A INCLUSÃO DO SURDO NO ENSINO TÉCNICO: ESTUDO DE CASO SOBRE A INTERAÇÃO NA CENA PEDAGÓGICA1 BAYER, Elis Regina2;AMARAL, Joseane3 Resumo O artigo apresenta um estudo sobre a relação dos professores da turma de 2º ano do curso Proeja Alimentos do Instituto Federal Farroupilha – Panambi/RS com o aluno surdo que a integra e suas implicações no processo de inclusão. A investigação foi conduzida através de estudo de caso e pesquisa de campo, com abordagem qualitativa e exploratória. Os dados foram obtidos com observação participante e aplicação de questionários aos sujeitos. Esses dados são apresentados e intermeados com apontamentos teóricos e reflexões, em três temáticas: a escola inclusiva; a relação professor-aluno; os sujeitos da relação na inclusão do surdo. Os resultados demonstram que o processo de inclusão do aluno está em andamento, mas deve ser aperfeiçoado. Palavras-chave: Surdo. Ensino. Inclusão. Professor. Abstract This article presents a study about the relationship between the teachers of second year of the Young Adult Education (PROEJA) at Instituto Federal Farroupilha – Panambi, with a deaf student included, in a regular classroom. The case study investigation was too a qualitative and exploratory field research. Data were collected through participant observation and questionnaires. These data are permeated with theoretical notes and reflections about: the inclusive school, the teacher-student relationship, the subjects of the relationship in the deaf inclusion. Results demonstrate some progress on inclusion with the deaf student, but this process should be improved. Keywords: Deaf. Education. Inclusion. Teacher. Introdução Neste artigo sintetizamos um estudo que aborda a relação dos professores da turma de 2º ano do curso Proeja Alimentos do Instituto Federal Farroupilha – campus Panambi, com o aluno surdo que a integra, e as implicações dessa relação no processo de inclusão. Sujeitos 1 Artigo Científico de Conclusão do Curso de Especialização em Docência na Educação Profissional Técnica e Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Panambi. 2 Professora da Rede Municipal de Ensino de Panambi. Docente no Programa Aprendiz Cooperativo/Sescoop. Graduada em Letras. Especialista em Leitura e Produção Textual (UNICRUZ) Especialista em Docência na Educação Profissional Técnica e Tecnológica (IFF- Panambi). [email protected]. 3 Orientadora. Professora do Instituto Federal Farroupilha - Campus Panambi. Graduada em Letras. Mestre em Estudos Linguísticos (UFSM). [email protected]. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 14 profundamente imbricados na efetivação da escola inclusiva, o aluno incluído, os educadores e a intérprete de Libras foram convidados a falar, o que requer, além de reflexão, certa dose de coragem para mostrar e generosidade para compartilhar. Determinamos como objetivos definir teoricamente relação professor-aluno; investigar aspectos legais da inclusão do surdo em classes de ouvintes; descrever os sujeitos que integram o caso em estudo; conceituar inclusão com base em estudos recentes e relevantes; além de investigar e analisar estratégias e procedimentos desenvolvidos pelos professores com o aluno surdo. O corpo do artigo apresenta a síntese dos dados obtidos com os questionários, bem como o resultado das observações de aulas, o que é analisado com base em autores dedicados ao estudo das temáticas pertinentes a esta pesquisa. Os resultados de nossa investigação aparecem inter-relacionados às respostas dos questionários e à síntese das observações, com apontamentos teóricos e reflexões, dispostos em três temáticas: a relação professor-aluno (ARROYO, 2000; MEIRIEU, 2005); a escola inclusiva (BRASIL, 2008; MANTOAN, 2009; KELLMANN e BUZAR, 2012); os sujeitos que integram o caso em estudo (THOMA e HILLESHEIM, 2011; RODRIGUES e SILVÉRIO, 2011). Durante a exposição das temáticas, analisamos as estratégias e procedimentos desenvolvidos pelos professores com o aluno surdo (DÍAZ e ROCHA, 2011; VIGOTSKY, 1991) e procuramos concluir com contribuições ao processo de inclusão na realidade investigada e com a indicação da importância de prosseguirmos neste estudo. Metodologia A pesquisa foi conduzida através de estudo de caso, com caráter de pesquisa de campo, sendo que buscamos uma visão global da relação professor - aluno bem como identificar fatores que a perpassam e contribuem ou não no processo de inclusão, na sala de aula. Optamos pela abordagem qualitativa, procurando evidenciar a relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, o que não pode ser traduzido em números. Nesta perspectiva, buscamos atribuir significados aos elementos resultantes do estudo, obtidos através de questionários e de observação participante. Além disso, definimos a investigação como exploratória porque a temática da inclusão do aluno surdo no ensino médio profissionalizante ainda carece de publicações e constitui uma área em que nossa atuação e conhecimento são rudimentares, suscitando aprofundamento. (MINAYO, 2008). Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 15 Resultados e discussões A escola inclusiva Para dialogar com os docentes que se dispuseram a responder sobre um tema ainda denso, salientamos que foi a adoção da proposta de educação para todos que despertou no Brasil o interesse pela temática da inclusão. Apenas no início dos anos 2000 a escola passou a refletir sobre o desejo que já impregnava a sociedade, cabendo à instituição encontrar formas de receber e de ensinar a todos, superando o paradigma da integração-normalização e assumindo o da integração-inclusão. (THOMA e HILLESHEIM, 2011). Em 2008 foi elaborada pelo MEC a nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), orientando a obrigatoriedade da educação escolar regular para todas as crianças. A obrigatoriedade sustenta-se em estudos como os de Mantoan (2009, s.p.), para quem “inclusão é estar com, é interagir com o outro, e sem essa perspectiva muitos sujeitos estariam condenados à cidadania pela metade”. Quanto à capacitação ou formação pedagógica para incluir que passa a preocupar os docentes da educação inclusiva, a autora afirma que: O papel do professor é ser regente de classe, e não especialista em deficiência. Essa responsabilidade é da equipe de atendimento especializado. Não pode haver confusão. Uma criança surda, por exemplo, aprende com o especialista em libras (língua brasileira de sinais) e leitura labial. Para ser alfabetizada em língua portuguesa para surdos, conhecida como L2, a criança é atendida por um professor de língua portuguesa capacitado para isso. A função do regente é trabalhar os conteúdos, mas as parcerias entre os profissionais são muito produtivas. (MANTOAN, 2009, s.p.). A autora indica como proceder para efetivar a inclusão e as estratégias sugeridas auxiliam na superação do paradigma integração-normalização em favor da integraçãoinclusão. Para alguns dos professores da turma em que realizamos nosso estudo, incluir significa oferecer oportunidades iguais de crescimento pessoal e profissional, além de proporcionar uma inclusão social, ou seja, promover a integração dos indivíduos na sociedade; tornar aquele que tem alguma deficiência participante do processo comum de aprendizagem, dando condições para que ele a atinja. Um dos profissionais reflete sobre o tema em seus vários aspectos: Sinto emoção quando observo a força de vontade do aluno em estar presente em todas as aulas; cautela ao perceber que há vários outros problemas envolvidos neste processo de inclusão; e preocupação quando não se tem as condições ideais para oferecer ao aluno um ensino diferenciado – a começar porque, neste caso, o nível de compreensão do estudante é limitado, e suas lacunas de alfabetização prejudicam o processo. (PROFESSOR 1). Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 16 Outros professores afirmaram que a tentativa de inclusão é boa, mas existe parcialmente, pois nem sempre há o intérprete acompanhando e, com isso, há dificuldade na comunicação. Além disso, o aluno está incluído em termos sociais, de relacionamento, mas como não é alfabetizado em Libras nem em português há dificuldade na inclusão. Mais de um docente referiu-se ao aluno como apresentando alguma diferença além da surdez, deficiência na aprendizagem ou deficiência mental, dificultando a inclusão no nível de ensino em que se ele encontra. A relação professor-aluno Durante nossa pesquisa de campo, constatamos que os professores dirigem-se poucas vezes ao surdo e não evidenciam preocupação com os diferentes estilos de aprendizagem, pois em geral as atividades propostas são as mesmas para toda a turma e a diferença para o surdo é a interpretação e o uso de recursos visuais em algumas aulas. Mesmo quando há bastante comunicação entre o professor e os alunos, o surdo raramente comunica-se com alguém que não a intérprete. Nesse sentido, para Kelman e Buzar (2012), o estudante pode tornar-se invisível em sala de aula, quando está excluído do cotidiano da sala, excluído do conteúdo acessível aos demais ou quando fica constantemente sem fazer nada. As autoras questionam o acesso à comunicação e à informação, além do acesso ao aprendizado, demonstrando preocupação quanto a evidências de que o surdo possa estar sendo ignorado e isolado geográfica ou linguisticamente. Vigotsky (1983, apud KELMAN e BUZAR, 2012) considera a surdez muito grave do ponto de vista social e afirma que o educador precisa enfrentar suas consequências e não a surdez em si, por exemplo, garantindo comunicação fluente entre pares surdos e ouvintes. Acreditamos que as relações entre os sujeitos na sala de aula podem ser favorecidas pela metodologia de trabalho do professor, que pode incluir propostas de organização da turma. Pela observação, em regra os alunos sentam-se individualmente, um atrás do outro, sendo que o aluno surdo na primeira classe de uma das fileiras, com a intérprete sentada de frente para ele. A partir disso podemos pensar sobre que tipo de relações favorecemos em sala de aula, especialmente quando nos preocupamos em qualificar o processo inclusivo, pois “a interação fica empobrecida pelo formalismo, pelo silêncio dos alunos. Até pela ordem das carteiras [...].” (ARROYO, 2000, p. 165). Além disso, na formação de grupos, no trabalho individual, durante o questionamento e durante o silêncio há ensino intencional e ensino sem Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 17 intenção, neste último incluem-se em geral valores e condutas, portanto, campo fértil para a inclusão ou para a exclusão. Os sujeitos da relação professor-aluno na inclusão do surdo O professor O respeito à diferença e a integração socioafetiva efetivam-se nas relações estabelecidas no cotidiano da sala de aula, portanto, sob a gestão do docente. Por outro lado, consideramos que a relação professor-aluno em todos os contextos, inclusive na educação profissional, é influenciada por aspectos como o tamanho das turmas, a diversidade, as propostas de trabalho e a intervenção direta do professor, dentre outros. Além disso, sabemos que todas as decisões e práticas no contexto educativo estão ligadas a pressupostos teóricometodológicos construídos sob influência histórica. Para problematizar a relação professor-aluno, além da perspectiva de escola inclusiva e do perfil do bom profissional, abordamos o fato de que quando os educadores empenham-se com educandos com necessidades especiais, inventam soluções que se tornam benéficas para todo o sistema (MEIRIEU, 2005), por outro lado, quando inexiste por parte do professor expectativa pedagógica quanto ao aprendizado do surdo ou quando permite que este aprendizado seja limitado pelas escolhas lexicais, semânticas e sintáticas do intérprete há prejuízos para o processo ensino-aprendizagem. (KELLMANN e BUZAR, 2012). Neste contexto, é preciso enfatizar que ser professor de língua portuguesa, de literatura, de física, de geografia e de tantos outros componentes curriculares que constituem a educação básica e, especificamente, o ensino médio profissionalizante, ser educador formando cidadãos, requer que utilizemos um tempo maior para pensar os processos mediadores do que para pensar o que ensinar. Nesse sentido, compartilhamos a ideia de que o trabalho do professor inclui alguns deveres, conforme Arroyo (2000), como a capacidade de escutar atentamente a realidade daqueles com quem trabalha, de eliminar estruturas e rituais excludentes e seletivos e criar condições de interação. Para isso, ele precisa de ousadia pedagógica para repensar conteúdos de forma a dar conta do que a ampliação de direitos trouxe à educação e desapegar-se das amarras do conteudismo. Isso é complexo, uma vez que somos professores formados na lógica da centralidade da ciência, das letras e do conhecimento. (ARROYO, 2000). Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 18 Os professores indagados para nossa pesquisa responderam que pensam no aluno surdo ao planejar, que incluem imagens nas aulas, pois o conteúdo deve ser mais visual, com materiais diferenciados, “pois não se trata de mera adaptação, mas sim de considerar o nível de aprendizagem do aluno e suas deficiências de alfabetização”. (PROFESSOR 1). Também houve colocação quanto a aproximar o conteúdo da realidade do aluno. Vislumbramos nos pronunciamentos a centralidade que os conteúdos de ensino ocupam em nossa prática, entretanto, percebemos também a preocupação sobre como ensinar. Além disso, encontramos nas respostas a percepção dos professores quanto à evolução lenta do aluno, demonstrando que sua diferença talvez não resida apenas na surdez e que um diagnóstico quanto ao seu potencial intelectual, de que não dispõem, é importante e poderia definir as características da adaptação de seu ensino. Observamos sete aulas diferentes e mais da metade não estava adaptada ao surdo, era apenas traduzida. Sobre a adaptação do material, as respostas que obtivemos afirmam que ela não pode se dar no mesmo nível cognitivo dos demais, devido às dificuldades de aprendizagem do aluno e às lacunas de alfabetização, tanto em Libras quanto em língua portuguesa, o que torna a maioria das atividades sem sentido, uma vez que não há compreensão. Lembramos que “com a proposta de escola inclusiva determinam-se as adaptações curriculares que devem ocorrer para desenvolver um sujeito capaz de resolver problemas, de gerir a si mesmo de forma saudável e independente.” (THOMA e HILLESHEIM, 2011, p. 134). Para abordar a metodologia, os professores relataram seus procedimentos nas aulas em relação ao aluno surdo, dizendo que corriqueiramente entregam o material à intérprete e, após a comunicação dela com o aluno, acompanham a execução das atividades, paralelamente ao andamento da aula, fornecendo as explicações e observando como o aluno desenvolve as tarefas. Houve ainda referência ao uso de elementos da cultura do aluno. Ao falar dos recursos necessários para as aulas, percebemos a inquietação do docente que se encontra desafiado a coordenar o processo de aprendizagem do aluno surdo sem possuir capacitação para isso, num contexto de legitimação da cultura ouvinte, em que é inegável o alto status linguístico da língua portuguesa em relação à língua de sinais, que muitas vezes é usada apenas como agente normalizador do surdo (THOMA e HILLESHEIM, 2011). A linguagem produz significados, por isso a presença da cultura surda é imperativa, exigida pelo surdo, mas também utilizada como forma de atraí-lo para integrá-lo à cultura Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 19 majoritária, muitas vezes de forma simplificada com a mera tradução da cultura ouvinte e de seus conteúdos. Segundo Thoma e Hillesheim (2011), os resultados educacionais são mais positivos quando os sujeitos surdos têm acesso à língua de sinais, que não pode ser reduzida a um recurso, entretanto, não pesquisamos como o docente compreende esta questão. Durante a observação de aulas, investigamos se o docente utiliza recursos visuais e se esses são adequados aos alunos. Além disso, preocupamo-nos com a existência de um plano reserva para o caso de a intérprete não estar disponível. Vimos que quatro professores utilizaram figuras e vídeos, em três aulas não percebemos a presença destes elementos. Por outro lado, não havia plano reserva em nenhum caso, sendo que a intérprete e a língua de sinais na tradução configuram-se como recursos indispensáveis para o andamento das aulas no contexto investigado. A intérprete/tradutora de Libras A legislação brasileira, através do Decreto 5626, de 22 de dezembro de 2005, determina que o atendimento educacional especializado seja garantido com a presença de tradutor e intérprete de Libras - língua portuguesa; professor para o ensino de língua portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e que o professor regente de classe tenha conhecimento acerca da singularidade linguística dos alunos surdos. Quanto ao intérprete, precisa ter formação de tradutor e intérprete com aprovação em exame de proficiência promovido pelo Ministério da Educação. Este profissional pode atuar nos processos seletivos na instituição de ensino, nas salas de aula e apoiando o acesso aos serviços e atividades da instituição de ensino. (BRASIL, 2005). Na turma investigada, um professor revelou que tem um diálogo estreito com a intérprete sobre o andamento das atividades, elaboração de propostas diferenciadas e maneiras de trabalhar determinados conteúdos e desenvolver habilidades com o aluno. Todos os demais afirmaram que a interação com a intérprete se restringe a solicitar que descreva ou repasse uma situação ou a explicar-lhe a dinâmica da aula para que esclareça ao aluno. Rodrigues e Silvério (2011) definem as atividades bem como as competências da intérprete, que são: interpretação simultânea; compartilhamento da função educacional do professor da turma; a função de educar o aluno, especialmente quando o indivíduo está adquirindo a língua de sinais; deve possuir competência comunicativa e tradutória; conhecimentos didáticos e pedagógicos intrínsecos ao campo educacional; além de Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 20 conhecimento dos conteúdos disciplinares; dominar diferentes abordagens metodológicas; atuar cooperativamente com o professor; possuir formação superior/ licenciatura é o ideal; reorganizar com o docente o espaço para que todos se vejam; não responder ao professor no lugar do aluno ou vice-versa, para favorecer a interação. A intérprete que atua com mais regularidade na turma em questão definiu sua função como mediadora da comunicação, sendo que deve traduzir tudo que é ensinado para Libras, língua natural do surdo; ela afirma, porém, que o aluno tem dificuldades e não domina a língua de sinais. Para Rodrigues e Silvério (2011), a partir do ensino médio a atuação do intérprete deve concentrar-se mais na interpretação e na colaboração com o professor, não assumir a função deste, além disso, o ideal é que possua formação condizente e que em conjunto definam papéis. A tradutora de Libras falou ainda sobre inclusão, comentando que a instituição que recebe um aluno especial deve estar preparada e disposta a mudanças. No caso em estudo, os conteúdos precisam ser adequados ao entendimento do aluno, repassados antecipadamente ao intérprete para que estude os sinais, deve ser usado muito recurso visual e o surdo precisa sentir-se inserido, aceito pelos professores. Considerando que a maioria dos docentes oferece o mesmo conteúdo da turma para o aluno, com muito texto, sem recurso visual ou pouquíssimo, a tradutora vê o processo de inclusão muito dificultado. Aponta que o aluno tem ótimas notas porque as provas são facilitadas, baseadas no mínimo que ele sabe, o que ela considera injusto em relação ao restante da turma e incompatível com todo conteúdo estudado. O aluno surdo A pessoa surda é aquela que, por possuir perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais e manifesta sua cultura através da Língua Brasileira de Sinais – Libras (BRASIL, 2005). O aluno surdo sujeito desta pesquisa possui perda auditiva total, é um adulto de 26 anos que frequentou escolas desde a infância, tendo sido aluno de uma escola especial até 2007, quando passou a cursar o Ensino Fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos, em uma escola da rede estadual de ensino. Em 2012, ingressou no Instituto Federal Farroupilha, no Curso Técnico em Alimentos na modalidade Proeja, em que cursa atualmente o segundo ano. Apesar da longa vida estudantil, não evidencia fluência em Libras, sua primeira língua, possui vocabulário escrito muito Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 21 restrito em língua portuguesa, não estando plenamente alfabetizado, e demonstra lacunas em relação aos conteúdos dos diversos componentes curriculares. Os estudos de Vigotsky (1991) fazem referência ao papel central da linguagem para a constituição do pensamento, da percepção e da memória, o que nos permite colocar a falta de fluência linguística como uma problemática no processo de inclusão do surdo que não domina Libras, vivenciando dificuldades de interação, de inserção e de aprendizagem. Outra contribuição que trazemos de Vigotsky (1991) é de que o ensino de leitura e de escrita, no caso Libras e português, tem que ser organizado de forma que se tornem necessários ao indivíduo e que seja possível fazer a transição de um tipo de linguagem escrita para outro. Em uma entrevista que realizamos para fundamentar atividades de estágio na turma, com a tradução da Intérprete, o aluno revelou que não gosta de português porque é difícil para ele e que nunca pega livros nem para olhar, exceto gibis. A partir do que ele coloca, citamos que “[...] existe a polêmica quanto à educação de surdos em relação ao ensino do Português (oral ou escrito), uma questão política, cultural” (DÍAZ e ROCHA, 2011, p.115), ou seja, justamente por esse sentimento que o surdo manifesta quando obrigado pelo sistema escolar a aprender e interagir através de uma língua que lhe é estranha, algumas comunidades surdas colocam-se contrárias a esse ensino e defendem que toda aprendizagem ocorra através de Libras, mais que isso, que a cultura surda em geral se sobressaia em relação à cultura ouvinte. O educando surdo afirmou também que quando encontra livros, revistas e até mesmo xerox com Libras sente-se feliz, então, percebemos desconforto e menor interesse do aluno em relação à aprendizagem de português e um apelo pelo acesso a materiais com a língua brasileira de sinais. De suas respostas ao questionário, depreendemos que gosta de atividades práticas, como jogos de matemática, de outros materiais manuseáveis e um pouco de projeções, mas que não gosta que escrevam rápido e que precise copiar, de xerox que não entenda, de palavras difíceis de algumas disciplinas e de questionamentos dos professores que ele não compreenda. Quanto ao relacionamento, pouco participa de conversas, não sabe os nomes dos colegas; não se relaciona com os demais surdos da Instituição, apenas os conhece de vista; apesar disso, enfatizou que é bom estar no Instituto à noite. Destacamos a evidente problemática da comunicação, porque ele não domina Libras, manifesta dificuldade de compreensão dos conteúdos das disciplinas, pouco interage com os professores e se vê constantemente solicitado a interagir com materiais em língua portuguesa. Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 22 O bilinguismo que traz o benefício da tradução simultânea de aulas ainda não se efetiva satisfatoriamente na escola porque sobrepõe a língua portuguesa a Libras no ensino do surdo. Por razões que não intencionamos investigar com esta pesquisa, muitos materiais não são adaptados para o aluno e vários momentos das aulas não trazem elementos visuais. Além do reconhecimento de que o surdo vê o mundo de forma diferente do ouvinte e de que conhecer e interagir, para ele, se dá através de estratégias e recursos próprios de sua cultura, é preciso cuidado com uma prática escolar que ofereça educação em níveis qualitativos e quantitativos inferiores para o surdo, ainda que ele possua diagnóstico de deficiência intelectual (DÍAZ e ROCHA, 2011). Para Vigotsky (1991), o desenvolvimento mental só pode ser determinado ao se revelarem o que ele denomina como nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento proximal, o primeiro composto por aquilo que o sujeito consegue fazer por si mesmo, e o segundo sendo o que o indivíduo consegue fazer com a ajuda de outros. O potencial do sujeito, portanto, concorre para a definição de seu nível intelectual ou de sua idade mental. Além disso: “[...] o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros”. (VIGOTSKY, 1991, p. 60). Nesse ponto retomamos a importância de situações escolares que favoreçam as relações entre os sujeitos. Conclusão As relações no cotidiano da sala de aula ocorrem fundamentalmente na inclinação humana para a interação com os outros. Nesse sentido, a relação professor-aluno deve ser pensada como um dos processos que viabilizam o intercâmbio humano indispensável ao aprendizado de valores, competências e conhecimentos. Na escola inclusiva, perspectiva legal e filosófica em que o Instituto Farroupilha se insere, o grupo heterogêneo é a realidade escolar, entretanto, para favorecer a inclusão do surdo, intercalar grupos, de ouvintes e de surdos, é a melhor forma de evitar o isolamento, que pode se dar tanto na relação apenas com uns quanto na relação somente com outros. As relações inclusivas resultam do ensinar com comprometimento (FREIRE, 1996) que se mostra na presença perceptível do professor aos alunos na classe, sujeito que assume posicionamentos e age com decisão, por isso, escuta atentamente a realidade daqueles com quem trabalha e busca eliminar estruturas e rituais excludentes e seletivos para criar condições Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 23 de interação. A escuta atenta da realidade do aluno permite ao educador conhecer sua bagagem cultural e intelectual e utilizá-la para impulsionar a construção da aprendizagem. Por outro lado, a inclusão não acontece sem o envolvimento de toda Instituição. Em nosso estudo de caso percebemos a preocupação dos professores com a aprendizagem do aluno surdo, por este evidenciar não memorizar o que estuda nem compreender alguns conteúdos técnicos e científicos, por isso, alertamos para a urgência de que se busque diagnosticar o nível de desenvolvimento deste aluno para além de sua surdez e, coletivamente, definir meios para que o estudante tenha acesso a conhecimento e socialização suficientes para aperfeiçoar seu processo inclusivo no ambiente escolar, bem como a instrumentos para a cidadania como forma de inclusão social. Nesse sentido, uma das formas de melhor inserir o aluno no processo de inclusão seria promovendo atendimento educacional especializado no contraturno, com ênfase no domínio de Libras. Sugerimos, ainda, discussões sobre as múltiplas identidades surdas, cultura surda, surdos com deficiências associadas, inclusão e Libras, tendo em vista que nem sempre conseguimos perceber o potencial do surdo e se o comparamos com os demais ele está em desacordo com o aprendizado esperado e instituído para o nível e a modalidade de ensino que frequenta. A Instituição, através dos sujeitos que a integram, especialmente o docente, precisa atuar com disposição para aceitar não apenas percursos diferentes, mas resultados diversos. Esses são alguns dos desafios dos docentes e de todos os envolvidos na cena pedagógica que investigamos, um desafio nosso inclusive. A partir do vivenciado bem como da sistematização apresentada neste artigo, esperamos contribuir com o processo de açãoreflexão dos professores que atuam na Instituição que nos proporcionou esta experiência, ainda que modestamente, além de contribuir com o estudo e o avanço em outros espaços educacionais para onde pudermos levar nossas conclusões. Além disso, estamos certos de que a cena pedagógica em questão nos oferece ainda um campo fértil para o aprofundamento desta pesquisa. Referências ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 8.ed. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000. BRASIL. Presidência da República. Decreto 5.626/2005. Regulamenta a Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol.1 n°1 24 no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. 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