0.14 Um aparte relevante: a lei de Ohm

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0.14. UM APARTE RELEVANTE: A LEI DE OHM
0.14
61
Um aparte relevante: a lei de Ohm
Na secção 0.10, optámos por apresentar as definições gerais de densidade de corrente
e a equação de continuidade, que relaciona a densidade de corrente j com a densidade
em cada ponto, traduzindo a lei da conservação da carga eléctrica. Existe no entanto um
importante resultado empı́rico que afirma que a intensidade de corrente I que se estabelece
num material é directamente proporcional à diferença de potencial V aos seus terminais:
I ∝ V . Tradicionalmente, este resultado, conhecido por lei de Ohm costuma escrever-se
na forma:
V = RI
(187)
onde R designa a resistência entre os terminais. À primeira vista, e atendendo aos
resultados (160) e (162), este resultado é surpreendente. De facto, se admitirmos que
o campo é constante no interior do material, a diferença de potencial V entre os dois
terminais à distância L será V = E L, enquanto que a corrente é I = j A, onde j é a
densidade de corrente e A a secção do fio:
EL = RjA ⇔ j =
L
E ⇔ j = σE
RA
(188)
onde σ = 1/ρ se designa condutividade do material, sendo ρ a resistividade. A resistência exprime-se assim em função da resistividade como:
R=
ρL
A
(189)
O formulação a que chegámos é conhecida por forma local da lei de Ohm:
j = σE
(190)
O carácter surpreendente deste resultado reside no seguinte: a corrente, isto é a velocidade das cargas, é proporcional ao campo, isto é à força que age nas cargas. Parece
haver uma contradição com a segunda lei de Newton da mecânica, que afirma que é a aceleração que é proporcional à força; se assim fosse, esperaríamos que a corrente aumentasse
linearmente com o tempo sob acção de um campo constante. Há pois necessariamente a
intervenção de outra(s) força(s) no movimento das cargas eléctricas num material.
Na própria mecânica elementar são conhecidos casos em que a velocidade é proporcional à força aplicada, no caso do movimento na presença de atrito viscoso, como é o
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caso da velocidade terminal de um paraquedista ou da velocidade de sedimentação de
partı́culas num fluido. No caso das cargas eléctricas em movimento num material, o
”atrito viscoso” que dá origem à lei de Ohm radica nas colisões que os electrões sofrem
no seu trajecto, sobretudo com os iões da rede, mas também com os defeitos e impurezas.
A condutividade é assim uma medida macroscópica do tempo médio entre colisões.
Note-se que a lei de Ohm não é uma lei básica do electromagnetismo ou da fı́sica, mas
exprime antes uma caracterı́stica do comportamento de certos materiais.
0.15
Lei de Ampère.
Tendo calculado, na secção 0.12.1 o campo magnético criado por uma corrente rectilı́nea,
podemos facilmente calcular a respectiva circulação num circuito fechado C qualquer:
B · dl =
µ0 I
µ0 I
êφ · ρ dφêφ =
2πρ
2π
dφ
(191)
C
onde usámos o elemento de deslocamento em coordenadas cilı́ndricas e o campo obtido
anteriormente (eq. 183). Para o cálculo de C dφ, temos duas hipóteses:
• se o circuito C contornar o fio, temos simplesmente
2π
dφ =
dφ = 2π
(192)
0
C
pelo que
B · dl = µ0 I
(193)
C
• se o circuito não contornar o fio, será delimitado por dois ângulos φ1 e φ2 , sendo
então:
φ2
φ1
dφ =
dφ +
dφ = 0
(194)
C
φ1
φ2
Concluimos assim que a circulação do campo magnetostático num circuito C delimitando uma superfı́cie fechada S verifica:
C
B · dl =
µ0 I
se a corrente rectilı́nea atravessar S
0 se a corrente rectilı́nea não atravessar S
(195)
63
0.15. LEI DE AMPÈRE.
No caso de haver um conjunto de correntes rectilı́neas com orientações diversas, vale
então o seguinte:
B · dl = µ0 Iint
(196)
C
onde Iint representa a soma das correntes que atravessam a superfı́cie S delimitada
pelo circuito fechado C. Podemos reescrever este resultado em função da densidade de
corrente J e atendendo ao teorema de Stokes:
B · dl = µ0
C
S
J · dS ⇔
∇ × B · dS = µ0
S
J · dS
(197)
S
Donde, atendendo a que o circuito C, e logo a superfı́cie S, é arbitrário:
∇ × B = µ0 J
(198)
A equação (196) traduz a forma integral da lei de Ampère, enquanto que a equação
(198) traduz a respectiva forma local. Note-se que nos limitámos a demonstrar a lei
de Ampère para correntes rectilíneas, partindo da lei de Biot-Savart. É possı́vel, conforme indicaremos seguidamente, obter uma ”demonstração” mais geral. No entanto, em
última análise, quer a lei de Ampère quer a lei de Biot-Savart decorrem dos resultados
experimentais relativos a correntes constantes, constituindo resultados básicos. Alguns
autores preferem até apresentar directamente a lei de Ampère como uma lei básica da
magnetostática, dispensando a ”demonstração” a partir da lei de Biot-Savart.
Atenda-se ainda desde já ao seguinte aspecto, a que voltaremos mais tarde. Se calcularmos a divergência de ambos os membros da equação (198), obtemos:
∇ · (∇ × B) = µ0 ∇ · J ⇔ ∇ · J = 0
(199)
Este resultado recorda-nos que a lei de Ampère é uma lei básica da magnetostática,
mas que necessita necessariamente de correcção em situações electrodinâmicas em que
∂ρ/∂ t = 0.
64
0.16
A divergência do campo magnetostático
A forma circular fechada das linhas de campo magnético em torno de uma corrente rectilínea contrasta fortemente com a forma radial das linhas de campo electrostático geradas
por uma carga pontual e sugere que a divergência do campo magnético seja nula. Tal
não representa um resultado surpreendente, à luz da discussão inicial sobre a origem do
campo magnético, que advém do movimento de cargas eléctricas e não de quaisquer ”cargas magnáticas”. A própria lei de Biot-Savart/Ampère reflecte este facto. Vamos pois
verificar de seguida que, em geral, o campo magnético descrito pela lei de Biot-Savart é
efectivamente um campo de divergência nula (os campos com esta propriedades também
costumam designar-se solenoidais 19 ).
Para o cálculo de ∇ · B, comecemos por explicitar a equação (179) em coordenadas
cartesianas:
µ0
B(x, y, z) =
4π
τ
J(x , y , z ) × (r − r ) dx dy dz
|r − r |3
(200)
Note-se que o campo magnético é calculado na posição r = x êx + y êy + z êz , a partir
das correntes existentes nas posições r = x êx + y êy + z êz . A divergência do campo na
posição r está associada às derivadas nessa posição:
∇ · B(x, y, z) =
∂Bx (x, y, z) ∂By (x, y, z) ∂Bz (x, y, z)
+
+
∂x
∂y
∂z
(201)
Procedamos então ao cálculo da divergência:
µ0
∇ · B(x, y, z) =
4π
τ
∇·
J(x , y , z ) × (r − r ) dx dy dz
|r − r |3
(202)
Do cálculo vectorial, sabemos que ∇ · (J × r/r3 ) = (r/r3 ) · (∇ × J) − J · (∇ × (r/r3 )).
Relativamente a cada uma destas duas parcelas:
• o rotacional de J, ∇×J, é o operador nas coordenadas (x, y, z), das quais J(x , y , z )
não depende; logo, ∇ × J(x , y , z ) = 0.
• Do cálculo vectorial, sabemos também que:
r 1
1
∇× 3 =
∇×r−r×∇ 3
3
r
r
r
19
O campo magnético criado por um solenóide é o protótipo de um campo solenoidal...
(203)
0.16. A DIVERGÊNCIA DO CAMPO MAGNETOSTÁTICO
65
Mas ∇ × r = 0 (verifique!) e
1
∇ 3
r
=−
3r
r5
(204)
pelo que
r
3r
=0
∇× 3 =r×
r
r5
(205)
Concluı́mos assim, tal como havı́amos antecipado, que:
∇·B=0
(206)
Esta equação pode ser reescrita, usando o teorema de Gauss, como:
B · dS = 0
(207)
S
isto é, o fluxo do campo magnético através de uma qualquer superfı́cie fechada S é
sempre nulo. A equação (207), ou a sua equivalente eq. (206), constitui uma das equações
básicas do electromagnetismo e exprime o facto os campo magnéticos terem origem em
cargas eléctricas em movimento, e não em ”cargas magnéticas”.20
Por último, refira-se que o procedimento que adoptámos para o cálculo da divergência
de B a partir da lei de Biot-Savart escrita na forma da equação (179) pode ser reproduzido
para demonstrar de uma forma geral a lei de Ampère:
∇ × B = µ0 J
20
(208)
Esta é a ocasião em que os fı́sicos, embaraçados, começam a balbuciar expressões como ”spin” e
”monopolos magnéticos”. A presumı́vel existência de cargas monopolares magnéticas justificaria a quantização da carga eléctrica, de acordo com um argumento teórico proposto por Dirac. Não se encontraram
até à data quaisquer monopolos magnéticos, embora haja grandes esforços experimentais na sua detecção.
Quanto ao ”spin”, esse existe e é fonte de grande perplexidade: voltaremos ao assunto mais tarde.
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0.17
Condições de fronteira em superfı́cies
Nas secções 0.5.2 e 0.6.4 analisámos as condições de fronteira do campo electrostático
em superfı́cies de carga, as quais constituem um modelo aproximado das distribuiçẽs de
carga em algumas situações físicas importantes como os condutores. Da mesma forma,
também é importante analisar detalhadamente o comportamento da situação análoga
em magnetostática e verificar as condições de fronteira do campo magnetostático em
superfı́cies onde fluam correntes superficiais de carga.
0.17.1
Continuidade das componentes transversas do campo
magnético
Adoptando um procedimento semelhante ao adoptado na secção 0.5.2, e considerando a
equação (207), que assegura que o fluxo do campo magnético sobre uma superfı́cie fechada
é sempre nulo, rapidamente concluı́mos que as componentes do campo magnetostático
perpendiculares a uma superfı́cie qualquer são contı́nuas, verificando-se:
B1⊥ = B2⊥ ⇔ divS B = n̂ · (B2 − B1 ) = 0
(209)
onde n̂ é o versor perpendicular à superfı́cie apontando do lado 1 para o lado 2, onde
existem os campos B1 e B2 , respectivamente.
0.17.2
Descontinuidade das componentes do campo magnético
paralelas à superfı́cie
Adoptando um procedimento semelhante ao adoptado na secção 0.6.4, tal como esquematiza a figura 11 e considerando a lei de Ampère (eq. 196), obtemos uma equação semelhante à equação (76) para a circulação do campo magnético no circuito esquematizado:
B · dl = (B2 − B1 )d = µ0 K d
(210)
onde K é a densidade superficial de corrente no ponto da superfı́cie em análise. Concluı́mos assim que uma densidade superficial de corrente origina uma descontinuidade
µ0 K da componente do campo magneético paralela à superfı́cie:
B2 − B1 = µ0 K
(211)
0.17. CONDIÇÕES DE FRONTEIRA EM SUPERFÍCIES
67
K
B2
n
h
d
B1
Figure 11: Esquema para o cálculo da circulação do campo magnético nas proximidades
de um ponto de uma superfı́cie transportando uma corrente superficial K. O campo
magnético nas proximidades do ponto é B1 e B2 em cada lado da superfı́cie. A circulação está orientada no sentido anti-horário, definindo o circuito uma superfı́cie que
está orientada de acordo com a regra da mão direita, através do versor unitário n̂.
O campo magnético altera pois a sua direcção, motivo pelo qual este fenómeno é por
vezes também designado refracção do campo magnético numa densidade superficial de
corrente.
Atendendo à orientação usual da circulação e da superfı́cie que nela assenta, tal como
exprime a figura 11, podemos ainda reescrever a equação (211) da seguinte forma:
n̂ × (B2 − B1 ) = µ0 K ⇔ rotS B = µ0 K
(212)
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