NATASHA GRUBERT VARGAS CALIXTO Relato de caso: Atendimento odontológico a portador de hemofilia Jardim – MS 2011 NATASHA GRUBERT VARGAS CALIXTO Relato de caso: Atendimento odontológico a portador de hemofilia Trabalho apresentado a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul como requisito para conclusão do curso de Pós-Graduação em nível de especialização em Atenção Básica em Saúde da Família. Orientadora: Silvana Dias Correa Godoy. Jardim – MS 2011 Sumário Introdução 04 1 Justificativa 06 2 Objetivos 07 3 Procedimentos Metodológicos 08 4 Revisão Documental 09 5 Revisão da Literatura 09 6 Relato de caso odontológico de Paciente hemofílico 35 7 Conclusão 36 8 Referências 37 9 Anexos 39 Introdução Os pacientes com coagulopatias podem negligenciar sua saúde bucal devido ao medo de sangrar durante a escovação dental e o uso do fio dental, o que aumenta o risco de gengivite, périodontite e cárie nestes pacientes. Os profissionais de Odontologia devem estar cientes do impacto das desordens sanguíneas no tratamento dental, visto que os cuidados profiláticos, restauradores e cirúrgicos dos coagulopatas são mais seguros se forem realizados por profissionais que têm conhecimento sobre esta patologia, as suas complicações e as opções de tratamento. O reconhecimento inicial de uma desordem sanguínea, que possa indicar a presença de um processo patológico sistêmico, pode ocorrer durante a prática dental, sendo assim, é muito importante que o cirurgião-dentista realize sempre a anamnese padrão, além de avaliar clinicamente o paciente, baseado nesta anamnese. Havendo alguma dúvida quanto à veracidade da anamnese com relação ao exame clínico, deve solicitar exames hematológicos (hemograma e, principalmente, coagulograma) ao paciente antes de realizar qualquer tratamento. De posse dos resultados, na observância de algum padrão de anormalidade, o paciente deve ser imediatamente encaminhado a um hematologista. Neste trabalho será mostrado o relato de caso de tratamento odontológico para hemofílico, salientando a dificuldade deste em aceitar sua condição patológica, o que o leva ao uso da medicação a ser de forma sazonal; aumentando a importância do exame clínico com base a anamnese e os riscos de problemas durante o tratamento odontológico. 1 – Justificativa A hemofilia é uma característica genética que se manifesta por um defeito na coagulação do sangue caracterizado por ausência ou níveis muitos baixos da atividade dos fatores de coagulação. Hoffbrand, Pettit (2001). A transmissão se faz pelo cromossomo X, manifestando-se praticamente apenas nos homens. Entretanto, as mulheres atuam como portadoras. Lorenzi (2003) Os sintomas da hemofilia são os sangramentos, principalmente dentro das articulações e dos músculos, porém contrariamente à forma grave, as formas leves ou moderadas da doença são raramente complicadas por episódios de sangramentos espontâneos em articulações. Sendo assim, a forma leve de hemofilia pode ser detectada em adultos após trauma ou cirurgia, e pode não haver relatos de sangramentos anteriores. Oldra (2003) Os hemofílicos estão sempre enfrentando desafios inerentes à sua doença, seja com relação às limitações físicas, já que suas ações devem ser cautelosas e controladas para não se ferirem, quanto à dor devido às sucessivas crises hemorrágicas e às condutas no tratamento desses episódios. Nicoletti (1997) Evidentemente é difícil conviver com as limitações que a doença implica, fazendo com que os indivíduos portadores de hemofilia se sintam diferentes. O sentimento de ser diferente na maioria das vezes é agravado durante o desenvolvimento, desde a infância até a fase adulta. As dificuldades de integração social se estendem também aos relacionamentos amorosos, devido à transmissão da hemofilia. Eksterman (1992). Com base nestas informações, vemos a importância nas técnicas de detecção da coagulopatia e, caso seja detectada a doença, o atendimento odontológico deverá ser diferenciado, tendo como base o Manual de Atendimento a Pacientes portadores de coagulopatias hereditárias. 2 – Objetivos Geral: Orientar os profissionais de odontologia a detectar e prestar atendimento a pacientes portadores de hemofilia de forma padronizada. Específico: 1. Divulgar entre os profissionais de odontologia a existência do Manual de Atendimento Odontológico a Pacientes com Coagulopatias Hereditárias oferecido pelo Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde; 2. Demonstrar a importância de diagnóstico através de exame clínico baseado na anamnese e o uso correto dos formulários da Estratégia de Saúde da Família “Dr. Antônio Luiz Coimbra Grubert”, município de Jardim-MS. 3 – Procedimentos Metodológicos Neste trabalho foram utilizados dois métodos de pesquisa: 3.1 – Pesquisa Documental Ocorre quando elaborada a partir de materiais que não receberam tratamento analítico, tendo como principais objetivos: selecionar, tratar e interpretar as informações em estado bruto, buscando extrair valores para as mesmas. Da Silva, Menezes (2001) Os documentos analisados foram os formulários de atendimento odontológico da Estratégia de Saúde da Família “Dr. Antônio Luiz Coimbra Grubert”, no município de JardimMS. 3.2 - Pesquisa Bibliográfica Ocorre quando se recupera o conhecimento científico acumulado sobre um problema. Rodrigues (2007) Para isso utilizou bases de dados reconhecidamente especializados em saúde, como: Normas e Manuais Técnicos do Ministério da Saúde; Biblioteca Virtual em Saúde que acessa as bases de dados: LILACS, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane e SciELO. O idioma empregado na busca foi o português e o espanhol. O período correspondente aos anos de 2009 a 2011, sendo utilizados os seguintes descritores: Hemofilia, Coagulopatias, Odontologia. 4 – Revisão Documental Durante o período em que foi feito o estudo de caso e em relação a atendimento odontológico na unidade de Estratégia de Saúde da Família “Dr. Antônio Luiz Coimbra Grubert”, no município de Jardim-MS, foram utilizados dois formulários. No primeiro formulário (Anexo 1 e Anexo 2), que posteriormente foi substituído, as informações eram reduzidas aos dados do paciente, informações sobre o período do atendimento, odontograma e um espaço para anamnese a ser proposta pelo profissional. A falha estava na não padronização desta anamnese, uma vez que os profissionais tem diferentes entendimento sobre a forma de levantarem e guardarem as informações da anamnese. Com a utilização do novo formulário (Anexo 3 e Anexo 4) a anamnese foi padronizada, além de mantidas as outras informações. As informações a serem interpretadas neste novo formulário são muito importantes no tocante a prevenção de problemas durante os procedimentos do tratamento, melhorando assim o plano de tratamento. 5 – Revisões da Literatura 5.1 – Métodos auxiliares de hemostasia da cavidade bucal. Como o problema principal do paciente hemofílico é o sangramento contínuo, foram criados vários métodos com a finalidade de reduzir estes episódios de sangramentos, sendo eles: 5.1.1 - O uso de antifibrinolíticos, que é a reposição de fatores de coagulação. A combinação entre a terapia sistêmica de reposição de fatores de coagulação e os agentes antifibrinolíticos pode reduzir significativamente os episódios de sangramento mucosos. Antifibrinolíticos, tais como o ácido ε-amino capróico e o ácido tranexâmico atuam inibindo a proteína ativadora do plasminogênio, impedindo a formação da plasmina, proteína responsável pela lise da fibrina, que é o componente essencial do coágulo (Brasil, 2005). Segundo a mesma instituição, relativamente à cavidade bucal, o antifibrinolítico pode ser usado como bochecho. Nesse caso, o paciente deve bochechar 10 ml da solução durante os cinco minutos que antecedem o procedimento cirúrgico ou periodontal. A solução endovenosa também pode ser utilizada em gaze embebida, que deve ser colocada sob pressão na área cirúrgica. Comprimidos podem também ser macerados e utilizados na forma de pasta (uma unidade misturado com soro fisiológico 0,9% ou solução anestésica) e colocados em gaze ou mesmo diretamente sobre a ferida cirúrgica. 5.1.2 - Agentes cauterizantes podem ser utilizados em áreas de pequenos sangramentos. Ácido tricloroacético (ATA) 10% pode ser utilizado em pequenos sangramentos gengivais. Deve ser embebido em pequenas bolinhas de algodão, para que estas sejam colocadas junto à mucosa gengival e ali deixadas. (Brasil, 2005). 5.1.3 - O uso de moldeiras de silicone com a finalidade de evitar feridas cirúrgicas. Existem trabalhos na literatura especializada que ressaltam o uso do splint ou das moldeiras de silicone como medidas de proteção à ferida cirúrgica da cavidade bucal e também como meio de controle de hemorragias secundárias. Estes podem ser feitos de materiais flexíveis, não traumatizantes. O paciente deve ser bem orientado com relação ao cuidado com a higiene do mesmo. (Brasil, 2005) 5.1.4 - Gelo na forma intra e extra-oral. O uso do gelo pode exercer um papel eficiente como meio hemostático local após traumas ou cirurgias na cavidade bucal. Pode ser utilizado intra-oral e extra-oralmente, durante as primeiras 24 horas do procedimento cirúrgico ou do trauma. (Brasil, 2005) 5.1.5 – Selante de Fibrina que é um agente cirúrgico hemostático derivado do plasma sanguíneo. O SF tem sido utilizado com freqüência em diferentes procedimentos cirúrgicos nos pacientes portadores de coagulopatias. Ele tem demonstrado ser um agente eficaz na redução dos sangramentos pós-cirúrgicos, propiciando procedimentos com menor consumo de fatores de coagulação. O uso do SF como meio adjuvante da hemostasia cirúrgica, nesses pacientes, tem possibilitado a realização de vários procedimentos cirúrgicos em uma mesma sessão, com melhor reabilitação, redução do tempo hospitalar, mais eficiência e menor custo. (Brasil, 2005) 5.2 – Tratamentos odontológicos Alguns cuidados devem ser seguidos durante o tratamento odontológico dos pacientes com coagulopatias: • sugadores e uso de bombas a vácuo: cuidado com as mucosas livres e com o risco de formação de hematomas; • nas moldagens: cuidado com a formação de vácuo, principalmente em palato mole; • RX periapical: proteger as bordas da película, principalmente quando se radiografar região mandibular; • deve ser usado isolamento absoluto, principalmente como meio de proteção das mucosas. (Brasil, 2005) 5.2.1 – Controle da Dor e Anestesia Derivados do paracetamol e da dipirona são as drogas indicadas para o controle da dor de origem odontológica em pacientes com coagulopatias. (Brasil, 2005) Segundo a mesma instituição, com relação aos anestésicos bucais, não há restrições quanto à presença de vasoconstritores, devendo apenas ter cuidados com relação anestesias aplicadas na região retromolar, devido a possibilidade de sangramentos e trismo. 5.2.2 – Tratamento periodontal Os procedimentos cirúrgicos periodontais em pacientes portadores de coagulopatias devem ser considerados como procedimentos com elevado risco de sangramento, portanto, há necessidade do preparo prévio do paciente, com indicação da reposição dos fatores de coagulação e da associação dos antifibrinolíticos e nesses casos, a utilização de meios hemostáticos locais (tais como o SF, o cimento cirúrgico e outros) deve ser indicada. (Brasil, 2005) 5.2.3 – Dentisteria Os tratamentos restauradores devem ser realizados de maneira rotineira, pois existe pouco risco de sangramento, desde que o procedimento seja realizado com cuidado e com preservação da mucosa (cuidado com brocas de alta rotação). (Brasil, 2005) 5.2.4 – Endodontia No tratamento endodôntico não há necessidade da reposição dos fatores de coagulação, a não ser naqueles casos em que a técnica anestésica do bloqueio do alveolar inferior seja necessária. Os casos de pulpotomias devem ser analisados diante da possibilidade de se realizar um tratamento endodôntico convencional. (Brasil, 2005) 5.2.5 – Cirurgia Dentre os procedimentos odontológicos, as cirurgias são as que oferecem maior risco de sangramento e complicações para o paciente com coagulopatias hereditárias. Algumas considerações são importantes para sua minimização: • são raros os atendimentos emergenciais que necessitam de procedimentos cirúrgicos imediatos. Na maioria dos casos, o controle da dor e do sangramento deve ser considerado e realizado previamente ao procedimento cirúrgico; • todos os procedimentos cirúrgicos devem ser discutidos previamente com o médico responsável, para que os possíveis riscos de sangramentos decorrentes dos procedimentos sejam avaliados. (Brasil, 2005) Para que tais procedimentos possam ser realizados, dividimos o processo cirúrgico em cinco fases: a) planejamento; b) adequação do meio bucal; c) pré-operatório; d) transoperatório; e) pós-operatório. É importante em todas as fases, o hematologista responsável ser consultado, visto que, em muitas vezes, só o cuidado local não é suficiente para o controle do sangramento e que a terapia de reposição dos fatores de coagulação deve ser indicada. 6 – Relato de caso: Assistência odontológica a um paciente hemofílico Caso: Paciente do sexo masculino, de 80 anos, procurou atendimento odontológico na unidade da Estratégia de Saúde da Família “Dr. Antônio Luiz Coimbra Grubert”, no município de Jardim-MS em março de 2008, sendo submetido ao exame clínico; onde foram realizados procedimentos de restauração em alguns elementos e finalmente o tratamento foi concluído. Nesta época a unidade de saúde utilizava um modelo de ficha (anexo 1 e 2) que trazia apenas informações sobre o tratamento odontológico (odontograma). No ano de 2009, o mesmo paciente retornou ao ESF-4 para atendimento odontológico, quando foi diagnosticada a necessidade do tratamento endodôntico do elemento 24, sendo então encaminhado para o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), sendo que na unidade em estudo foi realizada a extração da raiz residual do elemento 34 e posteriormente raspagem periodontal, concluindo o tratamento em maio de 2009 sem nenhum incidente hemorrágico. No mês de outubro do mesmo ano o paciente procurou a unidade para extrair o elemento 24, pois o mesmo havia fraturado, foi realizada a exodontia do remanescente, suturado e o paciente liberado com orientação de retorno com sete dias para remoção de sutura. Uma semana após o procedimento o mesmo retornou a unidade com hemorragia e relatou ser hemofílico e não ter feito o uso da medicação que o médico o havia orientado que deveria ser tomada antes de procedimentos cirúrgicos. Diante de tal situação, não muito freqüente em ambulatório, foi realizada prescrição de vitamina K injetável (por via intramuscular) e marcado retorno em 24 horas; em nova avaliação a hemorragia havia cessado. Após uma semana o paciente retornou acompanhado pela filha, que relatou que o pai era rebelde, não aderente ao tratamento medicamentoso e que omitia o fato de ser hemofílico; na avaliação odontológica verificou-se que a cicatrização ainda não era satisfatória, sendo encaminhado para o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), para uma odontóloga especialista em pacientes especiais, a mesma encaminhou o paciente para um hematologista. Na unidade de saúde de origem o médico confirmou que o paciente não fazia o tratamento da deficiência no fator VIII corretamente, fazendo assim um encaminhamento para o hematologista no município referência - Campo Grande - MS. Em 17/11/2009 o paciente retornou a ESF IV e foi verificada a cicatrização e melhora na ferida que havia em sua boca, somente após a avaliação e uso do tratamento específico para a deficiência de fator VIII. 7 - Conclusão Diante do exposto, percebe-se que a hemofilia é uma doença rara, muito embora complexa quanto ao diagnóstico e tratamento. A precoce detecção da doença e o manejo ideal dos pacientes com hemofilia requer mais que tratamento e prevenção das hemorragias, ou seja, para melhorar a saúde e qualidade de vida estes pacientes são dependentes de uma prevenção e tratamento contínuos dos sangramentos. Como visto no relato de caso, em se tratando de assistência odontológica, pode ser visto que o correto uso dos formulários da Estratégia de Saúde da Família Dr. Antonio Luiz Coimbra Grubert de Jardim, no tocante a anamnese detectiva associada ao conhecimento do Manual de Tratamento de Pacientes Portadores de Coagulopatias Hereditárias trás a tranqüilidade para o profissional de odontologia elaborar o plano de tratamento e posteriormente executar seus procedimentos. 8 – Referências Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Atenção Especializada, Manual de Atendimento Odontológico a Pacientes com Coagulopatias Hereditárias. 2005. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Coagulopatias_Hereditarias_Odontologia.pdf Da Silva, Menezes. Silva, Edna Lúcia da, Estera Muszkat Menezes – Metodologia da Pesquisa e Elaboração de Dissertação – 3ª Edição – Laboratório de Ensino a Distância da UFSC – 2001 http://pt.scribd.com/doc/2367267/DA-SILVA-MENEZES-2001-Metodologia-da-pesquisa-eelaboracao-de-dissertacao Rodrigues, William Costa Rodrigues – Metodologia Científica – 2007 – PUC Goiás. http://professor.ucg.br/siteDocente/admin/arquivosUpload/3922/material/Willian%20Costa%20R odrigues_metodologia_cientifica.pdf Hoffbrand, A. V.; Pettit, J. E. Atlas Colorido de Hematologia Clínica. 3ed. São Paulo: Manole, 2001. Lorenzi, T. F.;D'AMICO, E.; Daniel, M. M.; Silveira, P. A A; Manual de Hematologia: Propedêutica e Clinica, Guanabara Koogan, 3ed, 2003. Oldra, M. B. Abordagem fisioterapêutica no tratamento e na prevenção das hemartroses em hemofílicos: revisão Sistemática. 2003. 76 f. Monografia (Graduação) - Curso de Fisioterapia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2003. Eksterman, V. F. et al. Hemofilia e Aids. In: Mello Filho, J. de (Org). Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artmed, 1992. Nicoletti, E. A. Aids no contexto hospitalar. In: Camon, V.A. A. (Org.). O doente, a psicologia e o hospital. 3. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 1997. 9 - Anexos Anexo 1 – Frente de Ficha Odontológica antiga Anexo 2 – Trás de Ficha Odontológica antiga Anexo 3 – Frente de Ficha Odontológica nova Anexo 4 – Trás de Ficha Odontológica nova