O direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina Raphael Dias Macedo Com a evolução do direito de família no ordenamento jurídico brasileiro, a prevalência, em um futuro próximo, sem dúvida, será a possibilidade do direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. “A Constituição Federal prima pela proteção dos direitos fundamentais, e deu acolhida generosa ao princípio da vedação de todo tipo de discriminação”. (Min. Joaquim Barbosa) "Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo isso por cima do muro de hipocrisia que insiste em nos rodear”. (Lulu Santos) RESUMO Este trabalho propõe demonstrar a possibilidade do direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina no ordenamento jurídico brasileiro. Após as decisões da ADI nº. 4177 pelo Supremo Tribunal Federal e recurso especial nº. 1183378 pelo Superior Tribunal de Justiça, as uniões homoafetivas passaram a ser reconhecidas como uniões estáveis, e tendo a possibilidade de conversão em casamento civil. Consequentemente a seu favor os direitos e deveres foram equiparados aos do casamento tendo os casais homoafetivos agora a possibilidade de direitos como de sucessões, alimentos, adoção e outros. Nesse sentindo, pretende-se reconhecer a possibilidade do direito de alimentos gravídicos aos casais homoafetivos femininos que por vontade mútua resolveram através da inseminação artificial heteróloga ter um filho. O trabalho está embasado em pesquisas bibliográficas, tais como legislação, livros de autores diversos, artigos e periódicos, sendo que o método de procedimento é o monográfico e o método de abordagem é o dedutivo. Palavras-chave: alimentos gravídicos, união estável e homoafetividade feminina. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 - A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.1 Aspectos conceituais e sociais.1.2 Os novos arranjos da família brasileira. 1.3 União estável: o reconhecimento e a consolidação.. CAPÍTULO 2 - OS ALIMENTOS. 2.1 Conceito e natureza jurídica dos alimentos. 2.2 Espécies dos alimentos.. 2.3 A obrigação de alimentar e o pedido de alimentos no Direito de Família. 2.3.1 Características do direito a alimentos. 2.4 Pressupostos da obrigação alimentar. 2.5 Os alimentos e a obrigação de quem alimentar. 2.6 Alimentos gravídicos. 2.7 União homoafetiva e a obrigação alimentar. CAPÍTULO 3 - O DIREITO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NA UNIÃO HOMOAFETIVA. 3.1 A consolidação da união homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. 3.2 Lei nº. 11.804/2008, a chamada lei dos alimentos gravídicos. 3.3 União homoafetiva feminina e os alimentos gravídicos. 3.3.1 Autonomia da vontade na inseminação artificial heteróloga. 3.3.2 Direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS INTRODUÇÃO O tema que se pretende desenvolver faz menção ao possível direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, sendo esse o objetivo geral do trabalho. Após aprovação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e posteriormente o reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no recurso especial nº. 1183378, as uniões homoafetivas passaram a ter seus direitos equiparados ao do casamento civil, dando ensejo à discussão quanto ao cabimento dos alimentos gravídicos nas uniões homoafetivas femininas. Esta monografia se justifica pela importância de compreender todos os direitos do casal homoafetivo principalmente o de pleitear os alimentos gravídicos entre um casal feminino. Os objetivos específicos do presente tema visam entender a evolução da família ao longo do tempo; analisar de forma geral a questão dos alimentos; examinar os aspectos da união homoafetiva bem como o da união estável e investigar a possibilidade do pedido de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. Com isso, tem-se o seguinte problema a resolver: baseado na Lei 11.804/08 e em conforme decisões do STF e STJ é possível o direito de pleitear alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina? Em resposta ao problema central da pesquisa, constata-se a seguinte hipótese: Seria possível incluir o casal homoafetivo feminino na Lei nº 11.804/08, apenas se acontecer uma inseminação artificial heteróloga com a vontade das duas partes. O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo traz a família no ordenamento jurídico brasileiro, tentando demonstrar, primeiramente, alguns aspectos conceituais e sociais da família, bem como os princípios constitucionais que versam este instituto. Em seguida, faz uma breve demonstração dos novos arranjos da família brasileira, informando diversas formas de constituir uma família, dando ênfase na união estável mostrando o seu reconhecimento e a consolidação deste conceito familiar. O segundo capítulo trata, especificadamente, dos alimentos e suas generalidades. Os conceitos e a natureza jurídica; as possibilidades de pedido; a obrigação de alimentar; as espécies, sendo destaque os alimentos gravídicos e os alimentos na união homoafetiva. O terceiro capítulo fala da união homoafetiva e o seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro após as decisões dos Tribunais, equiparando-as ao casamento civil. Em seguida descreve a Lei 11.804/2008, chamada de lei dos alimentos gravídicos, explicando os seus artigos e seu objetivo. Por fim, faz menção a possibilidade do direito a alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, demonstrando como seria possível tal feito. Pontua também como este casal feminino vai ter o filho e a força da autonomia da vontade das partes nesta decisão de gerar uma criança. Esta monografia será desenvolvida através de pesquisa bibliográfica. As principais fontes de pesquisa serão feitas através de livros, artigos e outros meios de informação, como os periódicos (revista e jornais), podendo ser encontrados em bibliotecas bem como em sites de internet. Importante mencionar que o método de procedimento utilizado será o monográfico, e o método de abordagem utilizado será o dedutivo. CAPÍTULO 1 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 1.1 Aspectos conceituais e sociais Com a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), o direito que rege o poder familiar, estabeleceu novos conceitos em relação à família com a intenção de abranger todas as pessoas que buscam a felicidade de forma coletiva, através da união, e tem os mesmos interesses familiares. Com a ideia de Barbosa (2002), o Direito de Família seria um ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/2002), instituído pela Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. A evolução do conceito de família reflete-se inevitavelmente no Direito de Família, constatando a dinamicidade das suas definições e abrangências. Para explicar os aspectos conceituais relevantes da família, Farias e Rosenvald (2010, p. 21) dizem: A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade. Nos pensamentos de Barbosa e Vieira, (2009) a sociologia é o caminho para definir o conceito de família. Na visão sociológica, a família é a relação privada em que se tecem as ligações particulares entre seus diferentes membros, por meio de práticas de cada um. Na ideia de Bastos (1999) família seria um conjunto de pessoas unidas por laços de parentesco. O conceito mais atualizado do que poderia ser considerado uma família vem de Fernandes[1] que afirma ser aquela constituída por grupo de pessoas organizado através de regras culturalmente elaboradas em conformidade com modelo de comportamento. Até a CRFB/88, o conceito Direito de Família tinha uma estrutura completamente ultrapassada, o que predominava era a figura do pai como aquele que determinava as regras. A ideia era a esposa e os filhos submissos às ordens do pai, sendo que apenas essa família era conceituada e regida pela CRFB/88. A legislação instituía como família, apenas aquela constituída pelo casamento, por isso apenas o matrimônio e as relações de filiação matrimonial e parentesco eram bem vistas. Os princípios constitucionais têm como fundamento uma concepção eudemonista, em que o afeto é o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto como o modo mais plausível para a definição de família. Entretanto não é fácil conceituar o que realmente é uma família. Talvez seja um dos conceitos mais difíceis de explicar, uma vez que as mudanças e a adequação social de certa região em que se situa são enormes e variam conforme os momentos. O Direito de Família tem princípios gerais, sendo que estes são aplicáveis a todos os ramos do direito. O princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, da proibição do retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes, todos estes considerados princípios gerais. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir sempre como norte nas questões que envolva a família. Têm-se como base na formação de uma família os princípios da solidariedade e da afetividade, sendo estes princípios específicos do direito da família, além de outros a serão estudados ao longo do presente capítulo. Um dos mais importantes princípios do Direito de Família é o da afetividade. Toda família, da forma que ela seja, precisa do afeto. Antes de adentrar no princípio em questão, se faz necessária, a apresentação de uma definição do termo afeto. Uma das dificuldades no estudo da afetividade é a definição do que realmente significa o termo. Na linguagem geral, afeto relaciona-se com sentimentos de ternura, carinho e simpatia. Nas mais variadas literaturas, afetividade está relacionada aos mais diversos termos: emoção, estados de humor, motivação, sentimento, paixão, atenção, personalidade, temperamento e outros tantos. A afetividade também é concebida como o conhecimento construído através da vivência, não se restringindo ao contato físico, mas à interação que se estabelece entre as partes envolvidas, na qual todos os atos comunicativos, por demonstrarem comportamentos, intenções, crenças, valores, sentimentos e desejos, afetam as relações e, consequentemente, o processo de aprendizagem. Perceber o sujeito como um ser intelectual e afetivo, que pensa e sente simultaneamente, e reconhecer a afetividade como parte integrante do processo de construção do conhecimento, implica outro olhar sobre a prática pedagógica, não restringindo o processo ensino-aprendizagem apenas à dimensão cognitiva.[2] Como explica Dias (2009) a família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Ligado ao princípio da afetividade encontra-se o princípio do pluralismo das entidades familiares. Decorrente do pluralismo político, citado no artigo 1º, inc. V, da CRFB/88, o princípio do pluralismo das entidades familiares trás o reconhecimento do Estado sobre existência de várias possibilidades de arranjos familiares. É o Estado reconhecendo a possibilidade de novas estruturas de famílias. As uniões onde existe o afeto, a dignidade e a liberdade podem ser consideradas uma família.[3] O Direito de Família, também tem como um dos princípios especiais o do não retrocesso social. No pensamento de Dias (2009) o principio descreve que o homem e a mulher, em geral, a família não podem sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária. Este é o chamado princípio constitucional da proibição do retrocesso social. Nenhum texto proveniente do constituinte originário pode sofrer retrocesso que lhe alcance jurídico social inferior. Dando continuidade aos princípios do Direito da Família, no artigo 1º, inc. III, da CRFB/88, expõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, aduzindo que o Estado de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. O princípio constitucional da dignidade passou a servir de base nas relações da família, o que implicou efetivamente na consolidação da valorização do indivíduo, integrante da instituição familiar como ser em sua individualidade, devendo ser respeitado e atendido nas suas necessidades mais gritantes. A respeito do princípio da solidariedade familiar, este é reconhecido como objetivo fundamental pelo artigo 3º, inc. I, da CRFB/88, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais. O princípio da igualdade descrito no artigo 226, § 5º, da CRFB/88 relata que: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A respeito da igualdade e diferença de gêneros em um ambiente familiar, Dias (2009, p. 65) assegura: A igualdade, porém, não apaga as diferenças entre gêneros, que não podem ser ignorados pelo direito. O desafio é considerar as saudáveis e naturais diferenças entre homens e mulheres dentro do princípio da igualdade. Já está superado o entendimento de que a forma de implementar a igualdade é conceder à mulher o tratamento diferenciado que os homens sempre desfrutaram. Prevê o artigo 227, caput, da CCB/2002 que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A CRFB/88 veda também a discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Atribui à família, a sociedade e ao Estado e o dever de assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como garantindo-lhe direito a vida. O próximo princípio a ser estudado é o da liberdade. Baseado no artigo 1513 do CCB/2002, este princípio expõe sobre o direito de todos a decidirem as escolhas melhores para si mesmo e para a sua família, todos tem liberdade para tentar alcançar a sua felicidade. É importante frisar que se deve ter muito cuidado no seu entendimento, isso porque, o real sentido é que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família, porém por meio de politicas públicas, através do planejamento familiar e o controle de natalidade, são formas de fiscalizar a liberdade das famílias. Deste modo, destaca-se que a evolução do conceito família está ligada ao fato da sociedade enxergar com novos olhos a estrutura familiar. A liberdade de escolha do ser humano em poder constituir sua família, ajudou na evolução do conceito família. O Direito de Família e os seus novos conceitos fizeram com que várias uniões estáveis fossem reconhecidas como uma família, independente do casamento. Com a evolução constitucional, o sistema jurídico passou a estruturar a família como aquela união que tem como objetivo a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a erradicação da pobreza e também a igualdade substancial. Em um forçoso passo, além de reconhecer a família tradicional, fundada do casamento, agora novos arranjos familiares passam também a serem reconhecidos e cumprem a função que a sociedade destinou a família: buscar felicidade em objetivos comuns do casal e a formação da pessoa humana digna. 1.2 Os novos arranjos da família brasileira A Lei de nº. 3.071, que institui Código Civil de 1916 (CCB/1916), descreveu como perfil de família, a matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual. A chefia destas famílias era do marido e a esposa e os filhos possuíam posições inferiores à dele. Existia uma linha de valores, que era seguida de forma rígida, os direitos eram de acordo com as posições na família. A vontade da família se traduzia na vontade do homem que se transformava na vontade da entidade familiar. Contudo, esses poderes se restringiam à família matrimonializada, os filhos ilegítimos, não possuíam espaço na original família. O casamento era aceito apenas na união heterossexual, aquela união entre homem e mulher. A palavra matrimônio, ainda que seja compreendida como sinônimo de casamento é referente exclusivamente à união entre um homem e uma mulher, uma vez que deriva de mater, matris (mãe) no latim clássico. O objetivo da família era a conservação do patrimônio, e com isso homem e mulher precisavam gerar filhos, para servirem como força de trabalho e assim gerar frutos. Como precisavam da procriação, as famílias obrigatoriamente tinham que serem constituídas por um par heterossexual e fértil. Na ideia de Farias e Rosenvald (2010), entende-se como o antigo conceito de família, aquela onde o homem era o que exercia a chefia da sociedade conjugal, sendo merecedor de respeito e obediência da mulher e dos filhos. Com as mudanças ocorridas após a CRFB/88, o Estado agora reconhece e efetiva a devida proteção das múltiplas possibilidades dos novos arranjos familiares. A estrutura da sociedade foi modificada. Sobre as mudanças ocorridas no sistema jurídico brasileiro, Farias e Rosenvald (2010, p. 42) escrevem: De fato o legislador apenas efetivou o que já representava a realidade de várias famílias brasileiras, reconhecendo que a família brasileira é um fato natural e o casamento uma solenidade, uma convenção social, adaptando, assim, o Direito aos anseios e às necessidades da sociedade. A primeira possibilidade de um arranjo familiar é o mais tradicional. Protegido pela Igreja, que conceitua na Bíblia como união entre pai e mãe, dando a ideia de ser um homem e uma mulher, esta declara como sacramento indissolúvel. De certa forma também apoiado pelo Estado, a família matrimonial é aquela oficializada pelo casamento. Com base nas palavras de Dias (2010), o Cristianismo considera as únicas relações afetivas aceitáveis são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse da procriação. Até a entrada do CCB/2002, era a única forma admissível de formação de família. A Família matrimonial é a mais aceita e comum na sociedade. Um par heterossexual oficializa a união com o casamento e vive com filhos e netos ao redor, criando assim a família matrimonial. Outro tipo de família está descrita no artigo 226, § 4º, da CRFB/88, a chamada família monoparental, que é aquela formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. No pensamento de Dias (2009) esses núcleos familiares passaram a ser nominados de familiar monoparantais, para ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar. Sobre a família monoparental Dias assegura (2009, p.198): A monaparentalidade tem origem na viuvez, quando a morte de um dos genitores, ou na separação ou no divórcio dos pais. A adoção por pessoa solteira também faz surgir um vinculo monoparental. A inseminação artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do marido são outros exemplos. Como inovação nos novos arranjos familiares brasileiro, encontra-se a família anaparental. Na idealização de Farias e Rosenvald (2010), a convivência entre parentes dentro de uma estruturação com propósitos parecidos, impõe reconhecimento da existência de uma entidade familiar, e é essa que se pode chamar de família anaparental. Um exemplo dessa família é a convivência de duas irmãs sob o mesmo teto, ou até tios e sobrinhos juntos, que buscam com esforços a formação do acervo patrimonial e felicidade. Existem também aqueles que não são parentes, porém moram juntos. Como exemplo, os amigos que moram sob mesmo teto. Esta é chamada de família eudemonista que caracteriza pela convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua. As mudanças sociais fizeram com que surgisse a família denominada pluriparental ou mosaico. De acordo com as palavras de Dias (2009) são aquelas caracterizadas pela estrutura complexa decorrente de vários vínculos, igualdade nas funções dos novos casais e forte grau de interdependência. Também nomeado de mosaico ou família pluriparental, surge da pluralidade das relações parentais, especialmente oriundas de divórcio, da separação e assim formando uma nova família. O ponto marcante desse tipo de família, é que decorre da peculiar organização do núcleo, isto é, a reconstrução da família por casais onde um ou ambos são egressos de outras uniões. O casal que se uniu agora traz para a nova família seus filhos, e também acabam tendo filhos em comum. Para caracterizar melhor a família pluriparental cita-se o ditado popular: “os meus, os teus, e os nossos”. Descrita no artigo 1º da Lei nº 9.278/96, a união estável é conhecida pela convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Contudo, nem sempre a união estável apresentou-se de forma pacífica e clara. Na verdade, por muitos anos, o que se vivenciou foi um estágio de dicotomia entre a norma legal e a realidade social. Reconhecendo a união estável com a instituição de programática para facilitar sua conversão em casamento, atendeu-se a necessidade de adaptação da norma jurídica ao fenômeno jurídico-social, conferindo a esta modalidade de associação entre as espécies de famílias. Cabe ressaltar que recentemente a união homoafetiva, aquela formada por pessoas do mesmo sexo, também foi equiparada à união estável. Referente à união homoafetiva, esta se caracteriza pela relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, com características de união estável nos termos da lei. Esta modalidade vem sendo defendida por alguns doutrinadores, tais eles como Maria Berenice Dias, Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald e já foi reconhecida como união estável no Supremo Tribunal Federal (STF) e mais recente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou possível a conversão ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Sobre as uniões homoafetivas Dias explica (2009, p 47): Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em verdadeiro convívio estável caracterizando pelo amor e respeito mútuo, como objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vínculo, independente do sexo seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei. Recentemente, em maio de 2011, o STF, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. O Ministro Celso de Mello, justificando o seu voto favorável ao reconhecimento da união homoafetiva como união estável falou: Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero. Não pode um Estado Democrático de Direito conviver com o estabelecimento entre pessoas e cidadãos com base em sua sexualidade. É inconstitucional excluir essas pessoas.[4] O grupo familiar pode ser monoparental ou composto por famílias recompostas, ou formado por membros do mesmo sexo, que irá surtir efeitos sociais e jurídicos do mesmo modo. Atualmente a família é compreendida tão somente por valores constitucionais da dignidade, igualdade, afetividade e estabilidade. 1.3 União estável: o reconhecimento e a consolidação A união estável consiste numa relação de puro afeto entre homem e mulher. A comunhão de vida que se estabelece por essa via informal tem por objetivo a mútua felicidade e a formação de uma família, sem necessidade de intervenção cartorária ou judicial[5]. Para explicar as características da união estável, Serejo (2004, p. 37) escreve: Importante, por conseguinte, para configurar-se a união estável é a aferição dos requisitos legais, considerando-se, ainda: a) a convivência more uxório[6]; b) a afeição recíproca; c) a comunhão de vida e de interesses; d) a conduta dos conviventes; e e) a posse do estado de casado. O CCB/2002 descreve a união estável como entidade familiar consagrando os artigos 1723 a 1727 para tratar do tema. O artigo 1723 reconhece a união estável como entidade familiar e o parágrafo 1º do mesmo artigo determina que a união estável não se pode constituir quando houverem impedimentos elencados no artigo 1521, que são os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do adotante; as pessoas casadas e por fim o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Existe a exceção dos impedimentos, que são pessoas casadas formalmente, mas separadas de fato (desde que comprovada) ou separada judicialmente. Assim, os solteiros, viúvos, separados e divorciados podem constituir união estável. Os efeitos jurídicos dessa união à moda conjugal serão examinados caso a caso, de acordo com suas características e peculiaridades. Garantido será, no entanto, a defesa dos direitos assegurados aos parceiros e seus descendentes, para que se preservem os frutos dessa relação de afeto. Os companheiros em união estável possuem deveres e direitos gerais iguais, como lealdade, respeito, assistência, sustento e educação dos filhos. Além disso, a lei assegura direito à pensão alimentícia, que inclui moradia, educação, vestuário, alimentação e lazer. Caso separem-se, a guarda dos filhos ficará com quem tiver melhores condições, do mesmo modelo do casamento.[7] Dentre esses direitos e deveres, a possibilidade de pedir alimentos ao companheiro é comum no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se observar na jurisprudência o pedido de alimentos e outros direitos na união estável. No ano de 2010 foi julgada procedente e mantida a sentença no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde o apelante interpôs a apelação cível contra a sentença que decidiu que fossem concedidos alimentos para a excompanheira e o filho menor. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL REQUISITOS LEGAIS COMPROVAÇÃO CARACTERIZAÇÃO - ALIMENTOS - BINÔMIO - OBEDIÊNCIA - PARTILHA DE BEM - AUSÊNCIA DE PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA. Os deveres pessoais enunciados pelo legislador para a configuração da união estável devem ser rigorosamente observados, considerando o fato do instituto estar situado na categoria de entidade familiar, consoante o art. 226, § 3º, da CF. Assim, presente a comprovação dos requisitos indispensáveis à declaração da união, e havendo pedido não há como julgar improcedente. Comprovado o binômio necessidade/possibilidade, correta a fixação de alimentos à ex-companheira e ao filho menor, comprovada a dependência destes ao alimentante. Não há que se falar em partilha de bem imóvel do casal quando não houve comprovação da propriedade e muito menos pedido para tanto[8]. Apesar da falta de revestimento legal em alguns pontos, não obsta ao reconhecimento de certos efeitos jurídicos a essa espécie de união. Seus membros formam uma entidade familiar e não podem ser ignorados os efeitos dessa convivência no âmbito interno do grupo e também no plano externo, por seu indisfarçável reflexo social. O direito de alimentos, por exemplo, que no casamento civil já é caso concreto, passa a ser objeto frequente também de pedidos, tanto nas uniões estáveis como nas uniões homoafetivas. Tema do próximo capítulo, os alimentos nas palavras de Farias e Rosenvald (2010), são o conjunto de meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico, psíquico e intelectual. Os alimentos, sejam eles no casamento, na união estável ou homoafetiva partem do postulado geral do binômio, necessidade e possibilidade. CAPÍTULO 2 OS ALIMENTOS 2.1 Conceito e natureza jurídica dos alimentos O direito fundamental do ser humano por excelência é o de sobreviver. E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida a todos. Todos têm direito de viver, e sobreviver com dignidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948 no seu artigo 25, §1º reconhece o alimento como direito inerente ao ser humano, definindo que “todos têm o direito a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem estar próprio e de sua família, incluindo alimentação (...), e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”. Surge desse modo, o direito ao alimento, relacionado ao princípio da preservação da dignidade humana. Conceituando os alimentos, Cahali (1999, p.16) aduz: Alimentos são, pois as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional). Alimento vem do latim alimentum, e significa sustento, alimento, manutenção, subsistência (alimentar, nutrir, desenvolver, aumentar, animar, fomentar, manter, sustentar, favorecer, tratar bem). Segundo a acepção gramatical, o vocábulo traduz o necessário para a conservação da vida. Pode-se dizer que, na linguagem comum, “alimentos” consistem no necessário para manter o funcionamento do organismo dos animais e dos vegetais. A expressão supramencionada, no âmbito jurídico, compreende não só o que é indispensável ao sustento, mas também o necessário para a manutenção da condição social do ser humano, à dignidade da pessoa humana.[9] Nesse mesmo sentindo, na visão de Dias (2009), para o direito, alimento não significa somente o que assegura a vida. A obrigação alimentar tem a finalidade precípua: atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência. Para Farias e Rosenvald (2010) é possível entender-se por alimentos o conjunto de meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico, psíquico e intelectual. O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento. Nele se compreende não só a obrigação de prestá-los, como também o conteúdo da obrigação a ser prestada. Cuidase de uma expressão plurívoca, designando diferentes medidas e possibilidades. A natureza jurídica dos alimentos está ligada a origem da obrigação. De qualquer forma o tema não é pacífico. Para alguns doutrinadores, como Farias e Rosenvald, os alimentos prestam a manutenção digna da pessoa. Como já foi dito, destinam-se a assegurar a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana, portanto sua natureza é de direito da personalidade. Por outro lado, defendendo a corrente majoritária, Orlando Gomes, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz atribuem aos alimentos a natureza jurídica mista, qualificando-o como um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, ou seja, a prestação de alimentos possui caráter econômico, todavia este auxílio não objetiva aumentar o patrimônio do alimentando, mas sim prover sua subsistência e materializar o princípio da solidariedade entre os membros que necessitam. 2.2 Espécies dos alimentos Os alimentos são de diversas espécies, classificados pela doutrina segundo vários critérios. Classificam-se de acordo com a sua natureza; quanto a sua causa jurídica; quanto à finalidade e por último quanto ao momento em que são reclamados. Quanto à natureza, os alimentos podem ser naturais ou civis. De acordo com as ideias de Dias (2009), os alimentos naturais são aqueles indispensáveis para garantir a subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, habitação e educação. Também chamados de alimentos necessários, restringem-se ao indispensável à satisfação das necessidades primárias da vida. Já os alimentos civis destinam-se a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o mesmo padrão e status social do alimentante. A doutrina e a jurisprudência têm se reportado a outra espécie de alimentos, os compensatórios, adotados em países como a França e a Espanha e, mais recentemente, o Brasil. Segundo Gonçalves (2011, p. 501) os alimentos compensatórios tem como objetivo o seguinte: Visam eles evitar o descomunal desequilíbrio econômico-financeiro do consorte dependente, impossível de ser afastado com modestas pensões mensais e que ocorre geralmente nos casos em que um dos parceiros não agrega nenhum bem em sua meação, seja porque não houve nenhuma aquisição patrimonial na constância da união ou porque o regime de bens livremente convencionado afasta a comunhão de bens. De cunho mais indenizatório do que alimentar, pois não se restringem em cobrir apenas a dependência alimentar, mas também o desiquilíbrio econômico e financeiro oriundo da ruptura do liame conjugal, não devem os alimentos compensatórios terem duração ilimitada no tempo. Uma vez desfeitas as desvantagens sociais e reparado o desiquilíbrio financeiro provocados pela ruptura da união conjugal, devem cessar. Recentemente adotado no Brasil, os alimentos compensatórios já fazem parte das decisões nos Tribunais. Há pouco tempo, no ano de 2009, o Tribunal Regional do Rio Grande do Sul[10] deferiu o pedido de alimentos compensatórios a uma mulher em desfavor do marido. Decidiu o TJRS que cabe a fixação dos alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal. Quanto à causa jurídica, os alimentos dividem-se em legais ou legítimos, voluntários e indenizatórios. Os alimentos legítimos são aqueles elencados no artigo 1694 do CCB/2002. Os legítimos são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode decorrer do parentesco, do casamento ou do companheirismo. Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família, portanto, a prisão civil que acontece pelo não pagamento da dívida de alimentos, permitida pela CRFB/88, somente pode ser decretada nessa situação. Os alimentos voluntários de acordo com Gonçalves (2011) emanam de uma declaração de vontade inter vivos, como na obrigação assumida contratualmente por quem não tinha a obrigação legal de pagar alimentos. Estes pertencem ao direito das obrigações e são chamados também de obrigacionais. Ainda na ideia de Gonçalves (2011), os alimentos voluntários podem ser declarados na manifestação causa mortis, manifestada em testamento, fazendo parte do direito das sucessões e também são chamados de testamentários. Descritos pelo artigo 948 do CCB/2002, os alimentos chamados indenizatórios ou ressarcitórios, que são aqueles, que resultam da prática de um ato ilícito e constituem forma de indenização do dano ex delicto. Esta modalidade de prestação alimentar é também regulada pelo direito das obrigações. Quanto à sua finalidade, os alimentos classificam em definitivos ou regulares, provisórios e provisionais. Na visão de Dias (2009), alimentos definitivos são os de caráter permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes devidamente homologados, apesar de que podem ser revistos. Os alimentos provisórios e provisionais não sem confundem, eles possuem propósitos e finalidades diferentes e, inclusive, são previstos em distintos estatutos legais. Os provisórios estão previstos na Lei nº. 5.478 de 1968 - a Lei dos Alimentos - e são estabelecidos quando a propositura da ação de alimentos, ou em montante posterior, mas antes da sentença. Já os provisionais encontram-se na Lei nº 5.869, que sancionou o Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 (CPCB/1973), e são deferidos em ação cautelar ou quando da propositura da ação de separação, divórcio, anulação de casamento, bem como na ação de reconhecimento de união estável, e se destinam a garantir a manutenção da parte ou custear a demanda. Sobre os dois termos, alimentos provisórios e provisionais, Dias (2009, p.500 e 501), faz a seguinte explicação: Ainda que a doutrina insista em diferenciar esses dois tipos de tutela emergencial, os juízes os tratam de maneira indistinta. A diferenciação entre duas espécies, em essência, é apenas terminológica e procedimental. Em substancia significam o mesmo instituto. Quanto ao momento em que são reclamados, os alimentos classificam-se em pretéritos, atuais e futuros. Para explicar a classificação do momento, Gonçalves (2011) faz relato de que “são pretéritos quando o pedido retroage a período anterior ao ajuizamento da ação; atuais, os postulados a partir do ajuizamento; e futuros, os alimentos devidos somente a partir da sentença”. Essa classificação não se amolda perfeitamente ao direito brasileiro, uma vez que os alimentos futuros independem do trânsito em julgado da decisão que os concede, sendo devidos a partir da citação ou do acordo. E, na prática, os alimentos pretéritos têm sido confundidos com prestações pretéritas, que são fixadas na sentença ou no acordo, estando há muito vencidas e não cobradas, a ponto de não poder tê-las mais por indispensáveis à própria sobrevivência do alimentado, não significando mais que um crédito como outro qualquer, com supedâneo no artigo 732 do CPCB/1973. 2.3 A obrigação de alimentar e o direito aos alimentos no Direito de Família Antes de adentrar no tema exposto, é válido fazer a distinção de dois termos, que são as obrigações de alimentar e os deveres de sustento. A obrigação de prestar alimentos repousa no princípio da solidariedade existente entre os membros de um grupo familiar, cujo dever de ajuda mútua é recíproco. Depende, todavia, do estado de necessidade do requerente e das possibilidades do obrigado pela prestação alimentar. É um binômio da necessidade e possibilidade. O dever de sustento resulta de imposição legal dirigida a determinadas pessoas ligadas por vínculos familiares, é unilateral e deve ser cumprido incondicionalmente. Exemplo deste são os deveres familiares de sustento, assistência e socorro que incumbe aos cônjuges, companheiros e aos pais em relação aos filhos menores. Nesse sentido, Gonçalves (2011) diz que a obrigação de prestar alimentos é transmissível, divisível, condicional, recíproca e mutável. Apenas com a entrada do CCB/2002, a obrigação alimentar passou a ser transmissível, uma vez que, no artigo 402, do antigo CCB/1916 dispunha que “a obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”, extinguindo-se, pois, pela morte do alimentante. Com a atualização do CCB/2002, no artigo 1700, a obrigação de alimentar passou a ser transmissível. O CCB/2002 descreve a regra da transmissibilidade da obrigação alimentar, prevista em seu artigo 1700, que remete ao artigo 1694, dando a entender que esta regra envolve também a obrigação alimentícia originada do vínculo de parentesco, além das decorrentes do casamento e união estável; e que os herdeiros do alimentante estariam obrigados a prestar alimentos ao credor-alimentado de acordo com as suas possibilidades, e não nas forças da herança. Na verdade o CCB/2002 não soluciona de uma forma clara as discussões atuais sobre o tema, mas apenas gera uma nova fase de conflitos e incertezas a serem solucionadas pela doutrina e jurisprudência. A respeito da obrigação de alimentar ser divisível, Gonçalves (2011, p 512) afirma: A obrigação alimentar é também divisível, e não solidária, porque a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. Não havendo texto legal impondo a solidariedade, ela é divisível, isto é, conjunta. Cada devedor resposta por sua quota-parte. Explicando melhor a divisibilidade, o artigo 1698 do CCB/2002, na sua segunda parte, descreve: Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Segundo dispõe o §1º do artigo 1694 do CCB/2002, “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Essa é a terceira característica, a de condicionalidade. Diz-se que a obrigação de prestar é condicional porque sua eficácia está subordinada a uma condição resolutiva. Somente subsiste tal encargo enquanto perduram os pressupostos objetivos de sua existência, representados, pelo binômio necessidade-possibilidade, extinguindo-se no momento em que qualquer deles desaparece. Se, depois da aludida fixação, o alimentando adquire condições de prover à própria mantença, ou o alimentante não mais pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento, extingue-se a obrigação. A reciprocidade também é característica da obrigação alimentar. No artigo 1696 do CCB/2OO2: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Assim, há reciprocidade entre os parentes, cônjuges, e companheiros discriminados na lei quanto ao direito à prestação de alimentos e a obrigação de prestá-los, ou seja, ao direito de exigir alimentos corresponde o dever de prestá-los. 2.3.1 Características do direito a alimentos Por se tratar de um direito tendente a manutenção da pessoa humana e de sua fundamental dignidade, é natural que os alimentos estejam cercados de características muito peculiares, afastando-o das relações obrigacionais comuns. De acordo com Gonçalves (2011) o direito a alimentos apresenta varias características. É um direito personalíssimo, incessível, impenhorável, incompensável, imprescritível, intransacionável, atual, irrepetível ou irrestituível e irrenunciável. Tem caráter personalíssimo por não poder ser transferido a outrem, na medida em que visa a preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver. Devido ao seu caráter personalíssimo, o direito a alimentos, como consequência, tem a característica de ser incessível, ou seja, inseparável da pessoa, não pode ser objeto de cessão de crédito, pois isso se opõe a sua natureza. O artigo 1707 do CCB/2002 diz expressamente que o crédito a alimentos é “insuscetível de cessão”. No entanto, de acordo com Gonçalves (2011, p.520), apenas os alimentos futuros não poderão sofrer a cessão: somente não pode ser cedido o direito a alimentos futuros. O crédito constituído por pensões alimentares vencidas é considerado um crédito comum, já integrado ao patrimônio do alimentante, que logrou sobreviver sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido. Na obra de Cahali (1999, p. 110), a respeito da característica da impenhorabilidade dos alimentos faz a seguinte afirmativa: Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito a subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos para viver, nem pode prover às suas necessidades pelo próprio trabalho, não se compreende que possam ser as prestações alimentícias penhoradas; inadmissível, assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é estritamente necessário à sua subsistência. A compensação é o meio de extinção de obrigações entre pessoas que são ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Segundo Gonçalves (2011) pode-se dizer então, que o direito a alimentos é incompensável, isto porque, seria extinto, total ou parcialmente, com prejuízo irreparável para o alimentando, já que os alimentos constituem o mínimo necessário à sua subsistência. Como exemplo, o marido não pode deixar de pagar a pensão a pretexto de compensá-la com recebimentos indevidos, pela esposa, de aluguéis só a ele pertencentes. Nos dizeres de Gonçalves (2011) o direito aos alimentos é imprescritível, ainda que não seja exercido por longo tempo e mesmo que já existissem os pressupostos de sua reclamação. O que prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões alimentícias, ainda que o alimentando venha passando necessidade há muitos anos. Sendo indisponível e personalíssimo, o direito a alimentos de acordo com o artigo 841 do CCCB/2002, não pode ser objeto de transação. A regra aplica-se somente ao direito de pedir alimentos, pois a jurisprudência considera transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas, como vinculadas. A transação celebrada nos autos de ação de alimentos constitui título executivo judicial. O direito aos alimentos é atual, no sentido de exigível no presente e não no passado. Segundo Rodrigues (2004) alimentos são devidos ad futurum, não ad praeteritum. A necessidade que justifica a prestação alimentícia é, ordinariamente, inadiável, conferindo a lei, por esse motivo, meios coativos ao credor para a sua cobrança, que vão do desconto em folha à prisão civil. Acentua Miranda (2000) que os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o alimentário venha decair da ação na mesma instancia ou em grau de recuso. Os alimentos, uma vez pagos, são irrestituíveis, sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Quem pagou alimentos, pagou uma dívida, não se tratando de simples antecipação ou de empréstimo. É irrenunciável porque o CCB/2002, no seu artigo 1707, 1ª parte, permite que se deixe de exercer, mas não que se renuncie o direito de alimentos. Pode-se renunciar o exercício e não o direito. Determinado as características dos alimentos, cabe, agora, discorrer sobre os seus pressupostos objetivos e subjetivos da obrigação alimentar, o que virá na sequência. 2.4 Pressupostos da obrigação alimentar Certos requisitos deverão existir no momento da concessão dos alimentos. São pressupostos objetivos da obrigação de prestar alimentos: a) existência de um vínculo de parentesco; b) necessidade do reclamante; c) possibilidade da pessoa obrigada; d) proporcionalidade. O artigo 1695 do CCB/2002 preceitua: São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. No que se refere ao primeiro pressuposto, o vínculo de parentesco, deve ser salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos. De acordo com o CCCB/2002, em seus artigos 1694, 1696 e 1697, somente os ascendentes, descendentes e irmãos bilaterais ou unilaterais são obrigados. Em relação ao segundo pressuposto, o da necessidade do alimentando, importa considerar que o credor da prestação alimentar deve, efetivamente, encontrar-se em estado de necessidade. Não é preciso que o pretendente a alimentos chegue à miséria completa para obtê-los; basta que não tenha renda suficiente para manter-se e não possa conseguir pelo trabalho os meios indispensáveis à subsistência correspondente a sua posição social. No que diz respeito ao terceiro pressuposto, o da possibilidade da pessoa obrigada, deve ser ressaltado que para buscar os alimentos é necessário também que aquele de quem se pretende esteja em condições de fornecê-los. A necessidade de um importa na possibilidade do outro. Pode ser apontado como quarto pressuposto para que exsurja a obrigação alimentar, a proporcionalidade. Este instituto não visa o enriquecimento do alimentando. Portanto não tem porque exigi-los além das necessidades do alimentando. Como ressalta o artigo 1694 do CCB/2002, o devedor não pode ser compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores. 2.5 Os alimentos e a obrigação de quem alimentar Quando se fala em obrigação alimentar dos pais sempre se pensa no pai que registra, que, no entanto, nem sempre se identifica com o pai biológico. Como vem, cada vez mais, sendo prestigiada a filiação socioafetiva, que, inclusive, prevalece sobre o vínculo jurídico e o genético, essa mudança também se reflete no dever de prestar alimentos. Portanto, de acordo com Gonçalves (2011) é defensável a possibilidade de serem reivindicados alimentos do genitor biológico, diante da impossibilidade econômicofinanceira, do pai socioafetivo, que não está em condições de cumprir com a real necessidade alimentar do filho. No pensamento de Dias (2009), no que se diz respeito ao termo final da obrigação alimentar, pode-se afirmar que, apesar do adimplemento da capacidade civil aos 18 anos, isto não leva a extinção automática do encargo alimentar. Assim, é irrelevante fixar termo final aos alimentos. A fixação é ineficaz. A obrigação alimentar não é somente dos pais em decorrência do poder familiar. Existe a reciprocidade de obrigação alimentar entre pais e filhos, ônus que se estende a todos os ascendentes, recaindo sempre nos mais próximos. De acordo com o artigo 1698 do CCB/2002: “se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os parentes de grau imediato”. Dias (2009, p. 482) aduz: Assim, a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e, na ausência de condições de um ou ambos os genitores, transmite-se o encargo aos ascendentes, isto é, aos avós, parentes em grau imediato mais próximo. Ainda no artigo 1698 do CCCB/2002, este esclarece que a obrigação avoenga é subsidiária, deixando antever que só se pode exigir do avô depois de evidenciada a inexistência ou impossibilidade do pai. Na cabe intentar contra os avós execução dos alimentos não pagos pelo genitor, o que seria impor a terceiro pagamento de dívida alheia. A jurisprudência vem admitindo a ação de alimentos em desfavor dos avós somente quando da separação dos pais, nenhum dos genitores possuírem condições de prover o sustento da prole. O CCB/2002 no seu artigo 1694 relata que “os parentes, cônjuges, e conviventes podem pedir alimentos uns aos outros”. Quem não tiver condições de prover a própria sobrevivência pode-se socorrer de seus familiares para viver de modo compatível com a sua condição social e as necessidades com a educação. Ainda que a lei prescreva, primeiro nos parentes e depois no cônjuge ou companheiros, a ordem está invertida. O artigo 1829, inc. IV, do CCB/2002, a respeito da obrigação alimentar acompanha a ordem de vocação hereditária. Quanto aos parentes em linha reta, como o vínculo sucessório não tem limite, é infinito a reciprocidade da obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes. Tanto pais e avós devem alimentos a filhos e netos, quanto netos e filhos têm obrigação com os ascendentes. Entre os ascendentes, o ônus recai sobre os mais próximos. A obrigação alimentar é recíproca, estabelecendo a lei uma ordem de preferência, ou melhor, de responsabilidade. Os primeiros obrigados a prestar alimentos são os pais. Esse dever estende-se a todos os ascendentes. Também não a limite na obrigação alimentar dos descendentes. Na ausência de obrigados em linha reta, são chamados a prestar alimentos os demais parentes. Explicita a lei que a obrigação entre os parentes de segundo grau compreende tanto os irmãos germanos, que são aqueles irmãos filhos dos mesmos pais, quanto os unilaterais, que são os filhos de somente um dos pais. Não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhe atribuir deveres. Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com o bônus, sem assunção dos ônus. O artigo 1595, §1º, do CCB/2002 explica: “O casamento e a união estável geram parentesco por afinidade entre o cônjuge ou companheiro e os seus ascendentes, descendentes ou irmão”. A obrigação alimentar decorre não só do parentesco natural ou consanguíneo, mas também do parentesco por afinidade. De modo expresso, ressalta o CCB/2002, no §2º do artigo 1595, que a permanência do vínculo de afinidade mesmo após a dissolução do casamento e da união estável, remanescendo assim o vínculo jurídico, mantém-se a solidariedade familiar. Assim, não se extinguindo a relação de parentesco, imperioso reconhecer a persistência do dever alimentar. Em um aspecto geral, Dias (2009, p.486) cita: A doutrina, de modo geral, é contra o reconhecimento da obrigação alimentar, entendendo que afinidade não origina parentesco, mas apenas aliança, não sendo apta a criar direito a alimentos. Porém, a lei não faz qualquer distinção, fala em parentesco por afinidade e impõe obrigação alimentar aos parentes. O dever de mutua assistência atribuído aos cônjuges quando do enlace matrimonial é que da origem à recíproca obrigação alimentar. Relatando sobre o conteúdo, Dias (2009) explica que se trata de ônus que surge na solenidade das núpcias, mas sua exigibilidade, a título de alimentos, está condicionada ao término do casamento. Até mesmo o cônjuge que proporcionou a separação, violando os deveres do casamento pode receber alimentos. A união estável tem direitos e deveres dos companheiros. Dentre os deveres está presente o dever de alimentos por expressa determinação legal, na medida em que o artigo 1724 do CCB/2002 estabelece dentre outros, o dever de mutua assistência, além de sustento e educação dos filhos, em perfeita consonância com o disposto no artigo 2°, incisos II e III, da Lei nº. 9.278/96, que é a regulamentação do artigo 226 §3º, da CRFB/88. Como já foi dito em tópico anterior, o CCB/2002 ao regular a questão dos alimentos também consignou expressamente, em seu artigo 1694, que além dos parentes, os cônjuges e também os companheiros, podem “pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação”. 2.6 Alimentos Gravídicos A obrigação de prestar alimentos ao filho surge mesmo antes de seu nascimento. Resguardado pelo artigo 2º do CCB/2002, o nascituro pode buscar alimentos desde a sua concepção. O nascituro já tem direitos garantidos na legislação brasileira mesmo com a mera expectativa de vida. Estabelecida no sistema jurídico brasileiro há poucos anos, a Lei nº 11.804/08, assegura o que chama de “alimentos gravídicos”, ou seja, alimentos à gestante, que se transformam em alimentos ao filho quando de seu nascimento. Segundo Gonçalves (2011) alimentos gravídicos, em artigo da citada Lei, são os destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto. Compreendem como as despesas a assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, alem de outras que o juiz considerar pertinentes. Lembrando que o rol das despesas não é taxativo. O objetivo dos alimentos gravídicos é garantir o desenvolvimento de forma conveniente, onde o feto não é privado de qualquer acesso a nutrientes que possam comprometer seu desenvolvimento saudável. A nova legislação entra em contato com a realidade social facilitando a apreciação dos requisitos para a concessão dos alimentos ao nascituro. De acordo a Lei dos alimentos gravídicos, em seu artigo 6º, a requerente tem que convencer o juiz da existência de indícios da paternidade, desta forma, este fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, observando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. Através da Lei de Alimentos Gravídicos se tem mais um caminho para a busca da dignidade da pessoa humana, pessoa esta que é considerada desde a sua concepção. A criança e a gestante em qualquer situação tem o direito de viver e sobreviver com dignidade. O legislador busca através da lei a condição ideal para que pai, juntamente com a mãe, arque com as despesas da gestação. No próximo capítulo o tema será abordado de forma detalhada, descrevendo todos os artigos da Lei 11.804/08, até mesmos aqueles que foram vetados do projeto original. 2.7 A união homoafetiva e a obrigação alimentar A obrigação alimentar, que foi esclarecida em tópico anterior, sendo vista a partir do princípio constitucional da solidariedade social, torna-se evidente que a sua finalidade é a busca da afirmação, no plano concreto, da própria dignidade humana. Por isso, não se pode excluir os alimentos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, pena de atentar contra a dignidade da pessoa humana. A relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreiase no afeto e na solidariedade como já foi dito em tópicos anteriores, e não há motivo para deixar de reconhecer o direito aos alimentos, em favor daquele que, eventualmente, venha a necessitar de proteção material. Assim, mesmo não contemplados no artigo 1694 do CCB/2002, que prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são devidos nas uniões homoafetivas, eis que decorrem de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade humana. Ainda mais, como já foi citado, o STF e depois o STJ já reconheceram as uniões homoafetivas como uniões estáveis. Portanto, podem-se ver um sistema judiciário considerando as uniões homoafetivas como uniões estáveis e consequentemente dando direito ao casamento civil, fazendo com que tenha os direitos e deveres dos companheiros, cônjuges e parentes. Depois das recentes decisões passa a ganhar força e espaço esta corrente, a qual defende a possibilidade de prestação alimentícia nas relações homoafetivas, tratando-se esta de um instituto regulado pelo direito de família. Em seu voto o Ministro Relator da ADI 4277 reconheceu todos os direitos dos casais heteroafetiva as uniões homoafetivas. Disse ele: “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”. [11] Desse modo, com espeque nos valores constitucionais e tendo em mira que é objetivo fundamental da República construir uma sociedade solidária, justa e igualitária, é direito das uniões homoafetivas, sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma de manter sua integridade, o pedido aos alimentos. CAPÍTULO 3 O DIREITO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NA UNIÃO HOMAFETIVA FEMININA 3.1 A consolidação da união homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro Desde o ano de 2001 já eram deferidas às uniões homoafetivas direitos no âmbito do direito de famílias e das sucessões, ora as reconhecendo como entidade familiar, ora aplicando por analogia a legislação da união estável. As decisões pioneiras se iniciaram no Rio Grande do Sul, mas todos os demais Estados decidiam no mesmo sentido. De modo recorrente, já foram concedidos direitos previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde às uniões homoafetivas. Também já foram deferidos alimentos e assegurado o direito à curatela do companheiro declarado incapaz. Em 2011, a respeito das uniões homoafetivas, o julgamento do STF se deu em virtude da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de nº 132/RJ e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 4277. A primeira foi apresentada em 2008 tendo como arguente o então Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, visando especialmente a que servidores estaduais homossexuais, conviventes em relações estáveis, também pudessem usufruir dos benefícios concedidos aos servidores unidos por laços heterossexuais. A segunda teve como arguente a Procuradoria Geral da República e objetivou, em suma, o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre “homem e mulher”.[12] Com as decisões, os Tribunais mostraram que procedimentos filosóficos ou religiosos não se podem sobrepor a direitos fundamentais como a dignidade humana, a igualdade e a não discriminação em razão do direito de escolha. Orientando as decisões de todos os outros Tribunais, a decisão do STF decidiu que as uniões estáveis, para fins de proteção do Estado, abrangem tanto as uniões entre homem e mulher como as chamadas uniões homoafetivas. Ainda de acordo com Dias[13], depois do pronunciamento da Corte Suprema, o grande questionamento que surgiu foi sobre a possibilidade ou não de os homossexuais casarem. Mas o silogismo é singelo, já que o STF impediu qualquer distinção entre uniões hétero e homoafetivas e a Constituição Federal determina que seja facilitada a conversão da união estável em casamento, não há como negar a conversão em casamento, sob pena de desobedecer a decisão do Tribunal Superior e descumprir a recomendação constitucional. Posteriormente a decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) da 4ª Turma, em Recurso Especial[14], admitiu a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, sem ser preciso antes formalizar a união para depois transformá-la em casamento. Esta não foi a primeira decisão que permitiu o casamento, mas certamente foi a mais significativa, eis que proferida pela Corte que tem o encargo de interpretar as leis federais. A respeito da decisão no STF, o Ministro Ayres Britto, então relator da ADI de nº 4277[15], justificando o seu voto pronunciou: (...) pelo que dou ao artigo 1.723, do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’. Ministro Marco Aurélio também justificando a constitucionalidade da ação proferiu: (...) concluo que é obrigação constitucional do Estado reconhecer a condição familiar e atribuir efeitos jurídicos às uniões homoafetivas. Entendimento contrário discrepa, a mais não poder, das garantias e direitos fundamentais, dá eco a preconceitos ancestrais, amesquinha a personalidade do ser humano e, por fim, desdenha o fenômeno social, como se a vida comum com intenção de formar família entre pessoas de sexo igual não existisse ou fosse irrelevante para a sociedade. Hoje já é possível ter a união estável, converter a união estável em casamento, também é possível fazer o casamento e se for de interesse das partes fazer a dissolução ou divórcio desta união. Os direitos e deveres advindo das uniões estáveis entre homem e mulher agora também são reconhecidos nas uniões homoafetivas. A adoção de crianças e/ou adolescentes, mesmo que nunca tenha sido proibido, mas existia a preferência por casais heterossexuais; o direito da inclusão em planos de saúde; da previdência; da divisão de bens adquiridos na constância da união, sendo o regime de comunhão parcial de bens; dos direitos à herança; ao usufruto dos bens do falecido e também do dever de alimentos em caso de necessidade. Com o pensamento de Dias[16], nota-se que os direitos e deveres abrangem de modo geral não só o direito de famílias, mas sim é assegurado o reconhecimento das uniões homoafetivas no âmbito do direito sucessório, previdenciário e trabalhista. A respeito dos alimentos e a obrigação de alimentar, como já foi exposto em capítulo anterior, a CRFB/88, tem tido por base o princípio da solidariedade, que demonstra que um dos objetivos do Estado Democrático de Direito é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Já no CCB/2002, a prestação de alimentos está prevista nos artigos 1694 e seguintes, tratando do direito de pleitear alimentos aquele a quem necessita e a conceder à aqueles que possui o vínculo e possibilidade de ajudar. Na idéia de Farias[17], mesmo não contemplados no artigo 1694 do CCB/2002, que prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são devidos na união homoafetiva, eis que decorrem, logicamente, de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade humana, que, repita-se à exaustão, não pode ser vislumbrado como valor abstrato, desprovido de concretude. Ora, se a relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade, não há motivo para deixar de reconhecer o direito a alimentos, em favor daquele que necessita de proteção material. Assim, com amparo nos valores constitucionais e recentes decisões dos Tribunais, tendo em vista que é objetivo fundamental da CRFB/88 construir uma sociedade solidária, justa e igualitária, visando a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos, não há o que se falar em inconstitucionalidade do direito a pleitear alimentos nas uniões homoafetivas, sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma de manter sua integridade. 3.2 Lei 11.804/2008, a chamada lei dos alimentos gravídicos A Lei nº. 11.804/08, de 05 de novembro de 2008, regulou os alimentos gravídicos conferindo legitimidade ativa à própria gestante para a propositura da ação de alimentos. Ainda nas palavras de Dias (2010) o objetivo da referida lei é proporcionar um nascimento com dignidade ao ser concebido. Diferentemente dos alimentos positivados no CCB/2002, e por ser uma lei de caráter especial, a lei de alimentos gravídicos traz, em seu artigo 1º, a regulamentação de que a alimentada será a mulher gestante, ou seja, a mãe. Não é o filho, no caso o feto, que tem direito a alimentos, e sim a mulher grávida, que deverá se utilizar de tais alimentos[18] Portanto, a legitimidade ativa para constar no pólo ativo de uma ação de alimentos gravídicos é da própria gestante, que a detém até o momento do nascimento do feto, momento em que deixará de ser uma mulher gestante e, consequentemente, também deixará de ter direito aos alimentos gravídicos. O artigo 2º da citada Lei refere-se ao objetivo dos alimentos, e estes, são destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes da concepção do parto. São as obrigações e despesas necessárias de terem seus custos compreendidos pelo valor pago a título de alimentos gravídicos. A respeito das despesas que a gestante tem no período de gravidez, Dias (2010) afirma: Compreendem inclusive (o rol não é taxativo) as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considerar pertinentes. Vários artigos da Lei de Alimentos Gravídicos foram vetados pelo Presidente da República. Os fundamentos dos vetos foram a inconstitucionalidade de tais artigos, bem como o fato de contrariarem o interesse público. O artigo 3º da referida lei determinava que o foro competente para o ajuizamento da ação de alimentos gravídicos seria o do domicílio do réu, aplicando a regra geral de que as ações fundadas em direito pessoal serão propostas naquele foro, nos moldes do artigo 94 do CPCB/73. Porém aquele artigo feria a regra já estabelecida de que o alimentando tem o foro competente, tal como determina o CPCB/73, em seu artigo 100. Em tal hipótese, há de se considerar que a gestante deve ter o foro privilegiado não só pelo fato de se enquadrar como alimentada, mas, principalmente, pela condição especial em que se encontra.[19] Outro artigo vetado, sendo este feito pelo Ministério da Justiça, foi o 4º, que tinha como texto os seguintes dizeres: Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades. Como razões do veto o Ministro da Justiça justificou que o laudo sobre a viabilidade da gravidez continua sendo importante, no entanto, a gestante, independentemente da sua gravidez ser viável ou não, necessita de cuidados especiais, o que enseja dispêndio financeiro. O projeto de lei original enviado para sanção do Poder Executivo determinava em seu artigo 5º que o juiz, ao receber a petição inicial, deveria designar uma audiência de justificação para a oitiva da autora, apreciando as provas e, caso desejasse, poderia colher o depoimento da parte-ré e de testemunhas. O veto tem fundamento na ausência de obrigatoriedade da audiência de justificação para outras ações de alimentos, além de entender que tal procedimento poderia causar um retardo desnecessário para a lide. No artigo 6º da Lei, uma vez convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz poderá fixar os alimentos gravídicos. Após o nascimento, tais alimentos são convertidos em pensão alimentícia para o filho, até que uma das partes peça a sua revisão. Como já foi dito nos capítulos anteriores, aqui também, o legislador não deixou de fora o binômio entre necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. Depois relatar a fixação dos alimentos gravídicos o legislador escreve que no artigo 6º que “(...) o juiz fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”. A respeito da contestação, o legislador, no artigo 7º da Lei 11.804/08 determina 05 dias como prazo para resposta. Nas palavras de Almeida e Valadares (2011) “o prazo para resposta é o mesmo concedido nas cautelares, cujo objetivo é dar agilidade ao processo, uma vez que a demora na resposta da prestação jurisdicional pode causar prejuízos irreversíveis à autora da demanda”. Outro artigo vetado é o 8º, que determinava que, se houvesse oposição à paternidade, a procedência do pedido estaria condicionada à realização de exame pericial pertinente, ou seja, o exame de DNA. Como justificativa do veto, o Presidente da República pronunciou as seguintes palavras: O dispositivo condiciona a sentença de procedência à realização de exame pericial, medida que destoa da sistemática processual atualmente existente, onde a perícia não é colocada como condição para a procedência da demanda, mas sim como elemento prova necessário sempre que ausente outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia. Entre os dispositivos vetados está o artigo 9º, o qual versava sobre a partir de quando seriam devidos os alimentos gravídicos. Entretanto por razões de celeridade no processo motivou o veto do artigo. A explicação do Presidente foi de que a prática judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Ainda nas palavras do Presidente, justificando o veto expôs: “Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato citatório”[20] Mais um artigo que recebeu o veto foi o 10º. De acordo com o artigo 10 da Lei 11.804/08 a responsabilidade da gestante pelos danos materiais e morais causados ao réu, caso não fosse ele o pai do bebê, seria objetiva. Independente da culpa, bastando apenas o nexo e o dano causal para gerar a responsabilidade por parte da genitora. O veto considerou tal imposição de responsabilidade objetiva como uma norma intimidadora e ainda acrescentou que seria sua manutenção um atentado contra o livre exercício ao direito de ação, já que haveria uma punição para a gestante simplesmente por não obter êxito na demanda.[21] No artigo 11 da lei dos alimentos gravídicos, descreve o permissivo legal para a utilização da lei, de forma subsidiária, com a Lei de Alimentos e o CPCB/73. Já no artigo 12, último deles, tem-se a data que a lei entrou em vigor, qual seja, na data de sua publicação, portanto, no dia 5 de novembro de 2008. De forma resumida a Lei estudada visa facilitar a concessão de alimentos à gestante, visto que esta necessita de auxílio nas despesas adicionais do período de gravidez, como alimentação, assistência médica e cuidados especiais. Assim a Lei de alimentos gravídicos diminui o obstáculo contido na Lei de Alimentos, pois antes seria necessário aguardar o nascimento do filho e comprovar a paternidade para se pleitear alimentos, já agora a mãe pode gozar desse auxílio já na gestação. A obrigação do pai em auxiliar a mãe durante a gravidez é clara, porém desde que seja na medida de suas possibilidades e necessidades respectivamente. A necessidade de alimentos não se dá somente após o nascimento da criança, pelo contrário, ela se inicia a partir do momento da concepção, ou seja, a necessidade se inicia com a comprovação da gravidez, e não da comprovação da vida e da paternidade. 3.3 União homoafetiva feminina e os alimentos gravídicos Como visto dentro da família homoafetiva encontra-se a existência da possibilidade de uma família formada por duas mulheres, que tenham entre si sinais de afeto, amor, carinho, e todas as demais atitudes características de uma família. E ainda de acordo com a Ministra Nancy Andrighi[22] e com o que já foi estudado, sendo esta convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do artigo 1521 do CCB/2002, com a exceção do inciso VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos. Como todas as decisões no ordenamento jurídico brasileiro são comuns, e o reconhecimento da união homoafetiva como união estável, e posteriormente, sendo reconhecida a possibilidade de conversão em casamento civil, os parceiros homossexuais com o desejo de ampliar suas famílias utilizam-se dos recursos disponíveis para isso. É habitual o interesse desses casais em ter filhos. Os homossexuais masculinos buscam cada vez mais a adoção de crianças e os casais formados por duas mulheres optam além da adoção, homossexuais femininos podem optar pela inseminação artificial. É um direito que lhes é assegurado pela CRFB/88, e também através dos que são seus pilares, entre outros, o direito à dignidade, liberdade e, principalmente, o direito à igualdade. A medicina, através das técnicas de reprodução humana artificial, vem trazer métodos inovadores a fim de possibilitar aqueles que encontram dificuldade para procriar, a possibilidade de realização do tão esperado projeto parental. A incapacidade para a procriação pode derivar de diversos fatores, como fisiológicos, psicológicos, médicos ou biológicos, vindo essas novas técnicas de reprodução trazer esperança àqueles que sonham com a concretização do referido projeto parental. Com as idéias de Corrêa e Costa[23], para a concepção do filho entre um casal homoafetivo feminino é necessária a reprodução assistida, que é um conjunto de técnicas utilizado por médicos especializados, que tem como principal objetivo tentar viabilizar a gestação em mulheres com dificuldades de engravidar. Muitas vezes essas dificuldades, até mesmo a infertilidade do casal ou um de seus membros, podem trazer sérios prejuízos ao relacionamento conjugal. Dentre as principais técnicas atualmente disponíveis, destacamse: inseminação artificial, fertilização in vitro seguida de transferência de embriões, transferência intratubária de gametas e transferência intratubária de zigotos, gestação por mãe substituta. Qualquer dessas técnicas pode ser utilizada ora de forma homóloga ora de forma heteróloga, o que será definido de acordo com a proveniência do material biológico utilizado para a fecundação. Ainda no pensamento de Corrêa e Costa, será homóloga quando os gametas utilizados para a fecundação artificial forem do casal interessado na procriação. E será heteróloga quando, na impossibilidade de um ou de ambos os interessados na procriação doarem os seus próprios gametas, forem utilizados gametas de terceiros na fecundação. A forma heteróloga pode ser apresentada em três formas: A primeira é a reprodução heteróloga unilateral a patre, que é quando o terceiro é doador do espermatozoide; a segunda é a reprodução heteróloga a madre, que tem a terceira pessoa como doadora do óvulo, o qual será fecundado in vitro, para depois ser transferido para o útero da mulher que deseja procriar; e por ultimo a reprodução heteróloga bilateral, que é quando ocorre a doação por terceiros tanto do espermatozoide como do óvulo, sendo a fertilização realizada in vitro e após transferido para o útero da mulher que gerará o embrião implantado.[24] 3.3.1 Autonomia da vontade na inseminação artificial heteróloga Por via normal, o casal deverá decidir se deseja ter filhos, e, caso ocorra a opção ou a necessidade de inseminação artificial heteróloga, determina a lei que esta ocorra com a prévia autorização do marido, artigo 1597, V, do CCB/2002. O artigo 1597 do CCB/2002 descreve o seguinte: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (grifo nosso) Conforme já visto, a Inseminação Artificial heteróloga, prevista no artigo acima, dáse quando utilizado o sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. Tal procedimento, ao contrário da inseminação artificial homóloga, gera dúvidas no que tange à filiação, visto que a criança gerada através dessa técnica possuirá pais biológicos diversos daqueles que irão lhe registrar e acolher. As exigências são que a mulher seja capaz e, que o marido ou o companheiro tenha concordado de maneira livre e consciente. Se o marido autorizou a inseminação artificial heteróloga não poderá negar a paternidade em razão da origem genética, nem poderá ser admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento. O pai biológico também não poderá intentar ação contra o pai não biológico, marido da mãe, para impugnar a paternidade. Com isso as inseminações artificiais feitas sem o consentimento do companheiro não dão a possibilidade de entrar com pedido de alguns direitos gerados pelo casamento, uma vez que o CCB/2002 deixa expressadamente que se tenha a prévia autorização do marido, o que se faz crer que, mesmo que seja utilizado sêmen de um terceiro doador, é necessário que o casal seja casado, ou presume-se que vivam em união estável. Não estabelece a Lei Civil se o consentimento deve ser expresso ou tácito. A omissão legislativa traz dúvidas e insegurança. 3.3.2 Direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina As cláusulas do contrato de união estável entre pessoas do mesmo sexo podem tratar de todos os assuntos concernentes a direitos disponíveis, inclusive sendo permitido aos conviventes que estabeleçam outra espécie de regime de bens que não o da comunhão parcial. Com a igualdade imposta por decisões do STF, os companheiros agora podem requerer pensão, estabelecer o regime de bens, suceder à herança, bem como requerer benefícios previdenciários e a adoção conjunta, entre obter a concessão de outros direitos previstos para a união estável. Apesar do artigo 1597, V, do CCB/2002, mencionar a expressão “marido”, faz prevalecer às decisões do STF e STJ, que como foi dito, igualou a união estável com a união homossexual, tendo os mesmos direitos e deveres. Portanto se tem os mesmo efeitos para autorização da companheira não gestante nas uniões homoafetivas femininas. A possibilidade da concessão do direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva, nesse sentido, depende da vontade das duas partes. Nesta união, caso ocorra, futuramente, a separação do casal homoafetivo feminino, independente do motivo, é parte legitima a gestante da união homoafetiva no pedido a alimentos gravídicos, uma vez que está sujeita a todas as despesas geradas pelo período de gravidez que a Lei 11.804/2008 descreve em seu artigo 2º. Após a decisão de equiparação da união homoafetiva com a união estável dando os mesmo direitos e deveres, principalmente no que tange a direitos alimentícios, faz com que seja incluso o casal homoafetivo feminino na Lei dos Alimentos Gravídicos, isto porque, a gestante homoafetiva corre os mesmos riscos de não arcar financeiramente com a gravidez. Da inseminação artificial heteróloga feita na união homoafetiva feminina com prévia autorização da companheira, seja ela tácita ou expressa, são considerados filhos na constância da união, portanto estes têm direito e deveres, tais como sucessão e alimentos. Seria possível então incluir os casais homoafetivos femininos na Lei nº 11.804/08, desde que fique declarado na inseminação artificial heteróloga que houve consentimento das duas partes, afirmando que o feto gerado é filho do casal homoafetivo feminino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do estudo foi visto que, embora o direito aos alimentos gravídicos em uniões homoafetivas possa, inicialmente, parecer ilegítimo, a riqueza e consistência de argumentos das teses formuladas não permitem que essa impressão se confirme. De fato, com as frequentes transformações no campo jurídico que trata o direito de famílias e a união homoafetiva, dificilmente se pode afirmar que esta ou aquela questão estão pacificadas ou são inconstitucionais. É inegável que, ao logo do tempo, valores como a dignidade humana e a afetividade se tornaram cada vez mais importantes na formação das famílias, notadamente após o advento da ADI nº 4277 do STF e posteriormente, com julgamento do recurso especial nº. 1183378 do STJ. Após análise dos temas, e foco na Lei nº 11.804/08, chamada de Alimentos Gravídicos, se percebe que mesmo sendo direcionada nas uniões entre homens e mulheres, ou seja, heterossexual, e válido falar em direito do pedido de alimentos gravídicos para as uniões homoafetivas. Porém obedecendo alguns requisitos e pressupostos. A Lei dos Alimentos Gravídicos trouxe um preenchimento de lacuna no ordenamento jurídico brasileiro de maneira significativa para abranger todas as gestantes que ficavam prejudicas quanto aos gastos do período de gravidez. No entanto, pelo fato de ser anterior ao julgamento do STF sobre as uniões homoafetivas, previu expressamente apenas a possibilidade da ação em desfavor do pai, ou seja, nas uniões heterossexuais. Portanto, ficou a dúvida se seria possível o pleito dos alimentos gravídicos entre casais homoafetivos femininos. No que concerne a possibilidade do direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina há duas soluções para pergunta. Para o desenvolvimento da criança na união entre duas mulheres, é feita a inseminação artificial, seja ela homóloga ou heteróloga. O que pesa para decidir se é possível ou não a gestante pleitear os alimentos contra a companheira é a vontade. Mesmo com o ordenamento jurídico brasileiro considerando ser possível a união estável entre casais homoafetivos, não se pode falar em alimentos gravídicos apenas com as recentes decisões do STF e STJ. Apesar de ter igualado deveres e direitos entre as uniões hetero e homossexuais, o que pesa para validar os alimentos gravídicos nas uniões homoafetivas feminina é o CCB/2002 A vontade da companheira não gestante é fundamental. A Lei Civil considera os filhos havidos no casamento através de inseminação artificial aqueles que têm a vontade do “marido”. Quanto a esta expressão masculina utilizada no texto do artigo 1597, V, do CCB/2002 é possível considerar o marido sendo a companheira da união homoafetiva que não será a gestante, visto que o casamento é constitucional em qualquer união que seguiu os requisitos, independente do sexo. Apenas se ocorresse uma inseminação artificial com o consentimento das duas seria possível incluir os casais homoafetivos femininos na Lei nº 11.804/08. O direito dos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, quando a inseminação artificial é heteróloga, seria legitima caso a essas mulheres formadoras de uma família homoafetiva tenham, por comum acordo, decidido ter filhos, a fim de propagar suas sabedorias e seus ensinamentos para outra pessoa. Com a evolução do direito de família no ordenamento jurídico brasileiro, a prevalência, em um futuro próximo, sem dúvida, será a possibilidade do direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. 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