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RELATO DE CASO
Fenestração endoscópica de cisto ventricular multiloculado
guiada por neuronavegação
Adriano K. Maeda*
Luiz Roberto Aguiar**
Alexandre Novicki Francisco***
Sérgio Cavalheiro****
Samuel T. Zymberg****
Paulo Carboni Jr.*****
Fernando Márcio Gonçalves De Matos******
Sinopse
Os autores apresentam um caso de paciente portador de cisto
intraventricular multiloculado submetido a procedimento
neuroendoscópico orientado por neuronavegação. A fenestração foi bem-sucedida, com importante papel da neuronavegação na localização das cisternas basais dentro do
sistema ventricular anômalo. O método se aplica principalmente
a pacientes submetidos a múltiplas intervenções neurocirúrgicas, com importantes distorções anatômicas do sistema
ventricular, auxiliando o planejamento pré-operatório e
permitindo uma melhor eficácia da endoscopia, evitando novas
abordagens. O procedimento foi documentado com imagens do
planejamento da neuronavegação e da endoscopia.
Palavras-chave
Cisto cerebral, cirurgia endoscópica, cirurgia guiada por
imagem, neuronavegação.
*
Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital
Universitário de Cajuru da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (HUC-PUCPR)
**
Professor Titular e Chefe do Serviço de Neurocirurgia do HUCPUCPR
*** Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do HUC-PUCPR
**** Neurocirurgião da Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina (Unifesp/EPM)
***** Neurocirurgião do Hospital Infantil Pequeno Príncipe
****** Residente de Neurocirurgia do HUC-PUCPR
Abstract
Multiloculated intraventricular cyst endoscopic
fenestration guided by neuronavigation: Case Report
A case of multiloculated intraventricular cyst submitted to
image-guided endoscopic fenestration is reported. Successful
fenestration was achieved with the use of image-guided
procedure in targeting the parasselar cisterns. This method is
mainly applied to patients who have undergone several
neurosurgical procedures with significant anatomical
distortions of the ventricular system. The procedure assists in
preoperative planning and ensures reliable endoscopic
surgery, avoiding the need for new interventions. The
procedure is documented with images of navigation planning
and endoscopic surgery.
Keywords
Cerebral cyst, endoscopic surgery, image guided procedure,
neuronavigation.
Cisto intraventricular multiloculado, ou também denominado
hidrocefalia multiloculada, apresenta-se na forma de áreas císticas, com várias septações dentro do sistema ventricular. Geralmente, ocorre como complicação tardia de hidrocefalia pós-infecciosa ou após hemorragia intraventricular, com importantes
alterações anatômicas ventriculares. Sua apresentação multicompartimental dificulta a drenagem liquórica satisfatória por
meio dos procedimentos de derivação ventricular tradicionais,
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requerendo nestes casos a inserção de múltiplos cateteres,
aumentando o risco de infecções e disfunção de shunt.
Apresentamos um caso de cisto ventricular multiloculado,
localizado em região temporal esquerda, submetido à fenestração
endoscópica, com abertura das septações e comunicação com o
espaço subaracnóideo, guiada por neuronavegação. As imagens
do planejamento e do procedimento endoscópico ilustram o caso.
Caso clínico
Paciente L.N., 6 anos de idade, sexo masculino. Mãe GI P0 C0,
com diagnóstico no quarto mês de gestação de malformação da
parede abdominal (gastrosquise), nascimento prematuro no
sétimo mês de gestação devido à bolsa rota. Submetido à correção
cirúrgica no pós-parto imediato, evoluiu com quadro de sepse
neonatal e deiscência/infecção da ferida cirúrgica, com fechamento
por segunda intenção. Alta hospitalar após três meses. No quinto
mês de vida, apresentou aumento progressivo do perímetro
cefálico e abaulamento da fontanela anterior. Investigação
evidenciou dilatação supratentorial do sistema ventricular,
compatível com hidrocefalia. O estudo liquórico mostrou-se dentro
da normalidade. Submetido à derivação ventrículo peritoneal
(DVP), houve melhora da hipertensão intracraniana. Após uma
semana da cirurgia, apresentou quadro de infecção do shunt. Foi
retirado o sistema de DVP e tratada a infecção pelo período de
dois meses, sendo reimplantado novo sistema. Após um mês da
alta, iniciou com novo quadro infeccioso, sendo diagnosticada a
presença de múltiplos abscessos cerebrais: realizada uma
derivação ventricular externa (DVE) e iniciada antibioticoterapia.
Evoluiu com ventriculite severa, sendo mantidas trocas regulares
do sistema de DVE e uso amplo de antibioticoterapia, com
internamento hospitalar pelo período de cinco meses. Com a
resolução do quadro infeccioso, foi submetido a DVP à direita, já
apresentando imagem compatível com cisto multiloculado em
região temporal esquerda, porém sem sugerir quadro hipertensivo.
Clinicamente, apresentava discreto retardo do desenvolvimento
psicomotor (andou com 1 ano e 6 meses de vida, iniciou fala com
1 ano) sem outras alterações significativas do exame neurológico.
Acompanhamento ambulatorial mostrou aumento das cavidades
septadas, sendo submetido à fenestração endoscópica simples
dos cistos após seis meses da implantação da DVP, com melhora
da imagem. Permaneceu assintomático, com seguimento
ambulatorial irregular com o médico-assistente. Há aproximadamente dois meses iniciou com quadro de tonturas episódicas,
com piora progressiva. Ressonância magnética do encéfalo (RM)
evidenciou aumento dos múltiplos cistos ventriculares em região
temporal esquerda, promovendo um discreto desvio da linha
média (Figura 1). O exame neurológico do paciente era normal,
inclusive com desenvolvimento psicomotor adequado e bom
rendimento escolar.
O menor foi submetido a tratamento cirúrgico na data de
15.02.2003, no Hospital Universitário Cajuru da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Para este procedimento foi
realizado o planejamento cirúrgico utilizando-se o sistema
VectorVision (BrainLab, Munique) a partir de imagens obtidas de
RM e tomografia computadorizada (TC) reconstruídas tridimensionalmente. O alvo do procedimento foi a cisterna parasselar, com
determinação de um ponto de entrada na região temporal esquerda
(Figura 2). O paciente foi posicionado em decúbito dorsal, com
rotação lateral da cabeça para direita, fixado em suporte de Mayfield.
Foi realizada uma incisão linear temporal esquerda e abertura de
um orifício de trépano, alargado com auxílio de pinça Kerrinson.
FIGURA 1
Ressonância magnética (cortes axial e coronal): presença de cisto ventricular multiloculado.
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FIGURA 2
Imagens da neuronavegação realizada com sistema VectorVision
(BrainLAB, Munique) do período intra-operatório, demonstrando
em cor púrpura os cistos multiloculados em região temporal
esquerda, cisternas parasselares em amarelo. O ponto de entrada e
target point tem seu trajeto mostrado na linha verde. Endoscópio
Aesculap Minop representado na cor ocre.
Imagem da neuronavegação mostrando o recurso de auto pilot,
utilizado para orientação do endoscópio dentro dos cistos
multiloculados para realização da fenestração para as cisternas
parasselares (em amarelo).
Abertura dural em forma de cruz, com corticotomia realizada com
pinça bipolar. Iniciou-se então o procedimento endoscópico hands
free, com endoscópio B. Braun Aesculap rígido (MINOP PE 184 A,
2,7 mm, 0º, 18 cm, conectado à fonte de luz de xenônio e câmera
David 3-Chip, canal de trabalho 3 vias), acoplado ao sistema de
neuronavegação VectorVision (BrainLAB, Munique). Houve visualização do sistema ventricular multiloculado, presença de várias
septações, com grande alteração estrutural local, não sendo
possível a identificação de estruturas anatômicas que guiassem o
procedimento. Com o auxílio do neuronavegador, identificando a
posição tridimensional dos septos intraventriculares, foram
realizadas aberturas (ostomias) dos cistos com auxílio de cateter
de Fogarty 5F acoplado ao endoscópio através do canal de trabalho,
em regiões que apresentavam maior transparência e ausência de
estruturas vasculares relevantes, comunicando-os. Utilizando-se
o software denominado auto pilot do sistema de neuronavegação,
foi realizada a comunicação com o espaço subaracnóideo no alvo
predeterminado (cisternas parasselares), permitindo a comunicação
dos cistos, transformados em cavidade única, com o espaço
subaracnóideo (Figuras 3 e 4). O tempo de duração total da cirurgia
foi de duas horas, incluídas a indução anestésica e a preparação da
neuronavegação e do endoscópio.
Imagens do procedimento neuroendoscópico:
A: Imagem mostrando parede translúcida e pouco vascularizada do
cisto limitando-se com as cisternas parasselares.
B: Momento da realização da abertura do cisto para a cisterna com
auxílio de cateter Fogarty 5F.
C: Imagem da abertura do cisto comunicando-se com a cisterna.
D: Visualização da artéria basilar e do terceiro nervo na cisterna.
FIGURA 3
FIGURA 4
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A recuperação pós-operatória foi satisfatória, não sendo necessária observação em unidade de terapia intensiva. TC de crânio de
controle mostrou discreta melhora do desvio de linha média, sem
outras complicações. Recebeu alta hospitalar no terceiro dia de
pós-operatório, sem intercorrências. Atualmente, o paciente
encontra-se assintomático, com exame neurológico normal.
Discussão
Cistos intraventriculares isolados geralmente se desenvolvem
em pacientes pediátricos que apresentaram hidrocefalia secundária
à hemorragia intraventricular, ou à infecção de sistema nervoso
central7, associados ou não com ventriculite e abscessos intracranianos. Nessa situação, são vistos especialmente associados a
infecções por organismos Gram-negativos e em pacientes que
permaneceram em derivação ventricular externa por mais de 12
dias7. Sua patogenia ainda não é bem determinada: estudos sugerem
que haja uma vasculite inflamatória ao nível subependimário, o
que provoca a formação de infarto, originando os cistos, sendo a
pressão osmótica responsável pelo aumento progressivo13.
O tratamento da hidrocefalia multiloculada teve um grande
avanço com o desenvolvimento de materiais específicos para
neuroendoscopia, porém ainda constitui um desafio neurocirúrgico. O tratamento com procedimento-padrão de DVP possui
várias implicações, como a drenagem parcial dos cistos devido
ao aspecto multiseptado da lesão, risco maior de infecção e a
inserção “às cegas” do cateter ventricular14. Apesar disso, alguns pacientes requerem o procedimento quando a fenestração
com o espaço subaracnóideo não é efetiva. A fenestração aberta, através de craniotomia e microscopia, pode ser utilizada em
alguns casos, com maior exposição da lesão, porém com todos
os riscos inerentes ao procedimento.
Com a neuroendoscopia, o tratamento dos cistos multiloculados
tem evoluído. A fenestração endoscópica tem como objetivos
controlar a hidrocefalia, simplificar os sistemas de derivação ventrículo peritoneal (evitando sistemas em Y ou T) ou mesmo evitálos15 e reduzir a morbidade operatória9, mesmo em pacientes com
menos de um ano de vida2. Existem ainda várias indicações para
endoscopia, como os cistos intraventriculares e aracnóideos,
ventrículo isolado, hidrocefalia obstrutiva, lesões expansivas acessíveis pelo sistema ventricular e outros3,4,8,9,11,12. Complicações mais
comuns são ocorrência de fístula de liquor e infecção pós-operatória,
devendo-se ressaltar que existem casos em que a ventriculostomia
não é eficaz se ainda existir processo inflamatório vigente14.
O papel da neuronavegação acoplada ao endoscópio na fenestração dos cistos multiloculados é orientar o neurocirurgião
dentro do sistema ventricular, que geralmente apresenta alterações anatômicas importantes. Além disso, o procedimento
endoscópico torna-se mais seguro e mais eficaz, especialmente
nos casos em que há ausência de substratos anatômicos, lesões
de difícil visualização ou posição desfavorável, presença de
ventrículos pequenos ou um forame de Monro estreito1,5,6. Ainda
existe a possibilidade de utilização da neuronavegação associada à endoscopia na colocação de cateteres ventriculares em
lesões não adequadas à fenestração10.
Conclusão
Nas fenestrações dos cistos intraventriculares multiloculados,
mesmo com a visualização direta através do endoscópio, as
distorções anatômicas presentes podem representar um grande
problema no manejo intra-operatório deste tipo de afecção. A
falta de referências anatômicas bem definidas, associada à
presença das inúmeras septações, dificulta o manejo do endoscópio dentro do sistema ventricular. A neuronavegação tem aqui
papel decisivo, tornando o procedimento endoscópico mais
seguro, com eficácia maior do tratamento.
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approach to noncommunicating fluid spaces in the shunted patient.
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Endereço para correspondência
Adriano K. Maeda
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