Filosofia Nova9

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Immanuel Kant: La utopía moral como emancipación del azar
ARAMAYO, Roberto R. Immanuel Kant: La utopía moral como emancipación del azar. Spain: EDAF, 2001. 220 p.
Leyserée Adriene Fritsch Xavier1
Com seu estilo claro e cativante, Aramayo se propõe a pensar em
seu livro, Immanuel Kant - La utopía moral como emancipación del azar,
sobre as duas últimas perguntas kantianas, quanto ao “que devo fazer” e
“que posso esperar”, utilizando, para tanto, trabalhos de Kant sobre a
mentira e sobre a felicidade. Para discutir esta última, Aramayo utiliza o
personagem de Ulisses e a metáfora de uma embarcação com seus tripulantes navegando nos mares da ética. A linha de pensamento que segue é
de que apesar de Kant se referir a uma felicidade negativa, acabou sem
poder se desvincular da concepção positiva dela. Aramayo se preocupa
em demonstrar o ponto de vista segundo o qual é possível a emancipação
do acaso por meio da prática moral. Fala-nos, também, sobre o princípio
“elpidológico” e sobre a Cosmólopolis, uma confederação mundial de Estados fundada em um direito cosmopolita republicano.
Aramayo estrutura seu texto em duas partes. A primeira, com o
título “La utopia moral como emancipación del azar”, compreende treze
subtítulos, iniciando por “Sucinto esbozo biográfico” de Kant, passando
por “Um corolário del formalismo ético kantiano: el imperativo elpidológico” e terminando com “Los problemas de Kant com la censura prusiana y el papel del filósofo”. A presente resenha tratará desta primeira
parte. A segunda constitui-se por uma coletânea de textos de Kant, abordando 26 temas, recortados a partir do objeto de interesse do livro, tais
como, “Platão”, “Epicuro/ Los estóicos”, “Amistad”, “Libertad”, “La voz
del deber”, “Guerra y paz” e “Ante la Revolución francesa”. A bibliografia
traz os “Escritos de Kant y sus traducciones al español” que se divide em
uma apresentação cronológica, em que menciona os livros, opúsculos,
resenhas, lições e escritos inéditos de Kant e uma ordenação temática na
qual as obras de Kant são organizadas em torno de temas, tais como,
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“Teoria del conocimiento”, onde cita, entre outras, a “Crítica de la razón
pura” e, “Ética”, com a “Fundamentación de la metafísica de las costumbres”. Ainda na bibliografia, dispomos de uma relação da literatura secundária de Kant em espanhol, também separada por temas e incluindo
biografias, exposições de conjunto e filosofia da história.
No esboço biográfico de Kant, Aramayo se refere à carência de
elementos peculiares na vida do filósofo que, ao contrário de outros,
como Nietzsche e Voltaire, era metódico, rotineiro e pontual, além de ser
muito reservado em se tratando de sua pessoa. Quase nada se sabe de
sua mocidade, além de que teve duas oportunidades de se casar, no
entanto, permanecendo só. Socialmente era bem-sucedido, com sua mesa
guarnecida por vinhos e amigos, além das cartas de baralho. Nestes
momentos, o pensador procurava se desviar dos problemas filosóficos,
demonstrando possuir conhecimentos em outros assuntos.
Diferentemente de Goethe, cujo nascimento, assim consta, fora
favorecido pela confluência astral, a origem de Kant foi modesta e nem
o ambiente familiar nem sua terra natal se mostraram solo fértil àquela
que fora sua grande paixão, a filosofia. Em 1770, alcançou a cátedra de
metafísica e de lógica. Um assistente o descreveu como um mestre da
humanidade, cujo discurso era rico em idéias e, ainda, permeado por
bom humor. Era um grande motivador de seus alunos e sabia tirar proveito de tudo em prol do conhecimento da natureza e do valor moral.
Este fato salienta bem as duas vertentes do pensamento kantiano, ou
seja, a do conhecimento da natureza ou epistemologia e a do valor moral
ou ética.
Foi a profunda imersão na leitura de Rousseau o que fez com
que Kant, pontual como era, se atrasasse para sair de casa. O Contrato
Social (1762) e O Emílio (1762) influenciaram em grande medida seu
pensamento. Assim com Hume o despertou do sono dogmático, Rousseau o liberta do torpor gnoseológico, tendo o mérito de apresentar a
Kant um universo novo de interesses, os problemas morais. Consta, em
uma das anotações de Kant, que seu sentimento de superioridade intelectual foi arrebatado pelo que aprendeu com Rousseau, a partir do que
sua tarefa reflexiva assumiu o valor de estabelecer os direitos da humanidade, orientando-o para a filosofia prática. Tal importância valeu a Rousseau um retrato na parede do escritório de trabalho de Kant. Foi, de fato,
um ponto de inflexão para a sua trajetória intelectual, marcando um
antes e um depois. No antes, temos um Kant debruçado sobre o conhe128
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cimento da natureza; no depois, seus interesses se tornam práticos, focados sobre os problemas morais e sobre o campo ético do ser humano.
Empenhou-se em colocar a ética no mesmo patamar científico que as
ciências físicas alçaram após Newton.
Formulou na Crítica de la razón pura as três questões quanto a
“o que se pode saber”, “o que se deve fazer” e “o que se deve esperar”.
No presente livro, Roberto Aramayo se ocupa, preponderantemente, das
duas últimas perguntas situadas no âmbito da prática, campo ao qual o
próprio Kant passou a dar maior destaque. Para investigar “o que devo
fazer”, Aramayo faz uma análise dos textos kantianos que se referem à
mentira. Em Lecciones de ética (1924), a mentira é admitida em caso de
necessidade, onde se verifica a dificuldade de estabelecer critérios que
possam determinar quais são estes casos. Neste texto, o sujeito coagido
a declarar algo que poderá ser usado indevidamente, tem uma justificativa para mentir como forma de defesa. Em Sobre un presunto derecho
de mentir por filantropia (1797), Kant dá como exemplo a “mentira do
anfitrião”, na qual um amigo hospeda outro que está sendo procurado.
Diz-se a verdade sobre o paradeiro do amigo ou se recorre à mentira?
Kant se mostra enfático ao optar pela verdade e a mentira não é aceitável
em hipótese alguma. Neste caso, agindo imoralmente, o mentiroso poderia se comprometer como cúmplice, havendo o risco de ser chamado
para prestar contas, pois a mentira não pode ser controlada e pode levar
o sujeito a se enredar nela. Com isso, o sujeito se coloca nas mãos da
sorte ou do acaso que está fora do seu controle. O melhor a fazer é
recorrer a um princípio incondicionado e válido em qualquer circunstância. O caso de mentir por necessidade foi descartado e as exceções para
o cumprimento do dever não são mais aceitáveis. Segundo Aramayo, “La
opinión del Kant maduro difiere de la esgrimida en sus Lecciones de
ética (1924)”2 . Em Metafísica de las costumbres (1797), o exemplo é a
“mentira do mordomo”, no qual o dono da casa pede ao mordomo que
diga ao homem que o está procurando que ele não está. Neste texto, a
mentira é vista não só como contrária ao dever, mas, também, como
contrária ao dever para consigo mesmo, solapando a dignidade do sujeito. É reprovável mesmo que não prejudique outrem, pois o dever incondicionado não se subordina a nenhuma circunstância. Em Fundamentación de la metafísica de las costumbres (1785), a mentira pode servir para
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se compreender a diferença entre as máximas, individuais e subjetivas e
as leis, objetivas e universais, pois uma mentira nunca pode se tornar
uma norma universalmente válida. Aramayo frisa que o mais importante
não são as soluções que Kant deu aos problemas, mas a maneira com
que os formulou.
Na Crítica de la razón práctica (1788), Kant recorre ao exemplo de uma grande soma de dinheiro que, em decorrência da morte de
seu proprietário, permanece nas mãos de alguém cuja máxima é aumentar seu patrimônio. Demonstra que esta máxima não se sustenta como
lei. Mais tarde, em Teoría y práctica (1793), este mesmo exemplo é recolocado de forma mais dramática, onde a pessoa em posse do dinheiro e
sua família estão em apuros financeiros e aqueles a quem a soma pertence, não passam de uns ricaços asquerosos. A pessoa pode pensar em
devolver o dinheiro tendo em vista, talvez, uma recompensa. Porém,
para Kant, é repugnante qualquer tipo de cálculo de vantagens, pois se o
sujeito pensar numa recompensa, está se deixando guiar pelo critério da
felicidade em vez de atender o que lhe diz, de antemão, a lei moral. A
voz do dever tem uma potência maior do que o apelo da felicidade. O
herói moral kantiano, uma espécie de Ulisses amarrado ao mastro do
navio, para não ceder às tentações, deve ouvir o dever e virar as costas
ao chamado do cântico da felicidade. Aramayo desenha o próprio Kant
como essa figura de Ulisses enquanto não ignorante do poder de sedução da felicidade, então, não o desconsiderando. Mesmo com uma posição contrária ao eudemonismo, Kant acabou por evocar a felicidade. Nas
Reflexiones, conjunto de anotações de suas idéias entre 1771 e 1780,
constam considerações sobre o seu papel. É importante ressaltar que
Kant não propôs a renúncia à felicidade, vendo nesta um dever indireto.
Esclareceu que da sua carência pode advir a tentação à infração do dever
sendo, então, vital a eliminação dos obstáculos como as dores e adversidades. Assim, a felicidade passa a ser um meio indireto para se cumprir
os deveres morais. É considerar a felicidade alheia como um dever e a
felicidade própria como um dever mediato. Foi na Doctrina de la virtud
que Kant nos escreveu sobre os dois deveres fundamentais: a perfeição
do próprio ser e a felicidade dos outros, deveres que freqüentemente
são invertidos, preferindo-se ler felicidade do sujeito e perfeição dos
outros. Mas Kant foi bem claro ao se referir à perfeição que cada um
deve procurar alcançar para si mesmo até chegar a um sentimento moral. A felicidade própria é restringida ou fica na dependência da felicida130
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de universal. O cumprimento individual dos deveres promove uma moralidade que, no final, é recompensada, gerando um sistema que se autorecompensa. A perfeição está na compatibilidade da vontade individual
com a vontade geral, conceito que Kant emprestou de Rousseau para
designar uma vontade suprema que engloba todas as vontades privadas.
Um mecanismo seguro para trilhar a via que busca a autoperfeição é
comparar a máxima individual com a legislação universal.
O querer seria regulado a partir de três normas práticas: as
regras de habilidade, os conselhos de prudência e o mandato moral. Às
primeiras importa o fim, ou seja, oferecem soluções para o alcance de
um objetivo, seja ele bom ou não, enquanto que para o preceito ético o
que vale é a intencionalidade ou a boa vontade, sem visar ao êxito. Entre
os mandamentos morais e as regras de habilidade estão os conselhos de
prudência, situados no âmbito pragmático e relacionados com a questão
da felicidade. Esta se trata de um propósito universal, mas é indeterminada, pois diz respeito à satisfação dos desejos que mudam, constantemente, não só de sujeito para sujeito, como também, no mesmo sujeito,
sendo impossível estabelecer um critério universal para alcançá-la.
Para Kant, o conceito de felicidade não é instintual, mas provém da idéia de um certo estado interior que é difícil de ser determinado
objetivamente e, deste modo, não permite que se estabeleça um princípio para atingi-lo. A prudência aparece na tentativa de amenizar esta
dificuldade por meio de fórmulas e conselhos embasados na experiência
e relacionados com o bem-estar, mas ainda está bem distante de poder
oferecer um princípio claro e exato. Na verdade – diz Aramayo –, para
ser feliz não é suficiente ouvir a prudência; é necessário que a sorte
venha para ajudar, pois a felicidade conta com a participação do acaso,
não dependendo exclusivamente do sujeito. A felicidade tem esse caráter de acaso, como se fosse conseguida ou por astúcia ou por ganho
lotérico, num vai e vem, sem nenhuma garantia. É neste ponto precioso
que a ética kantiana surge para fornecer fórmulas que favoreçam a emancipação do acaso, pois, em contrapartida à sorte, a prática da moralidade
está sujeita ao poder do indivíduo já que este pode conduzir-se segundo
o dever, direcionando sua vontade de acordo com uma legislação universal.
Para a ética kantiana são importantes o conceito de auto-satisfação e a teoria do bem que trata da síntese entre virtude e felicidade. Na
auto-satisfação, a felicidade é encontrada no contentamento consigo
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mesmo, ocasião em que a consciência está tranqüila pela submissão à
conduta moral. Existe uma relação entre auto-estima e sossego de consciência, da onde se percebe que, da desconsideração moral, pode brotar
o desassossego. No entanto, é importante que esta felicidade decorrente
da auto-satisfação não venha a ser o objetivo da ação moral. Na obediência ao dever não se deve ter em mente a felicidade como recompensa
final. Ela é um efeito colateral que não deve ser procurado propositadamente.
Nas Reflexões, Kant nos fala que para haver felicidade é necessária a presença de condições materiais mínimas, porém, ainda mais
importante é a satisfação do sujeito com ele mesmo decorrente do deleite usufruído da paz de consciência e, vale notar, para alcançar esta paz,
há que respeitar a proibição de não mentir em hipótese alguma.
A verdadeira missão da razão é produzir uma vontade boa em
si mesma como condição para se fazer digno da felicidade. Então, o
estatuto desta última repousa em promover a felicidade alheia como
finalidade primordial e, a própria, como colateral, indireta ou negativa.
O ponto de vista de Aramayo versa sobre a insuficiência da
auto-satisfação. A ética kantiana deixa a impressão de não conseguir
prescindir da felicidade no seu sentido positivo, necessitando arregimentá-la como membro da sua tripulação.
Faz-se necessária a distinção entre norma e móbil, porquanto
estes dois aspectos se misturam facilmente. Por meio do imperativo categórico, a norma diz o que é moralmente bom, assegurando a validade
universal na determinação da vontade. Por móbil entende-se aquilo que
executa a ação moral julgada como tal, visto que é preciso algo mais do
que os mandamentos morais para a vontade se tornar ação prática. Este
elemento a mais que capacita a prática é o respeito que a lei inspira.
A boa vontade implica um comportamento virtuoso que torna o
sujeito digno da felicidade. Esta tem seu papel no planejamento ético,
pois, ao seguir o que a lei manda, surge a esperança de ser feliz. Kant se
referiu a este aspecto fazendo uma relação de similaridade entre a esperança de felicidade no âmbito prático e o conhecimento no campo teórico.
O imperativo categórico vem em auxílio da segunda pergunta,
“que devo fazer”. Para tratar da terceira questão ou, “o que me cabe
esperar”, temos o que Aramayo chamou na sua Crítica de la razón ucrónica (1992) de “imperativo elpidológico”, do grego “elpidós”, ou esperança, que diz o seguinte: “Obra como si todo dependiera únicamente
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de tua buena voluntad, confiando casi al mismo tiempo en que alguna
instancia distinta de la casualidad y el ciego aza r, esto es, un destino
providencial y propicio que cuenta com capacidad para ello, administrará consecuentemente tan bienintencionados esfuerzos com la culminación de tus afanes morales”3 .
A partir do rumo dado pelo imperativo categórico que dita
uma legislação universal, o sujeito da moral kantiana tem o direito de
esperar um mundo melhor, como sumo bem ético. Neste ponto, Kant
inseriu como conjectura necessária a existência de Deus. É a exigência
moral que impõe a fé racional em Deus. Aramayo nos adverte de que
esta é uma das teses menos compreendidas pelos leitores. Schopenhauer, que se considerava o melhor intérprete da teoria kantiana, criticou o
postulado da existência de Deus, afirmando que Kant chegou ao eudemonismo de modo sub-reptício, tal como um mágico retira de sua cartola um coelho lá colocado previamente, mas à diferença de que, antes de
procurar enganar os outros, Kant teria enganado a si mesmo.
Heine também disparou dardos contra Kant ao dizer que este
procedeu à distinção entre razão teórica e razão prática para, a partir da
razão prática, poder ressuscitar o Deus que havia eliminado com a razão
teórica.
Aramayo trata estas opiniões como equivocadas, pois para ele,
a moral kantiana não se fundamenta na religião. Para ter valor, o agir
moral deve preceder a idéia de Deus, pois se a ação é conforme a lei
pelo fato de temer a divindade ou em decorrência de uma posterior
felicidade, então, não se trata de ação moral.
O cumprimento moral do dever deve se dar pelo respeito à lei
antes que as idéias de Deus e de felicidade entrem em questão. Só depois do dever cumprido é que o sujeito pode voltar sua atenção para o
reino do supra-sensível ou para a meta utópica que coincide com o
sumo bem, onde a crença em Deus fornece a esperança de realizar esse
ideal. Mas uma moral sem teologia é possível na medida em que o sujeito se limita ao terreno dos direitos e deveres sem a consideração dessa
meta final. Isso quer dizer que alguém descrente na existência de Deus
pode manter-se no cumprimento da lei moral, desde que disponha da
razão prática para determinar sua vontade. Apenas que sem essa crença,
a idéia de uma meta final em um mundo melhor ficaria abalada em sua
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idem, p. 60.
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sustentação. Kant cita Spinoza como um exemplo dessa moralidade, pois
embora íntegro, era incrédulo de Deus.
A idéia de sumo bem convoca o sujeito a agir como se existisse
um Deus, mas Kant não procurou nenhuma prova de convencimento
deste fato, considerando que sujeito passa a crer nessa existência por si
só, ao pensar sua meta ideal como possível, ou seja, em um momento
posterior, quando chega a essa conclusão. Assim como Wittgenstein disse em Tractatus (1921) que Deus pode tudo desde que não seja contrário às leis da lógica, Kant disse que Deus está submetido à geometria e à
lógica moral, não sendo, no entanto, o mesmo o autor das leis morais.
Dentro dos tipos de crença, pode-se enquadrar a existência de
Deus tanto na crença doutrinal como uma hipótese metodológica, quanto na crença moral como um postulado prático. A primeira poderia ser
testada desde que houvesse os meios próprios para isso enquanto que,
na segunda, existe uma certeza depositada no ato de execução da lei.
Uma ação que se dá movida pela antecipação de uma recompensa é destituída de moralidade. Contudo, outra ação executada como
um dever é suscetível de ser recompensada, visto que desta forma, o
sujeito se tornou digno de felicidade.
A faceta utópica se mostra quando Kant se refere à impossibilidade de afirmar que um dever está sendo cumprido exclusivamente sobre bases morais, sem a concorrência de outros interesses. Isto leva a
pensar que uma virtude genuína não possa vir a existir. Então, resta ao
sujeito velar pela própria virtude, permanecendo atento e atacando seus
defeitos morais. Mas há o aspecto otimista, enquanto nada prova que a
concretização de ética seja impossível. Assim, o propósito moral deve
persistir na esperança de melhoramentos, cabendo voltar-se indefinidamente para o horizonte utópico do ideal.
Liberdade e lei moral estão estreitamente vinculadas. Diante da
sentença: “devo, logo posso”, se apresenta a determinação da vontade
como vontade livre, independente do mecanicismo da causalidade da
natureza e também de tudo o que não se relacione com a lei moral. A lei
natural da causalidade é atrelada ao tempo, determinando, assim, cadeias com efeitos condicionados. O sujeito, porém, pode deixar de ser arrastado por essas cadeias, agindo não somente conforme a lei natural do
mundo fenomênico, mas de acordo com a lei moral. A liberdade é transcendental enquanto é capaz de ultrapassar eticamente a limitação imposta pela cadeia causal. Neste caso, a liberdade é transformadora.
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Kant diferenciou o conhecer do pensar. O primeiro necessita
da experiência como prova de realidade, mas, o campo do que é cognoscível permite ao sujeito ser levado pela ilusão, pois, a experiência
ligada à sensibilidade se mostra, por vezes, enganosa. Já no âmbito prático moral, as idéias da razão não são ilusões e podem, enquanto idéias
práticas, transformar o que existe pelo cumprimento do dever. No entanto, é prudente atentar para o fato de que, mesmo no campo prático
moral, as experiências podem produzir ilusões.
Do ponto de vista teórico, passar da sensibilidade para o suprasensível, saltando especulativamente por sobre a experiência corresponde a uma metafísica dogmática. É pela práxis ética que o supra-sensível
pode ser abordado. É, também, por meio dela que o sujeito pode agir
com autonomia e independência, deixando de ser um mero joguete do
acaso.
A filosofia da história de Kant guarda estreita relação com as
noções pertinentes à ética em decorrência de seu vislumbre quanto a um
plano secreto da natureza com a intenção de garantir a prosperidade do
homem. Também, da mesma forma que na ética um inimigo – a felicidade antecipada como objetivo – é, no final das contas, recrutado para
auxiliar, também na história, a ambição, a cobiça e a discórdia, funcionam como motores contra a preguiça, fazendo com que o sujeito se
desenvolva, não caindo no sono do conformismo. É a natureza ou o
destino trabalhando com o propósito de transformar a discórdia em concórdia.
Pode-se traçar um paralelo entre a idéia kantiana do plano oculto
auxiliador da natureza e o que disse Adam Smith a respeito da mão
invisível, regente das leis do mercado, que faz com que um sujeito, em
se dedicando a um interesse exclusivo seu, acabe por promover, indiretamente, o interesse público.
Utilizando o esforço próprio o homem enfrenta as adversidades
em direção à realização do seu destino, retirando o bem daquilo que é
mal. A natureza concorre para conduzi-lo de um estágio inferior para
outro superior.
Quanto à política, Kant se interessou pela dinâmica social que
por meio da intervenção do Estado pode transformar as inclinações destrutivas em prol do coletivo. Assim, uma sociedade não precisaria se
constituir apenas de mansas ovelhas, pois poderia lidar com essas inclinações e, mediante a sublimação, poderia utilizar as tendências egoístas
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e destrutivas dos elementos humanos menos mansos como motor para
alcançar o progresso.
Em El Conflito de las Faculdades (1798), Kant se perguntou sobre a possibilidade da previsão do futuro. Respondeu que é possível, já
que o futuro depende da perspectiva e da posição dos governantes, pois
estes acabam por imprimir seu cunho próprio ao destino do governo.
Assim, os “partidários do pensamento utópico” conferem um tipo de
diretriz à história ao introduzirem reformas segundo o dever e a lei moral, diferente da diretriz daqueles que não têm preocupações deste caráter e que não consideram a inexorável força do destino.
O destino pode ser um guia para aqueles que se conformam a
ele ou ser muito violento com quem não o considera. Desta maneira, o
estadista que não se colocar ao lado do destino estará plantando uma
revolução política. No que se refere ao sucesso obtido a partir de uma
revolução, facilmente se verificará por detrás dela a presença de nobres
ideais de defesa dos direitos que, com entusiasmo, foram perseguidos.
Aramayo marca a simplicidade com que Kant separa o entusiasmo do
fanatismo, justificando que o primeiro traz subjacente o escopo moral,
enquanto que ao fanatismo pertence o egoísmo. Na época, a Revolução
Francesa veio a corroborar suas idéias sobre o progresso do homem que
se encaminha para o melhor.
Ao deixar seu estado natural de liberdade selvagem, o homem
passa a viver sob uma ordem jurídica e reguladora, usufruindo de uma
espécie de liberdade conforme a lei. “...dentro del ámbito estrictamente
político, el utopema kantiano acaso pudiera llamarse Cosmópolis, entendiendo com esse nombre una confederación mundial cuyos Estados miembors tuvieran constituiciones cortadas por un patrón republicano y
estuviesen encauzadas a erradicar las guerras al convertirnos en cosmopolitas ciudadanos del mundo4 ”. Ao Estado caberia a função de promover a convivência entre os homens de modo que fosse possível o exercício da liberdade, porém, não sendo da sua alçada a preocupação com
garantias de felicidade, visto que esta é uma tarefa individual.
As guerras teriam a mesma função propulsora que, no campo
moral, cabe aos antagonistas discórdia-concórdia, ou seja, servir de apoio
para as transformações visando ao progresso.
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Idem, p. 111.
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O auxílio externo com o qual o estadista pode contar repousa
no “princípio de publicidade”, no qual a liberdade de expressão é respeitada e os direitos não podem ser suprimidos. Kant teve uma má experiência neste sentido quando um artigo seu não obteve aprovação da
censura, no entanto, o mesmo foi publicado em outra época, ainda assim com admoestações. Trata-se do texto La Religión dentro de los Limites de la mera Razón. Devido a estas admoestações, Kant teceu comentários indignados, principalmente contra o clero, que a prudência o aconselhou a suprimir de suas publicações.
A liberdade de expressão tem grande utilidade para o governante que, assim, toma conhecimento das opiniões sobre sua política.
Os filósofos seriam seus conselheiros, cuja assessoria se estenderia do
governante até os médicos, juristas e teólogos. A filosofia, com um papel
importante, prescreve, por meio da razão, a honestidade, a justiça e a
moderação sem se desviar do princípio da liberdade e tem, ainda, como
principal missão, a tarefa de fazer com que o sujeito pense por si próprio, capacitando-o a assumir o estatuto de maioridade. O sujeito se
submete à meta moral kantiana, mesmo que utópica e inalcançável, pois
tem a esperança de um mundo melhor.
Roberto Rodriguez Aramayo nasceu em Madri em 1958. Doutor
pela Universidad Complutense de Madrid com a tese La filosofia práctica
de Kant como elpidologia eudemonista. Entre as muitas de suas atividades, é Presidente da Associación Española de Etica y Filosofia Política,
diretor da Revista de Filosofia Moral e Política que foi fundada em 1990
por Javier Muguerza, tradutor de diversos trabalhos de Kant e autor de
vários ensaios como Crítica de la razón ucrónica (1992), La quimera del
rey filósofo (1997) e Schopenhauer o el eterno sueño de la voluntad (2001).
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