O direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina

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O direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva
feminina
Raphael Dias Macedo
Com a evolução do direito de família no
ordenamento jurídico brasileiro, a prevalência,
em um futuro próximo, sem dúvida, será a
possibilidade do direito de alimentos gravídicos
na união homoafetiva feminina.
“A Constituição Federal prima pela proteção dos direitos fundamentais, e
deu acolhida generosa ao princípio da vedação de todo tipo de
discriminação”.
(Min. Joaquim Barbosa)
"Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo isso por cima do muro de
hipocrisia que insiste em nos rodear”.
(Lulu Santos)
RESUMO
Este trabalho propõe demonstrar a possibilidade do direito aos alimentos gravídicos na
união homoafetiva feminina no ordenamento jurídico brasileiro. Após as decisões da ADI
nº. 4177 pelo Supremo Tribunal Federal e recurso especial nº. 1183378 pelo Superior
Tribunal de Justiça, as uniões homoafetivas passaram a ser reconhecidas como uniões
estáveis, e tendo a possibilidade de conversão em casamento civil. Consequentemente a seu
favor os direitos e deveres foram equiparados aos do casamento tendo os casais
homoafetivos agora a possibilidade de direitos como de sucessões, alimentos, adoção e
outros. Nesse sentindo, pretende-se reconhecer a possibilidade do direito de alimentos
gravídicos aos casais homoafetivos femininos que por vontade mútua resolveram através da
inseminação artificial heteróloga ter um filho. O trabalho está embasado em pesquisas
bibliográficas, tais como legislação, livros de autores diversos, artigos e periódicos, sendo
que o método de procedimento é o monográfico e o método de abordagem é o dedutivo.
Palavras-chave: alimentos gravídicos, união estável e homoafetividade feminina.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 - A FAMÍLIA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.1 Aspectos conceituais e sociais.1.2 Os
novos arranjos da família brasileira. 1.3 União estável: o reconhecimento e a
consolidação.. CAPÍTULO 2 - OS ALIMENTOS. 2.1 Conceito e natureza jurídica dos
alimentos. 2.2 Espécies dos alimentos.. 2.3 A obrigação de alimentar e o pedido de
alimentos no Direito de Família. 2.3.1 Características do direito a alimentos. 2.4
Pressupostos da obrigação alimentar. 2.5 Os alimentos e a obrigação de quem
alimentar. 2.6 Alimentos gravídicos. 2.7 União homoafetiva e a obrigação
alimentar. CAPÍTULO 3 - O DIREITO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NA
UNIÃO HOMOAFETIVA. 3.1 A consolidação da união homoafetiva no ordenamento
jurídico brasileiro. 3.2 Lei nº. 11.804/2008, a chamada lei dos alimentos gravídicos. 3.3
União homoafetiva feminina e os alimentos gravídicos. 3.3.1 Autonomia da vontade na
inseminação artificial heteróloga. 3.3.2 Direito aos alimentos gravídicos na união
homoafetiva feminina. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O tema que se pretende desenvolver faz menção ao possível direito de alimentos
gravídicos na união homoafetiva feminina, sendo esse o objetivo geral do trabalho. Após
aprovação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) e posteriormente o reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
recurso especial nº. 1183378, as uniões homoafetivas passaram a ter seus direitos
equiparados ao do casamento civil, dando ensejo à discussão quanto ao cabimento dos
alimentos gravídicos nas uniões homoafetivas femininas.
Esta monografia se justifica pela importância de compreender todos os direitos do
casal homoafetivo principalmente o de pleitear os alimentos gravídicos entre um casal
feminino.
Os objetivos específicos do presente tema visam entender a evolução da família ao
longo do tempo; analisar de forma geral a questão dos alimentos; examinar os aspectos da
união homoafetiva bem como o da união estável e investigar a possibilidade do pedido de
alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina.
Com isso, tem-se o seguinte problema a resolver: baseado na Lei 11.804/08 e em
conforme decisões do STF e STJ é possível o direito de pleitear alimentos gravídicos na
união homoafetiva feminina?
Em resposta ao problema central da pesquisa, constata-se a seguinte hipótese: Seria
possível incluir o casal homoafetivo feminino na Lei nº 11.804/08, apenas se acontecer uma
inseminação artificial heteróloga com a vontade das duas partes.
O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo traz a família no
ordenamento jurídico brasileiro, tentando demonstrar, primeiramente, alguns aspectos
conceituais e sociais da família, bem como os princípios constitucionais que versam este
instituto. Em seguida, faz uma breve demonstração dos novos arranjos da família brasileira,
informando diversas formas de constituir uma família, dando ênfase na união estável
mostrando o seu reconhecimento e a consolidação deste conceito familiar.
O segundo capítulo trata, especificadamente, dos alimentos e suas generalidades. Os
conceitos e a natureza jurídica; as possibilidades de pedido; a obrigação de alimentar; as
espécies, sendo destaque os alimentos gravídicos e os alimentos na união homoafetiva.
O terceiro capítulo fala da união homoafetiva e o seu reconhecimento no
ordenamento jurídico brasileiro após as decisões dos Tribunais, equiparando-as ao
casamento civil. Em seguida descreve a Lei 11.804/2008, chamada de lei dos alimentos
gravídicos, explicando os seus artigos e seu objetivo.
Por fim, faz menção a possibilidade do direito a alimentos gravídicos na união
homoafetiva feminina, demonstrando como seria possível tal feito. Pontua também como
este casal feminino vai ter o filho e a força da autonomia da vontade das partes nesta
decisão de gerar uma criança.
Esta monografia será desenvolvida através de pesquisa bibliográfica. As principais
fontes de pesquisa serão feitas através de livros, artigos e outros meios de informação,
como os periódicos (revista e jornais), podendo ser encontrados em bibliotecas bem como
em sites de internet. Importante mencionar que o método de procedimento utilizado será o
monográfico, e o método de abordagem utilizado será o dedutivo.
CAPÍTULO 1
A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
1.1 Aspectos conceituais e sociais
Com a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/88), o direito que rege o poder familiar, estabeleceu novos conceitos em relação à
família com a intenção de abranger todas as pessoas que buscam a felicidade de forma
coletiva, através da união, e tem os mesmos interesses familiares.
Com a ideia de Barbosa (2002), o Direito de Família seria um ramo do Direito Civil,
cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União
estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil Brasileiro de 2002
(CCB/2002), instituído pela Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
A evolução do conceito de família reflete-se inevitavelmente no Direito de Família,
constatando a dinamicidade das suas definições e abrangências.
Para explicar os aspectos conceituais relevantes da família, Farias e Rosenvald
(2010, p. 21) dizem:
A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é
igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária),
protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como
estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.
Nos pensamentos de Barbosa e Vieira, (2009) a sociologia é o caminho para definir
o conceito de família. Na visão sociológica, a família é a relação privada em que se tecem
as ligações particulares entre seus diferentes membros, por meio de práticas de cada um.
Na ideia de Bastos (1999) família seria um conjunto de pessoas unidas por laços de
parentesco. O conceito mais atualizado do que poderia ser considerado uma família vem de
Fernandes[1] que afirma ser aquela constituída por grupo de pessoas organizado através de
regras culturalmente elaboradas em conformidade com modelo de comportamento.
Até a CRFB/88, o conceito Direito de Família tinha uma estrutura completamente
ultrapassada, o que predominava era a figura do pai como aquele que determinava as
regras. A ideia era a esposa e os filhos submissos às ordens do pai, sendo que apenas essa
família era conceituada e regida pela CRFB/88. A legislação instituía como família, apenas
aquela constituída pelo casamento, por isso apenas o matrimônio e as relações de filiação
matrimonial e parentesco eram bem vistas.
Os princípios constitucionais têm como fundamento uma concepção eudemonista,
em que o afeto é o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a
supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto como o
modo mais plausível para a definição de família. Entretanto não é fácil conceituar o que
realmente é uma família. Talvez seja um dos conceitos mais difíceis de explicar, uma vez
que as mudanças e a adequação social de certa região em que se situa são enormes e variam
conforme os momentos.
O Direito de Família tem princípios gerais, sendo que estes são aplicáveis a todos
os ramos do direito. O princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, da proibição do
retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes, todos estes considerados
princípios gerais. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações
familiares e devem servir sempre como norte nas questões que envolva a família.
Têm-se como base na formação de uma família os princípios da solidariedade e da
afetividade, sendo estes princípios específicos do direito da família, além de outros a serão
estudados ao longo do presente capítulo.
Um dos mais importantes princípios do Direito de Família é o da afetividade. Toda
família, da forma que ela seja, precisa do afeto. Antes de adentrar no princípio em questão,
se faz necessária, a apresentação de uma definição do termo afeto. Uma das dificuldades no
estudo da afetividade é a definição do que realmente significa o termo. Na linguagem
geral, afeto relaciona-se com sentimentos de ternura, carinho e simpatia. Nas mais variadas
literaturas, afetividade está relacionada aos mais diversos termos: emoção, estados de
humor, motivação, sentimento, paixão, atenção, personalidade, temperamento e outros
tantos.
A afetividade também é concebida como o conhecimento construído através da
vivência, não se restringindo ao contato físico, mas à interação que se estabelece entre as
partes envolvidas, na qual todos os atos comunicativos, por demonstrarem
comportamentos, intenções, crenças, valores, sentimentos e desejos, afetam as relações e,
consequentemente, o processo de aprendizagem. Perceber o sujeito como um ser intelectual
e afetivo, que pensa e sente simultaneamente, e reconhecer a afetividade como parte
integrante do processo de construção do conhecimento, implica outro olhar sobre a prática
pedagógica, não restringindo o processo ensino-aprendizagem apenas à dimensão
cognitiva.[2]
Como explica Dias (2009) a família transforma-se na medida em que se acentuam
as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família.
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da
convivência familiar, não do sangue.
Ligado ao princípio da afetividade encontra-se o princípio do pluralismo das
entidades familiares. Decorrente do pluralismo político, citado no artigo 1º, inc. V, da
CRFB/88, o princípio do pluralismo das entidades familiares trás o reconhecimento do
Estado sobre existência de várias possibilidades de arranjos familiares. É o Estado
reconhecendo a possibilidade de novas estruturas de famílias. As uniões onde existe o
afeto, a dignidade e a liberdade podem ser consideradas uma família.[3]
O Direito de Família, também tem como um dos princípios especiais o do não
retrocesso social. No pensamento de Dias (2009) o principio descreve que o homem e a
mulher, em geral, a família não podem sofrer limitações ou restrições da legislação
ordinária. Este é o chamado princípio constitucional da proibição do retrocesso social.
Nenhum texto proveniente do constituinte originário pode sofrer retrocesso que lhe alcance
jurídico social inferior.
Dando continuidade aos princípios do Direito da Família, no artigo 1º, inc. III, da
CRFB/88, expõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, aduzindo que o Estado
de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. O princípio constitucional
da dignidade passou a servir de base nas relações da família, o que implicou efetivamente
na consolidação da valorização do indivíduo, integrante da instituição familiar como ser em
sua individualidade, devendo ser respeitado e atendido nas suas necessidades mais
gritantes.
A respeito do princípio da solidariedade familiar, este é reconhecido como objetivo
fundamental pelo artigo 3º, inc. I, da CRFB/88, no sentido de buscar a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas
relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais.
O princípio da igualdade descrito no artigo 226, § 5º, da CRFB/88 relata que:
“Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher”. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção
igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A respeito da igualdade e diferença de
gêneros em um ambiente familiar, Dias (2009, p. 65) assegura:
A igualdade, porém, não apaga as diferenças entre gêneros, que não podem ser
ignorados pelo direito. O desafio é considerar as saudáveis e naturais diferenças entre
homens e mulheres dentro do princípio da igualdade. Já está superado o entendimento de
que a forma de implementar a igualdade é conceder à mulher o tratamento diferenciado que
os homens sempre desfrutaram.
Prevê o artigo 227, caput, da CCB/2002 que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
A CRFB/88 veda também a discriminação em razão da idade, bem como assegura
especial proteção ao idoso. Atribui à família, a sociedade e ao Estado e o dever de assegurar
sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como
garantindo-lhe direito a vida.
O próximo princípio a ser estudado é o da liberdade. Baseado no artigo 1513 do
CCB/2002, este princípio expõe sobre o direito de todos a decidirem as escolhas melhores
para si mesmo e para a sua família, todos tem liberdade para tentar alcançar a sua
felicidade. É importante frisar que se deve ter muito cuidado no seu entendimento, isso
porque, o real sentido é que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir
coativamente nas relações de família, porém por meio de politicas públicas, através do
planejamento familiar e o controle de natalidade, são formas de fiscalizar a liberdade das
famílias.
Deste modo, destaca-se que a evolução do conceito família está ligada ao fato da
sociedade enxergar com novos olhos a estrutura familiar. A liberdade de escolha do ser
humano em poder constituir sua família, ajudou na evolução do conceito família. O Direito
de Família e os seus novos conceitos fizeram com que várias uniões estáveis fossem
reconhecidas como uma família, independente do casamento. Com a evolução
constitucional, o sistema jurídico passou a estruturar a família como aquela união que tem
como objetivo a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a erradicação da
pobreza e também a igualdade substancial.
Em um forçoso passo, além de reconhecer a família tradicional, fundada do
casamento, agora novos arranjos familiares passam também a serem reconhecidos e
cumprem a função que a sociedade destinou a família: buscar felicidade em objetivos
comuns do casal e a formação da pessoa humana digna.
1.2 Os novos arranjos da família brasileira
A Lei de nº. 3.071, que institui Código Civil de 1916 (CCB/1916), descreveu como
perfil de família, a matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e
heterossexual. A chefia destas famílias era do marido e a esposa e os filhos possuíam
posições inferiores à dele. Existia uma linha de valores, que era seguida de forma rígida, os
direitos eram de acordo com as posições na família. A vontade da família se traduzia na
vontade do homem que se transformava na vontade da entidade familiar. Contudo, esses
poderes se restringiam à família matrimonializada, os filhos ilegítimos, não possuíam
espaço na original família. O casamento era aceito apenas na união heterossexual, aquela
união entre homem e mulher. A palavra matrimônio, ainda que seja compreendida como
sinônimo de casamento é referente exclusivamente à união entre um homem e uma
mulher, uma vez que deriva de mater, matris (mãe) no latim clássico. O objetivo da família
era a conservação do patrimônio, e com isso homem e mulher precisavam gerar filhos, para
servirem como força de trabalho e assim gerar frutos. Como precisavam da procriação, as
famílias obrigatoriamente tinham que serem constituídas por um par heterossexual e fértil.
Na ideia de Farias e Rosenvald (2010), entende-se como o antigo conceito de
família, aquela onde o homem era o que exercia a chefia da sociedade conjugal, sendo
merecedor de respeito e obediência da mulher e dos filhos.
Com as mudanças ocorridas após a CRFB/88, o Estado agora reconhece e efetiva a
devida proteção das múltiplas possibilidades dos novos arranjos familiares. A estrutura da
sociedade foi modificada.
Sobre as mudanças ocorridas no sistema jurídico brasileiro, Farias e Rosenvald
(2010, p. 42) escrevem:
De fato o legislador apenas efetivou o que já representava a realidade de
várias famílias brasileiras, reconhecendo que a família brasileira é um fato
natural e o casamento uma solenidade, uma convenção social, adaptando,
assim, o Direito aos anseios e às necessidades da sociedade.
A primeira possibilidade de um arranjo familiar é o mais tradicional. Protegido pela
Igreja, que conceitua na Bíblia como união entre pai e mãe, dando a ideia de ser um homem
e uma mulher, esta declara como sacramento indissolúvel. De certa forma também apoiado
pelo Estado, a família matrimonial é aquela oficializada pelo casamento. Com base nas
palavras de Dias (2010), o Cristianismo considera as únicas relações afetivas aceitáveis são
as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse da
procriação. Até a entrada do CCB/2002, era a única forma admissível de formação de
família. A Família matrimonial é a mais aceita e comum na sociedade. Um par
heterossexual oficializa a união com o casamento e vive com filhos e netos ao redor,
criando assim a família matrimonial.
Outro tipo de família está descrita no artigo 226, § 4º, da CRFB/88, a chamada
família monoparental, que é aquela formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.
No pensamento de Dias (2009) esses núcleos familiares passaram a ser nominados de
familiar monoparantais, para ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do
vínculo familiar.
Sobre a família monoparental Dias assegura (2009, p.198):
A monaparentalidade tem origem na viuvez, quando a morte de um dos
genitores, ou na separação ou no divórcio dos pais. A adoção por pessoa
solteira também faz surgir um vinculo monoparental. A inseminação
artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do
marido são outros exemplos.
Como inovação nos novos arranjos familiares brasileiro, encontra-se a família
anaparental. Na idealização de Farias e Rosenvald (2010), a convivência entre parentes
dentro de uma estruturação com propósitos parecidos, impõe reconhecimento da existência
de uma entidade familiar, e é essa que se pode chamar de família anaparental. Um exemplo
dessa família é a convivência de duas irmãs sob o mesmo teto, ou até tios e sobrinhos
juntos, que buscam com esforços a formação do acervo patrimonial e felicidade. Existem
também aqueles que não são parentes, porém moram juntos. Como exemplo, os amigos que
moram sob mesmo teto. Esta é chamada de família eudemonista que caracteriza pela
convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua.
As mudanças sociais fizeram com que surgisse a família denominada pluriparental
ou mosaico. De acordo com as palavras de Dias (2009) são aquelas caracterizadas pela
estrutura complexa decorrente de vários vínculos, igualdade nas funções dos novos casais e
forte grau de interdependência. Também nomeado de mosaico ou família pluriparental,
surge da pluralidade das relações parentais, especialmente oriundas de divórcio, da
separação e assim formando uma nova família. O ponto marcante desse tipo de família, é
que decorre da peculiar organização do núcleo, isto é, a reconstrução da família por casais
onde um ou ambos são egressos de outras uniões. O casal que se uniu agora traz para a
nova família seus filhos, e também acabam tendo filhos em comum. Para caracterizar
melhor a família pluriparental cita-se o ditado popular: “os meus, os teus, e os nossos”.
Descrita no artigo 1º da Lei nº 9.278/96, a união estável é conhecida pela
convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
Contudo, nem sempre a união estável apresentou-se de forma pacífica e clara. Na
verdade, por muitos anos, o que se vivenciou foi um estágio de dicotomia entre a norma
legal e a realidade social.
Reconhecendo a união estável com a instituição de programática para facilitar sua
conversão em casamento, atendeu-se a necessidade de adaptação da norma jurídica ao
fenômeno jurídico-social, conferindo a esta modalidade de associação entre as espécies de
famílias.
Cabe ressaltar que recentemente a união homoafetiva, aquela formada por pessoas
do mesmo sexo, também foi equiparada à união estável.
Referente à união homoafetiva, esta se caracteriza pela relação afetiva entre pessoas
do mesmo sexo, com características de união estável nos termos da lei. Esta modalidade
vem sendo defendida por alguns doutrinadores, tais eles como Maria Berenice Dias,
Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald e já foi reconhecida como união estável no
Supremo Tribunal Federal (STF) e mais recente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
que considerou possível a conversão ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Sobre as uniões homoafetivas Dias explica (2009, p 47):
Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de
assistência mútua, em verdadeiro convívio estável caracterizando pelo amor
e respeito mútuo, como objetivo de construir um lar, inquestionável que tal
vínculo, independente do sexo seus participantes, gera direitos e obrigações
que não podem ficar à margem da lei.
Recentemente, em maio de 2011, o STF, reconheceu a união estável para casais do
mesmo sexo. O Ministro Celso de Mello, justificando o seu voto favorável ao
reconhecimento da união homoafetiva como união estável falou:
Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de
orientação sexual ou identidade de gênero. Não pode um Estado
Democrático de Direito conviver com o estabelecimento entre pessoas e
cidadãos com base em sua sexualidade. É inconstitucional excluir essas
pessoas.[4]
O grupo familiar pode ser monoparental ou composto por famílias recompostas, ou
formado por membros do mesmo sexo, que irá surtir efeitos sociais e jurídicos do mesmo
modo. Atualmente a família é compreendida tão somente por valores constitucionais da
dignidade, igualdade, afetividade e estabilidade.
1.3 União estável: o reconhecimento e a consolidação
A união estável consiste numa relação de puro afeto entre homem e mulher. A
comunhão de vida que se estabelece por essa via informal tem por objetivo a mútua
felicidade e a formação de uma família, sem necessidade de intervenção cartorária ou
judicial[5].
Para explicar as características da união estável, Serejo (2004, p. 37) escreve:
Importante, por conseguinte, para configurar-se a união estável é a aferição
dos requisitos legais, considerando-se, ainda: a) a convivência more
uxório[6]; b) a afeição recíproca; c) a comunhão de vida e de interesses; d) a
conduta dos conviventes; e e) a posse do estado de casado.
O CCB/2002 descreve a união estável como entidade familiar consagrando os
artigos 1723 a 1727 para tratar do tema. O artigo 1723 reconhece a união estável como
entidade familiar e o parágrafo 1º do mesmo artigo determina que a união estável não se
pode constituir quando houverem impedimentos elencados no artigo 1521, que são os
ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta;
o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os
irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado
com o filho do adotante; as pessoas casadas e por fim o cônjuge sobrevivente com o
condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Existe a exceção
dos impedimentos, que são pessoas casadas formalmente, mas separadas de fato (desde que
comprovada) ou separada judicialmente. Assim, os solteiros, viúvos, separados e
divorciados podem constituir união estável.
Os efeitos jurídicos dessa união à moda conjugal serão examinados caso a caso, de
acordo com suas características e peculiaridades. Garantido será, no entanto, a defesa dos
direitos assegurados aos parceiros e seus descendentes, para que se preservem os frutos
dessa relação de afeto.
Os companheiros em união estável possuem deveres e direitos gerais iguais, como
lealdade, respeito, assistência, sustento e educação dos filhos. Além disso, a lei assegura
direito à pensão alimentícia, que inclui moradia, educação, vestuário, alimentação e lazer.
Caso separem-se, a guarda dos filhos ficará com quem tiver melhores condições, do mesmo
modelo do casamento.[7]
Dentre esses direitos e deveres, a possibilidade de pedir alimentos ao companheiro é
comum no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se observar na jurisprudência o pedido de
alimentos e outros direitos na união estável. No ano de 2010 foi julgada procedente e
mantida a sentença no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde o apelante interpôs a
apelação cível contra a sentença que decidiu que fossem concedidos alimentos para a excompanheira e o filho menor.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO
DE UNIÃO ESTÁVEL REQUISITOS
LEGAIS
COMPROVAÇÃO
CARACTERIZAÇÃO - ALIMENTOS - BINÔMIO - OBEDIÊNCIA - PARTILHA DE
BEM - AUSÊNCIA DE PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA.
Os deveres pessoais enunciados pelo legislador para a configuração da união
estável devem ser rigorosamente observados, considerando o fato do instituto estar situado
na categoria de entidade familiar, consoante o art. 226, § 3º, da CF. Assim, presente a
comprovação dos requisitos indispensáveis à declaração da união, e havendo pedido não há
como julgar improcedente. Comprovado o binômio necessidade/possibilidade, correta a
fixação de alimentos à ex-companheira e ao filho menor, comprovada a dependência destes
ao alimentante. Não há que se falar em partilha de bem imóvel do casal quando não houve
comprovação da propriedade e muito menos pedido para tanto[8].
Apesar da falta de revestimento legal em alguns pontos, não obsta ao
reconhecimento de certos efeitos jurídicos a essa espécie de união. Seus membros formam
uma entidade familiar e não podem ser ignorados os efeitos dessa convivência no âmbito
interno do grupo e também no plano externo, por seu indisfarçável reflexo social. O direito
de alimentos, por exemplo, que no casamento civil já é caso concreto, passa a ser objeto
frequente também de pedidos, tanto nas uniões estáveis como nas uniões homoafetivas.
Tema do próximo capítulo, os alimentos nas palavras de Farias e Rosenvald (2010),
são o conjunto de meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de
vista físico, psíquico e intelectual. Os alimentos, sejam eles no casamento, na união estável
ou homoafetiva partem do postulado geral do binômio, necessidade e possibilidade.
CAPÍTULO 2
OS ALIMENTOS
2.1 Conceito e natureza jurídica dos alimentos
O direito fundamental do ser humano por excelência é o de sobreviver. E este, com
certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida a todos. Todos têm direito de
viver, e sobreviver com dignidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948 no seu artigo 25, §1º
reconhece o alimento como direito inerente ao ser humano, definindo que “todos têm o
direito a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem estar próprio e de sua família,
incluindo alimentação (...), e outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle”.
Surge desse modo, o direito ao alimento, relacionado ao princípio da preservação da
dignidade humana.
Conceituando os alimentos, Cahali (1999, p.16) aduz:
Alimentos são, pois as prestações devidas, feitas para que quem as recebe
possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto
física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do
espírito, do ser racional).
Alimento vem do latim alimentum, e significa sustento, alimento, manutenção,
subsistência (alimentar, nutrir, desenvolver, aumentar, animar, fomentar, manter, sustentar,
favorecer, tratar bem).
Segundo a acepção gramatical, o vocábulo traduz o necessário para a conservação
da vida. Pode-se dizer que, na linguagem comum, “alimentos” consistem no necessário
para manter o funcionamento do organismo dos animais e dos vegetais. A expressão
supramencionada, no âmbito jurídico, compreende não só o que é indispensável ao
sustento, mas também o necessário para a manutenção da condição social do ser humano, à
dignidade da pessoa humana.[9]
Nesse mesmo sentindo, na visão de Dias (2009), para o direito, alimento não
significa somente o que assegura a vida. A obrigação alimentar tem a finalidade precípua:
atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência.
Para Farias e Rosenvald (2010) é possível entender-se por alimentos o conjunto de
meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico,
psíquico e intelectual.
O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na
linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento. Nele se compreende não
só a obrigação de prestá-los, como também o conteúdo da obrigação a ser prestada. Cuidase de uma expressão plurívoca, designando diferentes medidas e possibilidades.
A natureza jurídica dos alimentos está ligada a origem da obrigação. De qualquer
forma o tema não é pacífico. Para alguns doutrinadores, como Farias e Rosenvald, os
alimentos prestam a manutenção digna da pessoa. Como já foi dito, destinam-se a assegurar
a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana, portanto sua natureza é
de direito da personalidade. Por outro lado, defendendo a corrente majoritária, Orlando
Gomes, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz atribuem aos alimentos a natureza
jurídica mista, qualificando-o como um direito de conteúdo patrimonial e finalidade
pessoal, ou seja, a prestação de alimentos possui caráter econômico, todavia este auxílio
não objetiva aumentar o patrimônio do alimentando, mas sim prover sua subsistência e
materializar o princípio da solidariedade entre os membros que necessitam.
2.2 Espécies dos alimentos
Os alimentos são de diversas espécies, classificados pela doutrina segundo vários
critérios. Classificam-se de acordo com a sua natureza; quanto a sua causa jurídica; quanto
à finalidade e por último quanto ao momento em que são reclamados.
Quanto à natureza, os alimentos podem ser naturais ou civis. De acordo com as
ideias de Dias (2009), os alimentos naturais são aqueles indispensáveis para garantir a
subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, habitação e educação. Também
chamados de alimentos necessários, restringem-se ao indispensável à satisfação das
necessidades primárias da vida. Já os alimentos civis destinam-se a manter a qualidade de
vida do credor, de modo a preservar o mesmo padrão e status social do alimentante.
A doutrina e a jurisprudência têm se reportado a outra espécie de alimentos, os
compensatórios, adotados em países como a França e a Espanha e, mais recentemente, o
Brasil. Segundo Gonçalves (2011, p. 501) os alimentos compensatórios tem como objetivo
o seguinte:
Visam eles evitar o descomunal desequilíbrio econômico-financeiro do
consorte dependente, impossível de ser afastado com modestas pensões
mensais e que ocorre geralmente nos casos em que um dos parceiros não
agrega nenhum bem em sua meação, seja porque não houve nenhuma
aquisição patrimonial na constância da união ou porque o regime de bens
livremente convencionado afasta a comunhão de bens.
De cunho mais indenizatório do que alimentar, pois não se restringem em cobrir
apenas a dependência alimentar, mas também o desiquilíbrio econômico e financeiro
oriundo da ruptura do liame conjugal, não devem os alimentos compensatórios terem
duração ilimitada no tempo. Uma vez desfeitas as desvantagens sociais e reparado o
desiquilíbrio financeiro provocados pela ruptura da união conjugal, devem cessar.
Recentemente adotado no Brasil, os alimentos compensatórios já fazem parte das
decisões nos Tribunais. Há pouco tempo, no ano de 2009, o Tribunal Regional do Rio
Grande do Sul[10] deferiu o pedido de alimentos compensatórios a uma mulher em desfavor
do marido. Decidiu o TJRS que cabe a fixação dos alimentos compensatórios, em valor
fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal.
Quanto à causa jurídica, os alimentos dividem-se em legais ou legítimos,
voluntários e indenizatórios. Os alimentos legítimos são aqueles elencados no artigo 1694
do CCB/2002. Os legítimos são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode
decorrer do parentesco, do casamento ou do companheirismo.
Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família, portanto,
a prisão civil que acontece pelo não pagamento da dívida de alimentos, permitida pela
CRFB/88, somente pode ser decretada nessa situação.
Os alimentos voluntários de acordo com Gonçalves (2011) emanam de uma
declaração de vontade inter vivos, como na obrigação assumida contratualmente por quem
não tinha a obrigação legal de pagar alimentos. Estes pertencem ao direito das obrigações e
são chamados também de obrigacionais. Ainda na ideia de Gonçalves (2011), os alimentos
voluntários podem ser declarados na manifestação causa mortis, manifestada em
testamento, fazendo parte do direito das sucessões e também são chamados de
testamentários.
Descritos pelo artigo 948 do CCB/2002, os alimentos chamados indenizatórios ou
ressarcitórios, que são aqueles, que resultam da prática de um ato ilícito e constituem forma
de indenização do dano ex delicto. Esta modalidade de prestação alimentar é também
regulada pelo direito das obrigações.
Quanto à sua finalidade, os alimentos classificam em definitivos ou regulares,
provisórios e provisionais. Na visão de Dias (2009), alimentos definitivos são os de caráter
permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes devidamente
homologados, apesar de que podem ser revistos.
Os alimentos provisórios e provisionais não sem confundem, eles possuem
propósitos e finalidades diferentes e, inclusive, são previstos em distintos estatutos legais.
Os provisórios estão previstos na Lei nº. 5.478 de 1968 - a Lei dos Alimentos - e são
estabelecidos quando a propositura da ação de alimentos, ou em montante posterior, mas
antes da sentença. Já os provisionais encontram-se na Lei nº 5.869, que sancionou o Código
de Processo Civil Brasileiro de 1973 (CPCB/1973), e são deferidos em ação cautelar ou
quando da propositura da ação de separação, divórcio, anulação de casamento, bem como
na ação de reconhecimento de união estável, e se destinam a garantir a manutenção da parte
ou custear a demanda.
Sobre os dois termos, alimentos provisórios e provisionais, Dias (2009, p.500 e
501), faz a seguinte explicação:
Ainda que a doutrina insista em diferenciar esses dois tipos de tutela
emergencial, os juízes os tratam de maneira indistinta. A diferenciação entre
duas espécies, em essência, é apenas terminológica e procedimental. Em
substancia significam o mesmo instituto.
Quanto ao momento em que são reclamados, os alimentos classificam-se em
pretéritos, atuais e futuros. Para explicar a classificação do momento, Gonçalves (2011) faz
relato de que “são pretéritos quando o pedido retroage a período anterior ao ajuizamento da
ação; atuais, os postulados a partir do ajuizamento; e futuros, os alimentos devidos somente
a partir da sentença”.
Essa classificação não se amolda perfeitamente ao direito brasileiro, uma vez que os
alimentos futuros independem do trânsito em julgado da decisão que os concede, sendo
devidos a partir da citação ou do acordo. E, na prática, os alimentos pretéritos têm sido
confundidos com prestações pretéritas, que são fixadas na sentença ou no acordo, estando
há muito vencidas e não cobradas, a ponto de não poder tê-las mais por indispensáveis à
própria sobrevivência do alimentado, não significando mais que um crédito como outro
qualquer, com supedâneo no artigo 732 do CPCB/1973.
2.3 A obrigação de alimentar e o direito aos alimentos no Direito de Família
Antes de adentrar no tema exposto, é válido fazer a distinção de dois termos, que
são as obrigações de alimentar e os deveres de sustento.
A obrigação de prestar alimentos repousa no princípio da solidariedade existente
entre os membros de um grupo familiar, cujo dever de ajuda mútua é recíproco. Depende,
todavia, do estado de necessidade do requerente e das possibilidades do obrigado pela
prestação alimentar. É um binômio da necessidade e possibilidade. O dever de sustento
resulta de imposição legal dirigida a determinadas pessoas ligadas por vínculos familiares,
é unilateral e deve ser cumprido incondicionalmente. Exemplo deste são os deveres
familiares de sustento, assistência e socorro que incumbe aos cônjuges, companheiros e aos
pais em relação aos filhos menores.
Nesse sentido, Gonçalves (2011) diz que a obrigação de prestar alimentos é
transmissível, divisível, condicional, recíproca e mutável.
Apenas com a entrada do CCB/2002, a obrigação alimentar passou a ser
transmissível, uma vez que, no artigo 402, do antigo CCB/1916 dispunha que “a obrigação
de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”, extinguindo-se, pois, pela
morte do alimentante. Com a atualização do CCB/2002, no artigo 1700, a obrigação de
alimentar passou a ser transmissível.
O CCB/2002 descreve a regra da transmissibilidade da obrigação alimentar, prevista
em seu artigo 1700, que remete ao artigo 1694, dando a entender que esta regra envolve
também a obrigação alimentícia originada do vínculo de parentesco, além das decorrentes
do casamento e união estável; e que os herdeiros do alimentante estariam obrigados a
prestar alimentos ao credor-alimentado de acordo com as suas possibilidades, e não nas
forças da herança. Na verdade o CCB/2002 não soluciona de uma forma clara as discussões
atuais sobre o tema, mas apenas gera uma nova fase de conflitos e incertezas a serem
solucionadas pela doutrina e jurisprudência.
A respeito da obrigação de alimentar ser divisível, Gonçalves (2011, p 512) afirma:
A obrigação alimentar é também divisível, e não solidária, porque a
solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. Não
havendo texto legal impondo a solidariedade, ela é divisível, isto é, conjunta.
Cada devedor resposta por sua quota-parte.
Explicando melhor a divisibilidade, o artigo 1698 do CCB/2002, na sua segunda
parte, descreve:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em
condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os
de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos,
todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada
ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Segundo dispõe o §1º do artigo 1694 do CCB/2002, “os alimentos devem ser
fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Essa é a terceira característica, a de condicionalidade. Diz-se que a obrigação de prestar é
condicional porque sua eficácia está subordinada a uma condição resolutiva. Somente
subsiste tal encargo enquanto perduram os pressupostos objetivos de sua existência,
representados, pelo binômio necessidade-possibilidade, extinguindo-se no momento em que
qualquer deles desaparece. Se, depois da aludida fixação, o alimentando adquire condições
de prover à própria mantença, ou o alimentante não mais pode fornecê-los, sem desfalque
do necessário ao seu sustento, extingue-se a obrigação.
A reciprocidade também é característica da obrigação alimentar. No artigo 1696 do
CCB/2OO2: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e
extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau,
uns em falta de outros”. Assim, há reciprocidade entre os parentes, cônjuges, e
companheiros discriminados na lei quanto ao direito à prestação de alimentos e a
obrigação de prestá-los, ou seja, ao direito de exigir alimentos corresponde o dever de
prestá-los.
2.3.1 Características do direito a alimentos
Por se tratar de um direito tendente a manutenção da pessoa humana e de sua
fundamental dignidade, é natural que os alimentos estejam cercados de características
muito peculiares, afastando-o das relações obrigacionais comuns.
De acordo com Gonçalves (2011) o direito a alimentos apresenta varias
características. É um direito personalíssimo, incessível, impenhorável, incompensável,
imprescritível, intransacionável, atual, irrepetível ou irrestituível e irrenunciável.
Tem caráter personalíssimo por não poder ser transferido a outrem, na medida em
que visa a preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio
para sobreviver.
Devido ao seu caráter personalíssimo, o direito a alimentos, como consequência,
tem a característica de ser incessível, ou seja, inseparável da pessoa, não pode ser objeto de
cessão de crédito, pois isso se opõe a sua natureza. O artigo 1707 do CCB/2002 diz
expressamente que o crédito a alimentos é “insuscetível de cessão”. No entanto, de acordo
com Gonçalves (2011, p.520), apenas os alimentos futuros não poderão sofrer a cessão:
somente não pode ser cedido o direito a alimentos futuros. O crédito constituído por
pensões alimentares vencidas é considerado um crédito comum, já integrado ao patrimônio
do alimentante, que logrou sobreviver sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido.
Na obra de Cahali (1999, p. 110), a respeito da característica da impenhorabilidade
dos alimentos faz a seguinte afirmativa:
Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito a
subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos para viver,
nem pode prover às suas necessidades pelo próprio trabalho, não se
compreende que possam ser as prestações alimentícias penhoradas;
inadmissível, assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do
que é estritamente necessário à sua subsistência.
A compensação é o meio de extinção de obrigações entre pessoas que são ao mesmo
tempo, credor e devedor uma da outra. Segundo Gonçalves (2011) pode-se dizer então, que
o direito a alimentos é incompensável, isto porque, seria extinto, total ou parcialmente, com
prejuízo irreparável para o alimentando, já que os alimentos constituem o mínimo
necessário à sua subsistência. Como exemplo, o marido não pode deixar de pagar a pensão
a pretexto de compensá-la com recebimentos indevidos, pela esposa, de aluguéis só a ele
pertencentes.
Nos dizeres de Gonçalves (2011) o direito aos alimentos é imprescritível, ainda que
não seja exercido por longo tempo e mesmo que já existissem os pressupostos de sua
reclamação. O que prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões
alimentícias, ainda que o alimentando venha passando necessidade há muitos anos.
Sendo indisponível e personalíssimo, o direito a alimentos de acordo com o artigo
841 do CCCB/2002, não pode ser objeto de transação. A regra aplica-se somente ao direito
de pedir alimentos, pois a jurisprudência considera transacionável o quantum das
prestações, tanto vencidas, como vinculadas. A transação celebrada nos autos de ação de
alimentos constitui título executivo judicial.
O direito aos alimentos é atual, no sentido de exigível no presente e não no passado.
Segundo Rodrigues (2004) alimentos são devidos ad futurum, não ad praeteritum. A
necessidade que justifica a prestação alimentícia é, ordinariamente, inadiável, conferindo a
lei, por esse motivo, meios coativos ao credor para a sua cobrança, que vão do desconto em
folha à prisão civil.
Acentua Miranda (2000) que os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o
alimentário venha decair da ação na mesma instancia ou em grau de recuso. Os alimentos,
uma vez pagos, são irrestituíveis, sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Quem pagou
alimentos, pagou uma dívida, não se tratando de simples antecipação ou de empréstimo.
É irrenunciável porque o CCB/2002, no seu artigo 1707, 1ª parte, permite que se
deixe de exercer, mas não que se renuncie o direito de alimentos. Pode-se renunciar o
exercício e não o direito.
Determinado as características dos alimentos, cabe, agora, discorrer sobre os seus
pressupostos objetivos e subjetivos da obrigação alimentar, o que virá na sequência.
2.4 Pressupostos da obrigação alimentar
Certos requisitos deverão existir no momento da concessão dos alimentos. São
pressupostos objetivos da obrigação de prestar alimentos: a) existência de um vínculo de
parentesco; b) necessidade do reclamante; c) possibilidade da pessoa obrigada; d)
proporcionalidade.
O artigo 1695 do CCB/2002 preceitua:
São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens
suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e
aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do
necessário ao seu sustento.
No que se refere ao primeiro pressuposto, o vínculo de parentesco, deve ser
salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos. De acordo com o
CCCB/2002, em seus artigos 1694, 1696 e 1697, somente os ascendentes, descendentes e
irmãos bilaterais ou unilaterais são obrigados.
Em relação ao segundo pressuposto, o da necessidade do alimentando, importa
considerar que o credor da prestação alimentar deve, efetivamente, encontrar-se em estado
de necessidade. Não é preciso que o pretendente a alimentos chegue à miséria completa
para obtê-los; basta que não tenha renda suficiente para manter-se e não possa conseguir
pelo trabalho os meios indispensáveis à subsistência correspondente a sua posição social.
No que diz respeito ao terceiro pressuposto, o da possibilidade da pessoa obrigada,
deve ser ressaltado que para buscar os alimentos é necessário também que aquele de quem
se pretende esteja em condições de fornecê-los. A necessidade de um importa na
possibilidade do outro.
Pode ser apontado como quarto pressuposto para que exsurja a obrigação alimentar,
a proporcionalidade. Este instituto não visa o enriquecimento do alimentando. Portanto não
tem porque exigi-los além das necessidades do alimentando. Como ressalta o artigo 1694
do CCB/2002, o devedor não pode ser compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da
sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades
maiores.
2.5 Os alimentos e a obrigação de quem alimentar
Quando se fala em obrigação alimentar dos pais sempre se pensa no pai que registra,
que, no entanto, nem sempre se identifica com o pai biológico. Como vem, cada vez mais,
sendo prestigiada a filiação socioafetiva, que, inclusive, prevalece sobre o vínculo jurídico
e o genético, essa mudança também se reflete no dever de prestar alimentos.
Portanto, de acordo com Gonçalves (2011) é defensável a possibilidade de serem
reivindicados alimentos do genitor biológico, diante da impossibilidade econômicofinanceira, do pai socioafetivo, que não está em condições de cumprir com a real
necessidade alimentar do filho.
No pensamento de Dias (2009), no que se diz respeito ao termo final da obrigação
alimentar, pode-se afirmar que, apesar do adimplemento da capacidade civil aos 18 anos,
isto não leva a extinção automática do encargo alimentar. Assim, é irrelevante fixar termo
final aos alimentos. A fixação é ineficaz.
A obrigação alimentar não é somente dos pais em decorrência do poder familiar.
Existe a reciprocidade de obrigação alimentar entre pais e filhos, ônus que se estende a
todos os ascendentes, recaindo sempre nos mais próximos. De acordo com o artigo 1698 do
CCB/2002: “se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições
de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os parentes de grau
imediato”. Dias (2009, p. 482) aduz:
Assim, a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e, na ausência de
condições de um ou ambos os genitores, transmite-se o encargo aos
ascendentes, isto é, aos avós, parentes em grau imediato mais próximo.
Ainda no artigo 1698 do CCCB/2002, este esclarece que a obrigação avoenga é
subsidiária, deixando antever que só se pode exigir do avô depois de evidenciada a
inexistência ou impossibilidade do pai.
Na cabe intentar contra os avós execução dos alimentos não pagos pelo genitor, o
que seria impor a terceiro pagamento de dívida alheia. A jurisprudência vem admitindo a
ação de alimentos em desfavor dos avós somente quando da separação dos pais, nenhum
dos genitores possuírem condições de prover o sustento da prole.
O CCB/2002 no seu artigo 1694 relata que “os parentes, cônjuges, e conviventes
podem pedir alimentos uns aos outros”. Quem não tiver condições de prover a própria
sobrevivência pode-se socorrer de seus familiares para viver de modo compatível com a sua
condição social e as necessidades com a educação. Ainda que a lei prescreva, primeiro nos
parentes e depois no cônjuge ou companheiros, a ordem está invertida. O artigo 1829, inc.
IV, do CCB/2002, a respeito da obrigação alimentar acompanha a ordem de vocação
hereditária.
Quanto aos parentes em linha reta, como o vínculo sucessório não tem limite, é
infinito a reciprocidade da obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes. Tanto
pais e avós devem alimentos a filhos e netos, quanto netos e filhos têm obrigação com os
ascendentes. Entre os ascendentes, o ônus recai sobre os mais próximos.
A obrigação alimentar é recíproca, estabelecendo a lei uma ordem de preferência, ou
melhor, de responsabilidade. Os primeiros obrigados a prestar alimentos são os pais. Esse
dever estende-se a todos os ascendentes. Também não a limite na obrigação alimentar dos
descendentes.
Na ausência de obrigados em linha reta, são chamados a prestar alimentos os demais
parentes. Explicita a lei que a obrigação entre os parentes de segundo grau compreende
tanto os irmãos germanos, que são aqueles irmãos filhos dos mesmos pais, quanto os
unilaterais, que são os filhos de somente um dos pais.
Não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhe atribuir deveres. Os graus
de parentesco não devem servir só para se ficar com o bônus, sem assunção dos ônus.
O artigo 1595, §1º, do CCB/2002 explica: “O casamento e a união estável geram
parentesco por afinidade entre o cônjuge ou companheiro e os seus ascendentes,
descendentes ou irmão”. A obrigação alimentar decorre não só do parentesco natural ou
consanguíneo, mas também do parentesco por afinidade.
De modo expresso, ressalta o CCB/2002, no §2º do artigo 1595, que a permanência
do vínculo de afinidade mesmo após a dissolução do casamento e da união estável,
remanescendo assim o vínculo jurídico, mantém-se a solidariedade familiar. Assim, não se
extinguindo a relação de parentesco, imperioso reconhecer a persistência do dever
alimentar. Em um aspecto geral, Dias (2009, p.486) cita:
A doutrina, de modo geral, é contra o reconhecimento da obrigação alimentar,
entendendo que afinidade não origina parentesco, mas apenas aliança, não sendo apta a
criar direito a alimentos. Porém, a lei não faz qualquer distinção, fala em parentesco por
afinidade e impõe obrigação alimentar aos parentes.
O dever de mutua assistência atribuído aos cônjuges quando do enlace matrimonial
é que da origem à recíproca obrigação alimentar. Relatando sobre o conteúdo, Dias (2009)
explica que se trata de ônus que surge na solenidade das núpcias, mas sua exigibilidade, a
título de alimentos, está condicionada ao término do casamento. Até mesmo o cônjuge que
proporcionou a separação, violando os deveres do casamento pode receber alimentos.
A união estável tem direitos e deveres dos companheiros. Dentre os deveres está
presente o dever de alimentos por expressa determinação legal, na medida em que o artigo
1724 do CCB/2002 estabelece dentre outros, o dever de mutua assistência, além de sustento
e educação dos filhos, em perfeita consonância com o disposto no artigo 2°, incisos II e III,
da Lei nº. 9.278/96, que é a regulamentação do artigo 226 §3º, da CRFB/88.
Como já foi dito em tópico anterior, o CCB/2002 ao regular a questão dos alimentos
também consignou expressamente, em seu artigo 1694, que além dos parentes, os cônjuges
e também os companheiros, podem “pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para
viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de educação”.
2.6 Alimentos Gravídicos
A obrigação de prestar alimentos ao filho surge mesmo antes de seu nascimento.
Resguardado pelo artigo 2º do CCB/2002, o nascituro pode buscar alimentos desde a sua
concepção. O nascituro já tem direitos garantidos na legislação brasileira mesmo com a
mera expectativa de vida.
Estabelecida no sistema jurídico brasileiro há poucos anos, a Lei nº 11.804/08,
assegura o que chama de “alimentos gravídicos”, ou seja, alimentos à gestante, que se
transformam em alimentos ao filho quando de seu nascimento.
Segundo Gonçalves (2011) alimentos gravídicos, em artigo da citada Lei, são os
destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela
decorrentes, da concepção ao parto. Compreendem como as despesas a assistência médica e
psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais
prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, alem de outras que
o juiz considerar pertinentes. Lembrando que o rol das despesas não é taxativo.
O objetivo dos alimentos gravídicos é garantir o desenvolvimento de forma
conveniente, onde o feto não é privado de qualquer acesso a nutrientes que possam
comprometer seu desenvolvimento saudável.
A nova legislação entra em contato com a realidade social facilitando a apreciação
dos requisitos para a concessão dos alimentos ao nascituro. De acordo a Lei dos alimentos
gravídicos, em seu artigo 6º, a requerente tem que convencer o juiz da existência de
indícios da paternidade, desta forma, este fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até
o nascimento da criança, observando as necessidades da parte autora e as possibilidades da
parte ré.
Através da Lei de Alimentos Gravídicos se tem mais um caminho para a busca da
dignidade da pessoa humana, pessoa esta que é considerada desde a sua concepção. A
criança e a gestante em qualquer situação tem o direito de viver e sobreviver com
dignidade. O legislador busca através da lei a condição ideal para que pai, juntamente com
a mãe, arque com as despesas da gestação.
No próximo capítulo o tema será abordado de forma detalhada, descrevendo todos
os artigos da Lei 11.804/08, até mesmos aqueles que foram vetados do projeto original.
2.7 A união homoafetiva e a obrigação alimentar
A obrigação alimentar, que foi esclarecida em tópico anterior, sendo vista a partir do
princípio constitucional da solidariedade social, torna-se evidente que a sua finalidade é a
busca da afirmação, no plano concreto, da própria dignidade humana. Por isso, não se pode
excluir os alimentos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, pena de atentar contra a
dignidade da pessoa humana.
A relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreiase no afeto e na solidariedade como já foi dito em tópicos anteriores, e não há motivo para
deixar de reconhecer o direito aos alimentos, em favor daquele que, eventualmente, venha a
necessitar de proteção material.
Assim, mesmo não contemplados no artigo 1694 do CCB/2002, que prevê sua
possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são devidos
nas uniões homoafetivas, eis que decorrem de princípios constitucionais, especialmente do
dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade humana.
Ainda mais, como já foi citado, o STF e depois o STJ já reconheceram as uniões
homoafetivas como uniões estáveis. Portanto, podem-se ver um sistema judiciário
considerando as uniões homoafetivas como uniões estáveis e consequentemente dando
direito ao casamento civil, fazendo com que tenha os direitos e deveres dos companheiros,
cônjuges e parentes.
Depois das recentes decisões passa a ganhar força e espaço esta corrente, a qual
defende a possibilidade de prestação alimentícia nas relações homoafetivas, tratando-se esta
de um instituto regulado pelo direito de família.
Em seu voto o Ministro Relator da ADI 4277 reconheceu todos os direitos dos
casais heteroafetiva as uniões homoafetivas. Disse ele: “Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.
[11]
Desse modo, com espeque nos valores constitucionais e tendo em mira que é
objetivo fundamental da República construir uma sociedade solidária, justa e igualitária, é
direito das uniões homoafetivas, sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma
de manter sua integridade, o pedido aos alimentos.
CAPÍTULO 3
O DIREITO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NA UNIÃO HOMAFETIVA
FEMININA
3.1 A consolidação da união homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro
Desde o ano de 2001 já eram deferidas às uniões homoafetivas direitos no âmbito
do direito de famílias e das sucessões, ora as reconhecendo como entidade familiar, ora
aplicando por analogia a legislação da união estável.
As decisões pioneiras se iniciaram no Rio Grande do Sul, mas todos os demais
Estados decidiam no mesmo sentido. De modo recorrente, já foram concedidos direitos
previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde às uniões homoafetivas.
Também já foram deferidos alimentos e assegurado o direito à curatela do companheiro
declarado incapaz.
Em 2011, a respeito das uniões homoafetivas, o julgamento do STF se deu em
virtude da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de nº 132/RJ e
da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 4277. A primeira foi apresentada em
2008 tendo como arguente o então Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,
visando especialmente a que servidores estaduais homossexuais, conviventes em relações
estáveis, também pudessem usufruir dos benefícios concedidos aos servidores unidos por
laços heterossexuais. A segunda teve como arguente a Procuradoria Geral da República e
objetivou, em suma, o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo
como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da
união estável entre “homem e mulher”.[12]
Com as decisões, os Tribunais mostraram que procedimentos filosóficos ou
religiosos não se podem sobrepor a direitos fundamentais como a dignidade humana, a
igualdade e a não discriminação em razão do direito de escolha.
Orientando as decisões de todos os outros Tribunais, a decisão do STF decidiu que
as uniões estáveis, para fins de proteção do Estado, abrangem tanto as uniões entre homem
e mulher como as chamadas uniões homoafetivas.
Ainda de acordo com Dias[13], depois do pronunciamento da Corte Suprema, o
grande questionamento que surgiu foi sobre a possibilidade ou não de os homossexuais
casarem. Mas o silogismo é singelo, já que o STF impediu qualquer distinção entre uniões
hétero e homoafetivas e a Constituição Federal determina que seja facilitada a conversão da
união estável em casamento, não há como negar a conversão em casamento, sob pena de
desobedecer a decisão do Tribunal Superior e descumprir a recomendação constitucional.
Posteriormente a decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) da 4ª Turma,
em Recurso Especial[14], admitiu a habilitação para o casamento diretamente junto ao
Registro Civil, sem ser preciso antes formalizar a união para depois transformá-la em
casamento. Esta não foi a primeira decisão que permitiu o casamento, mas certamente foi a
mais significativa, eis que proferida pela Corte que tem o encargo de interpretar as leis
federais.
A respeito da decisão no STF, o Ministro Ayres Britto, então relator da ADI de nº
4277[15], justificando o seu voto pronunciou:
(...) pelo que dou ao artigo 1.723, do Código Civil interpretação conforme à
Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo
perfeito de ‘família’.
Ministro Marco Aurélio também justificando a constitucionalidade da ação proferiu:
(...) concluo que é obrigação constitucional do Estado reconhecer a condição
familiar e atribuir efeitos jurídicos às uniões homoafetivas. Entendimento
contrário discrepa, a mais não poder, das garantias e direitos fundamentais,
dá eco a preconceitos ancestrais, amesquinha a personalidade do ser humano
e, por fim, desdenha o fenômeno social, como se a vida comum com
intenção de formar família entre pessoas de sexo igual não existisse ou fosse
irrelevante para a sociedade.
Hoje já é possível ter a união estável, converter a união estável em casamento,
também é possível fazer o casamento e se for de interesse das partes fazer a dissolução ou
divórcio desta união.
Os direitos e deveres advindo das uniões estáveis entre homem e mulher agora
também são reconhecidos nas uniões homoafetivas. A adoção de crianças e/ou
adolescentes, mesmo que nunca tenha sido proibido, mas existia a preferência por casais
heterossexuais; o direito da inclusão em planos de saúde; da previdência; da divisão de bens
adquiridos na constância da união, sendo o regime de comunhão parcial de bens; dos
direitos à herança; ao usufruto dos bens do falecido e também do dever de alimentos em
caso de necessidade.
Com o pensamento de Dias[16], nota-se que os direitos e deveres abrangem de modo
geral não só o direito de famílias, mas sim é assegurado o reconhecimento das uniões
homoafetivas no âmbito do direito sucessório, previdenciário e trabalhista.
A respeito dos alimentos e a obrigação de alimentar, como já foi exposto em
capítulo anterior, a CRFB/88, tem tido por base o princípio da solidariedade, que demonstra
que um dos objetivos do Estado Democrático de Direito é a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.
Já no CCB/2002, a prestação de alimentos está prevista nos artigos 1694 e
seguintes, tratando do direito de pleitear alimentos aquele a quem necessita e a conceder à
aqueles que possui o vínculo e possibilidade de ajudar.
Na idéia de Farias[17], mesmo não contemplados no artigo 1694 do CCB/2002, que
prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são
devidos na união homoafetiva, eis que decorrem, logicamente, de princípios
constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade
humana, que, repita-se à exaustão, não pode ser vislumbrado como valor abstrato,
desprovido de concretude. Ora, se a relação homoafetiva, como qualquer outro
relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade, não há motivo para
deixar de reconhecer o direito a alimentos, em favor daquele que necessita de proteção
material.
Assim, com amparo nos valores constitucionais e recentes decisões dos Tribunais,
tendo em vista que é objetivo fundamental da CRFB/88 construir uma sociedade solidária,
justa e igualitária, visando a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos, não há o
que se falar em inconstitucionalidade do direito a pleitear alimentos nas uniões
homoafetivas, sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma de manter sua
integridade.
3.2 Lei 11.804/2008, a chamada lei dos alimentos gravídicos
A Lei nº. 11.804/08, de 05 de novembro de 2008, regulou os alimentos gravídicos
conferindo legitimidade ativa à própria gestante para a propositura da ação de alimentos.
Ainda nas palavras de Dias (2010) o objetivo da referida lei é proporcionar um nascimento
com dignidade ao ser concebido.
Diferentemente dos alimentos positivados no CCB/2002, e por ser uma lei de
caráter especial, a lei de alimentos gravídicos traz, em seu artigo 1º, a regulamentação de
que a alimentada será a mulher gestante, ou seja, a mãe. Não é o filho, no caso o feto, que
tem direito a alimentos, e sim a mulher grávida, que deverá se utilizar de tais alimentos[18]
Portanto, a legitimidade ativa para constar no pólo ativo de uma ação de alimentos
gravídicos é da própria gestante, que a detém até o momento do nascimento do feto,
momento em que deixará de ser uma mulher gestante e, consequentemente, também deixará
de ter direito aos alimentos gravídicos.
O artigo 2º da citada Lei refere-se ao objetivo dos alimentos, e estes, são destinados
a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes da
concepção do parto. São as obrigações e despesas necessárias de terem seus custos
compreendidos pelo valor pago a título de alimentos gravídicos.
A respeito das despesas que a gestante tem no período de gravidez, Dias (2010)
afirma:
Compreendem inclusive (o rol não é taxativo) as referentes a alimentação
especial, assistência médica e psicológica, exames complementares,
internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e
terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz
considerar pertinentes.
Vários artigos da Lei de Alimentos Gravídicos foram vetados pelo Presidente da
República. Os fundamentos dos vetos foram a inconstitucionalidade de tais artigos, bem
como o fato de contrariarem o interesse público.
O artigo 3º da referida lei determinava que o foro competente para o ajuizamento da
ação de alimentos gravídicos seria o do domicílio do réu, aplicando a regra geral de que as
ações fundadas em direito pessoal serão propostas naquele foro, nos moldes do artigo 94 do
CPCB/73.
Porém aquele artigo feria a regra já estabelecida de que o alimentando tem o foro
competente, tal como determina o CPCB/73, em seu artigo 100. Em tal hipótese, há de se
considerar que a gestante deve ter o foro privilegiado não só pelo fato de se enquadrar
como alimentada, mas, principalmente, pela condição especial em que se encontra.[19]
Outro artigo vetado, sendo este feito pelo Ministério da Justiça, foi o 4º, que tinha
como texto os seguintes dizeres:
Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que
ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias
em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o
alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha
aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades.
Como razões do veto o Ministro da Justiça justificou que o laudo sobre a viabilidade
da gravidez continua sendo importante, no entanto, a gestante, independentemente da sua
gravidez ser viável ou não, necessita de cuidados especiais, o que enseja dispêndio
financeiro.
O projeto de lei original enviado para sanção do Poder Executivo determinava em
seu artigo 5º que o juiz, ao receber a petição inicial, deveria designar uma audiência de
justificação para a oitiva da autora, apreciando as provas e, caso desejasse, poderia colher o
depoimento da parte-ré e de testemunhas.
O veto tem fundamento na ausência de obrigatoriedade da audiência de justificação
para outras ações de alimentos, além de entender que tal procedimento poderia causar um
retardo desnecessário para a lide.
No artigo 6º da Lei, uma vez convencido da existência de indícios da paternidade, o
juiz poderá fixar os alimentos gravídicos. Após o nascimento, tais alimentos são
convertidos em pensão alimentícia para o filho, até que uma das partes peça a sua revisão.
Como já foi dito nos capítulos anteriores, aqui também, o legislador não deixou de
fora o binômio entre necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. Depois
relatar a fixação dos alimentos gravídicos o legislador escreve que no artigo 6º que “(...) o
juiz fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando
as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.
A respeito da contestação, o legislador, no artigo 7º da Lei 11.804/08 determina 05
dias como prazo para resposta. Nas palavras de Almeida e Valadares (2011) “o prazo para
resposta é o mesmo concedido nas cautelares, cujo objetivo é dar agilidade ao processo,
uma vez que a demora na resposta da prestação jurisdicional pode causar prejuízos
irreversíveis à autora da demanda”.
Outro artigo vetado é o 8º, que determinava que, se houvesse oposição à
paternidade, a procedência do pedido estaria condicionada à realização de exame pericial
pertinente, ou seja, o exame de DNA.
Como justificativa do veto, o Presidente da República pronunciou as seguintes
palavras:
O dispositivo condiciona a sentença de procedência à realização de exame
pericial, medida que destoa da sistemática processual atualmente existente,
onde a perícia não é colocada como condição para a procedência da
demanda, mas sim como elemento prova necessário sempre que ausente
outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia.
Entre os dispositivos vetados está o artigo 9º, o qual versava sobre a partir de
quando seriam devidos os alimentos gravídicos. Entretanto por razões de celeridade no
processo motivou o veto do artigo. A explicação do Presidente foi de que a prática
judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se
espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Ainda nas palavras
do Presidente, justificando o veto expôs: “Determinar que os alimentos gravídicos sejam
devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não existência, uma vez que a
demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato
citatório”[20]
Mais um artigo que recebeu o veto foi o 10º. De acordo com o artigo 10 da Lei
11.804/08 a responsabilidade da gestante pelos danos materiais e morais causados ao réu,
caso não fosse ele o pai do bebê, seria objetiva. Independente da culpa, bastando apenas o
nexo e o dano causal para gerar a responsabilidade por parte da genitora.
O veto considerou tal imposição de responsabilidade objetiva como uma norma
intimidadora e ainda acrescentou que seria sua manutenção um atentado contra o livre
exercício ao direito de ação, já que haveria uma punição para a gestante simplesmente por
não obter êxito na demanda.[21]
No artigo 11 da lei dos alimentos gravídicos, descreve o permissivo legal para a
utilização da lei, de forma subsidiária, com a Lei de Alimentos e o CPCB/73. Já no artigo
12, último deles, tem-se a data que a lei entrou em vigor, qual seja, na data de sua
publicação, portanto, no dia 5 de novembro de 2008.
De forma resumida a Lei estudada visa facilitar a concessão de alimentos à gestante,
visto que esta necessita de auxílio nas despesas adicionais do período de gravidez, como
alimentação, assistência médica e cuidados especiais. Assim a Lei de alimentos gravídicos
diminui o obstáculo contido na Lei de Alimentos, pois antes seria necessário aguardar o
nascimento do filho e comprovar a paternidade para se pleitear alimentos, já agora a mãe
pode gozar desse auxílio já na gestação.
A obrigação do pai em auxiliar a mãe durante a gravidez é clara, porém desde que
seja na medida de suas possibilidades e necessidades respectivamente. A necessidade de
alimentos não se dá somente após o nascimento da criança, pelo contrário, ela se inicia a
partir do momento da concepção, ou seja, a necessidade se inicia com a comprovação da
gravidez, e não da comprovação da vida e da paternidade.
3.3 União homoafetiva feminina e os alimentos gravídicos
Como visto dentro da família homoafetiva encontra-se a existência da possibilidade
de uma família formada por duas mulheres, que tenham entre si sinais de afeto, amor,
carinho, e todas as demais atitudes características de uma família. E ainda de acordo com a
Ministra Nancy Andrighi[22] e com o que já foi estudado, sendo esta convivência pública,
contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a
ocorrência dos impedimentos do artigo 1521 do CCB/2002, com a exceção do inciso VI
quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o
reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de
efeitos jurídicos dela advindos.
Como todas as decisões no ordenamento jurídico brasileiro são comuns, e o
reconhecimento da união homoafetiva como união estável, e posteriormente, sendo
reconhecida a possibilidade de conversão em casamento civil, os parceiros homossexuais
com o desejo de ampliar suas famílias utilizam-se dos recursos disponíveis para isso. É
habitual o interesse desses casais em ter filhos. Os homossexuais masculinos buscam cada
vez mais a adoção de crianças e os casais formados por duas mulheres optam além da
adoção, homossexuais femininos podem optar pela inseminação artificial. É um direito que
lhes é assegurado pela CRFB/88, e também através dos que são seus pilares, entre outros, o
direito à dignidade, liberdade e, principalmente, o direito à igualdade.
A medicina, através das técnicas de reprodução humana artificial, vem trazer
métodos inovadores a fim de possibilitar aqueles que encontram dificuldade para procriar, a
possibilidade de realização do tão esperado projeto parental. A incapacidade para a
procriação pode derivar de diversos fatores, como fisiológicos, psicológicos, médicos ou
biológicos, vindo essas novas técnicas de reprodução trazer esperança àqueles que sonham
com a concretização do referido projeto parental.
Com as idéias de Corrêa e Costa[23], para a concepção do filho entre um casal
homoafetivo feminino é necessária a reprodução assistida, que é um conjunto de técnicas
utilizado por médicos especializados, que tem como principal objetivo tentar viabilizar a
gestação em mulheres com dificuldades de engravidar. Muitas vezes essas dificuldades, até
mesmo a infertilidade do casal ou um de seus membros, podem trazer sérios prejuízos ao
relacionamento conjugal. Dentre as principais técnicas atualmente disponíveis, destacamse: inseminação artificial, fertilização in vitro seguida de transferência de embriões,
transferência intratubária de gametas e transferência intratubária de zigotos, gestação por
mãe substituta.
Qualquer dessas técnicas pode ser utilizada ora de forma homóloga ora de forma
heteróloga, o que será definido de acordo com a proveniência do material biológico
utilizado para a fecundação.
Ainda no pensamento de Corrêa e Costa, será homóloga quando os gametas
utilizados para a fecundação artificial forem do casal interessado na procriação. E será
heteróloga quando, na impossibilidade de um ou de ambos os interessados na procriação
doarem os seus próprios gametas, forem utilizados gametas de terceiros na fecundação.
A forma heteróloga pode ser apresentada em três formas: A primeira é a reprodução
heteróloga unilateral a patre, que é quando o terceiro é doador do espermatozoide; a
segunda é a reprodução heteróloga a madre, que tem a terceira pessoa como doadora do
óvulo, o qual será fecundado in vitro, para depois ser transferido para o útero da mulher que
deseja procriar; e por ultimo a reprodução heteróloga bilateral, que é quando ocorre a
doação por terceiros tanto do espermatozoide como do óvulo, sendo a fertilização realizada
in vitro e após transferido para o útero da mulher que gerará o embrião implantado.[24]
3.3.1 Autonomia da vontade na inseminação artificial heteróloga
Por via normal, o casal deverá decidir se deseja ter filhos, e, caso ocorra a opção ou
a necessidade de inseminação artificial heteróloga, determina a lei que esta ocorra com a
prévia autorização do marido, artigo 1597, V, do CCB/2002.
O artigo 1597 do CCB/2002 descreve o seguinte:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido. (grifo nosso)
Conforme já visto, a Inseminação Artificial heteróloga, prevista no artigo acima, dáse quando utilizado o sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do
marido, para a fecundação do óvulo da mulher. Tal procedimento, ao contrário da
inseminação artificial homóloga, gera dúvidas no que tange à filiação, visto que a criança
gerada através dessa técnica possuirá pais biológicos diversos daqueles que irão lhe
registrar e acolher.
As exigências são que a mulher seja capaz e, que o marido ou o companheiro tenha
concordado de maneira livre e consciente. Se o marido autorizou a inseminação artificial
heteróloga não poderá negar a paternidade em razão da origem genética, nem poderá ser
admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento. O pai biológico também
não poderá intentar ação contra o pai não biológico, marido da mãe, para impugnar a
paternidade.
Com isso as inseminações artificiais feitas sem o consentimento do companheiro
não dão a possibilidade de entrar com pedido de alguns direitos gerados pelo casamento,
uma vez que o CCB/2002 deixa expressadamente que se tenha a prévia autorização do
marido, o que se faz crer que, mesmo que seja utilizado sêmen de um terceiro doador, é
necessário que o casal seja casado, ou presume-se que vivam em união estável.
Não estabelece a Lei Civil se o consentimento deve ser expresso ou tácito. A
omissão legislativa traz dúvidas e insegurança.
3.3.2 Direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina
As cláusulas do contrato de união estável entre pessoas do mesmo sexo podem tratar
de todos os assuntos concernentes a direitos disponíveis, inclusive sendo permitido aos
conviventes que estabeleçam outra espécie de regime de bens que não o da comunhão
parcial.
Com a igualdade imposta por decisões do STF, os companheiros agora podem
requerer pensão, estabelecer o regime de bens, suceder à herança, bem como requerer
benefícios previdenciários e a adoção conjunta, entre obter a concessão de outros direitos
previstos para a união estável.
Apesar do artigo 1597, V, do CCB/2002, mencionar a expressão “marido”, faz
prevalecer às decisões do STF e STJ, que como foi dito, igualou a união estável com a
união homossexual, tendo os mesmos direitos e deveres.
Portanto se tem os mesmo efeitos para autorização da companheira não gestante nas
uniões homoafetivas femininas.
A possibilidade da concessão do direito aos alimentos gravídicos na união
homoafetiva, nesse sentido, depende da vontade das duas partes.
Nesta união, caso ocorra, futuramente, a separação do casal homoafetivo feminino,
independente do motivo, é parte legitima a gestante da união homoafetiva no pedido a
alimentos gravídicos, uma vez que está sujeita a todas as despesas geradas pelo período de
gravidez que a Lei 11.804/2008 descreve em seu artigo 2º.
Após a decisão de equiparação da união homoafetiva com a união estável dando os
mesmo direitos e deveres, principalmente no que tange a direitos alimentícios, faz com que
seja incluso o casal homoafetivo feminino na Lei dos Alimentos Gravídicos, isto porque, a
gestante homoafetiva corre os mesmos riscos de não arcar financeiramente com a gravidez.
Da inseminação artificial heteróloga feita na união homoafetiva feminina com
prévia autorização da companheira, seja ela tácita ou expressa, são considerados filhos na
constância da união, portanto estes têm direito e deveres, tais como sucessão e alimentos.
Seria possível então incluir os casais homoafetivos femininos na Lei nº 11.804/08,
desde que fique declarado na inseminação artificial heteróloga que houve consentimento
das duas partes, afirmando que o feto gerado é filho do casal homoafetivo feminino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo foi visto que, embora o direito aos alimentos gravídicos em uniões
homoafetivas possa, inicialmente, parecer ilegítimo, a riqueza e consistência de argumentos
das teses formuladas não permitem que essa impressão se confirme. De fato, com as
frequentes transformações no campo jurídico que trata o direito de famílias e a união
homoafetiva, dificilmente se pode afirmar que esta ou aquela questão estão pacificadas ou
são inconstitucionais.
É inegável que, ao logo do tempo, valores como a dignidade humana e a afetividade
se tornaram cada vez mais importantes na formação das famílias, notadamente após o
advento da ADI nº 4277 do STF e posteriormente, com julgamento do recurso especial nº.
1183378 do STJ.
Após análise dos temas, e foco na Lei nº 11.804/08, chamada de Alimentos
Gravídicos, se percebe que mesmo sendo direcionada nas uniões entre homens e mulheres,
ou seja, heterossexual, e válido falar em direito do pedido de alimentos gravídicos para as
uniões homoafetivas. Porém obedecendo alguns requisitos e pressupostos.
A Lei dos Alimentos Gravídicos trouxe um preenchimento de lacuna no
ordenamento jurídico brasileiro de maneira significativa para abranger todas as gestantes
que ficavam prejudicas quanto aos gastos do período de gravidez. No entanto, pelo fato de
ser anterior ao julgamento do STF sobre as uniões homoafetivas, previu expressamente
apenas a possibilidade da ação em desfavor do pai, ou seja, nas uniões heterossexuais.
Portanto, ficou a dúvida se seria possível o pleito dos alimentos gravídicos entre
casais homoafetivos femininos.
No que concerne a possibilidade do direito de alimentos gravídicos na união
homoafetiva feminina há duas soluções para pergunta. Para o desenvolvimento da criança
na união entre duas mulheres, é feita a inseminação artificial, seja ela homóloga ou
heteróloga. O que pesa para decidir se é possível ou não a gestante pleitear os alimentos
contra a companheira é a vontade.
Mesmo com o ordenamento jurídico brasileiro considerando ser possível a união
estável entre casais homoafetivos, não se pode falar em alimentos gravídicos apenas com as
recentes decisões do STF e STJ.
Apesar de ter igualado deveres e direitos entre as uniões hetero e homossexuais, o
que pesa para validar os alimentos gravídicos nas uniões homoafetivas feminina é o
CCB/2002
A vontade da companheira não gestante é fundamental. A Lei Civil considera os
filhos havidos no casamento através de inseminação artificial aqueles que têm a vontade do
“marido”. Quanto a esta expressão masculina utilizada no texto do artigo 1597, V, do
CCB/2002 é possível considerar o marido sendo a companheira da união homoafetiva que
não será a gestante, visto que o casamento é constitucional em qualquer união que seguiu os
requisitos, independente do sexo.
Apenas se ocorresse uma inseminação artificial com o consentimento das duas seria
possível incluir os casais homoafetivos femininos na Lei nº 11.804/08. O direito dos
alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, quando a inseminação artificial é
heteróloga, seria legitima caso a essas mulheres formadoras de uma família homoafetiva
tenham, por comum acordo, decidido ter filhos, a fim de propagar suas sabedorias e seus
ensinamentos para outra pessoa.
Com a evolução do direito de família no ordenamento jurídico brasileiro, a
prevalência, em um futuro próximo, sem dúvida, será a possibilidade do direito de
alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina.
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Notas
[1]
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[2]
NASCIMENTO, Fernanda apud Piaget, Vygotsky e Wallon - Teorias psicogenéticas em
discussão – disponível em http://psicologafernandanascimento.blogspot.com.br – aceso em
25 out. 2011.
[3]
GOECKS, Renata Miranda; e OLTRAMARI, Vitor Hugo - A possibilidade do
reconhecimento da união estável putativa e paralela como entidade familiar, frente
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[4]
BRASIL – Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4277.
Relator Ministro Ayres Britto, Julgado em 05/05/2011 – acesso em 01 out. 2011.
[5]
OLIVEIRA, Euclides de - União Estável – disponível em http://www.ibdfam.org.br –
acesso em 28 out. 2011.
[6]
A expressão “More uxório” significa “aos costumes de casado”
[7]
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