a inclusão do surdo no ensino técnico: estudo de caso sobre a

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A INCLUSÃO DO SURDO NO ENSINO TÉCNICO: ESTUDO DE CASO
SOBRE A INTERAÇÃO NA CENA PEDAGÓGICA1
BAYER, Elis Regina2;AMARAL, Joseane3
Resumo
O artigo apresenta um estudo sobre a relação dos professores da turma de 2º ano do curso
Proeja Alimentos do Instituto Federal Farroupilha – Panambi/RS com o aluno surdo que a
integra e suas implicações no processo de inclusão. A investigação foi conduzida através de
estudo de caso e pesquisa de campo, com abordagem qualitativa e exploratória. Os dados
foram obtidos com observação participante e aplicação de questionários aos sujeitos. Esses
dados são apresentados e intermeados com apontamentos teóricos e reflexões, em três
temáticas: a escola inclusiva; a relação professor-aluno; os sujeitos da relação na inclusão do
surdo. Os resultados demonstram que o processo de inclusão do aluno está em andamento,
mas deve ser aperfeiçoado.
Palavras-chave: Surdo. Ensino. Inclusão. Professor.
Abstract
This article presents a study about the relationship between the teachers of second year of the
Young Adult Education (PROEJA) at Instituto Federal Farroupilha – Panambi, with a deaf
student included, in a regular classroom. The case study investigation was too a qualitative
and exploratory field research. Data were collected through participant observation and
questionnaires. These data are permeated with theoretical notes and reflections about: the
inclusive school, the teacher-student relationship, the subjects of the relationship in the deaf
inclusion. Results demonstrate some progress on inclusion with the deaf student, but this
process should be improved.
Keywords: Deaf. Education. Inclusion. Teacher.
Introdução
Neste artigo sintetizamos um estudo que aborda a relação dos professores da turma
de 2º ano do curso Proeja Alimentos do Instituto Federal Farroupilha – campus Panambi, com
o aluno surdo que a integra, e as implicações dessa relação no processo de inclusão. Sujeitos
1
Artigo Científico de Conclusão do Curso de Especialização em Docência na Educação Profissional Técnica e
Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Panambi.
2
Professora da Rede Municipal de Ensino de Panambi. Docente no Programa Aprendiz Cooperativo/Sescoop.
Graduada em Letras. Especialista em Leitura e Produção Textual (UNICRUZ) Especialista em Docência na
Educação Profissional Técnica e Tecnológica (IFF- Panambi). [email protected].
3
Orientadora. Professora do Instituto Federal Farroupilha - Campus Panambi. Graduada em Letras. Mestre em
Estudos Linguísticos (UFSM). [email protected].
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profundamente imbricados na efetivação da escola inclusiva, o aluno incluído, os educadores
e a intérprete de Libras foram convidados a falar, o que requer, além de reflexão, certa dose
de coragem para mostrar e generosidade para compartilhar.
Determinamos como objetivos definir teoricamente relação professor-aluno;
investigar aspectos legais da inclusão do surdo em classes de ouvintes; descrever os sujeitos
que integram o caso em estudo; conceituar inclusão com base em estudos recentes e
relevantes; além de investigar e analisar estratégias e procedimentos desenvolvidos pelos
professores com o aluno surdo.
O corpo do artigo apresenta a síntese dos dados obtidos com os questionários, bem
como o resultado das observações de aulas, o que é analisado com base em autores dedicados
ao estudo das temáticas pertinentes a esta pesquisa. Os resultados de nossa investigação
aparecem inter-relacionados às respostas dos questionários e à síntese das observações, com
apontamentos teóricos e reflexões, dispostos em três temáticas: a relação professor-aluno
(ARROYO, 2000; MEIRIEU, 2005); a escola inclusiva (BRASIL, 2008; MANTOAN, 2009;
KELLMANN e BUZAR, 2012); os sujeitos que integram o caso em estudo (THOMA e
HILLESHEIM, 2011; RODRIGUES e SILVÉRIO, 2011). Durante a exposição das temáticas,
analisamos as estratégias e procedimentos desenvolvidos pelos professores com o aluno surdo
(DÍAZ e ROCHA, 2011; VIGOTSKY, 1991) e procuramos concluir com contribuições ao
processo de inclusão na realidade investigada e com a indicação da importância de
prosseguirmos neste estudo.
Metodologia
A pesquisa foi conduzida através de estudo de caso, com caráter de pesquisa de
campo, sendo que buscamos uma visão global da relação professor - aluno bem como
identificar fatores que a perpassam e contribuem ou não no processo de inclusão, na sala de
aula. Optamos pela abordagem qualitativa, procurando evidenciar a relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, o que não pode
ser traduzido em números. Nesta perspectiva, buscamos atribuir significados aos elementos
resultantes do estudo, obtidos através de questionários e de observação participante. Além
disso, definimos a investigação como exploratória porque a temática da inclusão do aluno
surdo no ensino médio profissionalizante ainda carece de publicações e constitui uma área em
que nossa atuação e conhecimento são rudimentares, suscitando aprofundamento. (MINAYO,
2008).
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Resultados e discussões
A escola inclusiva
Para dialogar com os docentes que se dispuseram a responder sobre um tema ainda
denso, salientamos que foi a adoção da proposta de educação para todos que despertou no
Brasil o interesse pela temática da inclusão. Apenas no início dos anos 2000 a escola passou a
refletir sobre o desejo que já impregnava a sociedade, cabendo à instituição encontrar formas
de receber e de ensinar a todos, superando o paradigma da integração-normalização e
assumindo o da integração-inclusão. (THOMA e HILLESHEIM, 2011). Em 2008 foi
elaborada pelo MEC a nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), orientando a obrigatoriedade da educação escolar
regular para todas as crianças.
A obrigatoriedade sustenta-se em estudos como os de Mantoan (2009, s.p.), para
quem “inclusão é estar com, é interagir com o outro, e sem essa perspectiva muitos sujeitos
estariam condenados à cidadania pela metade”. Quanto à capacitação ou formação pedagógica
para incluir que passa a preocupar os docentes da educação inclusiva, a autora afirma que:
O papel do professor é ser regente de classe, e não especialista em deficiência. Essa
responsabilidade é da equipe de atendimento especializado. Não pode haver
confusão. Uma criança surda, por exemplo, aprende com o especialista em libras
(língua brasileira de sinais) e leitura labial. Para ser alfabetizada em língua
portuguesa para surdos, conhecida como L2, a criança é atendida por um professor
de língua portuguesa capacitado para isso. A função do regente é trabalhar os
conteúdos, mas as parcerias entre os profissionais são muito produtivas.
(MANTOAN, 2009, s.p.).
A autora indica como proceder para efetivar a inclusão e as estratégias sugeridas
auxiliam na superação do paradigma integração-normalização em favor da integraçãoinclusão. Para alguns dos professores da turma em que realizamos nosso estudo, incluir
significa oferecer oportunidades iguais de crescimento pessoal e profissional, além de
proporcionar uma inclusão social, ou seja, promover a integração dos indivíduos na
sociedade; tornar aquele que tem alguma deficiência participante do processo comum de
aprendizagem, dando condições para que ele a atinja. Um dos profissionais reflete sobre o
tema em seus vários aspectos:
Sinto emoção quando observo a força de vontade do aluno em estar presente em
todas as aulas; cautela ao perceber que há vários outros problemas envolvidos neste
processo de inclusão; e preocupação quando não se tem as condições ideais para
oferecer ao aluno um ensino diferenciado – a começar porque, neste caso, o nível de
compreensão do estudante é limitado, e suas lacunas de alfabetização prejudicam o
processo. (PROFESSOR 1).
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Outros professores afirmaram que a tentativa de inclusão é boa, mas existe
parcialmente, pois nem sempre há o intérprete acompanhando e, com isso, há dificuldade na
comunicação. Além disso, o aluno está incluído em termos sociais, de relacionamento, mas
como não é alfabetizado em Libras nem em português há dificuldade na inclusão. Mais de um
docente referiu-se ao aluno como apresentando alguma diferença além da surdez, deficiência
na aprendizagem ou deficiência mental, dificultando a inclusão no nível de ensino em que se
ele encontra.
A relação professor-aluno
Durante nossa pesquisa de campo, constatamos que os professores dirigem-se poucas
vezes ao surdo e não evidenciam preocupação com os diferentes estilos de aprendizagem, pois
em geral as atividades propostas são as mesmas para toda a turma e a diferença para o surdo é
a interpretação e o uso de recursos visuais em algumas aulas. Mesmo quando há bastante
comunicação entre o professor e os alunos, o surdo raramente comunica-se com alguém que
não a intérprete. Nesse sentido, para Kelman e Buzar (2012), o estudante pode tornar-se
invisível em sala de aula, quando está excluído do cotidiano da sala, excluído do conteúdo
acessível aos demais ou quando fica constantemente sem fazer nada.
As autoras questionam o acesso à comunicação e à informação, além do acesso ao
aprendizado, demonstrando preocupação quanto a evidências de que o surdo possa estar sendo
ignorado e isolado geográfica ou linguisticamente. Vigotsky (1983, apud KELMAN e
BUZAR, 2012) considera a surdez muito grave do ponto de vista social e afirma que o
educador precisa enfrentar suas consequências e não a surdez em si, por exemplo, garantindo
comunicação fluente entre pares surdos e ouvintes.
Acreditamos que as relações entre os sujeitos na sala de aula podem ser favorecidas
pela metodologia de trabalho do professor, que pode incluir propostas de organização da
turma. Pela observação, em regra os alunos sentam-se individualmente, um atrás do outro,
sendo que o aluno surdo na primeira classe de uma das fileiras, com a intérprete sentada de
frente para ele. A partir disso podemos pensar sobre que tipo de relações favorecemos em sala
de aula, especialmente quando nos preocupamos em qualificar o processo inclusivo, pois “a
interação fica empobrecida pelo formalismo, pelo silêncio dos alunos. Até pela ordem das
carteiras [...].” (ARROYO, 2000, p. 165). Além disso, na formação de grupos, no trabalho
individual, durante o questionamento e durante o silêncio há ensino intencional e ensino sem
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intenção, neste último incluem-se em geral valores e condutas, portanto, campo fértil para a
inclusão ou para a exclusão.
Os sujeitos da relação professor-aluno na inclusão do surdo
O professor
O respeito à diferença e a integração socioafetiva efetivam-se nas relações
estabelecidas no cotidiano da sala de aula, portanto, sob a gestão do docente. Por outro lado,
consideramos que a relação professor-aluno em todos os contextos, inclusive na educação
profissional, é influenciada por aspectos como o tamanho das turmas, a diversidade, as
propostas de trabalho e a intervenção direta do professor, dentre outros. Além disso, sabemos
que todas as decisões e práticas no contexto educativo estão ligadas a pressupostos teóricometodológicos construídos sob influência histórica.
Para problematizar a relação professor-aluno, além da perspectiva de escola inclusiva
e do perfil do bom profissional, abordamos o fato de que quando os educadores empenham-se
com educandos com necessidades especiais, inventam soluções que se tornam benéficas para
todo o sistema (MEIRIEU, 2005), por outro lado, quando inexiste por parte do professor
expectativa pedagógica quanto ao aprendizado do surdo ou quando permite que este
aprendizado seja limitado pelas escolhas lexicais, semânticas e sintáticas do intérprete há
prejuízos para o processo ensino-aprendizagem. (KELLMANN e BUZAR, 2012).
Neste contexto, é preciso enfatizar que ser professor de língua portuguesa, de
literatura, de física, de geografia e de tantos outros componentes curriculares que constituem a
educação básica e, especificamente, o ensino médio profissionalizante, ser educador formando
cidadãos, requer que utilizemos um tempo maior para pensar os processos mediadores do que
para pensar o que ensinar.
Nesse sentido, compartilhamos a ideia de que o trabalho do professor inclui alguns
deveres, conforme Arroyo (2000), como a capacidade de escutar atentamente a realidade
daqueles com quem trabalha, de eliminar estruturas e rituais excludentes e seletivos e criar
condições de interação. Para isso, ele precisa de ousadia pedagógica para repensar conteúdos
de forma a dar conta do que a ampliação de direitos trouxe à educação e desapegar-se das
amarras do conteudismo. Isso é complexo, uma vez que somos professores formados na
lógica da centralidade da ciência, das letras e do conhecimento. (ARROYO, 2000).
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Os professores indagados para nossa pesquisa responderam que pensam no aluno
surdo ao planejar, que incluem imagens nas aulas, pois o conteúdo deve ser mais visual, com
materiais diferenciados, “pois não se trata de mera adaptação, mas sim de considerar o nível
de aprendizagem do aluno e suas deficiências de alfabetização”. (PROFESSOR 1). Também
houve colocação quanto a aproximar o conteúdo da realidade do aluno. Vislumbramos nos
pronunciamentos a centralidade que os conteúdos de ensino ocupam em nossa prática,
entretanto, percebemos também a preocupação sobre como ensinar. Além disso, encontramos
nas respostas a percepção dos professores quanto à evolução lenta do aluno, demonstrando
que sua diferença talvez não resida apenas na surdez e que um diagnóstico quanto ao seu
potencial intelectual, de que não dispõem, é importante e poderia definir as características da
adaptação de seu ensino.
Observamos sete aulas diferentes e mais da metade não estava adaptada ao surdo, era
apenas traduzida. Sobre a adaptação do material, as respostas que obtivemos afirmam que ela
não pode se dar no mesmo nível cognitivo dos demais, devido às dificuldades de
aprendizagem do aluno e às lacunas de alfabetização, tanto em Libras quanto em língua
portuguesa, o que torna a maioria das atividades sem sentido, uma vez que não há
compreensão. Lembramos que “com a proposta de escola inclusiva determinam-se as
adaptações curriculares que devem ocorrer para desenvolver um sujeito capaz de resolver
problemas, de gerir a si mesmo de forma saudável e independente.” (THOMA e
HILLESHEIM, 2011, p. 134).
Para abordar a metodologia, os professores relataram seus procedimentos nas aulas
em relação ao aluno surdo, dizendo que corriqueiramente entregam o material à intérprete e,
após a comunicação dela com o aluno, acompanham a execução das atividades, paralelamente
ao andamento da aula, fornecendo as explicações e observando como o aluno desenvolve as
tarefas. Houve ainda referência ao uso de elementos da cultura do aluno.
Ao falar dos recursos necessários para as aulas, percebemos a inquietação do docente
que se encontra desafiado a coordenar o processo de aprendizagem do aluno surdo sem
possuir capacitação para isso, num contexto de legitimação da cultura ouvinte, em que é
inegável o alto status linguístico da língua portuguesa em relação à língua de sinais, que
muitas vezes é usada apenas como agente normalizador do surdo (THOMA e HILLESHEIM,
2011). A linguagem produz significados, por isso a presença da cultura surda é imperativa,
exigida pelo surdo, mas também utilizada como forma de atraí-lo para integrá-lo à cultura
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majoritária, muitas vezes de forma simplificada com a mera tradução da cultura ouvinte e de
seus conteúdos.
Segundo Thoma e Hillesheim (2011), os resultados educacionais são mais positivos
quando os sujeitos surdos têm acesso à língua de sinais, que não pode ser reduzida a um
recurso, entretanto, não pesquisamos como o docente compreende esta questão. Durante a
observação de aulas, investigamos se o docente utiliza recursos visuais e se esses são
adequados aos alunos. Além disso, preocupamo-nos com a existência de um plano reserva
para o caso de a intérprete não estar disponível. Vimos que quatro professores utilizaram
figuras e vídeos, em três aulas não percebemos a presença destes elementos. Por outro lado,
não havia plano reserva em nenhum caso, sendo que a intérprete e a língua de sinais na
tradução configuram-se como recursos indispensáveis para o andamento das aulas no contexto
investigado.
A intérprete/tradutora de Libras
A legislação brasileira, através do Decreto 5626, de 22 de dezembro de 2005,
determina que o atendimento educacional especializado seja garantido com a presença de
tradutor e intérprete de Libras - língua portuguesa; professor para o ensino de língua
portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e que o professor regente de classe
tenha conhecimento acerca da singularidade linguística dos alunos surdos. Quanto ao
intérprete, precisa ter formação de tradutor e intérprete com aprovação em exame de
proficiência promovido pelo Ministério da Educação. Este profissional pode atuar nos
processos seletivos na instituição de ensino, nas salas de aula e apoiando o acesso aos serviços
e atividades da instituição de ensino. (BRASIL, 2005).
Na turma investigada, um professor revelou que tem um diálogo estreito com a
intérprete sobre o andamento das atividades, elaboração de propostas diferenciadas e maneiras
de trabalhar determinados conteúdos e desenvolver habilidades com o aluno. Todos os demais
afirmaram que a interação com a intérprete se restringe a solicitar que descreva ou repasse
uma situação ou a explicar-lhe a dinâmica da aula para que esclareça ao aluno.
Rodrigues e Silvério (2011) definem as atividades bem como as competências da
intérprete, que são: interpretação simultânea; compartilhamento da função educacional do
professor da turma; a função de educar o aluno, especialmente quando o indivíduo está
adquirindo a língua de sinais; deve possuir competência comunicativa e tradutória;
conhecimentos didáticos e pedagógicos intrínsecos ao campo educacional; além de
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conhecimento dos conteúdos disciplinares; dominar diferentes abordagens metodológicas;
atuar cooperativamente com o professor; possuir formação superior/ licenciatura é o ideal;
reorganizar com o docente o espaço para que todos se vejam; não responder ao professor no
lugar do aluno ou vice-versa, para favorecer a interação.
A intérprete que atua com mais regularidade na turma em questão definiu sua função
como mediadora da comunicação, sendo que deve traduzir tudo que é ensinado para Libras,
língua natural do surdo; ela afirma, porém, que o aluno tem dificuldades e não domina a
língua de sinais. Para Rodrigues e Silvério (2011), a partir do ensino médio a atuação do
intérprete deve concentrar-se mais na interpretação e na colaboração com o professor, não
assumir a função deste, além disso, o ideal é que possua formação condizente e que em
conjunto definam papéis.
A tradutora de Libras falou ainda sobre inclusão, comentando que a instituição que
recebe um aluno especial deve estar preparada e disposta a mudanças. No caso em estudo, os
conteúdos precisam ser adequados ao entendimento do aluno, repassados antecipadamente ao
intérprete para que estude os sinais, deve ser usado muito recurso visual e o surdo precisa
sentir-se inserido, aceito pelos professores. Considerando que a maioria dos docentes oferece
o mesmo conteúdo da turma para o aluno, com muito texto, sem recurso visual ou
pouquíssimo, a tradutora vê o processo de inclusão muito dificultado. Aponta que o aluno tem
ótimas notas porque as provas são facilitadas, baseadas no mínimo que ele sabe, o que ela
considera injusto em relação ao restante da turma e incompatível com todo conteúdo
estudado.
O aluno surdo
A pessoa surda é aquela que, por possuir perda auditiva, compreende e interage com
o mundo por meio de experiências visuais e manifesta sua cultura através da Língua Brasileira
de Sinais – Libras (BRASIL, 2005). O aluno surdo sujeito desta pesquisa possui perda
auditiva total, é um adulto de 26 anos que frequentou escolas desde a infância, tendo sido
aluno de uma escola especial até 2007, quando passou a cursar o Ensino Fundamental na
modalidade Educação de Jovens e Adultos, em uma escola da rede estadual de ensino. Em
2012, ingressou no Instituto Federal Farroupilha, no Curso Técnico em Alimentos na
modalidade Proeja, em que cursa atualmente o segundo ano. Apesar da longa vida estudantil,
não evidencia fluência em Libras, sua primeira língua, possui vocabulário escrito muito
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restrito em língua portuguesa, não estando plenamente alfabetizado, e demonstra lacunas em
relação aos conteúdos dos diversos componentes curriculares.
Os estudos de Vigotsky (1991) fazem referência ao papel central da linguagem para a
constituição do pensamento, da percepção e da memória, o que nos permite colocar a falta de
fluência linguística como uma problemática no processo de inclusão do surdo que não domina
Libras, vivenciando dificuldades de interação, de inserção e de aprendizagem. Outra
contribuição que trazemos de Vigotsky (1991) é de que o ensino de leitura e de escrita, no
caso Libras e português, tem que ser organizado de forma que se tornem necessários ao
indivíduo e que seja possível fazer a transição de um tipo de linguagem escrita para outro.
Em uma entrevista que realizamos para fundamentar atividades de estágio na turma,
com a tradução da Intérprete, o aluno revelou que não gosta de português porque é difícil para
ele e que nunca pega livros nem para olhar, exceto gibis. A partir do que ele coloca, citamos
que “[...] existe a polêmica quanto à educação de surdos em relação ao ensino do Português
(oral ou escrito), uma questão política, cultural” (DÍAZ e ROCHA, 2011, p.115), ou seja,
justamente por esse sentimento que o surdo manifesta quando obrigado pelo sistema escolar a
aprender e interagir através de uma língua que lhe é estranha, algumas comunidades surdas
colocam-se contrárias a esse ensino e defendem que toda aprendizagem ocorra através de
Libras, mais que isso, que a cultura surda em geral se sobressaia em relação à cultura ouvinte.
O educando surdo afirmou também que quando encontra livros, revistas e até mesmo
xerox com Libras sente-se feliz, então, percebemos desconforto e menor interesse do aluno
em relação à aprendizagem de português e um apelo pelo acesso a materiais com a língua
brasileira de sinais. De suas respostas ao questionário, depreendemos que gosta de atividades
práticas, como jogos de matemática, de outros materiais manuseáveis e um pouco de
projeções, mas que não gosta que escrevam rápido e que precise copiar, de xerox que não
entenda, de palavras difíceis de algumas disciplinas e de questionamentos dos professores
que ele não compreenda.
Quanto ao relacionamento, pouco participa de conversas, não sabe os nomes dos
colegas; não se relaciona com os demais surdos da Instituição, apenas os conhece de vista;
apesar disso, enfatizou que é bom estar no Instituto à noite. Destacamos a evidente
problemática da comunicação, porque ele não domina Libras, manifesta dificuldade de
compreensão dos conteúdos das disciplinas, pouco interage com os professores e se vê
constantemente solicitado a interagir com materiais em língua portuguesa.
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O bilinguismo que traz o benefício da tradução simultânea de aulas ainda não se
efetiva satisfatoriamente na escola porque sobrepõe a língua portuguesa a Libras no ensino do
surdo. Por razões que não intencionamos investigar com esta pesquisa, muitos materiais não
são adaptados para o aluno e vários momentos das aulas não trazem elementos visuais. Além
do reconhecimento de que o surdo vê o mundo de forma diferente do ouvinte e de que
conhecer e interagir, para ele, se dá através de estratégias e recursos próprios de sua cultura, é
preciso cuidado com uma prática escolar que ofereça educação em níveis qualitativos e
quantitativos inferiores para o surdo, ainda que ele possua diagnóstico de deficiência
intelectual (DÍAZ e ROCHA, 2011).
Para Vigotsky (1991), o desenvolvimento mental só pode ser determinado ao se
revelarem o que ele denomina como nível de desenvolvimento real e nível de
desenvolvimento proximal, o primeiro composto por aquilo que o sujeito consegue fazer por
si mesmo, e o segundo sendo o que o indivíduo consegue fazer com a ajuda de outros. O
potencial do sujeito, portanto, concorre para a definição de seu nível intelectual ou de sua
idade mental. Além disso: “[...] o aprendizado desperta vários processos internos de
desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas
em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros”. (VIGOTSKY, 1991, p. 60).
Nesse ponto retomamos a importância de situações escolares que favoreçam as relações entre
os sujeitos.
Conclusão
As relações no cotidiano da sala de aula ocorrem fundamentalmente na inclinação
humana para a interação com os outros. Nesse sentido, a relação professor-aluno deve ser
pensada como um dos processos que viabilizam o intercâmbio humano indispensável ao
aprendizado de valores, competências e conhecimentos. Na escola inclusiva, perspectiva legal
e filosófica em que o Instituto Farroupilha se insere, o grupo heterogêneo é a realidade
escolar, entretanto, para favorecer a inclusão do surdo, intercalar grupos, de ouvintes e de
surdos, é a melhor forma de evitar o isolamento, que pode se dar tanto na relação apenas com
uns quanto na relação somente com outros.
As relações inclusivas resultam do ensinar com comprometimento (FREIRE, 1996)
que se mostra na presença perceptível do professor aos alunos na classe, sujeito que assume
posicionamentos e age com decisão, por isso, escuta atentamente a realidade daqueles com
quem trabalha e busca eliminar estruturas e rituais excludentes e seletivos para criar condições
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de interação. A escuta atenta da realidade do aluno permite ao educador conhecer sua
bagagem cultural e intelectual e utilizá-la para impulsionar a construção da aprendizagem.
Por outro lado, a inclusão não acontece sem o envolvimento de toda Instituição. Em
nosso estudo de caso percebemos a preocupação dos professores com a aprendizagem do
aluno surdo, por este evidenciar não memorizar o que estuda nem compreender alguns
conteúdos técnicos e científicos, por isso, alertamos para a urgência de que se busque
diagnosticar o nível de desenvolvimento deste aluno para além de sua surdez e, coletivamente,
definir meios para que o estudante tenha acesso a conhecimento e socialização suficientes
para aperfeiçoar seu processo inclusivo no ambiente escolar, bem como a instrumentos para a
cidadania como forma de inclusão social.
Nesse sentido, uma das formas de melhor inserir o aluno no processo de inclusão
seria promovendo atendimento educacional especializado no contraturno, com ênfase no
domínio de Libras. Sugerimos, ainda, discussões sobre as múltiplas identidades surdas,
cultura surda, surdos com deficiências associadas, inclusão e Libras, tendo em vista que nem
sempre conseguimos perceber o potencial do surdo e se o comparamos com os demais ele está
em desacordo com o aprendizado esperado e instituído para o nível e a modalidade de ensino
que frequenta. A Instituição, através dos sujeitos que a integram, especialmente o docente,
precisa atuar com disposição para aceitar não apenas percursos diferentes, mas resultados
diversos.
Esses são alguns dos desafios dos docentes e de todos os envolvidos na cena
pedagógica que investigamos, um desafio nosso inclusive. A partir do vivenciado bem como
da sistematização apresentada neste artigo, esperamos contribuir com o processo de açãoreflexão dos professores que atuam na Instituição que nos proporcionou esta experiência,
ainda que modestamente, além de contribuir com o estudo e o avanço em outros espaços
educacionais para onde pudermos levar nossas conclusões. Além disso, estamos certos de que
a cena pedagógica em questão nos oferece ainda um campo fértil para o aprofundamento
desta pesquisa.
Referências
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25
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