Notas etnográficas sobre o “problema do bandido”: moralidades e “violência urbana” no Rio de Janeiro Cesar Pinheiro Teixeira (IFCS/UFRJ) Neste texto, trago alguns elementos etnográficos a respeito de diferentes moralidades que compõem o contexto carioca de “violência urbana”. O foco da análise consiste nas disputas morais em torno da figura do “bandido” – cuja fonte mais genérica de representação é o traficante de drogas que atua em favelas. Entretanto, embora muitas vezes as pessoas descritas como “bandidos” não tenham nenhum envolvimento com o crime específico de narcotráfico, dentro do contexto carioca de “violência urbana” “bandido” assume um significado bastante particular: constitui uma categoria sobre a qual recaem uma série de expectativas morais – e a que mais se destaca é a que a pessoa descrita como “bandido” partilhe do mesmo estilo de vida dos traficantes de drogas que atuam em favelas. Apoiando-me nas ideias de Misse (1999) sobre sujeição criminal, parto da ideia de que o tráfico de drogas a varejo que ocorre nas favelas cariocas representa a base do significado que “bandido” adquire no contexto de “violência urbana” no Rio de Janeiro. Uma vez constituído como o grande “personagem perigoso” da cidade, identificado diretamente com a “violência urbana”, o “bandido” é alvo de inúmeras ações, que são realizadas por diferentes coletividades. Dentro do contexto do Rio de Janeiro, destaco duas grandes metáforas nas quais se inscreve o “problema do bandido”: a metáfora da guerra (Leite, 2000) e a metáfora da (re)integração. Na metáfora da guerra, o “bandido” é visto como um mal a ser combatido com violência: é um personagem da cidade do Rio cuja morte é desejada e bem vista. De modo geral, as polícias cariocas (civil e militar) são as instituições que representam melhor o “espírito” da “guerra aos bandidos”. De modo um pouco distinto, mas não totalmente, a metáfora da (re)integração pressupõe uma “cidade partida” (Ventura, 1994) que precisaria ser, por sua vez, reintegrada. A metáfora da (re)integração constrói a ideia de que a favela (lugar da cidade em que habitam os “bandidos”) precisaria ser “incluída” no restante da cidade através de um processo “pacífico”. Essa (re)integração passa por diversos pontos (vai desde questões habitacionais, passando por questão ambientais, a questões de segurança pública – como representa bem a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora). Entretanto, o que me interessa neste paper é a questão da reintegração dos “bandidos” à “sociedade”, isto é, quais significados “bandido” adquire dentro da metáfora da (re)integração. Esse processo, em geral chamado de “ressocialização”, vem, sobretudo diante da chamada “falência” do sistema penitenciário, ganhando destaque na atuação de várias denominações religiosas (sobretudo igrejas evangélicas pentecostais) e ONGs. Com base em etnografias variadas (envolvendo pesquisa de campo com igrejas pentecostais, ONGs e polícia militar), procurarei, então, descrever o modo como essas coletividades constroem expectativas morais em relação aos “bandidos” e como, a partir delas, desenvolvem propostas de “solução” para o “problema do bandido”: “conversão religiosa”, “inclusão social”, “extermínio” ou “isolamento”. E, concomitantemente, procurarei articular essas diferentes propostas dentro dos contextos mais amplos de “guerra” e “(re)integração” que conferem, por sua vez, significados específicos aos empreendimentos morais realizados por igrejas pentecostais, por ONGs e pela polícia militar. Além disso, em contraste com esses planos discursivos, trarei também algumas narrativas de “ex-bandidos” que contam suas experiências em relação às coletividades mencionadas (seja na relação de “(re)integração” ou de “guerra”). Assim, o objetivo é mostrar o modo como, a partir das moralidades que se produzem e reproduzem em torno da figura do “bandido”, podemos compreender algo a respeito do emaranhado de representações e de práticas que constituem o contexto carioca de “violência urbana". Referências LEITE, Márcia Pereira. (2000), "Entre individualismo e solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro". Revista Brasileira de Ciências Sociais, 44:73-91. MISSE, Michel. (1999), Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (doutorado), IUPERJ. VENTURA, Zuenir. (1994), Cidade partida. São Paulo, Companhia das Letras.