Os fantásticos passageiros da sinestesia Ter, 06 de Janeiro de 2009 16:22 - Pouquíssimas pessoas conseguem enxergar cores nas palavras ou sentir aromas nos sons. Alguns são brasileiros, e a ciência apenas começa a entender essas mentes diferentes.Nesse exato momento, 15 centros de pesquisa em todo o mundo - mas nenhum ainda no Brasil estão empenhados em descobrir uma das mais misteriosas capacidades do cérebro. Para alguns poucos, pouquíssimos privilegiados, é possível experimentar um sabor ao ouvir uma nota musical, associar cores inimagináveis às palavras ou, ao tocar um objeto, sentir diferentes sensações térmicas. Por incrível que pareça, esse universo quase lisérgico é uma espécie de dom natural, que os cientistas chamam de sinestesia. E muitos sinestetas, como são classificados os indivíduos com essa característica, só descobrem que os outros é que são diferentes quando viram adolescentes ou adultos. A sinestesia é uma condição cerebral caracterizada pela superposição de sentidos. No caso de Ramos, por exemplo, há a combinação da audição com a visão. Não se sabe ao certo quantos desfrutam do prazer de experimentar sensações tão distintas. Cálculos mais rigorosos indicam que apenas um a cada mil indivíduos é portador de sinestesia. Contas mais otimistas sugerem que 4% da população manifestem a condição. Nesse campo, só uma certeza: metade dos sinestetas possui mais de um tipo de sinestesia. Há pelo menos 50 gêneros descritos pela ciência. Existe quem associa cheiros a cores, sabores a sons, texturas a sensações térmicas, aromas a sons e toques a cores, entre outros. Isso quer dizer que há indivíduos no mundo, por exemplo, para quem determinada música pode ter gosto de morango ou um cheiro apresentar o som de um sino. A palavra sinestesia deriva do grego syn, cuja tradução é "junto", e aisthesis, que quer dizer "sensação". Ou seja, significa "união de sensações". Sua primeira descrição na literatura científica data de 1880, quando o pesquisador Francis Galton, primo de Charles Darwin e também o criador do termo "eugenia", publicou um artigo a respeito do fenômeno na revista científica Nature. Nas décadas seguintes, no entanto, o tema foi esquecido e só voltou a atrair o interesse da ciência a partir dos anos 1980. Foi nessa época que o neurologista americano Richard Cytowic iniciou seus estudos sobre o assunto que depois resultaram, em 1993, na publicação do livro The man who tasted shapes (O homem que saboreava as formas). De lá para cá, o interesse só cresceu. Hoje, os 15 grupos de cientistas que estudam a condição querem decifrá-la e usar as informações obtidas para enriquecer nosso conhecimento sobre o cérebro. "A pesquisa dos mecanismos que existem por trás da sinestesia pode oferecer respostas sobre os processos que levam às percepções e aos sentidos", explicou Julia Simner, professora da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e interessada pelo assunto há dez anos. Desse esforço estão surgindo algumas evidências. Uma delas é a de que a sinestesia é um fenômeno biológico e involuntário. Porém, pairam indagações sobre suas causas, embora exista uma teoria preponderante. Ela 1/3 Os fantásticos passageiros da sinestesia Ter, 06 de Janeiro de 2009 16:22 - seria resultado de uma superestimulada rede de conexões neuronais. Normalmente, os circuitos formados pelos neurônios para o processamento de uma informação percorrem um determinado caminho, em uma determinada área do cérebro. Na sinestesia ocorreria uma interconexão desses trajetos, fazendo com que as informações trafegassem em áreas distintas, originando a sobreposição de sensações. Haveria uma outra arquitetura cerebral. A confirmar essa hipótese existem estudos mostrando que, de fato, o cérebro dos sinestetas funciona de maneira distinta. Um deles foi realizado na Universidade de Waterloo, no Canadá, e comparou a reação cerebral de portadores de sinestesia com nãoportadores. Quando os pesquisadores colocavam números na frente dos dois grupos, os sinestetas acionavam também a parte do cérebro responsável pelo reconhecimento de cores. Nos indivíduos sem a característica, apenas a da visão era ativada. Recentemente, no entanto, um trabalho colocou dúvida na questão. O pesquisador Roi Cohen Kadosh, do Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade College London, em Londres, na Inglaterra, descobriu que a sinestesia - pelo menos a que leva o indivíduo a enxergar cores nas palavras - pode ser induzida por meio da hipnose. "Sob esse estado mental, os voluntários reportaram experiências similares às descritas pelos sinestetas", contou o cientista. Em outras palavras, o trabalho do pesquisador inglês mostrou que, mesmo pessoas sem as tais superconexões neuronais seriam capazes de ter experiências sinestésicas. Há alguns testes que indicam um sinesteta com razoável eficiência. Um dos mais respeitados foi formulado por David Eagleman, do Departamento de Neurociência da Escola de Medicina Baylor, nos Estados Unidos. "O exame detecta vários tipos", informou o pesquisador à ISTOÉ. Os testes se baseiam na premissa de que o sinesteta de verdade não erra nunca as associações que faz. Isso quer dizer que, quando o gosto de uma nota musical é de chocolate, será sempre assim. Ele pode responder a isso uma vez e, cinco anos depois, repetirá a resposta. A característica não costuma ter impacto no cotidiano - embora isso possa parecer estranho aos olhos de quem não sente o cheiro de nada quando lê um livro, por exemplo. A sobreposição de sensações é tão natural para um sinesteta quanto é para a maioria das pessoas saber que uma palavra tem um determinado número de letras. Está implícito. Hugo Ramos, o sinesteta cearense, resume bem a condição: "Simplesmente sinto as cores nas palavras e sons. Da mesma forma como sinto a textura de um tecido. Faz parte da minha vida." 2/3 Os fantásticos passageiros da sinestesia Ter, 06 de Janeiro de 2009 16:22 - É fato, porém, que a condição produz situações inusitadas. Ramos, por exemplo, detestava tirar dez na escola. "Nove é marrom com preto. Dez é dourado. A gente enche mais a boca falando uma palavra escura do que uma clara. Por isso, na época do colégio, achava mais bonito tirar nove", lembra. Uma de suas cores preferidas é o azul. "As palavras dessa cor estão entre as que mais gosto de ouvir." Entre os sons azulados estão as palavras mar, palavra e o nome Catarina. Fonte Original http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2042/imprime119689.htm 3/3