se refere aos mecanismos de financiamento; e
descentralização e participação, quanto à sua forma de organização políticoinstitucional.
LOAS: Novos Paradigmas da Assistência Social
A partir da Constituição Federal de 1988, novos conceitos e novos
modelos de Assistência Social passaram a vigorar no Brasil, sendo colocada
como direito de cidadania, com vistas a garantir o atendimento às necessidades
básicas dos segmentos populacionais vulnerabilizados pela pobreza e pela
exclusão social.
Até então, a legislação brasileira datada de 1947, referia-se de modo
difuso às responsabilidades governamentais quanto à Assistência Social,
reservando-a aos “menos favorecidos”, limitada a um claro referencial
paternalista, típica do populista governo de Getúlio Vargas.
Nesta época a Assistência Social era sinônimo de caridade, benevolência,
enfim, um conjunto de ações e atividades de favor prestadas por aqueles que
têm mais em benefício daqueles que têm menos.
Após muita luta dos movimentos sociais, pelos trabalhadores sociais
inclusive, a Assistência Social passa a ser entendida como dever do Estado e
direito do cidadão.
Esse é o novo paradigma, é o novo modelo da assistência social no
Brasil, onde não há mais lugar para troca de favores ou para atuação
paternalista. Ele pode ser traduzido em ações e atividades voltadas à promoção
humana e ao desenvolvimento social, como garantia de condições de
sobrevivência, em sua plenitude, a todos os brasileiros em situação de
vulnerabilidade e exclusão social.
A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS - dispõe sobre a organização
da Assistência Social. É o instrumento legal que regulamenta os pressupostos
constitucionais, ou seja, aquilo que está escrito na Constituição Federal em seus
artigos 203 e 204, que definem e garantem os direitos a Assistência Social.
A LOAS institui serviços, benefícios, programas e projetos destinados ao
enfrentamento da exclusão social dos segmentos mais vulnerabilizados.
Os pressupostos constitucionais de Assistência Social também se
concretizam por intermédio da Política Nacional de Assistência Social.
A política de Assistência Social tem sua centralidade na família e a
população em situação de risco social deve ser transformada em sujeito de seu
160
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
processo de promoção, investido de direitos e também de responsabilidades.
Dentro desse novo referencial, é preciso fazer um mapeamento, ou seja,
saber onde se localizam as populações sujeitas à vulnerabilidade e à exclusão
social, e também o planejamento e a execução de atividades capazes de superar
as situações identificadas.
Esse trabalho tem por base, especialmente, a articulação entre Estado e
Sociedade Civil, onde se incluem as entidades sociais, filantrópicas e
beneficentes, as organizações governamentais e não-governamentais,
associações de moradores, enfim, todas as organizações de caráter público e
sem fins lucrativos, para o desenvolvimento das atividades de promoção humana
e desenvolvimento social que garantam o acesso à condição de cidadania.
O dever do Estado brasileiro, isto é, do poder público, seja ele federal,
estadual ou municipal, é a formulação de políticas e realização de ações e
atividades que protejam e promovam aquela parcela da população que se
encontra em situação de vulnerabilidade, permitindo a esta parcela, alcançar
uma situação de plena cidadania.
A Política de Assistência Social é também política de eqüidade, quando se
propõe a atender a heterogeneidade entre os cidadãos. Seu papel político é de
estimular a ruptura da subalternidade, supondo uma pedagogia não tutelar, de
independência paulatina dos cidadãos dos aparatos e programas institucionais.
Ao definir diretrizes, princípios, estratégias e formas de gestão, a Política
de Assistência Social constitui um instrumento de gestão que transforma em
ações diretas os pressupostos legais, estabelece as competências e os fluxos
entre as três esferas de governo.
Elaborada em parceria com organizações governamentais e não
governamentais, e proposta pelo gestor federal, a Política Nacional de
Assistência Social, foi aprovada em dezembro de 1998, pelo Conselho Nacional
de Assistência Social.
Tal Conselho é organizado de forma paritária, isto é, por igual número de
representantes da sociedade civil e das esferas governamentais.
Os objetivos da Política Nacional de Assistência Social são:
• Promover a inclusão dos destinatários da Assistência Social, garantindolhes o acesso aos bens e serviços sociais básicos, com qualidade;
• Assegurar que as ações, no âmbito da Assistência Social, sejam
implementadas, tendo a família como seu principal referencial para o
desenvolvimento integral dos destinatários;
• Contribuir para a melhoria das condições de vida das populações
excluídas do pleno exercício de sua cidadania e;
• Estabelecer diretrizes gerais que sirvam como orientação para
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
161
planos, benefícios, serviços, programas e projetos de assistência
social adequadas aos valores democráticos implícitos nesta política;
A Política Nacional de Assistência Social é regida por princípios
democráticos extensivos às populações urbanas e rurais, quais sejam:
• Universalização dos direitos sociais a fim de tornar o destinatário da
ação assistencial, alcançável pelas demais políticas públicas;
• Respeito à dignidade do cidadão;
• Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação
de qualquer natureza e;
• Promoção da eqüidade no sentido da redução das desigualdades
sociais e enfrentamento das disparidades regionais e locais no
acesso aos recursos financeiros.
Além de princípios e objetivos, a Política de Assistência Social tem as
seguintes diretrizes:
• Definir claramente as competências federal, estadual e municipal na
condução da política de Assistência Social;
• Garantir de forma paritária a participação popular.
Para a implantação da Assistência Social, faz-se necessário o
reordenamento institucional, com a descentralização dos serviços (atividades
continuadas que visem à melhoria de vida da população), dos programas e
projetos de enfrentamento da pobreza. Por isso, a criação dos Conselhos em
todas as instâncias de forma a possibilitar a participação efetiva da sociedade
civil nas decisões da política.
Além dos conselhos, existem os fundos (Fundo de Assistência Social),
para que o recurso financeiro da Assistência Social tenha sua aplicação feita por
critérios justos, transparentes e submetidos à fiscalização da sociedade.
Portanto, os Conselhos, são instâncias deliberativas do sistema descentralizado
e participativo da Assistência Social, constituídos em cada esfera de governo,
com caráter permanente e composição paritária.
No âmbito do Estado, o Conselho possui importante atuação na
formulação de estratégias e na aprovação e fiscalização e avaliação dos
resultados da Política de Assistência Social, inclusive nos aspectos econômicos
e financeiros.
No âmbito do município, conforme o art. 9º da LOAS, o Conselho
Municipal de Assistência Social assume, dentre outras responsabilidades, a
inscrição de entidades e organizações de Assistência Social, cabendo-lhe, ainda,
a supervisão das mesmas.
O financiamento da Assistência Social será feito com recursos da União,
Estados e Municípios. Para que os repasses sejam possíveis, é imprescindível a
162
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
existência dos Conselhos, Fundos e Planos de Assistência Social, em todos os
níveis.
Os principais benefícios previstos na LOAS são:
• Benefícios de prestação continuada garantia de um salário mínimo ao
idoso maior de 70 anos e ao portador de deficiência que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por suas famílias;
• Benefícios de caráter eventual: auxílio natalidade, auxílio funeral.
A LOAS é inovadora na medida em que confere à Assistência Social o
papel de política pública com a universalização dos direitos sociais e a
introdução do conceito dos mínimos sociais.
A construção de uma política de Assistência Social implica em um modelo
democrático participativo que estabelece a co-responsabilidade entre Estado e
Sociedade na formulação, execução e controle das políticas.
LOAS: Resistências e Desafios a sua Implementação
Historicamente, a Assistência Social sempre encontrou resistência de
diferentes setores que agiram no sentido oposto de seu reconhecimento como
direito social. Resistências corporativas de trabalhadores da área e de dirigentes
governamentais que agiram para evitar o processo de descentralização;
resistência de técnicos da área econômica e da previdência social que temiam
que a inclusão da Assistência Social no âmbito da seguridade absorvesse
enormes recursos da previdência social; resistências políticas de diversos grupos
habituados a se servirem da assistência como um mecanismo clientelista;
resistência das associações filantrópicas que temiam a ingerência
governamental na sua “autonomia” na execução de ações assistenciais
financiadas com recursos públicos; e, sobretudo, resistência dos representantes
máximos do governo, que utilizaram diferentes estratégias para retardar a
regulamentação da assistência.
Estas resistências, já identificadas em momentos anteriores à aprovação
da LOAS, parecem ter continuado a agir após a sua aprovação, no sentido de
retardar a efetiva concretização da Assistência como direito social. Esta hipótese
é alimentada por alguns indicadores como:
• A implantação do Conselho Nacional de Assistência Social não se
deu por iniciativa governamental, mas por pressão da sociedade civil
e do poder judiciário;
• O governo não cumpriu os prazos legais estabelecidos na
legislação para o reordenamento institucional previsto (artigo 32) e
durante todo o ano de 1994 a Assistência Social foi desenvolvida
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
163
pelo Governo Federal em completo desrespeito à legislação;
O Fundo Nacional de Assistência Social só foi regulamentado em
agosto de 1995;
• Os benefícios de prestação continuada só foram efetivamente
iniciados em janeiro de 1996;
• Os benefícios eventuais ainda hoje não foram regulamentados;
• O governo atual vem tomando uma série de iniciativas que altera a
legislação, antes mesmo que ela seja completamente aplicada
(ampliação do prazo para a realização das conferências e mudança
nos critérios de convocação, critérios de revisão do BPC (Benefício
de Prestação Continuada) absolutamente restritivos, tentativa de
mudar a natureza deliberativa dos conselhos, entre outros).
Definida como política que deve prover os mínimos sociais a fim de
garantir o atendimento às necessidades básicas (art. 1º da LOAS), mas regida
pelo princípio da universalização dos direitos sociais (art. 4º da LOAS), a
Assistência Social defronta-se permanentemente com o binômio seletividade
versus universalidade.
Muitas interpretações limitadas e equivocadas destas orientações levam a
entender e restringir os direitos assistenciais ao mínimo vital à sobrevivência
humana, focalizando-os em segmentos e parcelas da população tidos como
absolutamente vulneráveis (em geral aqueles segmentos inaptos ao trabalho:
crianças, idosos, portadores de deficiência). Nesse caso, a assistência assume
caráter absolutamente seletivo e a focalização acaba estimulando o jogo da
discriminação, estigmatizando e excluindo usuários potenciais a quem o direito
deveria estar sendo assegurado. Esta interpretação da seletividade é orientada
por uma perspectiva que limita a assistência às ações pontuais, assistemáticas,
descontínuas e inócuas do ponto de vista da redução das desigualdades sociais.
Como um exemplo desta interpretação de Assistência, temos o programa
Comunidade Solidária, enquanto estratégia neoliberal do governo Fernando
Henrique Cardoso.
No discurso oficial o Programa Comunidade Solidária caracterizou-se
como uma estratégia de articulação entre governo e sociedade, sendo o
combate à pobreza seu principal objetivo explícito. Apresentava como
proposta a mobilização de recursos institucionais, humanos e organizacionais
existentes para atender os pobres brasileiros, sob a orientação dos princípios
da parceria, da solidariedade e da descentralização. A idéia era evitar a
pulverização de recursos e articular o envolvimento dos três níveis de
governo e da sociedade.
Propunha integrar e descentralizar as ações do governo abrindo-se à
•
164
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
participação e parceria da sociedade. Adotava a filosofia da SOLIDARIEDADE
considerada a nova concepção de cidadania.
Visto como continuidade do Plano de Combate à Fome, à miséria e pela
vida, pretendia atuar em duas frentes:
• Sensibilizando o governo para priorização de iniciativas assistenciais;
• Mobilizando e envolvendo a sociedade em torno da fome e da
pobreza através de campanhas, manifestações públicas, etc.
Na realidade, entretanto, a Comunidade Solidária restringiu-se a práticas
emergenciais, assistencialistas, com uma assistência arcaica, eventual,
clientelista, sobretudo por estar desarticulado de ações mais amplas, que fossem
capazes de corrigir as distorções estruturais presentes na nossa sociedade.
Nesse sentido é um Programa que expressou a fragmentação da política de
Assistência Social, contrapondo-se aos preceitos de ampliação dos direitos
sociais e ao princípio de universalização, que constam na Constituição de 1998 e
na LOAS.
O princípio da universalização garantido legalmente indica que a
Assistência Social deve ser entendida tendo como horizonte a redução das
desigualdades sociais. Isto não significa que os direitos assistenciais devam ser
garantidos a todos os cidadãos, pobres e ricos indiscriminadamente, mas eles
devem agir no sentido de buscar a inclusão de cidadãos, viabilizando-se
mediante a vinculação orgânica com as políticas econômicas e sociais.
A universalidade assume, assim, dois sentidos: o primeiro, de garantir o
acesso aos direitos assistenciais a todo o universo demarcado pela LOAS, ou
seja, a todos aqueles que estão dentro das categorias, critérios e condições
estabelecidos por ela; e o segundo, é o de articular a Assistência às demais
políticas sociais e econômicas, tendo como perspectiva a construção de um
sistema de proteção social contínuo, sistemático, planejado, com recursos
garantidos no orçamento público das três esferas governamentais, com ações
complementares entre si, evitando assim o paralelismo, a fragmentação e a
dispersão de recursos.
Enquanto política setorial, ela não tem (e nem deve ter) a função de dar
respostas cabais à pobreza. Seu horizonte deve ser o da sua inserção efetiva
num projeto de desenvolvimento econômico e social, tanto local quanto nacional.
Na relação entre as três esferas governamentais, o Governo Federal
assume o papel de articulador da unidade nacional (LOAS, art. 12). Os Estados
assumem uma atribuição complementar à dos municípios: participar no
financiamento dos auxílios natalidade e funeral, apoiar técnica e financeiramente
os serviços, programas e projetos de enfrentamento da pobreza e atender às
ações assistenciais de caráter emergencial (art. 13). Aos municípios e ao Distrito
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
165
Federal coube a carga mais pesada: garantir o custeio e implementação dos
benefícios eventuais (auxílio-natalidade e morte), implementar os projetos de
enfrentamento à pobreza, atender às ações assistenciais de caráter emergencial
e prestar os serviços assistenciais previstos na lei (arts. 14 e 15).
Esta distribuição de competências apresenta aspectos positivos, mas
também alguns riscos. O principal risco é a tendência de reduzir a
descentralização a uma simples transferência de atribuições e responsabilidades
aos Estados e, sobretudo, aos municípios, sem a correspondente transferência
de recursos financeiros, humanos e materiais e, principalmente, sem dividir o
poder político de tomada de decisão.
Para materialização destas orientações, ainda se colocam desafios como:
• A garantia do comando único em cada esfera governamental, ou seja,
a existência de apenas uma secretaria (ou equivalente) responsável
pela política de assistência social, o que não vem sendo cumprido no
âmbito federal, já que a Secretaria de Estado de Assistência Social
do Ministério da Previdência Social concorre com o Programa
Comunidade Solidária;
• A garantia de condições financeiras e materiais para a consolidação
da municipalidade como espaço privilegiado de poder local com
autonomia;
• A definição mais clara do papel e competências dos governos
estaduais.
Considerações Finais
A Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova posição da
Assistência Social como Política Social Pública; novos conceitos e novos
modelos passaram a vigorar no Brasil e hoje a Assistência Social é entendida
como dever do Estado e direito do cidadão.
O dever do Estado é formular políticas e realizar ações que protejam a
parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade,
permitindo a esta parcela alcançar uma situação de plena cidadania.
Neste sentido, a política de Assistência Social é também política de
eqüidade.
Por outro lado, as novas definições trazidas pela Constituição e pela
LOAS, ainda que importantes e de grande relevância para operar avanços
significativos na área da administração pública, como a descentralização e
democratização das políticas sociais, têm levado, em alguns casos, ao puro
formalismo, devido à forte tradição centralizadora do governo federal, à
tendência à padronização, que não considera as diferentes realidades
166
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
apresentadas pelos estados e municípios, ou seja, tratam os desiguais como
iguais, e à não efetivação de transferências de recursos da união e dos estados
para os municípios, compatíveis com as demandas apresentadas pelo nível
local.
Os elementos apontados, entre outros, indicam que a política de
assistência é um campo político em constante conflito, e que sua consolidação
como direito social depende, não exclusivamente, mas em larga medida, da ação
dos sujeitos envolvidos na sua formulação e implementação. Os mecanismos
legais necessários à construção de um sistema descentralizado e participativo já
existem.
É preciso, agora, investir na sua efetivação. É preciso que haja vontade
política dos governantes e a ação organizada da sociedade para materializar a
transformação da assistência em política pública de direito social.
TASSINARI, A. M.; STAMATO, J. S. T.; SOUSA, M. I. N. F. de; GIAQUETO, A.; MARTINS, L. C.
de O. The social security politics: the 1988 Federal Constitution and the LOAS – Organic Law of
Social Assistance. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p. 159-168, 2003.
•
ABSTRACT: Since the 1988 Federal Constitution and the 1993 Organic Law of Social
Assistance – LOAS – new concepts and models of Social Assistance had started to invigorate
in Brazil, established as citizenship rights, in order to guarantee the basic necessities of the
population that suffers the consequences of poverty and social exclusion. LOAS grants Social
Assistance the role of public politics with the universal social rights and the introduction of the
concept of minimal social. Social Assistance Politics is an equity politics, when it proposes to
minister the equality among citizens. Its political role is to stimulate the rupture of the
subordinates. The great directions are to reorganize the assistance field, which is legally
guaranteed, in organization with the system of Social Security. But, the implementation of the
foreseen social rights, and the transformation on the power relations, between the State and
Society, will only be factually materialized by daily actions in order to put the application of the
legislation into practice. Likewise, the direction of these transformations depends on the
relations of resultant forces of the institutional controllers, the council of management, lastly,
the civil society as a whole.
•
KEYWORDS: Social Security; LOAS; Social Assistance; Challenges; Social justice.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 159-168, 2003
A TEORIA SOCIAL DE MARX E O SERVIÇO SOCIAL
João Antonio RODRIGUES*
•
RESUMO: As categorias do materialismo dialético e a leitura da realidade da sociedade
brasileira e suas relações de classe como embasamento teórico para o Serviço Social.
•
PALAVRAS-CHAVE: Materialismo Dialético; totalidade; universalidade; singularidade;
particularidade.
Introdução
Este texto foi construído objetivando sintetizar informações sobre o
materialismo dialético e a metodologia no serviço social, para uso em sala de
aula, na disciplina de Fundamentos Teórico-metodológicos. Procurou-se reunir o
estudo de algumas categorias marxianas para a compreensão da dinâmica das
relações sociais de produção na sociedade brasileira e suas repercussões na
forma de sobreviver da classe que dispõe apenas da força de trabalho para
viver, quando consegue vendê-la.
Exercitou-se a reflexão sobre o binômio conhecimento-ação, como forma
de construir a práxis do serviço social, estabelecendo aproximações de
potenciais ações profissionais nas abordagens com indivíduos, grupos e
populações. Apresentam-se exemplos e sugestões objetivando clarificar os
aspectos constitutivos, para fins didáticos, não estabelecendo modelos ou
receitas, pois se entende que a ação profissional deve ser pautada com base na
apreensão do real partindo-se de múltiplas e sucessivas apreensões, garantindo
sua apreensão na totalidade e na historicidade.
1 Algumas Considerações sobre o Materialismo Dialético
A teoria marxiana torna possível realizar a análise da realidade
incorporando o raciocínio dialético-materialista. A opção pelo materialismo
dialético não permite a construção de modelos, de “receitas”, pois a práticateoria-prática encaminha as mediações em cada realidade, em cada relação
particular do sujeito, seja ele, o indivíduo, o grupo ou a população em uma
perspectiva de totalidade. Tal opção não fornece ainda, generalizações a partir
de experimentos que, por uso reiterado, passam a estabelecer teorias e/ou leis
generalizantes.
Entende-se, que tal procedimento, dificulta sobremaneira a apropriação de
Assistente Social e mestre em Serviço Social, Doutorando em Serviço Social pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da FHDSS – UNESP – FRANCA/SP.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
169
um método, determinando que o instrumental técnico-operacional esteja envolto
em um processo, necessariamente coletivo, que irá contemplar, contextualizado
historicamente, o processo coletivo de reflexão da prática profissional, das ações
de investigação e de intervenção na realidade. Para Marx, não existe a questão
da teoria e do método, pois ambos encontram-se imbricados e articulados.
Na apropriação do método materialista dialético, José Paulo Netto em seu
livro Ditadura e Serviço Social – uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64,
entende existirem três momentos no surgimento do projeto de ruptura do Serviço
Social com o seu projeto tradicional, aproximando-se da tradição marxista pela
militância político-partidária, pelos movimentos de esquerda influenciados pela
Igreja Católica e por seus setores progressistas, vinculados à Teologia da
Libertação. Existia forte influência althusseriana (LOUIS ALTHUSSER – Filósofo
francês), além do marxismo soviético, que fazia uma leitura estreita, baseada no
movimento estrutural da sociedade, impedindo perceber-se as contradições
permeando as relações sociais, o que resultou numa visão míope, do trabalho
social com indivíduos e grupos no âmbito institucional, como reprodutor da
ordem capitalista estabelecida e ainda como promotor da manutenção do “status
quo”.
Chamou-se esse período, segundo vários autores, da negação do
trabalho institucional, quando se procurou negar o espaço institucional como
legítimo para a ação profissional, percebido como controlado pela classe
dominante e buscaram-se os espaços populares, enfatizando-se a
conscientização da população, a preparação para a militância política e políticopartidária, como forma de construção da luta contra a classe dominante e o
modo de produção capitalista.
O momento seguinte supera o anterior com o marxismo acadêmico
predominando e promovendo-se o retorno aos clássicos, ou seja, fundamentarse nas fontes originais, percebendo e valorizando a historicidade.
No último momento, com a recuperação da tradição materialista dialética,
elege-se como referencial de análise profissional da realidade, o referencial
teórico materialista concebe a análise de totalidade o que permite compreender o
funcionamento da sociedade capitalista.
Discute-se uma prática profissional determinada pela intencionalidade
(teoria), definindo a necessidade do estabelecimento, para alguns, do
compromisso com uma determinada classe, no caso, a classe trabalhadora, para
outros a questão do “compromisso seria muito católica, sendo uma questão de
aliança de classe, exprimindo o real” (KAMEYAMA, 1989). Compromisso ou
aliança, com o projeto político da classe trabalhadora, seria traduzido como o
reconhecimento dos sujeitos da ação profissional e da intensa luta pelo
170
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
reconhecimento e conquista da cidadania. O próprio Código de Ética Profissional
(1993), define a questão do compromisso e a classe, decorrendo daí a
construção do projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro.
Segundo (MARILDA VILELA IAMAMOTO, 1991):
as alternativas profissionais são gestadas exclusivamente no
campo intraprofissional, pois elas são intimamente articuladas
e dependentes do processo histórico de nossas sociedades
nacionais e que, portanto, não são dadas apenas por uma
posição VOLUNTARISTA (grifo nosso), mas por sua
dependência das possibilidades históricas.
A ação profissional é construída como processo, percebida como
movimento, construída, desconstruída e reconstruída cotidianamente, a partir do
lugar onde é desenvolvida, contemplando as análises conjunturais, institucionais,
sociais e profissionais, na perspectiva da totalidade da vida social. Por outro
lado, na dimensão intraprofissional, o Serviço Social na perspectiva crítica, às
vezes, não consegue construir as mediações e instrumentalizar-se
adequadamente para trabalhar a realidade cotidiana considerando a totalidade
social.
A complexidade das relações sociais, atualmente, com o aprofundamento
da questão social, apresenta aos assistentes sociais e à sociedade como um
todo, um gigantesco desafio no sentido de construção de um projeto
transformador das relações sociais e da sociedade, quando se vivencia todas as
pressões da ofensiva neoliberal e de um projeto definido à partir das “livres
forças do mercado”.
Segundo (BATTINI, 1995):
Reconstruir conceitos não é somente pensar e descobrir nexos,
é sobretudo traduzir a reconstituição do real. É revelar a visão
crítica do real, imiscuir-se na realidade, produzindo o novo e
não reproduzindo o existente. A condição para tal reconstrução
é a necessária unidade sujeito-objeto que implica uma unidade
teoria-prática.
Para compreender uma situação e intervir com competência, os
profissionais necessitam:
• Competência Teórica: ter claro o referencial teórico que ilumina a
leitura que faz da realidade para a reconstrução de conceitos, tais
referências o agente profissional escolhe segundo sua visão de
mundo (intencionalidade) e se posiciona no jogo de forças da
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
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sociedade juntamente com os interesses da classe que mais se
identifica com a sua intencionalidade, passando a agir coletivamente;
• Competência Técnica: desempenho com habilidade no uso do
instrumental técnico-operativo, estabelecimento de estratégias para o
enfrentamento da questão social, objeto da ação profissional em uma
perspectiva de aliança /compromisso com a população usuária,
claramente definida pela intencionalidade do profissional;
• Competência Política: perceber a repercussão da ação profissional
na defesa de um projeto de sociedade (de acordo com sua visão de
homem e mundo) agindo na arena onde estão sendo confrontadas as
forças presentes no cenário social e como participação necessária
dos intelectuais na prática social.
O assistente social em sua prática cotidiana defronta-se com imposições
institucionais, fenômenos conjunturais, fenômenos estruturais e ainda limitações
profissionais, que podem ser “obedecidas” ou “enfrentadas“ com competência e
habilidade, na perspectiva da mudança e/ou superação dos limites e a utilização
das oportunidades existentes, construídas e negociadas no atendimento dos
objetivos profissionais, além daquela apresentada pela população usuária da
instituição e dos próprios objetivos institucionais:
• Imposições Institucionais: normas institucionais rígidas,
regulamentos, normas estabelecidas nos Estatutos Sociais, normas
ligadas a valores (políticos, religiosos, culturais, étnicos, tribais, etc.),
diferenças de definição de um projeto de sociedade, cultura política,
etc., na perspectiva de encontrar possibilidades e construir projetos
de superação dos limites institucionais; da necessária consecução
dos objetivos profissionais;
• Fenômenos Conjunturais: momentos históricos, favoráveis ou
desfavoráveis, para caminhar na direção do projeto de sociedade,
voltado para a ação profissional no interesse da população usuária,
capturando e decifrando a conjuntura econômica, política, administrativa,
da gestão da instituição, seja pública ou privada; como conhecimento
fundamental para a superação das determinações conjunturais;
• Fenômenos Estruturais: imposições do próprio sistema capitalista,
imposições da legislação e do Estado, a leitura do peso estrutural na
determinação das relações sociais da sociedade capitalista, e ainda,
a compreensão das múltiplas determinações e da construção de um
projeto que possa provocar ao longo da história a mudança estrutural
necessária e identificada com o projeto de sociedade desejada pela
classe trabalhadora;
172
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
•
Limitações Profissionais: desdobradas em dois aspectos:
A necessidade de clareza e identidade da concepção de homem e de
mundo do profissional, possibilitando uma coerência de projeto de
sociedade articulada com a prática profissional e o exercício do
compromisso e/ou da aliança com as classes trabalhadoras,
compatíveis com o projeto ético-político profissional e societário;
A necessidade da formação profissional continuada, com a devida
atualização e participação nos foros privilegiados da profissão, nas
discussões e vivências dos interesses coletivos, tais como os direitos
fundamentais do homem, os ideais de liberdade - a democracia, a
defesa e a ação concreta no sentido do despertar para a cidadania,
além da participação plena nos movimentos sociais, associações e
conselhos municipais, estaduais e nacionais, além de outras
instâncias e formas de participação ativa na formulação/
gestão/fiscalização das políticas sociais públicas.
Para utilizar essa perspectiva de prática profissional, se deve levar em
consideração o projeto de sociedade, compreendendo a necessidade da
recuperação da visão de totalidade da vida social, assumindo sua condição de
ser político, ser social, pensando a transformação social, fundamentada na teoria
marxiana que é portadora do método materialista dialético.
A apreensão do método dialético, com a percepção das categorias
fundamentais da totalidade da vida social, comportando a universalidade, a
singularidade e a particularidade, além das categorias de produção, mediação e
de classe social para que se possibilite a compreensão do real, onde sujeito e
objeto são articulados entre si, resultando em um processo constituinte de
conhecimento do real, possibilitando apreendê-lo na totalidade e no movimento.
1.1 A Produção
Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, (CORRIGAN & LEONARD, 1986 p.
63) afirmam:
Os homens devem estar em posição de viver para fazer a
história, mas a vida implica, antes de mais nada, comer e
beber, uma moradia, roupas e muitas outras coisas. O primeiro
ato histórico é, assim, a produção dos meios para satisfazer
essas necessidades, a produção da própria vida material. No
processo de produção, os seres humanos não só entram em
relação com a natureza; produzem apenas trabalhando juntos de
forma específica e trocando reciprocamente suas atividades. A
bem de produzir, entram em conexões e relações definidas uns
com os outros, sendo no contexto dessas conexões e relações
sociais a sua conexão com a natureza, isto é, a produção.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
173
Para entender-se o modo de produção, necessita-se compreender que
apenas a relação dos homens com a natureza, não é suficiente, torna-se
necessário também abarcar o reconhecimento de uma relação específica de
cooperação entre os homens e a natureza, unidos aos outros homens,
acontecem algumas formas de relações sociais de produção.
O modo de produção capitalista fundamenta-se em elementos essenciais
à produção da riqueza: capital e trabalho - pois produzem os bens (mercadorias)
que serão trocados no mercado. Tais elementos não existem naturalmente, são
criados para serem úteis à sociedade capitalista.
O trabalho é uma criação, não sendo algo natural, que surge
espontaneamente. Segundo Engels, em Socialismo: “Utópico ou Científico”:
Antes da produção capitalista, na Idade Média, o sistema da
pequena industria imperava, de modo geral, baseado na
propriedade privada dos trabalhadores sobre seus meios de
produção, no campo, a agricultura do pequeno camponês,
cidadão ou servo; nas cidades, as artes organizavam suas
corporações. Os instrumentos de trabalho eram os
instrumentos de trabalho de indivíduos isolados, adaptados ao
uso por um trabalhador. Mas por essa mesma razão
pertenciam, em geral, ao próprio produtor. (CORRIGAN &
LEONARD, 1986, p. 64).
Com o surgimento do modo de produção capitalista, o trabalho deixou de
ser estático, executado por pequenas unidades familiares, passando a ser
executado nas fábricas, impossibilitando ao trabalhador, individualmente,
continuar sendo possuidor dos meios de produção. Tornava-se real, por não
mais possuir tais meios, sua impotência perante as demandas do capital.
As principais relações sociais de produção são criadas conforme o modo
de produção predominante em determinada sociedade, sendo o conjunto de
relações sociais principal o trabalho, realizado por um conjunto de pessoas, que
sejam ao mesmo tempo, mãos para manufaturar a serviço do capital. Marx &
Engels no Manifesto Comunista (CORRIGAN & LEONARD, 1986, p. 66).
Na proporção em que a burguesia, isto é, o capital, se
desenvolve, na mesma proporção o proletariado, a moderna
classe operária criou uma classe de trabalhadores, que vive
apenas enquanto encontra trabalho e que trabalha apenas
enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esses trabalhadores,
que têm de se vender em partes, são um bem, como qualquer
outro artigo comercial, e conseqüentemente estão expostos a
todas as vicissitudes da competição, a todas as flutuações do
mercado. O proletariado passa por vários estágios de
174
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
desenvolvimento. Com seu nascimento começa sua luta contra
a burguesia. A princípio, a luta é travada por operários,
individualmente, depois pelos operários de uma fábrica, depois
pelos que desempenham uma determinada atividade, numa
localidade, contra o burguês que, individualmente os explora.
Os trabalhadores inicialmente competem uns contra os outros, e cada vez
mais são reunidos nas fábricas, cada vez mais são tratados como força
substituível por outra, individualmente, o que concretamente os tornam mais
iguais, sedimentando os elementos que poderão formar uma consciência de sua
posição como classe.
Os assistentes sociais devem incluir no processo de conhecimento do real
o lugar que os usuários ocupam no modo que a sociedade possui para produzir a
riqueza, ou seja, a relação com o trabalho. É necessário compreender
profundamente as instituições e as relações sociais no contexto da sociedade,
bem como as determinações geradas pelo modo de produção.
Cada sociedade reproduz seu modo de produção e as relações sociais de
produção, pois cada modo de produção produz relações sociais diferentes. Na
sociedade capitalista, a reprodução dos seus componentes básicos: capital e
trabalho, é necessária, pois o capital sendo reproduzido é uma forma de
continuidade daquela sociedade e o trabalho deverá ser reproduzido para
assegurar a criação de um valor excedente.
(IAMAMOTO, 1988 p. 75) afirma:
Reproduz também, pela mesma atividade, interesses
contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a
demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um
ou outro pólo pela mediação de seu oposto. Participa tanto dos
mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo
tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades
de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do
antagonismo nesses interesses sociais, reforçando as
contradições que constituem o móvel básico da história, sendo
a partir dessa compreensão que se pode estabelecer uma
estratégia profissional e política, para fortalecer as metas do
capital ou do trabalho, mas não se pode excluí-las do contexto
da prática profissional, visto que as classes só existem interrelacionadas. Sendo isto, inclusive, que viabiliza a possibilidade
de o profissional colocar-se no horizonte dos interesses das
classes trabalhadoras.
A atuação do Assistente Social é polarizada pelos interesses das classes
tendencialmente cooptadas por aqueles que tenham uma inserção dominante.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
175
1.2 A Totalidade
Georg Lukács, (BOTTOMORE, 1998 p. 381) afirma:
A concepção dialético-materialista da totalidade significa
primeiro, a unidade concreta de contradições que interagem,
segundo, a relatividade sistemática de toda a totalidade, tanto
no sentido ascendente quanto no descendente (significando
que toda a totalidade é feita de totalidades a ela subordinadas,
e também que a totalidade em questão é, ao mesmo tempo,
sobre-determinada por totalidades de complexidade superior.)
e, terceiro, a realidade histórica de toda totalidade, ou seja, que
o caráter de totalidade da totalidade é mutável, desintegrável e
limitado a um período histórico concreto e ainda determinado.
Segundo (KONDER, 1992), totalidade significa: “Qualquer objeto que o
homem possa perceber ou criar, é parte de um todo”. Em cada ação
empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas
interligados. Por isso, para encaminhar uma solução para os problemas, o ser
humano precisa ter uma visão de conjunto deles: é a partir da visão do conjunto
que se pode avaliar a dimensão de cada elemento do quadro. A visão de
conjunto – ressalve-se – é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar a
realidade a que ele se refere.
A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que se possa
obter. Há sempre algo que escapa às sínteses, porém, não se dispensa o
esforço de elaborar sínteses, quando se procura entender melhor a realidade. A
síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura
significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa
estrutura significativa – que a visão de conjunto proporciona – que é chamada de
totalidade. A totalidade é maior do que a soma das partes que a constituem.
Existem totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes.
A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível de
generalização do pensamento e dos objetivos concretos dos homens em cada
situação dada. Quando se está empenhado em analisar as questões políticas
que estão sendo vividas pelo país, a totalização que é necessária seria a da
visão de conjunto da sociedade brasileira, da sua economia, da sua história, das
suas contradições atuais. Se, porém, desejar-se elevar a análise a um plano
filosófico, será necessária então, uma visão de conjunto da história da
humanidade, isto é, da dinâmica realidade humana como um todo (nível máximo
de abrangência da totalização dialética).
Para se trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito
importante saber-se qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de
176
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
problemas com os quais se defronta, registra-se ainda importante não se
esquecer que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização
(que, conforme já se advertiu, nunca alcança uma etapa definitiva e acabada).
Afinal, a dialética – maneira de pensar elaborada em função da necessidade de
reconhecer-se a constante emergência do novo na realidade humana – negarse-ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, com a recusa
de revisá-las, mesmo em face de situações modificadas.
A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de
mudanças nas partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais,
quantitativas, até se alcançar um ponto crítico que assinale a transformação
qualitativa da totalidade. É a lei dialética da transformação da quantidade em
qualidade. Cumpre-se ainda destacar, que a modificação do todo é mais
complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram.
Finalmente, assinalar que cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar;
as condições da mudança variam, dependendo do caráter da totalidade e do
processo específico do qual ela é um momento.
1.3 A Mediação
Segundo (BATTINI, 1995):
As relações de uma totalidade complexa não se dão de modo
linear, mecanicista ou unilateralmente, mas acontecem
mediante instâncias de passagem geradas em si mesma. A
mediação é concebida como a relação entre o mediato e o
imediato, a mediação é a categoria que auxilia o profissional a
criar as condições da operação da práxis, figurando entre o
resultado do conhecimento e a efetividade desse resultado.
São nos processos de mediação que o movimento das
relações sociais faz fluir os atos e o desvendar da realidade
nos seus atributos e nas suas determinações.
Mediação é uma categoria do movimento que está contida na totalidade
social, configurando sua processualidade e assegurando ao sujeito sua
apreensão. São dos processos de mediação que são construídas e
apresentadas as relações imanentes das instâncias complexas constituintes da
realidade social. A prática profissional organizada e operacionalizada nos
processos de mediação, contém um significado que determina a realização de
uma intencionalidade.
No movimento dialético da totalidade a mediação possibilita passar do
abstrato para o concreto, executando a relação entre os complexos da totalidade
através de passagens e conversões. Deve-se entender ainda, que a realidade
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
177
não se desvela de início ao ser social, mas através de mediações que objetivam
possibilitar a totalidade concreta em sua dinâmica processual. Ainda, se utiliza a
mediação para captar a singularidade do ser, como ser humano genérico,
constituinte de uma totalidade.
PONTES, apud Sant’Ana (1995, p. 121), expressa que:
Na singularidade vamos captar traços particulares de situações
(sociais, políticas, econômicas), mas que estão ligadas
organicamente às leis tendenciais históricas, que se expressam
na particularidade, de tal modo, que uma dada situação
peculiar jamais se repita da mesma forma, mas que para
operar sua compreensão, é necessário conectar numa relação
complexa e totalizante às leis universais.
Segundo (MARTINELLI, 1993 p. 36):
Mediações são categorias instrumentais pelas quais se
processa a operacionalização da ação profissional. Expressamse pelo conjunto de instrumentos, recursos, técnicas e
estratégias e pelas quais a ação profissional ganha
operacionalidade e concretude. São instâncias de passagem
da teoria para a prática, são vias de penetração nas tramas
constitutivas do real. Neste sentido, a própria prática
profissional é uma mediação, pois coloca em movimento toda
uma cadeia de vínculos na relação totalidade/particularidade,
tendo em vista a superação da realidade social concreta.
Caracterizam-se como categorias instrumentais, outorgantes de
operacionalidade da ação profissional, (MARTINELLI, 1993 p. 137-138), afirma
que as mediações apresentam várias categorias, ressaltando as seguintes:
• são sempre históricas e sociais, construídas a partir da
correlação de forças operantes na realidade. São portanto,
socialmente determinadas e produzidas no interior do
contexto sócio-político e organizacional, o que evidencia que
não há mediações prontas e/ou ideais;
• são determinadas pela finalidade e objetivos que se busca
atingir, pois são os recursos instrumentais necessários para
tanto. É através das mediações que penetramos nos nexos
constitutivos do real, desvendando as suas contradições;
• são os conjuntos instrumentais necessários para o
desenvolvimento do percurso dialético essencial à práxis: do
singular para o universal, do simples para o complexo, do
particular para o genérico, do aparente para o essencial;
• são os recursos instrumentais necessários para o desvendar
178
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
•
•
•
•
das vias de resistência e vias de transformação, momento
crucial na práxis, juntamente com o desvendar dos nexos de
articulação entre os fenômenos em estudo e/ou observação;
estão sempre referenciadas a uma teoria de base que as
ilumina, teoria esta cuja operacionalização demanda um
conjunto de instrumentos, técnicas e estratégias adequadas;
são relacionadas à posição ocupada pela profissão na
divisão social do trabalho e na estrutura organizacional,
expressando-se tanto nos rumos e direção da prática, como
em sua administração;
pressupõem uma concepção filosófica que as fundamente,
como pressupõem também um certo nível de autonomia por
parte do profissional;
finalmente, as mediações são sempre produtos coletivos e
devem ser socialmente construídas, para serem
historicamente viáveis.
Desempenhar a missão institucional, não se trata de tarefa individual, seja
da pessoa ou da profissão, mas tarefa de um sujeito coletivo, portador de
identidade institucional e avalizador do estatuto político da ação profissional. A
mediação torna-se papel do agente institucional, na especificidade de sua
profissão e nas mediações erigidas na relação de totalidade/particularidade.
Ainda, (MARTINELLI, 1993 p. 138-40), refere-se a alguns princípios
fundamentais, na perspectiva materialista, concernentes à construção de
mediações:
a) Princípio do Reconhecimento do Ser Social:
Todas as ações humanas são multifacéticas e multiformes,
assim como todos os problemas são multidimensionais. O
homem é um ser contraditório e complexo, é parte de uma
totalidade social. Ele nunca é produto, e sim processo,
nunca é dado, mas um dar-se, é essencialmente um ser
histórico. Conhecê-lo, portanto, implica em conhecer suas
histórias, sua vida material. A forma como o homem produz
a sua vida material (base material) expressa sua inserção na
rede de relações sociais, bem como o nível de sua
consciência social.
b) Princípio de Atividade:
A atividade, a prática social do homem, retrata seu mundo
interior, expressa a unidade de sua consciência. Na
atividade prática se unem os fins, aspirações,
conhecimentos do homem com o mundo material, ou seja,
unem-se o mundo material e o ideal. A atividade prática do
homem é a expressão de sua unidade interior; através dela
o subjetivo se objetiva, a consciência se revela, ganha
materialidade. É indispensável, portanto, atentar para a
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
179
atividade vital do homem, como princípio explicativo de sua
própria vivência. O real da vida social, como dizia Marx, em
sua clássica obra: A Ideologia Alemã é a atividade prática.
c) Princípio de Sistematização:
Todo fenômeno deve ser encarado como um dado real,
existente, concreto, devendo ser compreendido e revelado
em sua condicionalidade material. Assim, é preciso definir
claramente a natureza do fenômeno, sua relação com outros
fenômenos da vida social, bem como as bases de seu
surgimento.
d) Princípio da Totalidade:
Como todo fenômeno é multidimensional e se estrutura em
uma realidade complexa, é preciso conhecer essa realidade,
apreendê-la em sua concretude e em seu movimento, para
poder obter uma compreensão adequada do fenômeno. É
preciso penetrar neste complexo que expressa a realidade,
para apreendê-la enquanto totalidade composta por
determinantes políticos, sociais, econômicos, culturais e
históricos.
As mediações se apóiam em uma visão de mundo como totalidade, como
real concreto, em movimento e ainda uma concepção de homem, como ser
histórico, dirigindo-se tanto à pessoa como ao fenômeno, objetivando sua
compreensão no movimento e com a inserção no real. Relativamente à pessoa,
as mediações estão situadas como conhecimento do real e o concreto com
fundamento nos dados de sua existência, de sua consciência e da sua vida
social.
Com referência aos fenômenos, as mediações devem favorecer ao
conhecimento de sua própria existência e surgimento, de suas peculiaridades e
traços, dos próprios posicionamentos e finalmente, sobre os impactos
resultantes.
1.4 A Universalidade, a Particularidade e a Singularidade
Segundo Yolanda Guerra, em seu artigo “A natureza interventiva do
Serviço Social e a questão do conhecimento”, a racionalidade dialética, explica
que se trabalha com dois tipos de categorias:
• Categorias lógicas (intelectivas, reflexivas ou analíticas):
procedimento que a razão adota para decodificar o objeto de estudo,
resultando uma referência a estrutura de constituição do objeto e o
seu movimento na história;
• Categorias ontológicas: constitutivas do ser social, fundada em sua
referência na realidade, articulando-se historicamente, não na mesma
ordem cronológica em que surgem, ou seja, cada período histórico
180
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
possui suas próprias leis e deste modo as categorias possuem
articulações diferentes no decurso do processo histórico. Torna-se
necessário perceber esta articulação no tempo histórico a ser
estudado, bem como eleger as categorias analíticas primárias que se
evidenciam no período analisado. A compreensão da primazia de
uma categoria sobre outra em determinados períodos históricos,
permite ao pesquisador eleger adequadamente suas categorias de
análise.
Os pressupostos são concebidos de acordo com uma percepção em que
o real seria tanto efetividade, quanto possibilidade e como dimensão possível
constituinte do próprio real.
As categorias teórico-metodológicas fundamentais em Marx:
• Totalidade:
Segundo (GUERRA, 1997):
a necessidade de conceber a sociedade como totalidade, ou
seja como uma realidade complexa e articulada já se encontra
em Hegel, para quem, há na realidade diversos níveis ou
instâncias relativamente autônomas umas das outras. Essa
realidade é constituída de diferentes níveis, daí a
hierarquização histórico-ontológica de categorias que se
expressam com maior ou menor ponderação em determinados
momentos.
• Particularidade:
(LUKÁCS, apud GUERRA, 1997), afirma:
... é o centro e o ponto médio; é o ponto de partida e de
chegada dos movimentos. O movimento percorre da
particularidade à generalidade e vice-versa e atua como
vinculação entre particular e geral. Este movimento se realiza
entre centro e periferia e não transversalmente. A particularidade
sempre se coloca “em relação a”. Em determinada relação o
particular se torna um universal ou singular.
A realidade comporta três níveis de generalização: singularidade,
particularidade e universalidade, que se encontram entrelaçados no real.
Todo gênero singular tem uma constituição particular, ou seja, encontrase numa relação particular com um momento determinado de uma totalidade.
São as determinações do momento histórico que estabelecem as
particularidades ao gênero singular.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
181
O particular é o determinado: ele porta, carrega as determinações. É o
único caminho que leva do singular ao universal e vice-versa, mais ainda, é a
mediação necessária, produzida pela essência da realidade objetiva e imposta
por ela ao pensamento. É um campo de mediações porque vincula singularidade
e universalidade e porque específica os elementos estruturais do concreto
analisado. O particular, manifesta sua peculiaridade quando se transforma em
universalidade ou em singularidade.
• Singularidade:
(GUERRA, 1997), afirma, que para Marx, as categorias simples são:
A expressão de relações nas quais o concreto pouco
desenvolvido pode ter se realizado, sem haver estabelecido
ainda a relação, ou o relacionamento mais complexo, que se
acha expresso mentalmente na categoria mais concreta,
enquanto o concreto mais desenvolvido conserva a mesma
categoria como uma relação subordinada.
A singularidade é rica em determinações quando ela é o anel
conclusivo de uma cadeia de conhecimentos que leva, das leis
descobertas da universalidade concreta à singularidade como
fim do processo de pensamento. (LUKÁCS, apud GUERRA,
1995, p. 15).
1.5 A Classe Social
Segundo (MARX, O Capital – Capítulo LII, tomo III):
Os proprietários de simples força de trabalho, os de capital e os
de terra, cujas respectivas fontes de receita são o salário, o
lucro e a renda fundiária, quer dizer, operários assalariados, os
capitalistas e os proprietários de terras, formam as três grandes
classes da sociedade moderna, fundada no regime capitalista
de produção.
É na Inglaterra, indiscutivelmente, onde mais desenvolvida
encontramos e na forma mais clássica, a sociedade moderna,
em sua estrutura econômica. No entanto, nem aí se apresenta
em toda a sua pureza esta divisão da sociedade em classes.
Também na sociedade inglesa existem fases intermediárias e
de transição que obscurecem em todas as partes (embora no
campo muito menos que nas cidades) as linhas divisórias. Mas
esse fato é indiferente para nossa investigação. Já vimos que é
tendência constante e lei de desenvolvimento do regime
capitalista de produção estabelecer um divórcio cada vez mais
profundo entre os meios de produção dispersos em grupos
cada vez maiores; ou seja, transformar o trabalho em trabalho
182
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
assalariado e os meios de produção em capital. E a esta
tendência corresponde, por outro lado, o divórcio da
propriedade fundiária para formar uma potência à parte
distante do capital e do trabalho, isto é, a conversão de toda
propriedade fundiária à forma adequada ao regime capitalista
de produção.
O problema que imediatamente se propõe é este: o que é uma
classe? A resposta a esta pergunta decorre da que dermos a
esta outra: o que é que transforma os operários, os capitalistas
e os proprietários de terras em fatores das três grandes classes
sociais?
É, à primeira vista, a identidade de suas rendas e fontes de
rendas. São três grandes grupos sociais cujos componentes,
os indivíduos que os constituem, vivem respectivamente de um
salário, do lucro ou da renda fundiária, isto é, da exploração de
sua força de trabalho, de seu capital ou de sua propriedade
fundiária.
É certo que deste ponto de vista também os médicos e os
funcionários públicos, por exemplo, formariam duas classes,
pois pertencem a dois grupos sociais diferentes, cujos
componentes vivem de rendas procedentes da mesma fonte
em cada um deles. O mesmo se poderia dizer da infinita
dispersão de interesses e ofícios em que a divisão do trabalho
social separa os trabalhadores, os capitalistas e os
proprietários de terras, a estes últimos, por exemplo, em
proprietários de vinhedos, de terras de lavoura, de florestas, de
minas, de pesqueiras, etc. (aqui se interrompe o manuscrito)
(apud SANTOS, 1991, p. 50-51).
Marx tratou o conceito de classes no último capítulo de O Capital,
transcrito acima. Segundo (SANTOS, 1991 p. 15):
o conceito de classes aparece aqui como a personificação das
categorias econômicas centrais de um determinado regime de
produção, mas nenhum regime de produção existiu
historicamente de maneira pura, porém associado a outros
regimes de produção e a outros elementos sócio-econômicos
deste mesmo regime que não foram descritos na análise
teórica. Em última análise, a determinação das classes sociais
básicas da sociedade não é tarefa da observação empírica,
mas de uma investigação teórica do modo de produção que a
constitui. Quer dizer, a questão de existir estas ou aquelas
classes se resolve na análise do próprio modo de produção.
Marx continua sua análise ao criticar a ilusão de que as classes
têm sua origem nas diversas formas de renda.
O conceito de classes aparece como resultado da análise das forças
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
183
produtivas (nível tecnológico dos meios de produção e organização da força de
trabalho) e das relações sociais de produção (relações que os homens
estabelecem entre si no processo da produção social). Estas forças produtivas e
estas relações sociais de produção assumem certos modos possíveis de relação
na história. Daí decorrem as contradições existentes na sociedade, pois o modo
de produção é determinado por relações antagônicas, sendo as classes sociais a
expressão dos antagonismos de classe, podendo constituir-se o conceito de
classes sociais a partir do conceito de luta de classes, sendo a chave para a
compreensão das classes sociais.
A chave do conceito de classes e de consciência de classe, teoricamente,
se encontra no prólogo da 1ª edição de O Capital:
Nesta obra, as figuras do capitalista e do proprietário de terras
não aparecem pintadas, nem muito menos cor-de-rosa. Mas
nota-se: aqui só nos referimos às pessoas enquanto
personificações
de
categorias
econômicas,
como
representantes de determinados interesses e relações de
classe.
Sintetizando, constituem-se as classes sociais por múltiplas
determinações:
• A posição ocupada pelos indivíduos em setores diferentes da
produção social;
• A posição ocupada pelos indivíduos é a objetivação da divisão social
do trabalho;
• Diferentes setores da produção social, determinados pela separação
cidade – campo, apresentam-se como mediação da propriedade
privada, do capital e da força de trabalho;
• Produção social determinante das classes sociais, como produção
dada historicamente e pressupondo uma separação entre os
proprietários da força de trabalho e os proprietários dos meios de
produção, dividindo-os em capitalistas e operários, configurando
ainda, uma oposição entre o capital e o salário, este último concebido
como o preço, que o capitalista paga pela parcela da força de
trabalho adquirida no mercado, com seu valor determinado pelo valor
das necessidades exigidas para produzir, desenvolver, manter e
perpetuar a força de trabalho;
• A oposição entre capital e trabalho, é a luta pela perpetuação do
sistema assalariado de trabalho e pelo lado do trabalho, a luta por
sua abolição. Daí decorrendo a luta de classes, como luta política,
184
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
•
pressupondo a consciência das condições objetivas da própria
classe, de outras classes e sociedade na forma de totalidade, fruto de
uma determinação da prática social, definida historicamente, como
um produto concreto cuja determinação ocorre pela produção social;
que por seu lado, é uma determinação das relações entre os homens
e entre estes e a natureza, de acordo com as múltiplas relações da
produção e reprodução social;
As classes sociais decorrem das determinações das múltiplas
condições e determinações de classe e na classe.
2 O Serviço Social e a Questão do Método
O método não será, portanto, um conjunto de operações estanques e
justapostas, realizadas de modo sucessivo. Caracteriza-se por ser um conjunto
de procedimentos interligados e interdependentes, que, baseado em uma concepção
de análise da realidade, poderá permitir orientar as investigações e
experimentações profissionais, em oposição aos modelos mecanicistas do
conhecimento, para os quais, o sujeito é um instrumento que registra passivamente
o objeto, sendo atribuído um papel ativo ao sujeito, submetido por outro lado a
diversos condicionamentos, em particular às determinações sociais, que
introduzem no conhecimento uma visão de realidade socialmente transmitida.
Sujeito e objeto existem de forma objetiva e real, simultaneamente atuam
um sobre o outro de forma interativa produzindo uma apreensão do objeto pelo
sujeito na atividade e ainda em atividade. O objeto como um dos elementos do
conhecimento humano não existe independente do sujeito, bem como o sujeito
não deve ser considerado isolado do objeto.
2.1 O Conhecimento ou a Investigação
O método é compreendido na concepção do materialismo dialético, Marx
no seu livro O Capital, Livro I, afirma:
... o momento da investigação tem que captar com detalhes a
matéria, analisar suas formas de evolução, assim como
rastrear sua conexão íntima. Somente nesse momento é que
se pode expor adequadamente o movimento real.
Segundo (NETTO, apud BAPTISTA, 1999, p. 4), os dois parâmetros
metodológicos basilares em Marx são:
• A máxima fidelidade do sujeito ao objeto, significa refletir com a
máxima precisão o movimento do objeto, Lukács, lembra que o
enunciado marxiano, de que “toda a ciência seria supérflua se a
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
185
essência das coisas e sua forma fenomênica coincidissem
diretamente” é de extrema importância para a ontologia do ser social.
• A consideração da imbricação sujeito – objeto, que é necessário
lembrar que não há exterioridade entre os dois elementos, que
constituem uma unidade, embora não uma identidade. Não sendo
possível a equalização de padrões de objetividade das ciências da
natureza e do conhecimento do social. (YAMAMOTO, 1994).
Considerada uma dada realidade objetiva, a análise de seus elementos
constitutivos e contraditórios, permite estabelecer a relação entre os fenômenos
e suas essências, considerando que a realidade é uma totalidade concreta,
implicando partir do real, concreto, aparente, vivenciado pela população usuária
e relacionado com as instâncias mais amplas.
As demandas apresentadas pela população usuária, nada mais são que
as expressões concretas das vivências da vida cotidiana de "sujeitos que
trabalham, pois o trabalho é o elemento constitutivo do ser social, ser que
modifica a matéria e que por ela também é modificado" (IAMAMOTO, 1998).
Configuram-se ainda, como as diversas relações que se estabelecem no
trabalho, na família, na vizinhança e ainda nas várias atividades: econômicas,
políticas, sociais, culturais que são realizadas nos espaços concretos: nas
fábricas, nos bairros, na comunidade, nos sindicatos, nas associações, nas
igrejas; e inseridos nos vários contextos: econômicos, políticos, ideológicos,
históricos, éticos, etc.
Tais demandas, ainda exigem a compreensão das relações sociais de
produção na sociedade brasileira (capitalista), na compreensão da correlação de
forças que possam existir na dinâmica da sociedade, a partir das classes
fundamentais e ainda no conhecimento, compreensão e deciframento da
questão social. Resultando compreender a realidade mais ampla, apreendendo
seu movimento a partir da conexão dos fatos e de suas contradições,
percebendo os fenômenos constituídos como sínteses de múltiplas
determinações históricas, políticas, econômicas e sociais.
Procedendo-se assim, poder-se-á aproximar-se da essência dos
fenômenos, permitindo localizar na totalidade seus elementos constitutivos e
contraditórios. A práxis profissional terá como fundamento a realidade concreta,
a partir da interpretação crítica, podendo viabilizar sua desconstrução e
reconstrução, ampliando a compreensão dessa realidade e por conseqüência,
sua superação junto com a população usuária.
(NETTO, apud BAPTISTA, 1999, p. 5) afirma: “Na investigação marxiana,
o empírico, o dado, é sempre o ponto de partida para o conhecimento” (grifo
nosso). É na experiência que se inicia o processo do conhecimento, sendo os
186
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
fatos um sinal de algo que os ultrapassa, como sinais de um processo. Na visão
marxiana não se trata apenas de correlacionar fatos, estabelecer relações, em
virtude de sinalizarem um processo repleto de significados. O conhecimento
caracteriza-se também na temporalidade, unindo-se processualmente sua
dimensão histórica, sua própria expressão. Ainda, segundo Netto apud Baptista
(1999, p. 7),
... Nesse sentido, não se tem relação e correlação entre fatos,
tem-se a pesquisa de processos, a relação entre processos, a
sua expressão em outros fatos e a relação desses fatos com os
primeiros, aquele que foi ponto de partida. Feito esse movimento,
os fatos, ainda que no plano da empiria permaneçam os
mesmos, já não são os mesmos na reflexão. Conhecer é moverse do abstrato ao concreto, o que permite, na apreensão do ser
social perceber a abstração e ir conhecendo as mediações
progressivamente até concretizar-se o objeto.
Para conhecer, o assistente social deverá analisar a realidade
globalmente sob o ponto de vista econômico: relações de produção e forças de
produção; sob o ponto de vista sócio-político: classes sociais e suas relações e a
estrutura de poder derivada das relações sociais dadas; e do ponto de vista
ideológico: valores, interesses, aspirações, consciência, etc. e ainda os
referenciais que permitam a compreensão e a análise da realidade do trabalho
específico, relacionado com os elementos de um contexto mais amplo.
Como foi visto, o conhecimento inicial é sensível, caracterizado por
sensações, percepções e representações que apreendem as propriedades
particulares, seus aspectos aparentes e externos, seus efeitos, os fatos de forma
compartimentada, a apreensão dos dados de forma quantitativa e individualmente.
Segundo (YAKOL apud MAGALHÃES, 1987, p. 107):
O pensamento reúne, num todo, os índices principais,
substanciais, abstratos dos fatos, cria conceitos, idéias gerais,
imagens, tira conclusões gerais, válidas para toda uma classe
de fenômenos. Esta operação é realizada, no nosso espírito,
por processos lógicos, designados indução e dedução.
(SANTOS, 1982, p. 201), ressalta que:
Nesta etapa os dados colhidos isoladamente são ampliados e
correlacionados entre si, de tal forma que o conhecimento
anterior caminhará em direção à captação dos aspectos
internos dos fenômenos, das relações que existem entre os
mesmos, da dinâmica do objeto da intervenção.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
187
Como conseqüência, aprofunda-se o conhecimento transitando do
sensível para o abstrato, passando-se do quantitativo para o qualitativo.
O passo seguinte, será marcado pela retro-alimentação teórica em
relação aos passos anteriores, quando os dados apreendidos pelos sentidos,
serão interpretados, coordenados e generalizados, na forma de uma
interpretação diagnóstica.
Este momento permite dar maior significação aos dados
obtidos, na medida em que, auxiliado pelos subsídios teóricos,
possibilita encontrar os laços existentes entre os fenômenos,
descobrir a essência dos mesmos e as leis de seu
desenvolvimento.
Desta
maneira,
este
momento
(CARACTERIZAÇÃO), permite a obtenção dos dados
qualitativamente diferentes dos anteriores, bem como a
formação de conceitos e generalizações. (MAGALHÃES 1987,
p. 113).
Enquanto um momento de ampliação do conhecimento da população
implica aspectos históricos, políticos e sociais que deverão ser apreciados,
fundamentais para a sua explicação e a percepção de seus condicionamentos.
Continuando a construção da compreensão sobre os elementos do
conhecimento, é necessário classificar os fatos (categorização), estabelecendo o
agrupamento dos fenômenos e indicadores, pelo conteúdo, por suas causas e
por seus efeitos. Tal processo deve sofrer continuidade objetivando atingir-se a
essência dos fenômenos e situá-los no contexto histórico, quando deverá ser
realizada a relação entre as categorias (relação entre as variáveis),
proporcionando a ampliação do conhecimento da realidade, o estabelecimento
de uma identificação dos fenômenos por importância e a formulação de
alternativas para as ações. Em seguida, será estabelecida a interpretação
analítica dos fenômenos relacionados com as variáveis na perspectiva da
totalidade.
Na interpretação diagnóstica se deve ainda proceder ao estudo das
alternativas possíveis, sendo caracterizadas como as opções para a ação,
fundamentada nos fatos, na análise dos fenômenos e nas mediações realizadas
com a população. A dialética materialista considera o conhecimento verdadeiro
em sua processualidade infinita, na busca da verdade, acumulando
processualmente conhecimentos que serão negados e transformados em
sínteses, que serão transformadas em novas teses.
Finalmente, o processo do conhecimento não é apenas responsabilidade
do agente técnico, mas depende do protagonismo da população.
188
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
2.2 A Ação
2.2.1 As Ações Profissionais
• A Socialização de Informações (Veiculação de Informações)
Trata-se da ação profissional que possibilita a leitura crítica das condições
reais, proporcionando a reflexão crítica das condições existentes e facilitadoras
da tomada de decisão e da construção de ações coletivas. Oportuniza superar a
postura tradicional, de intermediação apenas dos interesses institucionais na
relação profissional x usuário, quando o profissional assume a postura de afirmar
o discurso institucional apenas. O desejável, seria que o assistente social fosse
também o veiculador das informações de interesse dos usuários, construídas a
partir dos seguintes pressupostos:
• transmissão de informações, de acordo com o interesse e a
necessidade da população usuária, como direito social;
• privilegiar a particularização dos sujeitos, individuais e/ou coletivos,
partindo da realidade objetiva, do real vivido pela população usuária e
rebatendo na totalidade da vida social;
• horizontalidade como padrão de relações entre o profissional e a
população, entre os saberes, os poderes do assistente social e os
saberes da população usuária, materializados nas demandas e nos
pleitos apresentados, bem como nas estratégias para o
enfrentamento das situações e como o reconhecimento dos poderes
e saberes populares;
• possibilitar e viabilizar a construção de espaço para o debate, a
discussão, a análise da conjuntura, da estrutura, da manifestação do
real vivido, caminhando na reflexão crítica e na construção de
proposições para a superação do quadro existente;
• assegurar que as informações sejam compreendidas e que sejam
significativas e de utilidade para a população usuária.
Estas ações possibilitam desvelar o real, pois proporcionam o acesso à
informação, à compreensão das instâncias de poder institucional, sejam nos
setores públicos, privados ou comunitários. A compreensão da gênese das
políticas sociais públicas e/ou privadas, e as formas de interferir na elaboração,
gestão e controle (avaliação) dessas políticas, bem como de reivindicar de
acordo com o interesse da maioria.
Devem ainda, possibilitar a apropriação da informação como fonte de
saber, de poder, de capacitação para a reflexão crítica, para a viabilização do
acesso e na perspectiva da inclusão, para a apropriação de bens e serviços
prescritos pelos direitos sociais e no atendimento das demandas imediatas e
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
189
mediatas, além da perspectiva de constituição de ações coletivas articuladas
para viabilização das conquistas de classe.
Apresentam-se algumas formas de procedimentos, sem desejar construir
“receitas”, mas com a finalidade de exemplificar apenas, como construir as ações
profissionais na perspectiva de se veicular informações:
• identificar as condições objetivas da população usuária, partindo das
demandas apresentadas, facilitando o acesso às informações na
perspectiva das necessidades particulares de cada usuário, grupo ou
população, bem como na direção da construção da cidadania, da
afirmação do sujeito, facilitando a apropriação das informações que
possibilitem a transformação da sua realidade;
• conhecer as expressões particulares como expressão da realidade
mais ampla, da totalidade, procurando superar as ações tópicas e
pontuais. Considerar o atendimento da população usuária como
espaço privilegiado da percepção do real vivido, na defesa
intransigente dos direitos fundamentais da pessoa e promover o
acesso às informações e as normas institucionais para facilitar a
apropriação de bens e serviços;
• análise dos aspectos relevantes sobre a população usuária, fundado
na observação de sua trajetória, na documentação, na expressão da
cidadania, nas normas institucionais, nas normas legais, nos direitos
humanos fundamentais, na perspectiva da elaboração de pareceres
sociais, na elaboração e aplicação do processo de seletividade compromissada com a inclusão - da população, na construção da
avaliação do atendimento na perspectiva da construção de ações
revestidas de qualidade e compromisso que supere a dimensão
quantitativa, transitando para a dimensão qualitativa;
• compilação de dados, informações, pareceres, apropriando-se dos
recursos tecnológicos, como informatização, internet, meios
eletrônicos diversos, uso de mídia, da mais simples às mais
sofisticadas, de acordo com os limites e possibilidade institucionais,
profissionais e financeiras, para a divulgação de informações de
interesse dos usuários, além de disseminar as informações para
divulgar e esclarecer, para facilitar o conhecimento sobre os recursos
sócio-institucionais, públicos, privados e não-governamentais,
viabilizando o desfrute dos bens e serviços oferecidos;
• concorrer para identificar interesses comuns objetivando estimular a
coletivização dos interesses e demandas da população usuária.
190
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
• Ações de Fortalecimento do Coletivo
Estimular o trabalho grupal, possibilitando a afirmação do coletivo,
favorecendo e implementando espaços de reflexão/discussão conjunta sobre as
situações concretas vivenciadas pela população usuária visando o fortalecimento
da coletivização dos interesses, das reivindicações e das propostas de ações
para superar as dificuldades e atender as demandas postas pelos sujeitos, como
forma de ação conjunta no projeto de reforma/transformação da realidade.
As ações profissionais serão construídas na lógica da ação coletiva
através da ação encetada entre a população usuária e o profissional, articulados
a partir do compromisso/aliança na perspectiva do projeto da classe.
Apresentam-se algumas diretrizes utilizadas para trabalhar o coletivo que
apontam alguns dos caminhos possíveis, deixando claro que existem e existirão
sempre novos caminhos que são e serão construídos por assistentes sociais e
população para a construção do fortalecimento do coletivo, segundo (SOUZA,
1987, p. 141-144):
• Partir da realidade concreta em que se encontra a população,
concebendo que essa é a realidade das condições de consumo e
produção e de sua consciência e atitudes ante tais condições. A
realidade concreta é fruto de múltiplas determinações, sendo a
organização social condição basilar para o enfrentamento, apoiada
nas experiências anteriores já vivenciadas pela população;
• Definir e redefinir coletivamente os objetivos que se tem a alcançar a
partir da realidade concreta que se vai conhecendo e analisando, por
intermédio do diálogo e reflexão entre o profissional e a população
em que deverão ser definidos os objetivos com base na apreensão do
real vivido pelo conjunto dos moradores, sendo uma condição básica
a existência de objetivos mais gerais para garantir a continuidade das
reflexões e ações desenvolvidas;
• Identificar coletivamente o eixo central da prática do processo
pedagógico tendo em vista articular os conteúdos parciais das
práticas e reflexões que vão sendo desenvolvidas pelos diversos
grupos da comunidade, sendo que a descoberta desse eixo central é,
sobretudo, um processo de descobrimento das relações básicas a
partir de um universo próprio de comunicação assistente
social/população. O eixo central de prática e reflexão têm
característica aglutinadora, a partir das particularidades locais,
assumindo diversas perspectivas: políticas, econômicas, culturais,
constituintes da realidade social;
• Definir e avaliar continuamente a qualidade das relações que se
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
191
estabelecem entre o profissional e a população objetivando a
manutenção do processo de cooperação necessária entre ambos,
sabedores que a definição dos objetivos requer uma ação
caracterizada por um processo de intercâmbio e cooperação no
descobrimento e desvelamento da realidade e suas condições de
enfrentamento. O processo de avaliação deve ser contínuo nas
relações entre o assistente social e a população, devendo ser
fundamentado privilegiando a autonomia, a liberdade de expressão,
respeitando o protagonismo dos sujeitos envolvidos, com base na
realidade concreta pensada coletivamente, fruto das diversas
determinações;
• Estimular progressivamente a articulação da organização da
população, fator importante no modo como se apresentam as forças
sociais representadas pela população. A dependência e a
subalternidade provocam fragmentação, reduzindo sua força social,
sendo ainda, a organização, sustentáculo do poder coletivo,
possibilitando a participação e o desenvolvimento das ações de
interesse coletivo na consecução dos objetivos. A articulação com
outros segmentos organizados, com objetivos comuns, que
oportunizem uma redefinição permanente de estratégias de acordo
com o dinamismo das condições existentes no contexto social
assegurando a autonomia dos movimentos sociais. Atente-se ainda
para a importância da negação do formalismo burocrático que gera a
desvalorização das forças sociais presentes.
A assistência social, hoje política social pública, dever do Estado com
participação da sociedade, direito do cidadão que dela necessitar, um dos pilares
do tripé da Seguridade Social (Capítulo II da Constituição Federal de 1988), não
tem mais a conotação do assistencialismo do passado, integrante atualmente,
dos direitos de cidadania.
As ações executadas diretamente com a população usuária dividem-se
em dois grupos:
• ações compensatórias: através de atendimentos emergenciais,
geralmente no fornecimento de bens (subsídios financeiros,
passagens, cestas básicas, apoios temporários, encaminhamentos
para recursos públicos, privados e/ou comunitários, etc.), realizados
por organizações governamentais, organizações não-governamentais
(filantrópicas, de defesa de direitos e de cidadania e ainda por
organizações da comunidade), e organizações empresariais (política
de benefícios de empresas);
192
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
•
ações emancipatórias: voltadas à prestação de bens e serviços,
reconhecendo no cidadão suas necessidades e aspirações, pelo
tempo necessário, para ser realizado o projeto de emancipação
individual, familiar ou coletivo, aliado ao projeto de capacitação:
educacional, profissional, de garantia de renda ou de geração de
renda, o que poderá permitir a inserção do(s) usuário(s), inclusive
inserido social, econômica, ambiental e culturalmente no processo
civilizatório, capaz de ser provedor de suas necessidades para o
exercício de sua própria cidadania e de seus familiares e
conterrâneos, desenvolvidos em organizações governamentais e
organizações não-governamentais (filantrópicas, de defesa de direitos
e cidadania e ainda comunitárias e/ou populares).
O assistente social ainda na área da assistência social participa ativamente
da elaboração de projetos específicos, bem como, historicamente tem sido
protagonista da luta pela criação, instalação e funcionamento dos diversos
conselhos - municipais, estaduais e nacionais - definidos pela Constituição Federal,
sendo sujeito ativo na mobilização pela elaboração de projetos de leis, para criação
dos diversos conselhos; participar como conselheiro e ativamente contribuindo
para a criação de políticas sociais na própria assistência social, nos direitos da
criança e do adolescente, dos idosos, das pessoas portadoras de deficiências, na
educação, na segurança pública, no meio ambiente, no desenvolvimento urbano,
na política penitenciária e criminal, nos transportes urbanos.
As ações básicas destinadas à população usuária, na área da Assistência
Social e suas interfaces com as outras políticas sociais setoriais, segundo
(CARVALHO, 1998, p. 39) podem ser identificadas como serviços de pronto
atendimento assistencial (Plantão Social).
Os serviços são prestados aos usuários na perspectiva de acolhimento e
escuta, definidos como local adequado para os usuários relatarem suas histórias
e suas demandas, vinculadas a exclusão social, pobreza e outras demandas
referentes à cidadania. Promovem a veiculação de informações, incumbindo-se
em fornecer informações decodificadas, assegurando sua compreensão e
objetividade na solução das demandas apresentadas. Realizam
encaminhamentos, prestados como direito do usuário a ter resolutividade em
suas demandas, utilizados forma responsável e competente, com o
acompanhamento passível de assegurar ao usuário o atendimento no local de
destino, sem deixar de considerar que a resolutividade dos encaminhamentos
encontra-se vinculada ao trabalho de estabelecer uma rede de apoio para a
atenção e incorporação das demandas originadas nos serviços de pronto
atendimento social e a oferta de apoios temporários para a simples procura pelo
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
193
plantão de atendimento social, incorporando-se a demanda com resolutividade
imediata.
Ainda existem os serviços voltados à complementação e/ou geração de
renda, efetivados por projetos de complementação de renda que oferecem uma
alternativa cidadã ao traço controlador da filantropia e até do assistencialismo
fornecedor apenas da ajuda material na forma de roupas, cestas de alimentos,
refeições, etc., pois são caracterizados pela oportunidade de auferir rendimento
em moeda, não em materiais diversos. Tais projetos podem estar articulados a
ações de cunho sócio-culturais-educacionais e dirigidos às parcelas mais
vulnerabilizadas da população, devendo ser duradouros, desenvolvidos no
espaço e no tempo, continuados e providos com qualidade de bens e/ou serviços
produzidos e destinados ao mercado.
RODRIGUES, J. A. The Marx Social Theory and the Social Work. Serviço Social & Realidade
(Franca), v.12, n.12, n.1, p. 169-196, 2003.
•
ABSTRACT: The dialectic materialism categories, the perusal of the Brazilian society reality
and its caste relations as theoretical reference to the Social Work.
•
KEYWORDS: Dialectic Materialism; totality; universality; singularity; particularity.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 169-196, 2003
195
AS CONFIGURAÇÕES DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL E
DOS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL
Marilena JAMUR*
•
RESUMO: O artigo aborda os vínculos estreitos existentes entre questão social e
Serviço Social, condição para a emergência e a profissionalização deste. Trata, ainda,
dos principais desafios a serem enfrentados pela profissão no Brasil, em face das
mudanças na forma de operar do capitalismo hoje, repondo e ampliando as condições
que produzem a pauperização dos que vivem do trabalho, sintetizando os principais
traços produtores/reprodutores da desigualdade social no país. Questiona-se a
designação “nova questão social”, diante da dupla face do fenômeno (velha/nova),
esboçando-se sua configuração atual, para examinar alguns desafios que hoje se
impõem aos assistentes sociais diante do quadro esboçado, sendo o principal deles a
qualificação da sua prática profissional, para superar a distância entre discurso e ação
concreta.
•
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; questão social; desafios; prática.
Introdução
Os vínculos entre o Serviço Social e a questão social são muito estreitos,
uma vez que a emergência e a profissionalização do Serviço Social são
fenômenos articulados à institucionalização das formas de enfrentamento da
questão social nos continentes europeu e norte-americano, temporalmente
situados entre o final do século XIX e o início do século XX.
Esses fenômenos fazem parte de um processo complexo de
transformação das representações sociais e das práticas desenvolvidas junto às
populações pobres, que se registra com a progressiva desagregação do sistema
feudal e a afirmação do modo de produção capitalista. Não caberia aqui analisar
este fenômeno nas suas múltiplas determinações, nem os processos de
construção, em todas as sociedades, de representações e práticas ligadas ao
fenômeno da pobreza, ou as mudanças que nelas se operam historicamente, até
a sua formulação como questão social; remetemos os interessados a alguns dos
muitos trabalhos que tratam desses processos.1
Doutora em Ciências Sociais pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris,
Professora do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Serviço Social da PUC/RJ.
1 Para uma análise desses complexos processos de transformação social, até a emergência da
questão social, há elementos importantes em: (BEAUD, 1986), (BRAVERMAN, 1977), (CASTEL,
1995), (DONZELOT, 1980-1994), (EWALD, 1986), (HOBSBAWM, 1981-1982), (JAMUR, 19901994-1997), (POLANYI, 1980) e (THOMPSON, E. P., 1979), entre outros, cujas referências
completas constam da bibliografia, ao final.
*
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
197
É importante, porém, assinalar aqui, por um lado, que a emergência e a
profissionalização do Serviço Social se dão quando, num determinado contexto
sócio-histórico, se produz na sociedade a necessidade de “especialistas” para
lidar com a questão social e, por outro lado, que as funções sociais e políticas
que tais “especialistas” devem assumir, os colocam em ruptura com as práticas
seculares de ajuda aos pobres, de cunho caritativo, solidário, ou filantrópico até
então existentes, como indicam as análises de vários autores participantes do
debate que se travou na França no início dos anos 1970.2 Inseridos na divisão
social do trabalho como “profissionais do social”, espera-se que esses
“especialistas” desempenhem, ao mesmo tempo, funções de identificação e de
correção dos “problemas sociais”, que se ocupem dos “efeitos perversos” ou das
“disfunções” do sistema, das “conseqüências indesejáveis” produzidas pelo
sistema capitalista, ao longo do seu desenvolvimento.
Os assistentes sociais são, portanto, profissionais cuja função social se
constrói a partir da emergência da questão social como questão propriamente
política, que expressa o conflito entre capital e trabalho - como analisaram
alguns autores, que iniciam o desvelamento dos vínculos entre o serviço social e
a questão social e a sua função no capitalismo, como VERDÈS-LEROUX (1975,
1976 e 1978) e LASCOUMES (1974 e 1977) na França, GEORGE (1973) e
CORRIGAN e LEONARD (1978) na Inglaterra.3
2 Um importante debate sobre as funções políticas do trabalho social teve lugar na França, após os
acontecimentos políticos que, em maio de 1968, sacudiram e colocaram em questão vários setores
da sociedade francesa. Em 1971 realizou-se uma pesquisa entre os trabalhadores sociais
franceses sobre a natureza da sua atividade e suas funções sociais e políticas; a publicacão dos
resultados, no mesmo ano, deu lugar a amplos debates, envolvendo não só os próprios agentes,
mas filósofos e cientistas sociais, como Michel Foucault, Paul Virilio, Jacques Donzelot, Jacques
Julliard, Jean-Marie Domenach, Philippe Meyer e Saul Alinski, entre outros; esse questionamento
foi objeto da publicação de um número especial da Revista Esprit – Changer la culture et la
Polítique, intitulada Pourquoi le Travail Social (n. 4-5, abril-maio 1972).
3 Jeannine VERDÈS-LEROUX, desde o início dos anos 70, dedicou vários estudos à função
política do trabalho social, às características dos assistentes sociais pioneiros e de sua ação na
sociedade francesa no início do século XX, considerando essa função “como resposta dada, em
determinado momento, a mudanças significativas das condições de oposição das classes,
particularmente ligadas à constituição do movimento sindical e à importância assumida pelo
socialismo, em escala internacional”. No seu texto mais importante, Le Travail Social, publicado na
França em 1978, a autora amplia análises já publicadas em artigos de 1975 e 1976 na Revista
Actes de la Recherche en Sciences Sociales; esse texto foi traduzido e publicado no Brasil apenas
em 1986, embora tenha inspirado algumas análises do serviço social brasileiro publicadas no início
da década - ver, por exemplo, o artigo de Raul de CARVALHO Modernos agentes da justiça e da
caridade: Notas sobre o origem do Serviço Social no Brasil, publicado na Revista Serviço Social e
Sociedade n. 2, São Paulo: Cortez, 1980. Em 1978 também, dois professores da Universidade
inglesa de Warwick - Paul CORRIGAN e Peter LEONARD – publicam o texto Social Work Practice
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A questão social passa a ser objeto de uma intervenção sistemática da
sociedade e do Estado a partir do final do século XIX, e será, cada vez mais,
assumida por este, até se chegar, no século XX, a um modo mais permanente
de regulação social, através da montagem de um sistema de intervenção estatal,
designado como Welfare State (ou Estado-Providência, ou Estado Social). Esse
sistema foi implantado com modalidades e padrões distintos nos diferentes
países, com maior ou menor amplitude da cobertura das Políticas Sociais e na
prestação de serviços sociais, sobretudo a partir do final da segunda Guerra
Mundial,4 definindo-se assim, as condições concretas para a realização do
Serviço Social.
Na América Latina, observa-se que, em vários países, o processo de
desnudamento das relações entre questão social, natureza e funções do serviço
social sob o regime capitalista, é tal como na Europa, relativamente recente,
começando e ser realizado neste continente, de modo mais ou menos aberto, a
partir da criação de condições políticas favoráveis, com o esgotamento das
ditaduras militares, muito embora o questionamento da profissão venha sendo
feito desde meados dos anos 1960, sob o impulso do movimento de
reconceituação.5
No Brasil, desde meados da década de 1970 esse questionamento se
intensifica, refletindo-se nas publicações que, desde o final dessa década
propõem reflexões sobre a função da profissão e de seus agentes na ordem
capitalista, numa perspectiva de análise marxista. Em 1979, nos “estertores” da
ditadura militar, é publicada a tradução do texto já citado de CORRIGAN e
LEONARD. Prática do Serviço Social no Capitalismo – Uma Abordagem
Marxista, inaugurando a publicização de uma linha de reflexão referenciada no
marxismo sobre a natureza e funções do serviço social, para o qual contribuíram
muitos outros textos6 que, de forma direta ou indireta, discutem essa questão;
under Capitalism, onde analisam não apenas as funções da prática profissional, mais as funções
do Estado de Bem Estar Social, das lutas de classe junto ao aparelho do Estado, a questão da
ideologia e as implicações para a prática dos assistentes sociais, tendo como referências Marx,
Gramsci e outros autores marxistas. A tradução desse texto foi publicada no Brasil em 1979.
4 Para uma análise dos diferentes padrões internacionais de Welfare State, inclusive o brasileiro,
ver DRAIBE, Sônia M. “O ‘Welfare State’no Brasil: características e perspectivas”. Ciências Sociais
Hoje, São Paulo: Vértice/Anpocs, 1989, p. 13-61.
5 Como se sabe, esse movimento foi muito heterogêneo no continente latino-americano, tanto em
termos da orientação teórica e da direção assumida pelos questionamentos, quanto em termos da
sua força política, penetração e difusão entre os profissionais e dos resultados efetivos e quanto às
mudanças produzidas no campo profissional em cada país.
6 Entre outros, podemos citar por ordem cronológica de publicação: Objeto e especificidade do
Serviço Social, de Josefa Batista Lopes (1979); Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade, de
Safira Bezerra AMMANN (1980); Serviço Social - Intervenção na Realidade, coletânea organizada
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199
assim, estabelece-se no país um fecundo campo de reflexões, que anteriormente
não podiam se expressar, dadas as condições políticas, como já ocorria na
Europa e em alguns países latino-americanos.
Concluindo esta introdução, queremos assinalar que uma interessante
análise do debate latino americano sobre natureza, gênese e funções do serviço
social, encontra-se em (MONTAÑO, 1998).
A Configuração Atual da Questão Social no Brasil
Tratando do tema que nos foi proposto, abordaremos aqui, de maneira
breve, a configuração atual da questão social no Brasil, para examinar, em
seguida, alguns dos desafios que hoje se colocam ao Serviço Social como
profissão, diante do quadro que tentaremos esboçar em grandes traços.
Inicialmente, diante da polissemia que envolve a designação questão
social, seria bom precisar qual é a problemática teórica em que nos situamos
para analisar esse fenômeno: entendemos a questão social como uma forma
política de configuração das contradições que emergem em outras instâncias da
vida social, decorrentes da forma específica que assumem as relações sociais
no sistema capitalista, produzindo a desigualdade social que é geradora de um
conjunto de fenômenos que se constituem no desenvolvimento histórico desse
sistema, cuja lógica foi analisada por MARX;7 tais fenômenos, complexamente
determinados, envolvem processos ligados às relações de produção, à relação
capital-trabalho, diante dos quais se estabelece uma pauta de intervenção
reguladora do Estado; em geral, os fenômenos são percebidos nas suas
pelo CELATS (1980); A Política Social no Estado Capitalista e Metodologia e Ideologia do trabalho
Social, de Vicente de Paula FALEIROS (1980 e 1981); Serviço Social e Filosofia – das origens a
Araxá, de Antonio Geraldo AGUIAR (1982); Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, de Marilda
V. IAMAMOTO e Raul de CARVALHO (1982); Serviço Social: a ideologia de uma década, de
Arlette Alves de Lima (1982); Serviço Social e Realidade Brasileira, de Maria Helena de A. LIMA.;
Textos de Serviço Social, de Leila Lima SANTOS (1982); A questão da transformação e o Trabalho
Social, de Alba M.ª P. de CARVALHO (1983); Ideologias e Serviço Social, de Maria Guadalupe
SILVA (1983); História do Serviço Social na América Latina, de Manuel Manrique CASTRO (1984);
As Funções sócio-institucionais do Serviço Social, organizada por Jean Robert WEISSHAUPT
(1985); Trabalhador social: práticas, hábitos, ethos, formas de intervenção, tradução da edição
francesa de Jeannine VERDÈS-LEROUX (1986); Serviço Social: identidade e alienação, de Maria
Lúcia Martinelli (1989); Ditadura e Serviço Social – Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64
e Capitalismo Monopolista e Serviço Social, de José Paulo NETTO (1991 e 1992).
7 MARX trata da produção e reprodução da desigualdade - cuja face mais visível é a da pobreza
que se apresenta nas sociedades em diversos graus, sendo o mais avançado o que ele designa
como pauperismo, ao longo de toda a sua obra, da qual destacamos aqui, especificamente, O
Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção capitalista. Tradução de
Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
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manifestações concretas, de forma parcial e fragmentada, sendo “categorizados”
como “problemas sociais” específicos, que emergem na esfera da vida privada relacionados com determinadas categorias de indivíduos – que vão se constituir
em alvos de “políticas sociais”, ou seja, que serão objeto de atenção na esfera
pública.8
A questão social, como assinala (CASTEL, 1995 p. 18), que foi assim
designada por volta de 1830,
é uma contradição fundamental, a partir da qual uma sociedade
experimenta o enigma de sua coesão e tenta evitar o risco de
sua fratura; ela é um desafio que interroga, coloca em questão
a capacidade de uma sociedade (o que em termos políticos se
chama uma nação), de existir como um conjunto ligado por
relações de interdependência.
Dizendo de outra forma, a questão que se coloca é: como é possível uma
sociedade se manter coesa e não ver essa coesão ameaçada, diante de tão
profunda desigualdade?
Desde a sua designação, no século XIX, a questão social permanece
entre as preocupações da sociedade, através do caráter mais ou menos
ameaçador que ela possa assumir no imaginário social, como analisa
(DONZELOT, 1994); a representação dos pobres e destituídos - que são produto
da lógica de funcionamento do sistema social, das relações sociais - como “as
classes perigosas”, como uma ameaça, embora tenha se constituído nesse
período num dado contexto, generalizou-se e se tornou uma das mais
persistentes representações sociais da pobreza, dentre as muitas historicamente
construídas (JAMUR, 1994).
Quanto à questão social hoje, pode-se dizer que ela apresenta uma dupla
face: por um lado, podemos considerar que a questão social ainda é a mesma,
na medida em que, a lógica dos processos e mecanismos estruturais produtores
da desigualdade no sistema capitalista e, portanto, responsáveis pela sua
produção e reprodução, permanecem inalterados; por outro lado, em função do
dinamismo do próprio desenvolvimento do capitalismo, das sucessivas crises do
sistema e das características da crise econômica atual,9 considerada por muitos
Ver a esse respeito o texto de GÓES DE PAULA, Sérgio. Saúde e Previdência no Brasil. São
Paulo, Hucitec, 1986.
9 Sobre as características do desenvolvimento capitalista contemporâneo ver as análises de:
Giovanni ARRIGHI em “O longo século XX”. São Paulo, Contraponto/UNESP, 1996; François
CHESNAIS, “A globalização e o curso do capitalismo de fim-de-século. Economia e Sociedade, 5
(dez.), Campinas, 1995; Eric HOBSBAWM. “A era dos extremos – O breve século XX: 1914-1991”.
São Paulo, Companhia das Letras, 1997; Gilberto DUPAS “Economia Global e exclusão social:
8
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201
autores como uma crise de superacumulação do capital, a questão social se
apresenta com uma “nova” configuração.
Qual seria essa nova configuração? O primeiro elemento da “nova”
configuração se apresenta como um paradoxo: tem-se, por um lado, a sua
indiscutível gravidade, uma vez que a identificação dos componentes estruturais
dessa configuração antiga-nova e todos os indicadores já conhecidos sobre o
funcionamento da economia (sobretudo os índices de desemprego que têm
aumentado exponencialmente) fazem com que se possa considerar as
tendências atuais com seus efeitos de longo prazo, como muito mais
devastadores do que jamais se ousou pensar na história do capitalismo; e, por
outro lado, tem-se o fenômeno da banalização: a “questão social” aparece
cotidianamente em todos os discursos, públicos e privados, naturalizando-se
como parte da “paisagem” ou do “cenário” urbano, como um elemento que faz
parte da “essência” mesma da sociedade e da vida moderna; seria, portanto,
inevitável – uma espécie de produto sem produtores, fruto de “geração
espontânea”, com o qual temos que nos habituar a conviver. O mesmo poderia
ser dito a respeito do uso (e do abuso) da noção de exclusão.
Tem-se, dessa forma, o seu esvaziamento como questão social, como
fenômeno produzido pelas relações sociais e que se torna mais uma
“mercadoria” em circulação: hoje, esvaziada do seu conteúdo político, ela pode
ser usada no plural, como sinônimo de “problemas sociais” e, dessa forma,
apropriada pelos mercados (material e simbólico) como elemento gerador de um
valor que pode ser agregado às mercadorias oferecidas.10
Em função dessa banalização e dessa naturalização, são extremamente
pertinentes e importantes as observações de (PEREIRA, 2001 p. 51-52),
manifestando-se cética em relação ao conceito e questionando a justeza do
termo “questão” para designar problemas e necessidades atuais que se
apresentam como novos fenômenos; isso porque se por um lado, eles sem
dúvida são inéditos e desconhecidos, por outro lado, “apesar de dramáticos e
globais, e de produzirem efeitos nefastos sobre a humanidade, se impõem sem
problematizações de peso e, portanto, sem enfrentamento à altura por parte de
pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo”. São Paulo, Paz e Terra, 1999; Luciano
COUTINHO, “A terceira revolução industrial”. Economia e Sociedade, 1 (ago.), Campinas, 1992.
10 Atualmente os “investimentos sociais” são parte do marketing das empresas (inclusive as
financeiras, como os bancos), com base na suposição de que, dada a sensibilidade aos graves
problemas sociais existentes na sociedade, a publicidade feita sobre a ação social (real ou fictícia)
desenvolvida pelas empresas, pode se tornar um elemento importante na concorrência
intercapitalista: ela poderia influenciar na decisão dos consumidores que, ao escolherem entre
produtos que tenham a mesma qualidade e o mesmo preço, optariam pelo produto da empresa
que “investe no social”.
202
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
forças sociais estratégicas”. A autora continua, argumentando: “se partimos do
princípio de que o conceito questão social sempre expressou uma relação
dialética entre estrutura e ação, na qual sujeitos estrategicamente situados
assumiram papeis políticos fundamentais na transformação de necessidades
sociais em questões – com vistas a incorporá-las na agenda pública e nas
arenas decisórias – pergunta-se: de que questão estamos hoje falando, se os
riscos e necessidades contemporâneos ainda carecem de efetiva
problematização? Será que não estaríamos diante de uma questão latente que,
apesar de inscrita na contradição fundamental do sistema capitalista – a
contradição entre capital e trabalho - ainda não foi explicitada, dada a posição
profundamente desigual dos setores progressistas na atual correlação de forças?
Tudo indica que sim”. (grifos em itálico da autora, no original).
De fato, na sua configuração atual, com um potencial que parece conter
elementos muito mais ameaçadores à coesão social do que no século XIX, a
questão social não tem sido tomada como uma verdadeira questão para o
conjunto da sociedade e, pelo menos no caso brasileiro, não tem gerado a
mobilização necessária para a sua problematização e enfrentamento.
A “nova” configuração da questão social, nesses termos, só pode ser
entendida no contexto de uma profunda crise, que é de natureza econômica,
política, social e moral. Não haveria condições de tratar aqui de todas as
dimensões dessa crise, sobre a qual há uma extensa produção, que
provavelmente em grande parte é conhecida de todos.
De forma resumida, somente para lembrar alguns elementos importantes,
podemos apontar alguns traços da manifestação dessa crise, em termos
econômicos e políticos:
• No contexto da crise atual, que é caracterizada por uma crise de
superacumulação, têm-se depressões cíclicas severas, desemprego em
massa, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto
ao luxo abundante, em meio às rendas limitadas do Estado (HOBSBAWM,
1997).
• Isso se dá num processo que é designado como GLOBALIZAÇÃO,
configurado como uma nova e mais avançada etapa de progresso
tecnológico e de acumulação financeira de capitais (COUTINHO, 1992).
• Essa etapa conjuga a inovação tecnológica e a emergência de um
novo padrão organizacional, responsáveis pela superioridade
competitiva das empresas designado como reestruturação produtiva. Ao
lado disso, há a emergência de um número significativo de setores
oligopolizados em escala mundial (um grupo restrito de poderosos
atores globais, entre 10 e 12 megacorporações) que formam o que os
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
203
autores chamam de policentrismo econômico tripolar, intrinsecamente
instável e interdependente.
• Constata-se uma enorme expansão dos movimentos de capitais e do
volume das transações nos mercados cambiais globalmente integrados,
cujo resultado cumulativo é retratado como um intenso processo de
interpenetração patrimonial entre as grandes burguesias industriais e
financeiras das principais economias capitalistas (COUTINHO, 1992).
• A “financeirização” é um traço absolutamente predominante da crise
mundial, desde a década de 70 - segundo (ARRIGHI, 1996), que estudou
os ciclos sistêmicos de acumulação desde a formação do capitalismo
como sistema mundial – gerando, dessa forma o desinteresse no
investimento produtivo.
• Outro componente importante é a relação entre o CAPITAL e o
ESTADO, que foram os principais agentes da acumulação em escala
mundial, até que, num determinado momento, a crise de
superacumulação não consegue criar um agente suficientemente
poderoso para recompor o sistema em bases maiores e mais amplas esta é a fase que vivemos, diz (ARRIGHI, 1996). Um grande complicador
da crise atual seria o fato de que a capacidade de gestão do Estado e da
guerra permanece nas mãos dos centros tradicionais de poder do
ocidente capitalista, enquanto o controle das fontes abundantes de capital
excedente mundial está no Leste Asiático.
• O contexto macroeconômico mundial dos anos 90 é, segundo
(CHESNAIS, 1995): crescimento econômico muito baixo, inclusive o do
Japão; deflação; alta instabilidade monetária e financeira, concorrência
desenfreada entre 3 pólos hegemônicos; alto nível de desemprego
estrutural e de marginalização econômica de numerosos países e regiões
inteiras – decorrências de um processo de internacionalização. O
conteúdo efetivo da globalização é dado não pela mundialização das
trocas, (como nos querem fazer acreditar os seus apologetas) mas pela
mundialização das operações do capital, em suas formas tanto industriais,
quanto financeiras.
• As idéias dominantes sobre globalização que configuram uma
ideologia, colocam ênfase no processo de trabalho (novas formas de
organização e gestão – a propalada reestruturação produtiva) e na troca
(circulação internacional de mercadorias – bens e serviços); até mesmo a
financeirização é considerada apenas em termos de circulação de
capitais. Entretanto o que está ocorrendo é mais que isso – é um novo
regime mundial de acumulação, cujo funcionamento dependeria das
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
prioridades do capital privado altamente concentrado – o capital aplicado
na produção de bens e serviços, mas também, de forma crescente, do
capital financeiro centralizado, mantendo-se sob a forma de dinheiro e
obtendo rendimento como tal. Trata-se pois, de uma forma de acumulação
predominantemente rentista e parasitária, sendo que o caráter rentista
envolve também o capital produtivo.
• Conseqüentemente, estamos falando de processos estruturalmente
excludentes, de um tipo de investimento que é poupador de mão de obra,
gerador de desemprego e não de emprego; essa característica, que nos
interessa mais diretamente em termos profissionais, é produtora de mais
pobreza, de miséria, de exclusão estruturalmente implantada na
sociedade. Essa é a “nova” configuração da questão social.
• Mas isso não é tudo: não é apenas no mundo da produção (incluindose aí os desenvolvimentos tecnológicos e organizacionais) e o mundo dos
negócios que sustentam essa forma de desenvolvimento do capital. O
Estado também precisa ser reformado, para que ele possa realizar o
papel fundamental que ele tem a cumprir: apoiar essa nova forma de
acumulação através das políticas de liberalização, desregulamentação e
privatização, como as que vêm sendo adotadas no Brasil e em diferentes
países, sob pressão dos organismos internacionais ou multilaterais, com
os quais assumiram compromissos financeiros.
• Em síntese: a mundialização do capital implica mudança qualitativa
nas relações entre Capital e Trabalho e entre Capital e Estado. As
conseqüências dessa mudança se manifestam em processos que são
nossos conhecidos: não apenas o desemprego crescente, mas a
precarização das relações de trabalho que acompanham a implementação
das “novas tecnologias” na produção (o enxugamento da produção, o
sistema toyotista, o just in time, a terceirização, a desregulamentação, a
flexibilização dos contratos salariais, etc.), produzindo como resultado a
grave situação social com a qual cotidianamente nos defrontamos como
profissionais e como cidadãos.
Esses são indicadores de uma reorganização da sociedade que tem
conseqüências sociais dramáticas, na medida em que os processos econômicos
mencionados se articulam a outros de natureza política, promovendo o
esvaziamento da esfera pública.
Como analisa Francisco de OLIVEIRA (1999, p. 57-58), ao lado das
transformações da própria classe trabalhadora internas (sua composição) e
externas (nas suas relações com o capital), ocorreu
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
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uma espécie de naturalização administrativa das conquistas e
dos direitos que, ao tornarem-se praticamente universais,
liberaram-se num processo bastante conhecido do ponto de
vista da sua produção conceitual e também histórica, de sua
base material, vale dizer, das próprias classes trabalhadoras.
Citando Habermas, o mesmo autor considera um esgotamento das
energias utópicas, que se refletem no abandono da militância sindical e até
mesmo na simples adesão ao sindicato que hoje apresenta baixas taxas de
sindicalização:
Todo esse processo, diz OLIVEIRA, é a privatização do
público. Mais do que as privatizações das empresas estatais,
que apenas em dois países, Inglaterra e França, revestiram-se
de conteúdos explicitamente ideológicos da luta de classes, no
sentido de que as empresas estatais eram bastiões de
importantes setores da classe operária que fundou e viabilizou
o próprio Estado do Bem-Estar, enquanto que na grande
maioria dos outros países as privatizações tiveram sentidos
mui pragmáticos, a subjetivação descrita é uma privatização da
esfera pública, sua dissolução, a apropriação privada dos
conteúdos do público e sua redução, de novo, a interesses
privados. Não é por outra razão que as medidas de
privatização, de dissolução da esfera pública, de destituição de
direitos, de desregulamentação, por parte das burguesias e dos
governos, encontram resistência social que não se
transforma em alternativa política. É que essa subjetivação é
comum dos dois lados da contenda, embora com sentidos de
classe bem diversos, o que a resistência social sobretudo
contra as medidas típicas do Estado do Bem-Estar (segurodesemprego, seguridade em geral, aposentadoria, etc.) tem
mostrado na Europa, apesar de que sua passagem para a
política se vê dificultada justamente porque a ruptura da
relação de conflito é uma anulação da política, nos termos
de Rancière. (grifos nossos).
Tendo como principais justificativas a crise fiscal e a ineficiência da
máquina estatal, vem-se promovendo, na última década, em vários países, a
reforma do sistema de proteção social, o que no Brasil se traduz no desmonte do
nosso já precário sistema de seguridade social, justamente quando, através da
luta de vários setores organizados da sociedade civil, se conseguira colocá-lo
num patamar de direitos constitucionalmente estabelecidos que, entretanto, não
estavam ainda totalmente implantados e consolidados. Segundo (TELLES, 2001
p. 140).
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
o desmanche, ora em curso, [...] não diz respeito à demolição
de direitos que, aqui em terras brasileiras, nunca chegaram a
se consolidar como referência de uma ‘norma civilizada’ nas
relações sociais. Mas é o desmanche de um horizonte e de um
conjunto de referências a partir dos quais a cidadania era (e
ainda é) formulada como uma aposta política possível. [...] e
sendo assim, entre os ‘resíduos’ do atraso de tempos passados
e as determinações da moderna economia integrada nos
circuitos globalizados do mercado, a pobreza é fixada onde
sempre esteve – como paisagem na qual é figurada como algo
externo a um mundo propriamente social, como algo que não
diz respeito aos parâmetros que regem as relações sociais e
que não coloca, por isso mesmo, o problema das injustiças e
iniqüidades inscritas na vida social.
Isso tem como conseqüência, no plano social, o aumento da
vulnerabilidade de um contingente expressivo da população com o aumento da
pobreza, da exclusão ou, como designa CASTEL (1999), da desfiliação, criando
duas categorias de indivíduos (integrados, não-integrados), ou como analisa
(PAUGAM, 1999) acelera a desqualificação social.
Ao examinarmos as características das políticas sociais formuladas na
última década, percebemos que elas estão muito longe de oferecer proteção
social a essa população, que precisaria de mais atenção no contexto acima
descrito, pela sua vulnerabilidade, como demonstram as análises de diferentes
autores, como: (COHN, 2000), (KAMEYAMA, 1997) e (SOARES, 2003).
O estudo realizado por (KAMEYAMA, 1997) identifica quatro principais
tendências das políticas sociais brasileiras na última década:
a descentralização, que quando atinge uma forma radical, aumenta as
desigualdades regionais, na medida em que se transfere responsabilidades da
união para os estados ou municípios, que não são acompanhadas dos recursos
correspondentes, alem de aumentar a fragmentação na prestação de serviços.
a privatização (explícita ou implícita) que se faz através de vários
mecanismos e modalidades:
• a transferência para o setor privado os estabelecimentos públicos;
• a eliminação dos programas públicos e o desengajamento do governo
de algumas responsabilidades específicas, a redução em volume,
capacidade e qualidade de serviços públicos, encaminhando a
demanda para o setor privado (como é caso do setor saúde, onde se
criou um grande mercado para planos e seguros de saúde, uma
grande parte dele bastante precários em termos de cobertura); o
financiamento público do consumo de serviços privados através de
contratação, e terceirização, reembolso ou indenização dos
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consumidores, tickets e vales com pagamento direto dos provedores
privados; as várias formas de desregulação ou desregulamentação
que permitem às empresas privadas assumirem serviços antes
monopolizados pelo governo (DRAIBE, 1993).
• a adoção de programas de renda mínima, com diversas modalidades,
que, ao contrário do que ocorre na Europa, estão longe de garantir a
subsistência das famílias pobres (o Projeto Suplicy de Renda Mínima
só foi aprovado quando a proposta original já estava completamente
desfigurada e sem condições de apresentar efetividade); a adoção de
programas de renda mínima no final do segundo mandato do governo
FHC, foi acompanhada de intensa propaganda eleitoreira, que pela
sua obviedade não tinha condições para convencer ninguém.
• a articulação público-privado, que vem se caracterizando muito mais
como transferência de responsabilidades públicas na prestação de
serviços às comunidades e famílias, através de ONGs, de
organizações filantrópicas tradicionais e da chamada filantropia
empresarial - perspectiva que num país onde as dimensões da
pobreza são imensas, é uma temeridade; essa transferência de
responsabilidades conta com o estímulo a uma solidariedade difusa,11
que é contrária à efetiva solidariedade estrutural assegurada pelo
sistema de proteção social institucionalizado na forma do Estado de
Bem-Estar Social, da qual o Estado é fiador para assegurar direitos
aos cidadãos.
Além desse aspecto, como afirma ainda (OLIVEIRA, 1999 p. 58), o
deslocamento das responsabilidades do Estado para uma suposta “sociedade
civil” é a morte da política, pois esse deslocamento somente produz indignação,
mas não produz política. Dessa forma, esvazia-se a esfera dos direitos sociais
que a duras penas, com uma ação intensa de vários segmentos sociais, inclusive
dos assistentes sociais, organizados através dos Conselhos Federal e
Regionais, estava se constituindo.
A estratégia política de esvaziamento do campo dos direitos sociais foi,
aliás, a tônica do Programa Comunidade Solidária (PCS) implantado no governo
FHC que através da promoção da solidariedade difusa já mencionada, congelou
os efeitos da Lei Orgânica da Assistência Social, que acabara de ser promulgada
(em 1993). Como indicam as conclusões de (COSTA, 1998 p. 131-148) num
excelente artigo, o PCS opera à margem da lei, ou seja:
11 Para uma análise do uso político-ideológico que vem se fazendo da noção de solidariedade nos
últimos anos, remetemos ao artigo: JAMUR, M. Solidariedade (s). O Social em Questão. v. 4, n. 4,
jul./dez. 1999. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Serviço Social, p. 25-60.
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
1 Opera à margem do MPAS (Ministério da Previdência e Assistência
Social) de sua coordenação, estrutura normativa e organizacional, abrindo
o caminho para a desintegração do padrão Seguridade Social;
2 Assumindo a competência do MPAS, no que se refere à assistência,
cria uma estrutura paralela que abre espaços para o ajuste institucional
necessário à mudança conceitual prevista: nova seguridade social versus
previdência capitalizada;
3 Articulando-se aos programas sociais de cada ministério, subordina e
limita sua ação às injunções orçamentárias setoriais.12
Quanto à filantropia empresarial, que vem ganhando muito destaque na
mídia nos últimos anos e que vem sendo considerada por muitos como uma
prática das “empresas-cidadãs”, consideramos que é necessário ir além das
aparências e da propaganda e buscar o significado dessa generosidade que, em
muitos casos (muitos mais até que gostaríamos de admitir) é, na realidade, um
excelente negócio: ela não apenas retira recursos do setor público (através da
isenção ou da renuncia fiscal); ela não custa nada, ou custa muito pouco a quem
a pratica - na maioria dos casos, as atividades são realizadas pelos funcionários
que são “estimulados” a usar o seu tempo livre para isso, em geral sem ganhar
horas-extras, o que constitui, portanto, uma sobre-exploração dos funcionárioscidadãos; não há nenhum controle público sobre os serviços prestados – o que
deveria ocorrer já que o Estado concede isenção fiscal (as empresas deixam de
recolher impostos) e, portanto é dinheiro público (dos contribuintes) que está
sendo utilizado; outro aspecto a ser destacado é que as empresas transferem
um modo de operar do mercado para os setores sociais (por exemplo, para as
escolas que elas “adotam”), neles introduzindo uma lógica e uma cultura
mercadologizantes.13
Não se trata de negar o direito à prática da caridade e da filantropia a
quem quer que seja, pois essas são atividades que sempre existiram e
continuarão a existir – trata-se de definir socialmente o que deve pertencer à
esfera de responsabilidade pública, do Estado, e o que deve ficar na esfera das
iniciativas privadas; trata-se ainda, e sobretudo de tornas públicas as decisões
sobre o uso dos recursos públicos (onde e como eles devem ser investidos), com
a necessária transparência e o com devido controle social.
Há portanto, como caracterizou QUIROGA (1997) três modelos de ação
social operando no Brasil hoje: o da caridade, o da filantropia e o da justiça –
12 COSTA, Vanda Ribeiro. À Margem da Lei: o Programa Comunidade Solidária. Em Pauta n. 12.
Rio de Janeiro, UERJ, Faculdade de Serviço Social, maio 1998, p.131-148.
13 Para uma análise mais acurada sobre a ação social das empresas no Brasil, ver (PAOLI, 2002)
e (GARCIA, 1997).
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
209
sendo este último, segundo o que todas as análises indicam, o mais frágil em
decorrência do desmanche do sistema público de proteção social.
Entre as múltiplas dimensões da questão social em sua configuração
atual, a dimensão do esvaziamento da esfera pública, deve ser enfatizada,
porque ela é central, como afirma (TELLES, 2001 p. 143):
A questão não é retórica, pois para além das garantias inscritas
na lei, os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza
os critérios pelos quais os dramas da existência podem ser
problematizados e avaliados nas suas exigências de eqüidade
e justiça. E isso significa um certo modo de tipificar a ordem de
suas causalidades e definir as responsabilidades envolvidas,
de figurar diferenças e desigualdades e de conceber as
equivalências que a noção de igualdade e de justiça sempre
propõe, porém como problema irredutível à equação jurídica da
lei, pois sempre é pertinente ao terreno conflituoso e
problemático da vida social.
Os Desafios do Serviço Social Hoje
Cabe agora, diante desse quadro, perguntarmos: quais são os desafios do
serviço social hoje e como se pode enfrentá-los?
Consideramos que essa questão coloca duas exigências à nossa reflexão:
exige, por um lado, que pensemos as condições da profissão no presente, sem
esquecermos de examinar tanto as necessidades e demandas de hoje, quanto
as possibilidades que o seu potencial atual nos autoriza a conceber em termos
de desenvolvimento futuro; por outro lado, é imprescindível não esquecer, neste
exercício prospectivo, que o Serviço Social é uma profissão, que tem no
horizonte um compromisso de intervenção na realidade social, o que caracteriza
os desafios atuais como teórico-práticos, ou seja, as demandas à profissão se
situam, ao mesmo tempo, no plano do conhecimento e no plano da ação
profissional nas organizações públicas e privadas.
Inicialmente, é preciso assinalar que o primeiro desafio é assegurar que
as conquistas e os avanços que indiscutivelmente a profissão obteve nos últimos
30 anos se consolidem, se ampliem e se aprofundem.
Embora consideremos que é importante analisar detidamente tais
avanços, não haveria condições de fazê-lo aqui. Por isso, vamos apenas
assinalar, de forma breve, que avanços são esses, que já examinamos mais
detidamente em outro texto, ao qual remetemos os interessados.14
Remetemos os interessados ao nosso artigo “A formação para o Serviço Social no Brasil:
expectativas, desafios e antigas contradições no sistema”, publicado na revista O Social em
Questão, n. 5, Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Serviço Social, p. 25-56, examinamos
14
210
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
Como indicamos naquele texto, verifica-se que, a partir de meados da
década de 60, um processo de modernização no serviço social tem curso,
trazendo algumas mudanças estruturais na profissão, indutoras de diferenciação
interna e de especialização no campo profissional. Dentre essas, destacamos,
pela sua importância:
• A ampliação do sistema de formação para o serviço social, que se
inicia já na segunda metade da década, com uma formação ao nível
de Pós-Graduação lato sensu (Cursos de Aperfeiçoamento com
duração de um ano, especialmente dirigidos para a formação de
docentes de diversas Escolas de todo o país); esse movimento se
torna sistemático e ganha consistência da década de 70, com a
implantação dos cursos de Pós-Graduação stricto sensu, que hoje já
conta com um número significativo de Programas consolidados (17
Mestrados e 8 Doutorados), observando-se uma tendência à
expansão da formação pós-graduada nos dois níveis citados;
• A consolidação do sistema de formação pós-graduada stricto sensu,
que é um dos elementos importantes na transformação do campo
profissional, criou a base para realização de outra mudança
estruturalmente importante, que foi a sistematização da produção de
conhecimentos na área, criando-se as condições para que houvesse
uma produção com fluxo contínuo - sobretudo através das
dissertações de mestrado e das teses de doutorado; geraram-se
assim, as condições para criação de canais para a sua difusão
regular com a constituição de um mercado de publicações específicas
para a área. Hoje existe uma significativa produção de conhecimentos
na área, mantendo-se um fluxo regular de publicações nacionais
(livros e revistas), com circulação comercial em todo o país - além
dos periódicos editados pelos programas de pós-graduação, de
circulação mais restrita - ou através de comunicações e trabalhos
apresentados em eventos científicos;15
• A consolidação da pesquisa, atividade que não constituía uma prática
sistemática entre os profissionais da área até os anos 70 também é
importante na caracterização das mudanças qualitativas introduzidas
na formação profissional nas três últimas décadas, assim como a
detalhadamente as mudanças estruturais por que passou a profissão no país, e os avanços
registrados a partir de meados da década de 60, ao mesmo tempo que analisamos antigas e novas
contradições, cuja superação se coloca como desafio aos profissionais.
15 Os indicadores qualitativos e quantitativos quanto a essas mudanças são apresentados no
artigo citado na nota anterior, especialmente nas páginas 26 a 33.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
211
inserção do Serviço Social na CAPES e no CNPq, os dois principais
espaços públicos responsáveis pela política de financiamento da
formação de recursos humanos em ensino e pesquisa, além dos
órgãos estaduais.16
As mudanças estruturais, aqui sinteticamente enunciadas, propiciaram
avanços no sistema de formação profissional, na pesquisa e na produção de
conhecimentos, sobretudo quando os resultados são confrontados com as
condições existentes no início dos anos 70, em termos de qualificação docente:
existe hoje um significativo contingente de Mestres e Doutores entre os docentes
das unidades de ensino, exercendo atividades de ensino, pesquisa e extensão,
“cuja qualificação certamente contribuiu para imprimir uma nova dinâmica e
elevar o nível da formação dos assistentes sociais que se desenvolve nas
escolas públicas e privadas de todo o país” (JAMUR, 2000 p. 33).
Após esse breve (e incompleto) inventário dos nossos avanços e
conquistas, voltemos aos nossos desafios, reafirmando o que colocamos de
início como o primeiro dos desafios a enfrentar: garantir que esses avanços e
conquistas realizados em três décadas se consolidem, se ampliem e se
aprofundem, na direção política predominantemente progressista que a profissão
assumiu nas últimas três décadas. É importante compreender os processos que
levaram a profissão a esse caminho e reconhecer o importante papel que as
posições críticas em relação à função social desempenharam. Hoje, o
compromisso com uma sociedade justa e democrática é inquestionavelmente
hegemônica no plano discursivo, mas é necessário que esse compromisso se
traduza numa prática coerente com ele, para que se possa enfrentar o risco de
retrocesso, favorecido pela conjuntura.
Para isso é necessário, entre várias ações estratégicas, realizar um
investimento específico direcionado para o campo da prática, que continua
sendo o nosso elemento mais frágil, onde se manifestam algumas das principais
Para avaliar a importância do investimento em formação científica, indispensável para assegurar
a produção de conhecimentos em fluxo contínuo, tendo na elaboração de dissertações e teses um
mecanismo fundamental, que não se limita a ele, porém, ver, além do nosso já citado artigo, duas
outras fontes: o Relatório de avaliação da CAPES (disponível no site www.capes.org.br)registra a
existência 30 linhas de pesquisa cadastradas, onde são desenvolvidos 153 Projetos de Pesquisa,
havendo 19 grupos de pesquisadores cadastrados (incluindo os professores-pesquisadores,
bolsistas de aperfeiçoamento e de iniciação científica), representando um contingente de 120
pessoas envolvidas permanentemente em pesquisa; o estudo realizado em 1996 por ABREU,
M.M. e SIMIONATTO (“A situação da pesquisa em Serviço Social no Brasil 1990-1996”. In: In:
Cadernos ABESS n.7, Nov. 1997, São Paulo: Cortez, pp.113-140) indica que em 34 unidades de
ensino (48% do total) existem 325 docentes-pesquisadores e 365 estudantes envolvidos em 334
pesquisas.
16
212
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
contradições que precisam ser enfrentadas pelo conjunto dos envolvidos na
produção e na reprodução da profissão.
Não seria exagero afirmar, com base em estudos que vimos realizando
sobre a prática dos assistentes sociais no Rio de Janeiro, assim como em
estudos de outros pesquisadores no Brasil, que o campo da prática profissional
não acompanhou os avanços aqui já mencionados em termos do sistema de
formação, da pesquisa e da produção de conhecimento e, por isso, as
contradições existentes entre ambos estão a exigir um cuidado específico, para
não comprometer as conquistas já alcançadas, até mesmo no próprio sistema de
formação.
Para identificarmos essas contradições, que estão constantemente
presentes (de forma explícita ou implícita) entre as questões, temáticas e
preocupações dominantes entre os assistentes sociais, basta observarmos a sua
expressão documentada nos principais fóruns reconhecidos como importantes
pela categoria (pesquisas, trabalhos apresentados e registros de debates
realizados). Analisando o conjunto dessas formas de expressão, podemos
perceber que a prática profissional e a formação profissional estão entre os
principais temas que têm mobilizado a reflexão dos assistentes sociais há pelo
menos duas décadas, qualquer que seja a sua função no campo profissional.17
Essas preocupações constituem, pela sua permanência, uma espécie de
leitmotiv nas discussões do meio profissional e poderiam ser traduzidas numa
questão crucial, que pode ser formulada através de três perguntas: em que
medida os avanços constatados nas unidades de ensino de serviço social em
termos de ensino, pesquisa e produção de conhecimento interferiram
significativamente na prática dos assistentes sociais nas instituições? Em que
medida se pode afirmar que a prática dos assistentes sociais nas organizações
públicas e privadas onde atuam é radicalmente diferente ou, pelo menos,
apresenta diferenças significativas daquelas que os profissionais realizavam há
cerca de 30 anos atrás? Em que medida a prática do serviço social nas
instituições hoje traduz, manifesta, ou concretiza as concepções, as propostas,
formuladas no projeto ético-político que foi construído nas últimas duas
décadas18 em que, como assinalamos, o sistema de formação profissional se
desenvolveu e se transformou?
Esse questionamento está vinculado a uma outra preocupação, que
freqüentemente se exprime como “necessidade de articular teoria e prática”, há
Retomamos aqui a discussão que realizamos no artigo já citado na nota 14, p. 34 e SS.
A esse respeito ver NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do serviço social
frente à crise contemporânea. In: Capacitação em serviço social e política social: Módulo 1: Crise
contemporânea, Questão Social e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999, p 91-109.
17
18
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
213
muito tempo presente no campo da profissão “através de algumas questões, que
funcionam como vetores em torno dos quais essa preocupação se formula,
independentemente da posição epistemológica assumida pelos sujeitos:
• Como articular os conhecimentos teóricos que compõem o currículo
da formação dos assistentes sociais e as situações que estes devem
enfrentar na sua prática cotidiana?
• Como superar a falta de articulação, a distância, a dissociação ou a
oposição entre ambos?
Ao registrarmos a expressão dessa preocupação, observamos também, a
manifestação de duas ordens de expectativas no campo profissional:
• A primeira, de que o desenvolvimento da formação pós-graduada,
sobretudo dos mestrados e doutorados, pudesse transformar
qualitativamente o ensino da graduação e, conseqüentemente
teríamos uma prática melhor qualificada e coerente com o novo
projeto ético-político;
• A segunda, de que as reformulações curriculares do curso de
graduação, fossem capazes de trazer soluções para as questões que
se manifestam nas duas ordens de preocupações mencionadas,
relacionadas com a prática e consideradas como expressão maior da
fragilidade da profissão, que nem mesmo os avanços do sistema de
formação e a produção do saber na área têm contribuído para
superar.
Diante disso, um dos desafios que se colocam é o de criar estratégias que
possam, dentro de certos limites, romper com os processos que vêm produzindo,
entre a maioria dos assistentes sociais que concluem a graduação, resultados
que não estão à altura dos avanços constatados no sistema de formação e que
vêm contribuindo para realimentar e reforçar uma representação social da
profissão, de indiferenciação com relação ao trabalho voluntário, de amadorismo,
de baixa qualificação e de subalternidade. Considerando que, em função das
políticas de desmonte do sistema de proteção social na perspectiva dos direitos
anteriormente mencionado, há um estímulo à ação voluntária e à proliferação da
ação social privada através das ONGs, onde em geral, não há exigência de
qualificação profissional dos agentes esse é um desafio que precisa ser
encarado como prioridade.
Não vamos tratar aqui, dos desafios e das estratégias especificamente
relacionadas com os problemas da formação profissional, embora consideremos
que sejam fundamentais no enfrentamento das questões aqui abordadas, porque
já discutimos essa temática no artigo mencionado.
Vamos nos limitar ao tratamento dos desafios diretamente ligados às
214
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
atividades de pesquisa e à produção de conhecimentos voltados para a
necessidade de qualificação da prática do serviço social, visando à superação da
distância entre discurso e ação concreta, porque consideramos que as
universidades sempre tiveram e continuarão a desempenhar um papel
fundamental na formulação de estratégias orientadas para esse objetivo. Uma
das razões para tal é o fato de que, embora por convicção política prefiramos a
igualdade, não podemos deixar de reconhecer (e de tratar teóricometodologicamente) a desigualdade de poder que existe entre os dois espaços,
independentemente da preferência e da vontade dos sujeitos inseridos num e
noutro. Assim sendo, o poder simbólico e o prestígio da universidade podem (e
devem) ser usados positivamente para enfrentarmos os desafios já
mencionados.
Uma condição indispensável para tal é redirecionar a produção do saber
nas unidades de ensino que, como já analisamos em outro lugar,19 têm que se
pautar nas regras próprias do espaço universitário; as escolas de serviço social,
sem abandonar a perspectiva que lhe é própria, precisam incorporar ao seu
sistema de objetos de forma orgânica e sistemática, as demandas que emergem
das situações da prática profissional; a produção de conhecimentos pelas
unidades de ensino, como indicamos, deveria alcançar o espaço da prática, não
de fora para dentro, mas de dentro: a produção de saber deveria incluir e
priorizar estrategicamente as temáticas teórico-metodológicas, ético-políticas e
pedagógicas que emergem do cotidiano da prática nas organizações que
constituem também campos de estágio; estas temáticas,
precisariam ser tratadas como desafios, não apenas
retoricamente, com um olhar que critica de fora, distante, mas
com um olhar crítico de quem está vinculado por um projeto
bem definido de pesquisa-ação, compartilhando a percepção
da pressão das demandas, buscando cooperativamente as
alternativas e formulando propostas para responder a elas; o
distanciamento crítico próprio do espaço da universidade só
será fecundo em relação à profissão, na medida em que
buscar, através da sua inserção no outro espaço, produzir
novas formas de olhar para o campo da prática, que hoje, em
geral, é percebido apenas como o avesso ou negação da
“teoria” que se ensina na universidade, contribuindo para a
qualificação desse outro espaço (p. 51-52).
Analisamos num artigo, ao tratar dos problemas da nossa formação profissional as lógicas e
regras diferentes que regem os dois espaços (da universidade e das organizações de serviço
social) colocando exigências distintas aos profissionais neles inseridos. JAMUR, cf. nota 14, p. 4749.
19
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
215
No que se refere às atividades de pesquisa, consideramos que é
necessário se estabelecer uma estratégia que articule permanentemente as
organizações da categoria responsáveis pelo direcionamento do ensino e da
pesquisa com os Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social, para se
definir uma política que possa, a médio e longo prazos, estabelecer linhas de
pesquisa voltadas para qualificar a prática dos assistentes sociais, tentando
responder aos desafios apontados.
Trata-se de investir na pesquisa de metodologias que articulem
conhecimento e intervenção, unindo num esforço sistemático os professorespesquisadores e os assistentes sociais, formando equipes para realizar
programas de pesquisa-ação, que focalizem as dimensões da prática
profissional, investigando as condições concretas nas quais ela se realiza, que
atualmente revelam mais fragilidades e se mostram mais contraditórias em
relação ao projeto ético-político do serviço social. Por falta de atenção a essa
dimensão, por falta de instrumentos efetivos para uma ação coerente com esse
projeto, as práticas tradicionais condenadas no discurso, acabam se
reproduzindo sub-repticiamente entre as novas gerações formadas.
Consideramos que a questão social, dentre múltiplas temáticas, é uma
área de trabalho estratégico em torno das quais se pode articular os dois
conjuntos de atores, na realização de projetos de pesquisa-ação,20 como
propusemos acima. Concordamos com (PEREIRA, 2001, p. 57-60) que, como
vimos anteriormente, considera que precisamos realizar um trabalho sobre a
própria questão social, pois entende que não há uma verdadeira
problematização em torno da questão social, afirmando que as questões
integrantes da agenda de estudos do Serviço Social, suas pesquisas e projetos
de intervenção, nem sempre são questões sociais de fato:
Como é sabido a pesquisa-ação tem múltiplos sentidos e dá lugar a métodos e práticas
diferenciados, algumas das quais contribuíram para desacreditar essa proposta por negligenciarem
as exigências teórico-metodológicas que ela implica. Quando sugerimos aqui a sua utilização
estamos nos remetendo à metodologia desenvolvida por cientistas sociais (sobretudo europeus e
canadenses), a partir de um referencial marxista. Ver a esse respeito: WIEVIORKA, Michel.
Recherche-action et experimentations sociales. Connexions n. 43, Paris, 1884, p. 29-38; DE BAL,
Marcel B. Nouvelles alliances et reliance: deux enjeux stratégiques de la recherche-action. Revue
de l’Institut de Sociologie, Université Libre de Bruxelles, n. 3, 1981, p. 573-587; CALPINI, J.C. et
alli. Recherche-action: interrogations et stratégies émergentes. Cahiers de la Section des Sciences
de l’Éducation de l’Université de Genève: 26, 1987, As experiências realizadas, sobretudo por
pesquisadores franceses, belgas, suíços e canadenses, no campo do trabalho social e da
formação, têm colocado em evidência a contribuição desse método, tanto em termos de produção
de saber, quanto de melhor qualificação das ações e dos profissionais.
20
216
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
para muitos de nós, assistentes sociais a questão social não
está clara. Ela é, no mais das vezes, vista genericamente,
como a representação das crises, tensões, desafios,
vulnerabilidades, riscos, desconstruções, discriminações,
aporias, que efetivamente existem e castigam grande parte de
humanidade. [...] Isso coloca, a meu ver, desafios
epistemológicos sérios para o Serviço Social porque, sendo a
questão social o seu foco privilegiado de interesse científico e
político, e em não estando esse foco teoricamente definido,
corre-se o risco de tomá-lo analiticamente como um fato
inespecífico, caindo-se no relativismo, ou de pensá-lo como um
fenômeno espontâneo desfalcado de protagonismo político.
Diante dessa insuficiência, para a autora, “cabe às profissões de conteúdo
social, dentre as quais o Serviço Social, descobrirem qual é a sua contribuição e
como devem participar da sua problematização”, para torná-la efetivamente uma
questão social.
Acreditamos que para dar essa contribuição, é necessário articular o
esforço sistemático de professores-pesquisadores e de assistentes sociais que,
nas organizações públicas e privadas lidam cotidianamente com as situações em
que os efeitos da desigualdade social se manifestam, para que possam,
simultaneamente: produzir uma problematização que permita uma compreensão
teórica mais acurada dessas situações e melhor qualificação das práticas dos
profissionais que devem produzir respostas a essas demandas concretas,
através de uma cooperação que os vincule num compromisso ético-político
prático e mutuamente acordado; é necessário, também, que essa aliança se
estabeleça de modo claro, com objetivos e duração definidos, para constituir um
sistema de ação concreta, ou seja, para que os atores oriundos de dois campos
(que tem lógicas de funcionamento distintas) possam enriquecer a sua
experiência, participando de um sistema sócio-científico aberto e de um sistema
de pesquisa-ação concreto.
Conhecendo as condições gerais em que se realiza a prática profissional
que não é autônoma, se queremos efetivamente superar as contradições
apontadas, é preciso adotar estratégias que possam romper com a lógica que
tem orientado o tratamento das questões da reprodução da profissão; esta
continua sendo pensada e definida predominantemente no espaço acadêmico
que, pela sua própria lógica e pelas suas regras de funcionamento se mantém
distante do espaço onde a prática se realiza. Apesar do esforço realizado pelos
órgãos da categoria profissional que têm participado dos debates sobre a
implantação das diretrizes curriculares e têm assumido algumas ações
importantes em relação à formação permanente (ou à capacitação continuada)
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
217
dos assistentes sociais em exercício,21 essa distância se mantém, sobretudo
porque, somente a adoção dessas estratégias, mesmo sendo realizadas com o
maior êxito, não são suficientes para reduzir a distância entre os dois espaços
profissionais, cada um deles submetido à sua própria lógica – por isso é preciso
articulá-los num projeto comum que possa envolver, comprometer e transformar
ambos.
Para que isso se efetive é necessário que os órgãos representativos da
categoria (CFESS, CRESS e ABEPSS) estabeleçam um conjunto de estratégias
políticas visando à construção de alternativas em face dos obstáculos existentes
para se alcançar uma prática coerente com o que propõe o projeto ético-político
da profissão, que deve contemplar uma agenda de pesquisas sobre temas
relacionados à prática profissional e também à própria formação profissional.
Isso não significa impor aos pesquisadores determinados objetos de estudo, mas
estimulá-los, através dos diferentes recursos institucionais de que as
organizações profissionais dispõem (sobretudo a ABEPSS pelas suas
finalidades) definindo um programa de pesquisas, de longo prazo, que incluísse
temáticas que abordem os complexos processos envolvidos na prática dos
profissionais. Seria uma forma controlada e sistemática de recolher elementos
para se conhecer melhor os processos envolvidos nas dificuldades encontradas
pelos assistentes sociais para concretização da sua prática, que subsidiariam
reflexões sobre as formas de superação das condições existentes,
fundamentando também propostas de políticas sociais.
A construção de alternativas implica na articulação dos diferentes sujeitos,
ou seja: aqueles que atuam nas unidades de ensino (nos distintos níveis de
formação), nas organizações onde a prática do serviço social se realiza, e nos
órgãos representativos da categoria; isso é indispensável, porque o caminho
para superação da distância existente entre o discurso competente na análise
dos macro-processos sociais que se constituiu num longo processo de
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e os Conselhos Regionais (CRESS), além do
trabalho regular de controle e fiscalização do exercício profissional (que as Comissões de
Orientação e Fiscalização vêm desenvolvendo uma ação estrategicamente importante a médio e
longo prazos, realizando diferentes ações positivas, como as visitas às organizações por áreas e
os encontros descentralizados, atingindo inclusive cidades do interior), em termos de formação
permanente junto aos Assistentes Sociais: através de Encontros (como o de Seguridade, realizado
em nível Regional e Nacional), Cursos, Debates e Comissões Temáticas (Assistência e
Previdência, Família, Criança e Adolescente, Gênero e Etnia, Saúde, Dependência Química, etc.)
que se reúnem mensalmente; além disso, vêm realizando um Programa de Capacitação
Continuada à Distância para Assistentes Sociais, (juntamente com a ABEPSS), através de
convênio com o Centro de Educação Aberta, Continuada e à Distância da Universidade de Brasília,
em quatro módulos e com excelente material bibliográfico de apoio, que atualmente alcança
profissionais de11 Estados.
21
218
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
qualificação profissional nas últimas três décadas, e a construção de formas de
intervenção nos micro-processos onde se realiza a prestação de serviços à
população é, indiscutivelmente, uma construção coletiva.
Ao pensarmos em estratégias para tentar superar os desafios atuais, não
podemos esquecer, por um lado, que a razão de ser do sistema de formação
profissional e de suas unidades de ensino é assegurar a reprodução de um
corpo profissional qualificado, como um dos requisitos que historicamente se
constituiu para garantir o reconhecimento social formal da profissão; e, por outro
lado, que o campo do serviço social - tal como ocorre com todas as profissões,
independentemente de suas especificidades - se estrutura a partir de uma
relação dialética entre as condições criadas pela formação social e as condições
criadas a partir das ações dos profissionais e de suas organizações, através de
processos nos quais se refletem os conflitos sociais presentes na sociedade;
isso significa que é necessário investigar quais são os limites colocados por tais
processos, assim como as potencialidades que apresentam.
Um desses limites é apontado por (SARTI, 2002 p. 62-63), que chama
atenção para o fato de que se percebe a ausência de cientistas sociais nos
debates em que se pretende refletir sobre temas importantes para a formulação
de políticas públicas, mencionando como exemplo, a baixa participação das
ciências humanas e sociais em eventos onde se discute temas importantes como as políticas de educação, de ciência e tecnologia, a questão do
desenvolvimento sustentável no país, a avaliação de ações governamentais onde certamente teriam uma contribuição relevante a dar. Pergunta-se, ainda,
por que os cientistas políticos “não são convidados para os grandes encontros,
nem consultados nas importantes decisões sobre elaboração e implantação de
políticas que afetam profundamente a vida dos cidadãos?” Nem os cientistas
sociais, nem os assistentes sociais, portanto, são chamados a participar da
elaboração das políticas sociais que afetam decisivamente as suas condições de
trabalho, e sabemos porque isso ocorre: a lógica dos direitos sociais ainda não
se afirmou em nosso país.
Entretanto, caberia nos perguntarmos: admitindo-se a hipótese de que um
governo democrático local, em qualquer cidade brasileira, buscando diálogo,
participação e respaldo técnico na sociedade, convocasse os assistentes sociais,
juntamente com outros profissionais, para apresentar programas e projetos
alternativos às “políticas sociais neoliberais” que, com justa razão, não nos
cansamos de denunciar, o que esses profissionais - que se formaram nas
nossas universidades - estariam preparados a oferecer concretamente?
Isso aponta para o que se pode considerar como um desafio que
condensa os demais: produzir conhecimento sobre as formas concretas de
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 197-224, 2003
219
expressão da questão social e sobre os efeitos das atuais políticas e dos
programas sociais sobre as condições de vida da população; esse
conhecimento, associado à capacidade profissional demonstrada e reconhecida
para formular, executar e avaliar alternativas concretas de políticas sociais, pode
instrumentalizar uma ação política, articulada com a de outros profissionais, para
reivindicar o direito de participar da definição e da avaliação de políticas e de
programas sociais. Esse direito, aliás, pode e deve ser reivindicado por todos os
cidadãos que visam à democratização da nossa sociedade. Entretanto, daqueles
que fizeram da intervenção no social a sua escolha profissional, espera-se que a
sua legitimação se construa, não pelo monopólio do exercício garantido pelo
Estado, mas pela prática qualificada, que una competência política e técnica,
para que sua opção por participar da construção de uma sociedade justa e
igualitária se concretize.
JAMUR, Marilena. Configurations of the Social Question in Brazil and of the defiances to Social
Work. Serviço Social & Realidade (Franca), v.12, n.1, p. 197-224, 2003.
•
ABSTRACT: The article boards the straits ties existents between Social Question and Social
Work, condition to the emergence towards its professionalization. Boards, also, the mainly
defiances to be confronted by the profession in Brazil, in front of the changes on the operation
form of capitalism today, replacing and amplifying the conditions that cause impoverishment of
workers, synthesizing the principals producers/reproducers features of social inequality in Brazil.
•
KEYWORDS: Social Work; social question; defiances; practices.
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RESENHA
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Rita de Cássia Camargo BRANDÃO*
A Relação Estabelecida entre a Pesquisa e a Aprendizagem
A idéia da obra é desmistificar a pesquisa, ou seja, fazer da mesma uma
atividade cotidiana, presente desde a pré-escola. Assim o processo de pesquisa
não ficaria reservado a poucas pessoas.
Segundo o autor a pesquisa deve ter em vista a criação e a emancipação,
que olha a realidade de forma crítica. Daí a importância de não ser apenas um
repetidor, mas sim, aprender pela própria obra produzida. Assim sendo, é
possível intervir, pois cabe ao pesquisador não somente descobrir, pensar e
sistematizar, mas também assumir essa intervenção na realidade.
A pesquisa vista no todo dialético, busca a atitude política sem desvincular
do ensino e da política, não pode ser um ato isolado, mas um processo de
investigação diante dos acontecimentos. Busca-se com isso a emancipação.
Na expectativa cotidiana, o criar não é retirar do nada, é reconhecer o
realismo do dia-a-dia e ter a impressão pessoal em algo retirado de outrem.
Portanto, para se criar é preciso pesquisar tendo em vista a capacidade de
elaboração própria.
A hermenêutica é a arte de descobrir o que está escrito nas entrelinhas, o
significado para além da palavra, sabe ver o que está atrás das aparências.
Nesse contexto, percebe-se a importância da teoria que deve ser usada como
respaldo e como instrumento para o intérprete. Desta forma, consegue-se
montar alternativas explicativas, fazer análises e interpretações, ter diferentes
visões e resgatar o senso crítico da teoria.
A teoria neste contexto é colocada em questionamento quando se depara
com a prática, pois somente assim, surgem dúvidas que possibilitam buscar
novas alternativas.
Em termos de metodologia a pesquisa participante é uma das propostas
que mais valoriza a prática como fonte de conhecimento. Essa pesquisa não
separa sujeito e objeto e faz a relação entre teoria e prática, compreende o
diálogo crítico com a realidade no seu cotidiano.
Não se pode falar em neutralidade científica, pois todo cientista molda a
*
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UNESP – Franca/SP.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 225-228, 2003
225
realidade de acordo com seu ponto de vista. O cientista não é um ente
desencarnado, mas uma pessoa inserida em um processo histórico social.
Diante disso é possível compreender porque uma realidade é construída
de modo diversificado. Isso não quer dizer que o cientista inventa uma realidade,
mas ele a interpreta, pois ela não é evidente.
Essa discussão nos mostra a importância da pesquisa que questionando
sobre alguma situação já existente, sugere o “criar”, forçando assim, o
surgimento de novas alternativas. Essa é uma das vantagens da postura
dialética, pois nem o método e nem a realidade ficam estanques pelo contrário,
sempre estão em processo de superação histórica.
O processo de pesquisa deve estar ligado à vida acadêmica, pois deve
ser visto como processo social. Universidade não pode ser considerada como
tal, se ela somente ensina, pois o primeiro princípio da ciência é a pesquisa.
A pesquisa como diálogo é a fala inteligente com a realidade, pois surgem
críticas e questionamento do próprio ponto de vista do outro. Quando pessoas
dialogam é porque são emancipadas e porque têm com que contribuir, não ficam
somente escutando, mas discutem e demarcam espaço próprio, defendendo seu
ponto de vista.
Nesse contexto, a pesquisa não é uma simples descoberta ou uma
elaboração teórica, mas uma socialização do saber e um método de
comunicação.
Com a pesquisa é possível demonstrar que não se perdeu a vontade de
iniciar outra vez, pois através dela consegue-se criar novas alternativas,
mudando e compreendendo a realidade histórico-estrutural.
A aplicação da pesquisa como princípio científico sugere alguns caminhos
para que a Universidade não prevaleça pouco produtiva e criativa e fique
somente no processo de reprodução de ensinamentos e não no descobrimento
de novos.
O primeiro passo é aprender a aprender e não fazer cópias. Isso se
consegue através de muita leitura, pois assim, é possível discutir várias posições
com embasamentos teóricos e criar a sua própria. O segundo passo é a
elaboração de um tema, onde o problema deve ser analisado para uma posterior
compreensão. Para conseguir dar “conta de um tema” é preciso saber onde se
quer chegar no sentido de uma proposta científica, posteriormente verifica-se e
comprova-se uma suspeita a qual damos o nome de hipótese. O resultado pode
ser tanto positivo ou negativo, mas ambos terão seu significado para a ciência.
Quando se consegue elaborar um tema, é preciso lembrar que ele não é a
verdade absoluta, somente quer dizer que é bem fundamentado, garantindo o
avanço científico.
226
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 225-228, 2003
Nas Universidades, a avaliação do aluno restringe-se apenas a um lado
que deve ser avaliado. É preciso verificar se o lado da prática também tem
qualidade. Essa avaliação qualitativa é mais difícil, pois não possui dados
mensuráveis. Seria positivo trazer a Universidade para dentro da sociedade e
assumir um compromisso estrutural, científico e tecnológico. Com isso, teríamos
superado a questão que a universidade não faz parte da realidade e a extensão
ficaria mais verdadeira.
É essencial que o cientista saiba questionar a realidade que vive,
problematizar, criar hipóteses, confrontar, elaborar chances de cidadania e
democracia.
Demo em sua obra indica que a pesquisa como princípio educativo
deveria fazer parte da proposta escolar desde os primeiros anos da criança na
escola. No próprio ambiente lúdico, é possível visualizar a atitude de pesquisa e
promover o desenvolvimento via processo educativo, inventando soluções
próprias, descobertas e criação de relacionamentos, sobretudo praticar a
emancipação desse sujeito. A emancipação trata da formação de uma pessoa
que se recusa ser tratada como objeto, que é capaz de se definir e ocupar o seu
próprio espaço. É um processo histórico de conquista do ator consciente e
produtivo. Quando esse sujeito torna-se consciente de sua condição histórica,
compreendendo suas causas, sua estrutura da qual pode estar fazendo parte,
ele passa de objeto a sujeito, ser social. Essa conscientização ocorre de dentro
para fora, embasada no questionamento crítico. Isso é conseguido através de
discussão repetida, dialogada, questionada. A partir daí consegue-se sair desse
processo histórico que lhe foi imposto e executar o projeto emancipatório.
A compreensão da emancipação fica mais adequada vista no quadro da
desigualdade social, como questão histórico-estrutural. A sociedade vigente é
colocada sob uma estrutura desigual, onde existem poucos privilegiados.
Emancipar é recuperar o espaço próprio que outros se apossaram. Trata-se de
um trajeto problemático, no qual estratégia política é essencial. A emancipação
não deve ser uma atitude isolada, pois nada na sociedade é espontânea, precisa
ser motivada para conseguir o princípio do processo, mas na deve ser induzida.
A escola é um importante espaço para conseguir a formação da cidadania
ou pelo menos deveria ser. Não deve ficar reduzida na condição de reprodutiva.
Nesse contexto, o conceito de pesquisa é fundamental, porque através da
consciência crítica consegue-se questionar, recusar a ser massa de manobra e
passa-se à produção de alternativas com vistas a uma sociedade mais tolerável,
sobretudo consegue-se aí a política emancipatória de construção do sujeito
social competente e organizado.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 225-228, 2003
227
Conclusão
O autor nos mostra que a pesquisa é uma exigência para a apreensão da
realidade, deve ser entendida como um momento de síntese e expressão da
totalidade da formação profissional. É o trabalho o qual possibilita a
sistematização do conhecimento como resultado do processo investigativo, a
partir de uma indagação teórica.
Contribuição da Obra
A obra reflete o compromisso do Professor Pedro Demo para com os
ideais da emancipação e com a universalidade da educação, que envolve os
ideais de justiça e liberdade para todos. Ressalta a dimensão pedagógica da
pesquisa com uma concepção de educação emancipatória a qual serve de
mecanismo na realização da reflexão crítica como também permite alocar o
espaço da pesquisa e a educação escolar em conexão com os diversos
aspectos formativos que atravessam a sociedade como um todo. A principal
contribuição da pesquisa enquanto processo Científico e educativo reside na
abertura para as idéias as quais despertam para críticidade voltada para a
possibilidade de construção de uma reflexão critica comprometida com a
construção de uma cidadania ativa e com a superação dos problemas sociais da
atualidade.
228
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 225-228, 2003
RESENHA
BIANCHETTI, Lucídio.; MACHADO, Ana Maria Netto (org.). A bússola do
escreve: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações.
Florianópolis: UFSC; São Paulo: Cortez, 2002.
Silvia Cristina Arantes de SOUZA*
Primeiramente é preciso assinalar que a leitura do livro A bússola do
escrever – desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações foi
realizada no momento do meu retorno à instituição pós-graduação, após 06 anos
de afastamento. Terminei o mestrado em 1995, exatamente quando as
modificações hoje cristalizadas começavam a serem sentidas, porém ainda não
impactavam tão fortemente no desenvolvimento dos programas de pósgraduação stricto sensu. Sendo assim, o comentário sobre o livro acaba por
refletir a ótica de leitura de um orientando.
O livro é uma coletânea cujos textos analisam, sob diferentes enfoques,
inclusive a partir de bases teóricas divergentes, o processo de elaboração de
dissertações e teses nos programas de pós-graduação.Trata mais
especificamente da estreita relação entre o orientar e o fazer a escrita no
contexto da pós-graduação nacional.
Este livro, definitivamente não é mais uma publicação sobre métodos e
técnicas de pesquisa. Ao propor discutir pesquisa a partir dos elementos
orientação e escrita, os organizadores abriram um canal de reflexão que
extrapola o tratamento dispensado tradicionalmente ao tema até então.
Nas suas pesquisas mais recentes, os organizadores observam que já
está em curso um processo de mudança no enfoque das publicações sobre
pesquisa científica. Estas têm apresentado como objeto de análise questões
referentes à elaboração de teses e dissertações, centrando-se menos na
tradicional discussão de metodologias, procedimentos e técnicas.
A hipótese para esta mudança de enfoque é justamente a expansão do
sistema de pós-graduação stricto sensu no país e, arriscaria a dizer, também o
encurtamento dos prazos para o término das teses e dissertações determinado
pelos novos padrões de avaliação institucional a que estão submetidos os
programas. Este último fator pode estar inquietando e alterando inclusive a
relação orientador/orientando e, muito provavelmente acentuando a
manifestação da chamada síndrome do papel/tela em branco que geralmente
* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UNESP - Franca/SP. Assistente
Social.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
229
acomete os alunos, porém com mais intensidade quando se encontram
pressionados pelo tempo.
Mesmo com esta já perceptível mudança de enfoque, os organizadores
também observam nas novas publicações uma ausência de preocupações
voltadas para o papel do orientador e o próprio processo de orientação. Talvez
porque “tais livros ocupam um lugar ou papel aparentemente muito próximo ao
do orientador, desempenhando a função de auxiliar, substituto ou até de
concorrente do professor que assume a tarefa de orientar”.
E é justamente neste sentido que o presente livro se mostra interessante
e inovador: ao selecionar textos já escritos ou “encomendar” a determinados
autores reflexões que, direta ou indiretamente tratassem da tríade
orientador/orientando/escrita, a perspectiva dos organizadores foi ressaltar que o
processo de orientação enquanto um objeto complexo “constitui-se ele próprio
em objeto de pesquisa”.
Interessante ressaltar que o livro reúne textos clássicos como “Memórias
de um orientador de tese”, de Cláudio Moura Castro escrito em 1978, outros
revisitados, ampliados ou reduzidos, até aqueles escritos especialmente para
compor a coletânea. E, embora haja entre eles distâncias de mais de uma
década, o conjunto do trabalho é extremamente atual. A diversidade de posições
teóricas, ideológicas, políticas, de áreas de pesquisa não constituem elemento
de instabilidade para o conjunto da obra. A experiência de todos os autores
como pesquisadores e orientadores possibilitou a unidade e a coerência da
coletânea.
Sobre o Orientar e o Escrever
Aqui o principal problema é bastante simples de ser enunciado, não
havendo inclusive discordância entre os autores que ressaltam a escrita como
princípio da pesquisa: a verdade é que a escola básica e os cursos de
graduação não favorecem o exercício da expressão escrita.
Problema fácil de ser detectado, porém de alta complexidade para ser
superado no decorrer do mestrado ou doutorado quando o aluno é obrigado a
escrever. Na verdade, a superação desta dificuldade deve acontecer durante
toda a escolaridade, o que fatalmente exigirá mudança de comportamento dos
professores e de conteúdo curricular, desde inclusive, a alfabetização.
Porém, o que fazer hoje nos cursos de pós-graduação onde o problema
de ausência de preparo para a escrita já está instalado?
A tradição universitária de graduação, assentada, sobretudo no ensino,
privilegia a oralidade, observada nas práticas de aulas discursivas e de
realização de seminários, “onde se fala e se escuta sobre o que se leu”. E ao
230
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
ingressar na pós-graduação o aluno se depara com o universo da escrita,
especialmente ao terminar os créditos período em que ainda reina a tradição do
ensino via oralidade.
É urgente, dado o grande contingente de alunos que tem adentrado a pósgraduação, que os programas cuidem com mais atenção do projeto pedagógico
que orienta o funcionamento dos cursos. Nesse sentido é necessário pensar e
formular a orientação como um processo pedagógico e dedicar especial atenção
à maneira como este vem sendo conduzido pelos orientadores credenciados
pelo programa.
No livro ora resenhado é nítida a preocupação dos organizadores, que
também são pesquisadores e autores, em evidenciar que pouco se estuda sobre
o tema orientação. E em dado momento da leitura perguntei-me sobre a validade
de constituir o processo de orientar em objeto de pesquisa: é de relevância
científica?
Após a conclusão da leitura, penso que ao se aprofundar o conhecimento
sobre o tema, especialmente como o processo de orientação se materializa (é
concebido e executado como elemento de formação do orientando?), melhores
orientadores poderemos ter ou ser. Esta é a esperança!
Os textos que abordaram mais diretamente a questão da escrita ou mais
precisamente a falta de preparo escolar para o exercício da escrita apresentam
reflexões extremamente pertinentes denotando conhecimento advindo da prática
dos autores como professores e orientadores.
A única ressalva é a ausência de estabelecimento entre leitura crítica e
escrita. A boa literatura aliada à capacidade de leitura crítica são ingredientes
fundamentais para o desenvolvimento da escrita. Ora, se a escola básica não
prepara para a leitura crítica (inclusive porque o processo educacional não se
assenta no saudável princípio da dúvida)1 e mesmo os meios de comunicação
de tradição oral não favorecem a aquisição do hábito da leitura, como pode o
aluno escrever bem? Sabemos que a escrita é ferramenta do pensamento,
porém precisamos aprender a pensar, a estabelecer relações. E a leitura crítica é
parte indispensável deste processo.
Sobre a Pós-Graduação Nacional na Atualidade
Ao estabelecer a estreita relação entre o ato de orientar e o exercício da
escrita na construção do ser pesquisador, os autores como bons pesquisadores
que são, não poderiam deixar de contextualizar o processo de escrever/orientar
em nosso país.
1
Para conhecermos é imperioso perguntar como tal fenômeno acontece? Por quê?
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
231
E sendo assim, levantam importantes e atuais questões que têm
determinado os rumos da pós-graduação stricto sensu no país.
Considerando que os quinze anos de língua portuguesa, vivenciados pelo
aluno até a conclusão da graduação, não habilitam para escrever, o estudante
de pós-graduação reúne apenas condições potenciais para o exercício da
escrita. Potenciais porque presume-se que o aluno que opta por continuar
estudando após a graduação apresenta no mínimo o gosto e a predisposição
para o estudo e a pesquisa. Pois bem,
para desenvolver potencialidades precisa-se de tempos e
provocações adequadas. Tempo para que o aluno escreva
muito, e muito tempo para que o orientador leia os escritos de
seus alunos. E como sabemos, nos dias de hoje, o tempo para
defender uma dissertação ou uma tese encurtou.
A questão dos prazos atuais para conclusão dos cursos de pós-graduação
stricto sensu é recorrentemente analisada desde o prefácio do livro, até mesmo
nos textos mais antigos que foram revisitados pelo respectivo autor.
Na verdade alguns destes textos problematizam o contexto institucional
da pós-graduação nacional levantando importantes elementos que tem
determinado inclusive a relação orientador/orientando e deste com a escrita.
Problemas como produção bibliográfica e a pressão pela publicação; os institutos
de fomento, o tempo e as condições para a pesquisa são colocados na mesa
para o debate de forma bastante atual e pertinente.
Nessa perspectiva, o texto da professora Mirian Jorge Warde – Sobre
orientar pesquisa em tempos de pesquisa administrada – é bastante
emblemático. A partir do universo da educação, esta autora traça um
panorama sobre a pesquisa produzida entre os anos setenta e noventa: “nos
anos pós ditadura estamos conhecendo essa outra modalidade em que o
sujeito do discurso crítico não merece tempo nem preservação”. E termina seu
“passeio” pelo universo da pesquisa registrando o seu “mal-estar de ver as
atividades de orientação convertidas em gerenciamento dos procedimentos
práticos e de aplicação técnica; de ver o tempo escoando-se com disputas por
recursos financeiros e com o preenchimento de formulários que permitem
atestar não competências cognitivas, mas habilidades de controle e
administração”.
Nos anos noventa a CAPES passa a rever seus critérios de avaliação dos
programas de pós-graduação e a partir do biênio 1996/1997 introduz um novo
paradigma de avaliação para o país.
O texto “Avaliação na pós-graduação brasileira: novos paradigmas,
232
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
antigas controvérsias” de Maria Célia M. de Moraes, pontua e analisa os
principais aspectos das mudanças efetivadas no âmbito da CAPES e que estão
em curso, tornando sua leitura obrigatória para que nós orientandos possamos
compreender em que contexto institucional estamos nos formando
pesquisadores.
Na verdade, a análise crítica das mudanças em curso no processo
institucional de produção científica no país, a partir da década de 90 torna-se até
mesmo um alento para os estudantes de pós-graduação, à medida em que
passamos a compreender nossa situação específica (e massacrante) num
contexto mais amplo e que requer inclusive um posicionamento crítico, porém
coletivo de nossa parte.
Por fim, além do que já foi pontuado nesta resenha, o livro em questão
apresenta ainda verdadeiras pérolas sobre as venturas e desventuras de ser um
pesquisador/orientador neste país. Por meio de uma linguagem coloquial, em
alguns momentos próxima da narrativa de crônica, com toques de humor e
sutilezas irônicas, alguns textos são um verdadeiro deleite.
Os “tipos de revisão bibliográfica” elencados no texto – A “revisão da
bibliografia” em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis – o retorno, de
Alda Judith Alves Mazzotti são hilários! E não há como deixar de reconhecer
naqueles tipos algumas produções científicas que conhecemos ao longo de
nossa trajetória acadêmica.
Ou mesmo o “Diário de um orientador”, texto escrito em 1978 por Cláudio
Moura e Castro que mantém na atualidade o mesmo espírito crítico e a mesma
refinada ironia.
Não há também como não se sentir especialmente vingado com a crônica
(acho que assim o posso classificá-lo) “Publicar ou morrer”, escrita por Olinda
Evangelista que descreve as agruras de publicarmos a qualquer custo e o que
isto pode estar custando para a formação de novos pesquisadores e professores
universitários. Não resisto a tentação de reproduzir um trecho que considero
emblemático:
Confesso que esse clima me aborrece. Eu estava confiante
em que a publicação era um resultado de estudos, de
pesquisa, de reflexões, de maturações teóricas, de
inquirições intelectuais, de contribuições significativas, de
respostas políticas, de preocupações sociais, de
compromisso com o saber, de respeito à opinião pública, de
amor ao leitor anônimo, de explicitação de idéias alémindivíduo. ‘Romance’, afirmaram. Não é. Publicar é publicar.
Que explicação mais tautológica.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
233
E a partir deste trecho a autora passa a descrever seu “delírio” no qual
encontrava pelos corredores da Universidade, os mais diferentes professores
atabalhoados com a urgência e a premência em publicar. Imperdível!
É esta a palavra certa para “classificar” o livro: imperdível.
Inclusive para nós estudantes de pós-graduação que estamos começando
a descobrir a “dor e a delícia” de ser um pesquisador neste nosso país.
234
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 229-234, 2003
RESENHA
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 5.ed. (Trad.
Catarina E. F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez / UNESCO, 2002.
Sira Napolitano*
Introdução
Em um relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o
Século XXI, coordenada por Jacque Delors, ficou estabelecido que a Educação
Contemporânea deve contemplar 4 eixos fundamentais: aprender a ser,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer. Esses eixos
precisam estar presentes nas políticas educacionais de todos os países, porque
centrais para a constituição dos seres humanos.
Edgar Morin como um pensador comprometido com a Educação do
amanhã empreende um desafio através dessa obra, cuja reflexão deve nos
chamar a atenção pelo caráter de avaliação de nossa práxis educadora.
Nossa missão enquanto educadores, será velar pela informação, pelo
conhecimento e pela cultura, deve ser o de educar para a qualidade e a
integridade do ser humano que estará vivendo nessa sociedade no futuro.
Para que possamos atingir os 4 eixos da Educação para o futuro, Edgar
Morin aponta para um caminho fecundo que ele nomeia como “Os setes saberes
necessários à Educação do Futuro”, cujo sonho foi abraçado pertinentemente
pela UNESCO e Editora Cortez do Brasil. O texto não pareceu-me pretender
uma doutrina da teoria do conhecimento, mas uma proposta reflexiva para as
políticas educacionais, a ser realizada em todos os segmentos da sociedade.
Capítulo I - As Cegueiras do Conhecimento: o Erro e a Ilusão
Partindo do princípio de que a Educação é transmissora de conhecimento,
o autor pensa ser importante examinar a Natureza do conceito “conhecimento”.
Quando analisado, o conhecimento revela uma dupla identidade: o erro e
a ilusão. Isso porque todo saber é a tradução e construção mental de conceitos
por meio de captadores sensoriais, revelando que conhecer é um fenômeno que
só tem sentido para um sujeito que no ato de conhecer, envolvido por
subjetividades, desejos, medos, visão do mundo e princípios de informação e
cultura, corre riscos de errar nas percepções e iludir-se quanto às concepções
que faz de si e do mundo.
*
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UNESP - Franca/SP. Psicóloga.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
235
Se é verdade que existe uma estreita relação entre o Homo Sapiens e a
Noosfera (esfera das coisas do espírito), que explica a domesticação dos
indivíduos e da sociedade por meio de mitos e idéias provocadores do erro e da
ilusão, temos então como função e papel da Educação que ministramos,
levarmo-nos e levarmos o outro a tomar consciência da importância de avaliar a
verdade e o erro de nossos paradigmas, de nossas idéias ou de nossas teorias.
Para o autor a ferramenta que nos levará a lutar contra as idéias só pode ser
idéias, um paradoxo que pode ser explicado pelo fato de que a realidade está
impregnada de erros e ilusões, princípio da incerteza e do inesperado.
Enfrentar o novo, crer que as fontes do conhecimento devem ser
renovadas constantemente, principalmente quanto às possibilidades de
conhecer, poderá nos levar a ser sujeitos de nossa inconsciência e não objetos
da mentira ou da ilusão. A lucidez deve ser fruto do esforço entre a
Gnosiologia e uma educação libertadora que nos ajudará a dialogar o tempo
todo com o real.
Capítulo II – Os Princípios do Conhecimento Pertinente
A epistemologia tem fragmentado o conhecimento em disciplinas e
especializações que impede-nos de articular as partes e o todo.
Existe na atualidade uma reflexão sobre o planeta, sobre a ecologia,
sobre a vida e sobre o ser humano. A necessidade maior agora parece ser de
que, o conhecimento tem que fazer sentido para o sujeito.
O conhecimento do mundo e do universo é necessidade vital e intelectual,
que nos convida a organizar os conhecimentos afim de reforçar nossos
pensamentos ou a forma como pensamos o mundo e a vida do ser humano.
Toda a informação precisa estar unificada ou sintonizada com o sujeito.
Para que o conhecimento seja pertinente, a Educação deve evidenciar
discussões sobre o contexto, o global, o multidimensional e o complexo, como
dimensões totalizantes da vida. É preciso informar, analisar a conjugação entre
as partes daquilo que conhecemos, com o todo a ser conhecido. O ser humano é
parte de algo maior que é o planeta cujo sistema maior é o universo, num balé
de esferas que unificam a vida e o conhecimento.
Capítulo III – Ensinar a Condição Humana
Na ontogênese humana há a junção das dimensões: física, biológica,
psíquica, cultural, social e histórica. Nessa constituição complexa da natureza
humana perdemos, através de uma educação desintegrada pelas várias
disciplinas, a noção do significado do que é ser humano.
É imprescindível que ao analisarmos a Educação para o século XXI,
236
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
adotemos a idéia de conhecermos antes de tudo o ser humano em sua
identidade e condição.
Penso na atualidade das questões colocadas por Hanna Arendt em “A
condição humana”: Quem és? De onde vens? O que pretendes? Mais do que
caracterizar o dilema existencial, é a própria definição do ser humano em relação
a si e ao mundo.
Trata-se de, na busca pelo entendimento de quem é o ser humano,
dialogar com várias áreas do saber como a filosofia, a história, a literatura, a
poesia, as artes, a psicologia, a sociologia, as ciências naturais como a física e a
química, afim de compreender a multiplicidade de aspectos e complexidades
presentes na condição humana.
Ensinar a condição humana é contemplar, admirar e respeitar o indivíduo
e a variedade de povos e culturas que nos fizeram e nos fazem ser o que somos.
Somos então, cidadãos do mundo!
Capítulo IV – Ensinar a Identidade Terrena
O outro objeto da Educação futura diz respeito ao destino do planeta com
todos os seus questionamentos sobre desenvolvimento sustentável.
Segundo Morin, desde o século XVI iniciamos a era planetária, onde os povos
dos vários continentes passaram a ter uma comunicação, a fase da mundialização.
Desenvolvemos meios cada vez mais sofisticados de comunicação desde
então, e apesar disso tem sido difícil a inteligibilidade entre os povos. Devemos,
mais do que nunca, estar envolvidos com a complexidade do mundo e por
conseqüência do humano.
Por meio da educação que ministramos, temos que levar a informação da
história da era planetária, sobretudo sem ocultar as opressões, a dominação e a
exploração que devastaram a natureza e a humanidade, cujos vestígios ainda
estão presentes em nós. Temos que indicar as raízes da crise que estamos
vivendo e da urgência de se trabalhar a solidariedade, o respeito e a consciência
das diferenças, da diversidade, mas também da unidade de cada povo
comprometido com o processo de humanização do planeta através da
reciprocidade de atitudes de uns para com os outros.
A tarefa de ensinar a identidade terrena será um elemento constituitivo da
vida no planeta, contra o perecimento da humanidade, buscando formas
sustentáveis de convivência e interação.
Capítulo V – Enfrentar as Incertezas
Construímos muitos conhecimentos e muitas certezas desde o advento da
ciência positivista no século XIX; apesar das ciências terem feito promessas de
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
237
responder aos questionamentos sobre a vida, temos vivido no século XX e início
do século XXI o princípio da incerteza.
É imperativo então, que a Educação busque estratégias de enfrentamento
das inúmeras incertezas, da provisoriedade das coisas, da imprevisibilidade do
futuro. Morin crê que a história humana foi e é uma aventura desconhecida e,
essa verdade precisa ser levada em conta para que sejamos capazes de perder
ou libertar-nos da ilusão de que somos capazes de prever o destino. Epicuro
também pensava assim, mostrando nossa responsabilidade no enfrentamento da
realidade e a tomada das rédeas da vida como sujeitos e não objetos do destino.
Viver é arriscar-se, é o lançamento dos projetos pessoais, das ações que
nos capacitam à conquista desses projetos, mas sobretudo da consciência de
que pelo caminho temos que adequar nossos desejos e projetos às
possibilidades, e mais, aceitar e entender as impossibilidades, as incertezas no
desafio de poder viver melhor com a adversidade.
Capítulo VI – Ensinar a Compreensão
A Educação deve se ocupar da compreensão porque ela prevê a reforma
das mentalidades. O caminho para essa reforma segundo Edgar Morin é o
estudo aprofundado da incompreensão desde as raízes até seus efeitos.
Percorrendo esse estudo nosso encontro será com a causa do racismo,
da xenofobia, do desprezo às diferenças, do preconceito, do sexismo, da
intolerância religiosa, do imperalismo de um povo sobre o outro.
Levar um sujeito a compreender significa trabalhar para a paz e para
harmonia entre as pessoas.
Para o autor existe uma diferença entre educar para saber ou
compreender uma informação sobre uma disciplina, e educar para a
compreensão humana. A compreensão humana implica em garantia do encontro
entre as pessoas, aquilo que Enrique Dussel chama de consciência intelectual e
emocional; não é só olhar, mas perceber o outro, rostos individuais e coletivos
que me ajudaram a organizar o ser e a existência, essência do ser humano.
A compreensão é uma possibilidade ou um importante equipamento na
aprendizagem e aquisição da convivência entre as pessoas, uma sabedoria para
compor nosso material didático-pedagógico.
Capítulo VII – A Ética do Gênero Humano
Nossas ferramentas em Educação não podem mais dispensar a
contribuição da Ética como categoria do conhecimento capaz de oferecer um
saber ao tripé da condição humana que é: o indivíduo / a sociedade / e a
espécie.
238
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
A Ética hoje desmisturou-se da moral para ser a consciência de que
somos mulheres e homens individuais, que participamos da comunidade, dos
grupos e instituições e de que pertencemos à espécie humana.
Nossas ações precisam estar fundamentadas no bem comum, na partilha
de espaço, na construção de uma cidadania terrestre. Como educadores, temos
que estar envolvidos com o sentido e significado da democracia, da
responsabilidade, da liberdade...
Aristóteles em “Ética a Nicômaco” mostrou que a ciência maior é a
política, sendo a Ética uma dimensão dessa política, entendida como
organização da vida social, arranjo das comunidades em torno da possibilidade
con-viver. A Ética portanto, pode ser um importante recurso para a política
planetária, de finalmente, chamar o ser humano à consciência de que Terra é
Pátria e Pátria é humanidade, nossa realidade maior. Agir para a preservação,
eis o ensinamento de uma Educação para o futuro.
Considerações Finais
Viver e não ter vergonha de ser feliz.
Cantar e cantar e cantar, a beleza de ser
um eterno aprendiz ...
Gonzaguinha
A fecunda reflexão de Edgar Morin, mais do que nos iniciar à teoria da
complexidade, fez-me pensar no quanto somos guardiões de nossa vida e da
vida de nossos semelhantes.
A única ressalva que faria em seu texto, diz respeito à troca do termo
ensinar por educar. Como tantos educadores envolvidos com a sala de aula,
penso que devemos educar (algo ativo que envolve a participação e relação
professor/aluno) e não ensinar (ato de depositar o conhecimento sem a
participação ou relação do aluno). Pensei até num erro de tradução, mas como
não foi possível verificar essa hipótese, fica aqui a minha reflexão.
Percebi no livro que Edgar Morin faz uma trajetória que percorre desde o
desvendamento do real, com seus erros e implicações, análise da teoria do
conhecimento, revelando a variedade da identidade humana e a do planeta,
procurando enfrentar a adversidade, buscando a compreensão para finalmente
atingir o êxtase na Ética do gênero. Cada um desses sete saberes nos localiza
diante do pensamento do poeta romântico Novalis: “Cada ser humano é uma
sociedade”, pelo caráter múltiplo e complexo da comunidade de homens e
mulheres que pertencem a esse planeta. Os sete saberes são a um só e mesmo
tempo a forma como nos relacionamos uns com os outros, material e
ontologicamente.
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
239
Creio como o autor, no sistema provisório do saber e, que não podemos
nos fechar no antigo e no novo, por isso quero encerrar com a certeza de que
devo colocar-me como aprendiz diante do conhecimento, como alguém que tem
uma longa jornada a ser empreendida como educadora, com a responsabilidade
de buscar sempre ser sujeito e não objeto do inconsciente. A educação não é a
única e mais importante categoria de nossa práxis humana, mas pode ser um
dos meios mais propícios para a confecção de uma vida melhor.
240
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
ÍNDICE DE ASSUNTOS
Agentes Multiplicadores, p.21
Assentamento/Sem-terra, p.111
Assistência Social, p.159
Carta da Terra, p.111
Cidadania, p.111
Conceito, p.101
Desafios, p.159, 197
Educação Continuada, p.69
Educação, p.87
Eqüidade, p.159
Escola Pública, p.87
Estrutura fundiária, p.111
Ética, p.111
Exclusão Social, p.9
Fissura Lábio-palatal, p.45
Formação Continuada, p.69
Globalização, p.111, 129
Instituição, p.151
Linguagem, p.101
LOAS, p.159
Luta pela terra, p.111
Materialismo Dialético, p.169
Mediação, p.101
Organização, p.129
Pais Coordenadores, p.21
Pais-Associações, p.45
Participação, p.87
Particularidade, p.169
Prática, p.197
Profissional, p.129
Questão Agrária, p.111
Questão Social, p.197
Reforma Psiquiátrica, p.9
Representatividade, p.87
Saúde Mental, p.151
Seguridade Social, p.159
Serviço Social, p.21, 45, 69, 197
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 241-242, 2003
241
Singularidade, p.169
Totalidade, p.169
Trabalho, p.129, 151
Tratamento, p.9
Universalidade, p.169
Vínculos, p.151
242
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 235-240, 2003
SUBJETC INDEX
Agrarian question, p.111
Agrarian Structure, p.111
Citizenship, p.111
Cleft lip and palate, p.45
Concept, p.101
Defiances, p.159, 197
Dialectic Materialism, p.159
Education, p.87
Entails, p.151
Equality, p.159
Ethics, p.111
Globalization, p.111, 129
Institutin, p.151
Labour, p.151
Language, p.101
LOAS, p.159
Mediation, p.101
Mental Health, p.151
Mulipliers agents, p.21
Organization, p.129
Parents – association, p.45
Parents co-ordinating, p.21
Participation, p.87
Particularity, p.169
Practices, p.197
Professional, p.129
Psychiatric Reform, p.9
Public School, p.87
Representation, p.87
Settling/Sem-Terra, p.111
Singularity, p.169
Social Assistance, p.159
Social Exclusion, p.9
Social Question, p.197
Social Security, p.159
Social Work, p.21, 45, 69, 197
Soil’s Letter, p.111
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 243-244, 2003
243
Struggles for soil, p.111
Totality, p.169
Treatment, p.9
Universality, p.169
Work (job), p.129
244
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 243-244, 2003
ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX
ALMEIDA, D. S. O., p.101
BARRETO, S. A. P., p.151
BERTANI, I. F., p.151
BRANDÃO, R. C. C., p.225
CARVALHO, D. O., p.129
CHADDAD, M. C., p.21
CUSTÓDIO, S. A. M., p.21
GIAQUETO, A., p.159
GRACIANO, M. I. G., p.45
JAMUR, M., p.197
MARCHIS, E. C., p.9
MARTINS, E. B. C., p.87
MARTINS, L. C. O., p.21, 159
MARTINS, R. A. S., p. 69
MATTHES, N. A., p. 111
NAPOLITANO, S., p.235
OLIVEIRA, A. P. B. I., p.129
PINHEIRO, A. G. M., p.9
RODRIGUES, J. A., p.169
SILVEIRA, U., p.111
SIMÃO, M. O., p.9
SOUSA, M. I. N. F., p. 159
SOUZA, S. C. A., p.229
STAMATO, J. S. T., p.159
TASSINARI, A. M., p.159
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 245-246, 2003
245
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS
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Keywords (versão para o inglês do Resumo e Palavras-chave precedida pela
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Referências bibliográficas. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo
sobrenome do primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT. Exemplos:
• Livros e outras monografias
LAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 1986. 198p.
• Capítulos de livros
JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C.S. Meios de
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 247-250, 2003
247
comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66.
• Dissertações e teses
BITENCOURT, C.M.F. Pátria, civilização e trabalho: O ensino nas escolas
paulistas (1917-1939). 1988. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
• Artigos de periódicos
SCHONS, Selma Maria. Assistência social na perspectiva do neoliberalismo.
Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 49, p. 5-19, nov. 1995.
• Trabalho apresentado e publicado em Eventos
(Congressos, Simpósios, etc.)
MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO
ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990,
Anais... São Paulo: UNESP, 1990. p. 114-8.
DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
• Eventos em Meio eletrônico
SILVA, R. N.; OLIVEIRA, R. Os limites pedagógicos do paradigma da qualidade
total na educação. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA ufpe, 4,
1996, Recife. Anais eletrônicos... Recife: UFPe, 1996. Disponível em:
<http://www.propesq.ufpe.br/anais/anais/educ/ce04.htm>. Acesso em 21 já.1997.
• Artigo de Periódico em Meio eletrônico
RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sócio-jurídica.
Datavenia, São Paulo, ano 3, n.18, ago.1998. Disponível em:
<http://www.datavenia.inf.br/frameartig.html>. Acesso em: 10 set. 1998.
Citação no texto. O autor deve ser citado entre parênteses pelo
sobrenome, separado por vírgula da data de publicação (BARBOSA, 1980). Se o
nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses:
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deverá(ão) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s) de p. (Mumford,
1949, p. 513). As citações de diversas obras de um mesmo autor, publicadas no
mesmo ano, devem ser discriminadas no texto e nas Ref.Bibliográficas, por
letras minúsculas após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE,
1927b). Quando a obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por &
(OLIVEIRA & LEONARDO, 1943), e quando tiver três ou mais, indica-se o
primeiro seguido de et al (GILLE et al, 1960).
Notas. Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As
248
Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 247-250, 2003
remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.
Anexos e/ou Apêndices. Serão incluídos somente quando imprescindíveis
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Serviço Social & Realidade, Franca, 12(1): 247-250, 2003
249
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Diagramação e Composição
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Assessoria Técnica
Profa. Dra. Íris Fenner Bertani
Profa. Dra. Maria Ângela Rodrigues Alves de Andrade
Prof. Dr. Mário José Filho
Prof. Dr. Ubaldo Silveira
Responsável pela Revisão
Prof. Dr. Mário José Filho
Tradução de Inglês
Lucas Miranda Pinheiro
250
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