A ESTIMULAÇÃO DO SISTEMA VESTIBULAR EM CRIANÇAS AUTISTAS: UMA ABORDAGEM DA TERAPIA OCUPACIONAL ATRAVÉS DA INTEGRAÇÃO SENSORIAL Luciana Aparecida Ribeiro, Naya Prado Fernandes Francisco Universidade do Vale do Paraíba - Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) Av. Shishima Hifumi, 2911 – Urbanova – São José dos Campos/SP [email protected], [email protected] Resumo- O Autismo Infantil é definido até os 3 anos de idade, apresentando características que afetam sempre a comunicação, a interação social e o uso da imaginação. Consiste em falhas na integração sensorial, podendo apresentar déficits no Sistema Vestibular. Este trabalho teve por objetivo determinar em uma amostra a resposta ao estímulo oferecido ao Sistema Vestibular. Foi utilizada a Escala de Resposta à Estimulação Sensorial, realizada em duas etapas. A primeira no mês de Março de 2012 cujos resultados foram comparados à segunda avaliação realizada no mês de Junho de 2012. Após 3 meses de intervenção da Terapia Ocupacional, pode-se, de maneira subjetiva, observar melhoras significativas. Concluiu-se que a Terapia Ocupacional com o uso da Teoria de Integração Sensorial, pode contribuir para melhoras no déficit vestibular presentes em alguns casos de Autismo Infantil. Palavras-chave: Autismo Infantil, Integração Sensorial, Sistema Vestibular, Terapia Ocupacional. Área do Conhecimento: Terapia Ocupacional Introdução O autismo é também conhecido como Transtorno Autístico, Autismo da Infância, Autismo Infantil e Autismo Infantil Precoce (KLIN, 2006). Mello (2001) diz que o Autismo é uma síndrome definida por alterações presentes desde idades muito precoces, tipicamente antes dos 3 anos de idade, que se caracteriza sempre por desvios na comunicação, na interação social e no uso da imaginação. Estes três desvios foram chamados por Lorna Wing e Judith Gould, em seu estudo realizado em 1979, de “Tríade”, que é responsável por um padrão de comportamento restrito e repetitivo. A palavra Autismo foi usada pela primeira vez pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, em 1911, para descrever uma tendência patológica de isolamento do ambiente observada em esquizofrênicos (GOLDSTEIN; OZONOFF, 2009 apud DE JORGE, 2010). Em 1943, um médico austríaco chamado Leo Kanner, descreveu 11 casos que tinham em comum um comportamento bastante original (MELLO, 2001). Para Araújo (2000) apud De Jorge (2010), desde então muitos estudos tem sido desenvolvidos no intuito de esclarecer melhor o quadro de autismo, cuja explicação já passou por varias alterações, principalmente com relação à etiologia. Hoje o autismo é reconhecido como uma desordem neurológica de causa ainda imprecisa, cujos estudos caminham para explicações genéticas ou neurobiológicas de um lado e neuropsicológicas de outro (DE JORGE, 2010). A criança autista pode apresentar comportamento estereotipado que assume maior relevo no âmbito social. Para Suplino (2005) esses comportamentos denominados Comportamentos Desadaptativos são divididos em: Autolesivos e Auto-estimulatórios. Como forma de intervenção, o terapeuta ocupacional em uma abordagem com crianças autistas pode se utilizar da Teoria da Integração Sensorial, que é um dos modelos de tratamento mais tradicionais e mais bem pesquisados dentro da Terapia Ocupacional (CAVALCANTI; GALVÃO, 2007). Essa abordagem de tratamento parte dos trabalhos de A. Jean Ayres, terapeuta ocupacional norte-americana que procurou examinar a relação entre sensações corporais, mecanismos cerebrais e aprendizagem. Ayres define Integração Sensorial com a habilidade inata para organizar, interpretar sensações e responder apropriadamente ao ambiente. Integração Sensorial é o processo e a organização de informações sensoriais para o uso funcional, nas atividades e ocupações desempenhadas (CAVALCANTI; GALVÃO, 2007). Para Cavalcanti e Galvão (2007) a terapia é voltada para a promoção de estimulação sensorial, por meio de brincadeiras e atividades lúdicas de interesse da criança. A ênfase é nos estímulos táteis, vestibulares e proprioceptivos, XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 considerados essenciais, tanto para o controle da postura e coordenação de movimentos como para o desenvolvimento dos mecanismos de alerta e orientação. É sabido que dentro da Integração Sensorial, um dos sistemas mais importantes e complexos é o Sistema Vestibular. O aparelho vestibular é formado pelos órgãos do otólito, o utrículo e a sácula e os canais semicirculares do labirinto, que são cavidades no osso temporal associados à cóclea, que se localiza no ouvido interno, parte do sistema auditivo (MOCHIZUKI, AMADIO, 2006). O Sistema Vestibular processa informações constantes sobre a gravidade e movimentação da cabeça em relação ao corpo, contribuindo para o controle do tônus postural, do equilíbrio e para o controle da movimentação reflexa dos olhos, que ajuda na orientação espacial no ambiente e influencia também nosso nível de alerta (CAMARGOS JR, 2005). Ainda para Camargos Jr, (2005) a estimulação do sistema vestibular, através do balanceio rítmico ou do girar e rodar é muito usada de maneira intuitiva pelas pessoas. Segundo Ayres (1979) apud Camargos Jr (2005) as sensações são como um alimento para o cérebro, mas a criança precisa desenvolver habilidades para organizar e interpretar essas informações, caso contrário pode gerar desorientação e frustração. Levando em consideração os fatores prejudiciais que podem acometer indivíduos diagnosticados com Autismo, o presente trabalho tem por objetivo a avaliação e a reavaliação dos déficits no sistema vestibular de crianças autistas, por meio da Escala de Resposta à Estimulação Sensorial (MAGALHÃES; REZENDE, 2004), a fim de afirmar a eficácia do uso da Teoria da Integração Sensorial com a prática da Terapia Ocupacional. Metodologia A partir da observação dos pacientes atendidos pelo Grupo de Apoio ao Indivíduo com Autismo (GAIA), em São José dos Campos, percebeu-se uma melhora nas falhas apresentadas por déficits no sistema vestibular de crianças autistas, através dos estímulos oferecidos durante os atendimentos de Terapia Ocupacional com base na Teoria da Integração Sensorial. Para a realização deste trabalho foi utilizada a “Escala de Respostas à Estimulação Sensorial”, desenvolvido por A. Jean Ayres e adaptado e traduzido por Magalhães (2004) para avaliação das crianças. Esta avaliação consiste verificar as respostas aos estímulos auditivos, estímulos visuais, estímulos táteis, tração de articulação, vibração e dor, assim como ao estímulo vestibular. Foram escolhidas três crianças, com idade entre 4 e 6 anos, do sexo masculino. Essas crianças apresentam o diagnóstico de Autismo, com dificuldades de relações interpessoais, comunicação e padrões restritos e estereotipados. Esta pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté pelo processo nº 571/11. Após a autorização dos responsáveis, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram feitas as avaliações dos estímulos vestibulares com a Escala de Respostas à Estimulação Sensorial que foi aplicada do mês de Março de 2012 e reaplicada no mês de Junho de 2012. Concomitante com a avaliação e reavaliação da Escala de Respostas à Estimulação Sensorial, as crianças escolhidas continuavam sendo atendidas pela equipe do GAIA, formada por terapeutas ocupacionais, fonoaudióloga, psicopedagoga e psicóloga. As sessões tinham duração de 30 minutos cada. Todas as sessões de terapia ocupacional foram conduzidas por um único terapeuta, junto à estagiária que aplicou a escala. Para a avaliação do sistema vestibular foram utilizados equipamentos suspensos como a Plataforma Móvel para a avaliação de movimento, insegurança gravitacional e intolerância ao movimento. Para a conclusão da avaliação foi levado em consideração o comportamento e a reação da criança frente ao estímulo oferecido. Resultados Serão apresentados aqui os resultados obtidos com a Escala de Resposta à Estimulação Sensorial do Sistema Vestibular. Após três meses de intervenção, as crianças A, B e C começaram a demonstrar diferentes reações frente ao estímulo oferecido. MOVIMENTO 1º Avaliação X 2º Avaliação Procura Intensamente Aceita mais que o X normal Aceita mas perde o interesse Evita ou procura menos que o normal Quadro 1: Resposta ao estímulo de Movimento oferecido. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 A criança A mostrou um avanço significativo em relação à intolerância ao movimento conforme apresentado no Quadro 3. Na primeira avaliação foi verificado que a reação intensa cessava quando tocava os pés no chão e na segunda avaliação, a criança apresentou um comportamento próximo ao normal. INSEGURANÇA GRAVITACIONAL 1º Avaliação 2º Avaliação Nenhum medo/Não sente? Normal Pequena Insegurança Muito X X Inseguro/Medo Excessivo Quadro 2: Resposta ao estímulo de Insegurança Gravitacional oferecido. INTOLERÂNCIA À MOVIMENTO 1º Avaliação 2º Avaliação Adora rodar-sem reação Normal X Fica um pouco tonto Pálido/náusea X reação intensa Quadro 3: Resposta ao estímulo de Intolerância à Movimento oferecido. A criança B apresenta um quadro grave de autismo, respondendo pouco aos estímulos oferecidos e manteve os mesmos resultados na primeira e segunda avaliação conforme dados apresentados nos quadros 4, 5 e 6. MOVIMENTO 1º Avaliação 2º Avaliação Procura Intensamente Aceita mais que o normal Aceita mas perde o X X interesse Evita ou procura menos que o normal Quadro 4: Resposta ao estímulo de Movimento oferecido. Um dado observatório e qualitativo com relação à reação da criança B referente ao estímulo de insegurança gravitacional são a não demonstração de medo ou insegurança quando provocado à sensação colocando a plataforma móvel no alto. A criança não esboçou por nenhum momento medo ou insegurança, notando-se a falta de reação frente ao movimento que estava sendo realizado. A criança C mostrou um grande avanço durante os atendimentos. Na primeira avaliação foi observado um comportamento regredido e apresentava uma recusa a qualquer estimulo novo. Na segunda avaliação houve uma melhora, a criança esta aberta a novas vivências; devido a isso os dados obtidos na segunda avaliação foram positivos. INSEGURANÇA GRAVITACIONAL 1º Avaliação 2º Avaliação Nenhum medo/não X X sente? Normal Pequena Insegurança Muito Inseguro/Medo Excessivo Quadro 5: Resposta ao estímulo de Insegurança Gravitacional oferecido. INTOLERÂNCIA À MOVIMENTO 1º Avaliação 2º Avaliação Adora rodar, sem X X reação Normal Fica um pouco tonto Pálido/náusea, reação intensa Quadro 6: Resposta ao estímulo de Intolerância à Movimento oferecido. Na primeira avaliação, a criança C não tolerava movimentos, mantendo-se chorosa e procurando apenas se esconder embaixo de lençóis; o que houve uma evolução com relação à 2º avaliação em que a mesma passa a aceitar o estímulo oferecido, apresentado no Quadro 7. MOVIMENTO 1º Avaliação 2º Avaliação Procura Intensamente Aceita mais que o normal Aceita mas perde o interesse Evita ou procura X menos que o normal Quadro 7: Resposta ao estímulo de Movimento oferecido. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 A criança C mostrou evolução referente à insegurança gravitacional, apresentado no Quadro 8. Na 1º avaliação mostrou recusa a qualquer estímulo externo, o que não aconteceu na 2º avaliação, que mostrou evolução tendo reação de pequena insegurança. A criança C passou a ter iniciativa de subir na plataforma móvel, aceitando rodar e esboçando uma pequena satisfação. INSEGURANÇA GRAVITACIONAL 1º Avaliação 2º Avaliação Nenhum medo/Não sente? Normal Pequena X Insegurança Muito Inseguro/Medo Excessivo Quadro 8: Resposta ao estímulo de Insegurança Gravitacional oferecido. O resultado obtido ao estímulo de intolerância ao movimento na 2º avaliação, apresentado no Quadro 9, mostrou reação intensa ao ser provocado. A criança C mostrou irritabilidade, desconforto e chorosa ao ser estimulada. INTOLERÂNCIA AO MOVIMENTO 1º Avaliação 2º Avaliação Adora rodar, sem reação Normal Fica um pouco tonto Pálido, náusea X reação intensa Quadro 9: Resposta ao estímulo de Intolerância ao Movimento oferecido. Discussão Diante dos resultados demonstrados e analisados podemos observar que a partir da intervenção da Terapia Ocupacional em conjunto com a prática da Integração Sensorial frente ao estímulo vestibular ocorreu uma diferença positiva desde a primeira avaliação realizada no mês de Março de 2012 comparado à segunda avaliação no mês de Junho de 2012 nas crianças A e C. A disfunção na discriminação de estimulo vestibular pode acarretar problemas em manter o equilíbrio, especialmente quando em movimento, em conhecer a posição do corpo no espaço e sua relação com o ambiente, em manter a postura ereta quando sentado ou de pé por um período de tempo, em determinar se o movimento é do corpo ou dos objetos e pessoas no ambiente e calcular a força correta para usar com pessoas e objetos (MAGALHÃES; REZENDE, 2004). A partir do pressuposto da plasticidade do Sistema Nervoso Central pode-se concluir que ocorreu um amadurecimento do processo neurológico que se desenvolve quando estimulado conforme os resultados obtidos na avaliação. O estímulo vestibular é oferecido através do uso de cama elástica, plataforma móvel com balanceio rítmico, atividades de girar e rodar e também variando as posições das crianças na plataforma. De forma gradual, madura e organizada, estes estímulos podem resultar em novas aprendizagens e comportamentos. A criança B apresenta diagnóstico de Autismo Grave com mau funcionamento, que afeta outras áreas cognitivas, que causam atrasos no desenvolvimento. Não reconhece o próprio corpo, apresenta dificuldade de atenção e concentração, disfunção do sistema vestibular, não tendo reações adequadas ao estímulo oferecido. Entre os sinais clínicos de disfunção vestibular estão a hipotonicidade, pobres reações de suporte e equilíbrio, ausência de medo de atividades perigosas envolvendo equilíbrio, busca ou medo excessivo de estimulação vestibular, e dificuldades na coordenação motora bilateral (MAGALHÃES, REZENDE, 2004). Essas características podem ter causado a igualdade de resposta da criança B na primeira avaliação no mês de Março de 2012 comparado à segunda avaliação realizado no mês de Junho de 2012. Conclusão Através dos dados obtidos neste estudo, foi possível realizar algumas reflexões acerca das contribuições da Terapia Ocupacional junto às crianças autistas que apresentam falhas no Sistema Vestibular. Tendo em vista a plasticidade do Sistema Nervoso Central, a integração sensorial pode auxiliar na organização cerebral de informações de estímulos externos que contribuem para o controle postural e equilíbrio, além de auxílio no amadurecimento cerebral através de atividades que visam à organização dessas informações. A Terapia Ocupacional detém um conhecimento que, de uma forma lúdica e a partir dos interesses da criança, tem por objetivo a melhora das respostas ao estímulo vestibular oferecido para que a criança consiga se autorregular e emitir uma resposta mais próxima ao normal. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 4 Referências - MAGALHÃES, L. C. Transtornos da Coordenação Motora e de Aprendizagem. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C. Terapia Ocupacional: Fundamentação e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. - DE JORGE, L.M., Avaliação Cognitiva de Indivíduos Autistas: Inteligência, Atenção e Percepção. 2010. 231p. Tese [Doutorado em Psicologia], - Programa de Pós Graduação Stricto Sensu - Universidade São Francisco. Itatiba, 2010. - KLIN, A. Autismo e Síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev Bras Psiquiatr. 2006. - LAMBERTUCI, M.C.F.; MAGALHÃES, L.C. Terapia Ocupacional nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. In: CAMARGOS Jr, W. Transtornos Invasivos do Desenvolvimento 3º Milênio. Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. 2ed, 2005. - MELLO, A.M.S.R., Autismo: Guia Prático, 2º Edição. 2001 - MOCHIZUKI, L., AMADIO, A.C. As Informações Sensoriais para o Controle Postural. Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v.19, n.2, p. 11-18, 2006. - MAGALHÃES, L.,C., REZENDE, M.,B., Apostila do Curso A Terapia de Integração Sensorial: Teoria e Prática. Belo Horizonte, 2004. - SUPLINO, M., Currículo Funcional Natural: Guia Prático para a Educação na Área de Autismo e Deficiência Mental. Brasília, 2005. XVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 5