ffACULDADE S BEM JURÍDICO: SIGNIFICADO, RELEVÂNCIA E VALOR COM A DOGMÁTICA DO DIREITO PENAL Daiane Zappe Viana1 RESUMO O presente artigo aprecia a constitucionalização do bem jurídico, e sua concepção junto ao Direito Penal, que visa a proteção de valores jurídicos radicados na Constituição. Apesar de o postulado de que o delito lesa ou expõe a perigo bens jurídicos, há ainda uma grande controvérsia a respeito do conceito de bem jurídico, Tal conceito ganha particular força relacionado à Constituição, sendo esta instância capaz de emprestar ao bem jurídico a indispensável materialidade e concreção. Palavras-Chave: Bem jurídico. Constituição. Direito Penal. Crime. 1 INTRODUÇÃO O significado de bem jurídico está implícita ou explicitamente descrito na Constituição, sendo que nesse contexto, a atividade legiferante ao determiná-los e valorizá-los, deverá o fazer, tendo por base vinculativa os preceitos constitucionais interligados com o Direito Penal. A definição das funções do Direito Penal modernamente por unanimidade doutrinária é a proteção de bens jurídicos. Assim, a importância do bem jurídico é captada sob dois enfoques: o político-criminal, que serve para determinar os rumos do Direito Penal, e o dogmático, para aprender a identificar os objetos concretos da tutela penal. 1 Advogada OAB-RS 52630. Doutoranda em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Mestre em Ciência Jurídicas-Criminais da Universidade de Coimbra-Portugal.; Especialista em Direito Constitucional pela UNIFRA – Centro Universitário Franciscano; Coordenadora da Faculdade de Ciências Jurídicas UNIME. Professora de Direito Constitucional. Direito Penal e Criminologia da UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura. Email: [email protected] Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S O bem jurídico-penal é o verdadeiro valor que se procura proteger por meio do Direito Penal. Ou seja, o bem jurídico é um valor da ordem social juridicamente protegido. Em razão do Direito Penal proteger os bens jurídicos mais importantes contra as formas mais graves de agressão, tem-se, que em geral, são eles garantidos já por terem encontrado reconhecimento constitucional, ainda que indiretamente. Nesse sentido, o fundamento primeiro do injusto material deita suas raízes na Constituição, sendo o bem jurídico o fator limitador do legislador penal. A idéia de bem jurídico é de extrema relevância, pois a moderna ciência penal não pode prescindir de uma base empírica nem de um vínculo com a realidade que lhe propicia a noção de valor, pois sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como tal ordem de direito. A presente pesquisa se torna extremamente atual, pois em um momento em que se projeta uma reforma da parte especial do Código Penal brasileiro, e é a função político-criminal do bem jurídico um dos critérios principais da individualização e delimitação da matéria destinada a ser objeto da tutela penal. Justifica, por fim, a eleição do tema, a ausência de precisão no conceito de bem jurídico, e ainda a divergência doutrinária existente se o bem jurídico é criado pelo legislador ou encontrado pela norma. 2 DELIMITAÇÃO TERMINOLÓGICA CONCEITUAL DE BEM JURÍDICO O crime é a modalidade mais grave de oposição à ordem jurídica, e o Direito 2 é uma das formas hoje em dia mais utilizadas na proteção da pessoa3. 2 Todo Direito existe para o homem. Tem por objecto a defesa dos interesses da vida humana (Lebensinteressen. In . VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal. p. 6.). 3 El Derecho é a ordenação da sociedade organizada no Estado. (Von Liszt, Franz., Op. Cit. p.5). Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S Segundo o pensamento jurídico-penal hodierno, no mundo ocidental, em sociedades democráticas, plurais e abertas, que prestam homenagem ao princípio do Estado de Direito Material (de consagração constitucional), o Direito Penal é visto como o instrumento de proteção de bens fundamentais da comunidade. Num Estado de Direito Material deve caber ao Direito Penal uma função exclusiva de proteção dos bens fundamentais da comunidade, das condições sociais básicas necessária à livre realização da personalidade de cada homem e cuja violação constitui crime.4 Neste sentido, o conceito de bem jurídico penal ( bem fundamental para determinada comunidade que só possa ser eficazmente protegido através da intervenção penal) opera com o limite e, simultaneamente, fundamento para a intervenção punitiva do Estado. Tal conceito, no entanto, tem por trás de si uma longa história, de avanços e recuos, de lutas de escolas, de polemicas, e ainda hoje está longe de ser pacífico. Pois, se se consegue chegar a algum consenso quanto à definição abstrata (mesmo nesta fase já se indiciam, por vezes, as divergências, através das diferentes expressões utilizadas vg. Valores, bens, mínimo ético) de bem jurídico e danosidade social, já inúmeras dificuldades surgem quando se trata de concretizar conceitos abstratos, quando se trata de converter o bem jurídico num conceito dotado de função crítica, capaz de orientar ou até mesmo vincular o legislador penal na escolha de fatos a criminalizar, ou descriminalizar5. Este mesmo conceito abstrato pode ser suscetível de diferentes e até opostas concretizações. Perceptível portanto a problemática acerca do conceito de bem jurídico, e conseqüentemente com a insegurança que ainda reina neste domínio, diz-no Costa Andrade: Do ponto de vista crítico, é forçoso reconhecer que ainda não se 4 FIGUEIREDO DIAS. Direito Penal e Estado de Direito Material. Revista de Direito Penal, 1982. p.43. Os dicionários não registram a palavra descriminalizar. Já criminar vê-se em Caladas Aulete. Significa imputar crime a alguém, considerar como criminoso. Criminalizar, por sua vez, consistem em resolver que constitui doravante crime determinado ato só considerado infração ou delito até então. Tornar criminal. Descriminar é palavra formada pelo prefixo latino des mais criminare (acusar) significa, também, absolver, tirar a culpa, inocentar. Portanto, descriminar não é a palavra adequada para expressar a idéia colocada no presente texto, que consiste no sentido contrário de criminalizar. Assim, ainda que o vocábulo descriminalizar não esteja presente em dicionários, vem sendo largamente utilizado com o sentido específico de resolver que de agora em diante não mais constitui crime ato até então considerado como tal. 5 Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S conseguiu converter o bem jurídico num princípio operativo suscetível de demarcar com alguma consistência as margens do legitimamente criminável. E ainda neste norte: As opiniões continuam, contudo, a divergir quando se trata de concretizar o sentido da danosidade social ou, inversamente, identificar os singulares bens jurídicos-penais6. Reconhecido portanto a necessidade do Direito Penal em proteger bens jurídicos, essenciais e fundamentais ao indivíduo e a sociedade, há de se ter uma maior preocupação em conceituá-lo, o que vem corroborar a necessidade de perspectivarmos toda esta problemática a luz da Constituição. 3 BREVE SÍNTESE EVOLUTIVA Com o movimento intelectual denominado Iluminismo, e as profundas modificações inseridas na cultura humana, nasce a idéia de que o Direito Penal protege certos bens e interesses da sociedade7. Na nova ordem instituída pelo Iluminismo, a religião foi substituída pela razão e, como conseqüência, a própria organização social passou a decorrer de atos humanos e, portanto, racionais. Foi o racionalismo cartesiano que inspirou os mentores do movimento em questão, cuja essência pode ser resumida na preocupação de fundar uma ordem social em cujo centro figurasse o ser humano, superando a excessiva deificação das instituições, própria da Idade Média, em que o homem tinha um lugar secundário e onde o mundo material e também o social eram 6 in A Nova Lei dos crimes contra a economia (Dec. Lei n 26/84 de 20 de Janeiro) à luz do conceito de Bem Jurídico, in Direito penal Económico, centro de Estudos Judiciários. Centro de estudos. Coimbra, 1985. p 75 e 81. 7 De acordo com o liceu de Luiz Luisi, o Iluminismo pode ser identificado a partir de duas teorias básicas: o jusnaturalismo e o contratualismo. A primeira impõe que […] o direito natural seja afastado de qualquer compromisso teísta…, desenvolvendo a noção de que […] o homem, por ser tal, em virtude de dados que lhe são inerentes, é visto como um fim em si mesmo, e titular de uma série de direitos. Já a teoria do contrato social … deixa de considerar o pacto como um fato histórico, para encará-lo como um postulado dialético, ou seja, uma hipótese meramente reguladora. A sociedade política, isto é, o Estado, não surge efetivamente de um ajuste real, mas deve ser estruturado e organizado como se tivesse sua origem em um contrato firmado por seus membros. (LUISI, Luiz. Filosofia do Direito. Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1993, p. 128). Mais do que uma corrente de idéias, o Iluminismo vem a ser uma atitude cultural e espiritual de grande parte da sociedade da época, cujo objetivo é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos. É, por assim dizer, produto do embate de duas linhas bem distintas: o racionalismo cartesiano e o empirismo inglês. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S concebidos como uma realidade objetiva, regida por leis e princípios determinados, estando o homem inserido neste contexto e regido pelas mesmas leis, sendo apenas um dado do todo. No campo do Direito, desenvolveu-se a célebre Escola Clássica do Direito Natural,8 no interior da qual nasceu e se desenvolveu o Jusnaturalismo na sua versão moderna, que fez do indivíduo a própria razão de ser do mundo, deferindolhe a condição de detentor de direitos inatos. Isso implicou em radical mudança de postura: em vez de ser um simples e pouco relevante elemento no mundo natural e social, o homem passou a ter uma função ativa na reformulação e construção da realidade. Numa palavra, ele passou a ser o construtor de sua história.9 Conclui-se portanto que o Estado existe em função do homem e somente se legitima quando a isso responder. A forma de expressá-lo é afirmar que todo homem é detentor do direitos subjetivos ou inatos, ou seja, independente de sua condição social ou pessoal, sem depender igualmente do beneplácito do soberano, é o homem o sujeito de direitos, devendo a ordem jurídica, mormente o Estado, respeito a estes direitos subjetivos, sob pena de ilegitimidade.10 Dentre estas prerrogativas, pontificavam a liberdade geral, a igualdade de todos perante a lei e a propriedade privada, entre outros, que se consolidam como direito natural. Especificadamente no Direito Penal, até o século XVII se caracterizava por um profundo atraso e pela crueldade das sanções, levando ao extremo a obsessão da vingança pública. 8 Fala-se de uma “Escola de Direito Natural”, nos séculos XVII e XVIII, porque todos os autores deste período - Grócio, Locke, Pufendorf, Voltaiere, Montesquieu, Rousseau, entre outros - têm como base de suas formulações o axioma de que o homem, por ser tal, é expoente de direitos inatos. É em torno deste conceito que são formuladas as teses que irão compor o assim chamado Jusnaturalismo Moderno, que ressalta o aspecto subjetivo do direito natural, ou seja, os direitos inatos do indivíduo existem como decorrentes da condição humana, do que decorre a necessidade de seu respeito por parte da autoridade política. (Norberto Bobbio, in Dicionário de Política, verbete JUSNATURALISMO; editora UnB, Vol. I, p. 658.) 9 LUISI, Luiz . Direitos Humanos - Repercussões Penais …, p. 75. 10 (…) No Jusnaturalismo moderno ressalta, fortemente, o aspecto subjetivo do direito natural, ou seja, os direitos inatos. (…) É precisamente devido a esta característica que o Jusnaturalismo moderno, isto é, o dos séculos XVII e XVIII, molda profundamente as doutrinas políticas de tendência individualista e liberal, expondo, com firmeza, a necessidade de respeito, por parte da autoridade pública, daqueles que são declarados direitos inatos dos indivíduos. (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 658). Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S A grande fonte de renovação penal se deu no fim do século XVIII, através da obra de Beccaria 11 , Dos Delitos e Das Penas, combatendo a má sorte dos desgraçados que sofriam as cruezas de uma legislação retrógrada servida por métodos punitivos bárbaros. É através de Beccaria que o Direito Penal foi inserido neste novo ordenamento jurídico acima referido, dotando-se de uma missão bem definida: a incumbência de proteger os direitos subjetivos, traduzindo a forma mais severa de preservá-los. Com efeito, o crime passa a ser visto como uma lesão a um direito subjetivo, decorrendo que a conduta criminosa não se dirige, necessariamente, contra algo do mundo real, podendo atingir uma faculdade jurídica decorrente do direito. Consoante esta concepção, o delito ataca ou põe em risco um direito subjetivo, ou seja, o crime incide sobre um direito subjetivo natural da pessoa, um dos bens fundamentais para cuja tutela o Estado fora estruturado, como a liberdade, a saúde, os membros do corpo, o patrimônio, etc. Relativamente às conseqüências desta concepção, percebe-se que o Direito Penal sofreu, como não poderia deixar de ser, as influências destas teorias contratualistas,12 que têm na categoria do direito subjetivo sua base e essência, sendo o crime um ato a ele lesivo. A importância disso reside no fato de o direito subjetivo passar a ser instrumento eficaz de garantia da liberdade 13 à medida que se erigiu em um nítido limite ao legislador penal, que não podia criminalizar fatos que não afrontassem tais direitos. Nas elucidativas palavras de Rudolphi, 11 CESARE BONESANA, MARQUÊS DE BECCARIA nasceu em Milão no ano de 1738, e faleceu em 1794. Educado em Paris pelos Jesuítas, estudou literatura e matemática, e foi influenciado, profundamente, por autores como Montesquieu e Helvetius, voltando-se, posteriormente, ao estudo da filosofia, sendo um dos fundadores da sociedade literária em Milão, preocupada em divulgar na Itália os princípios da Filosofia Francesa. No mesmo sentido, participou da redação do jornal Il Caffè, entre 1764 e 1765. 12 (…) A concepção material de delito como lesão a um direito subjetivo decorre da teoria contratualista aplicada no âmbito penal… (PRADO, Luiz Régis , Bem Jurídico-Penal e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 28). 13 Idem. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S […] O Estado é considerado como decisão conjunta dos homens e por certo com o objetivo de assegurar a maior liberdade possível para todos os cidadãos. A única tarefa legítima do Estado, portanto, era a proteção dos direitos de seus cidadãos e dos seus próprios para a realização de seus fins, definidos no contrato social. Como núcleo material de todo delito aparece, conforme isso, a lesão de direitos subjetivos.14 O movimento Iluminista tinha como propósito reduzir quantitativamente a legislação em geral, e também a penal, para que a ordem jurídica fosse baseada em poucas, clara e simples leis. Aplicando este princípio ao Direito Penal, o artigo 8º da Declaração Francesa de 1789 previu que as penas fossem as “estrita e evidentemente necessárias”15. Esta preocupação encontrava eco no direito positivo da época, pois a Europa era vítima de aguda insegurança jurídica proveniente da crescente complexidade das sociedades e das várias ordens jurídicas concomitantemente vigentes no mesmo lugar e para as mesmas pessoas, resultando na incapacidade de o direito solucionar os conflitos que se apresentavam, contexto no qual se inseria a preocupação Iluminista de simplificar as leis e reduzir seu número. A solução apresentada para fazer frente a tal insegurança foi a efetivação de códigos, surgindo o célebre Movimento das Codificações, inserto no contexto da Revolução Francesa, e cuja obra prima foi o Código Napoleônico, a legislação civil da França aparecida em 1804.16 O Movimento Codificador, portanto, procurou instrumentalizar a preocupação Iluminista de simplificação das leis. Com a inserção do Direito nos códigos, em nenhum outro lugar este precisaria ser buscado. E a produção de leis, notadamente penais, deveria obedecer aos princípios antes enunciados, ou seja, o liberalismo e o 14 RUDOLPHI, Hans Joachim. Los Diferentes Aspectos del Concepto de Bien Jurídico. In Revista Nuevo Pensamiento Penal, Ediciones Depalma, año 4, nº 7, julio-septiembre de 1975, Buenos Aires, p. 333. 15 Artigo 8º. A lei só pode estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode se punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito, e legalmente aplicada. 16 As codificações são o fruto máximo da cultura racionalista e Iluminista, no fim do séc. XVIII. Ante a dificuldade em identificar o direito vigente, especialmente na França, o que implicava em insegurança jurídica, surge a necessidade de elaborar um direito simples e unitário. Por isso, as idéias de simplicidade e unidade do direito são as idéias de fundo da codificação, para fazer frente à multiplicidade de direitos territoriais vigentes. E a codificação é o clímax do jusnaturalismo, na medida em que seus princípios maiores – liberalismo e individualismo – são positivados e inscritos nos códigos. (GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito 13ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.170/176.). Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S individualismo, concretizados pela incriminação de condutas ofensivas a direitos subjetivos. Este fato engendrou, nas primeiras décadas do século XIX, a idéia de que o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, sendo o Direito Penal, assim, um sistema de proteção de bens jurídicos. Ou seja, o objeto jurídico do crime, que até então era identificado nos direitos subjetivos, passou a ser o bem jurídico, com o nítido objetivo de, novamente, limitar a atuação do legislador penal, circunscrevendo a busca dos fatos merecedores de sanção penal àqueles efetivamente danosos à coexistência social. Entretanto, e eis a nota essencial deste primeiro período, tais condutas deveriam ser lesivas a entidades reais, e não subjetivas. Com efeito, o excesso de leis penais gerou a preocupação de frear a ação do legislador criminal, e nisso tomaram relevo, inicialmente, as formulações teóricas de Johann Michael Franz Birnbaun. 17 Em livro escrito no ano de 1834, intitulado “Sobre a Necessidade de uma Revisão Jurídica de Conceito de Crime, Especialmente no Concernente à Violação da Honra”, postulava que, ao invés de objetivar a tutela de direitos subjetivos, como entendiam os Iluministas, o Direito Penal deveria servir para proteger, somente, os bens jurídicos materiais ou corpóreos. Ou seja, ao Direito Penal devem interessar somente bens que podem ser radicados diretamente no mundo material - mundo do ser ou da realidade - importantes para a pessoa e a coletividade e passíveis de lesão pela ação criminosa. Trata-se de uma tentativa, portanto, de superação das concepções individualistas antes reinantes, desembocando na concepção materialista de bem jurídico como objeto de proteção penal, em substituição à de direito subjetivo, sendo decisivo, para ensejar a tutela penal, a existência de um bem radicado diretamente 17 Consoante a idéia mais aceita, é este o autor que cunhou a noção de bem jurídico. A esse respeito, escreve Mauricio Antonio Ribeiro Lopes […] a teoria do bem jurídico está presente desde a obra de VON LISZT, do começo do século. Antes dele, porém, BINDING deu paternidade ao termo ‘bem jurídico’ e segundo KAUFMANN, tem o mérito de ter outorgado ao bem jurídico ‘o direito de cidadania na dogmática jurídico-penal’. Grande parte dos autores, contudo, entende que esse conceito deve ser atribuído a BIRNBAUM.. Mais adiante, p. 294, afirma que BIRNBAUM introduziu o conceito de bem jurídico-penal em substituição ao de direito subjetivo e […] enunciou, pela primeira vez, já em 1834, o conceito de bem jurídico e sua importância na análise do injusto típico. (Teoria Constitucional do Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000., p. 289). Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S no mundo da realidade, de relevância individual ou coletiva passível de lesão através do crime. No contexto do excessivo número de leis penais, a idéia era a de fornecer um critério para disciplinar e restringir a criação de tipos penais, passando o objeto da tutela penal a ser identificado no bem jurídico, mas tão-somente bens jurídicos materiais poderiam existir. Dentro de um prisma liberal, a doutrina do bem jurídico é erigida com nítido objetivo de limitar o legislador penal, se impondo como um dos pilares da teoria do delito. Surge ela, pois, como evolução e ampliação da tese original garantista do delito como lesão de um direito subjetivo e como o propósito de continuar a função limitativa do legislador, circunscrevendo a busca dos fatos merecedores de sanção penal àqueles efetivamente danosos à coexistência social, mas lesivos de entidades reais-empíricos-naturais- do mundo exterior.18 Assim, o ponto conclusivo que se vislumbra é que somente os bens jurídicos fundamentais devem ser objetos de atenção do legislador penal. 4 CONCEITO DE BEM JURÍDICO NA DIMENSÃO FORMAL: K. BINDING E DIMENSÃO MATERIAL: F. LISZT O bem jurídico possui uma transcendência ontoaxiológica, dogmática e prática que em certo sentido é basilar e, por isso, indeclinável. De sua essência, entidade e conteúdo depende, não só a estruturação técnica, senão a própria existência do ordenamento punitivo de qualquer Estado. Referência obrigatória, no estudo evolutivo do bem jurídico, são as formulações de Binding e de Franz Von Liszt, opostas em si, mas que foram de suma importância na discussão em torno do objeto da proteção penal. A construção teórica de Binding caracteriza-se por um positivismo legalista, uma concepção formal de bem jurídico: este está fundado no direito positivo vigente; trata-se do bem ou interesse protegido pela norma penal, consistindo o delito na lesão a um direito subjetivo do Estado. Há, portanto, uma identificação 18 GONZALEZ RUS. Bien juríidico y Constitución. Madrid: Mach, Serie Univ. 201, s/d. , p. 13. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S entre o bem jurídico e o fim das normas penais, que criam o bem jurídico e são sua única e definitiva fonte de revelação. Nesta perspectiva, o conceito de bem jurídico abandona qualquer pretensão de legitimação material, ou seja, de limite à liberdade criminalizadora do legislador, perdendo a função crítica e orientadora à medida que é este quem cria o bem jurídico. Em outros termos, o bem jurídico é uma criação do Direito, que elege os bens merecedores de tutela penal. Há uma associação entre o bem jurídico e a norma jurídica, resultando numa concepção desaparecendo qualquer conotação metajurídica, formalista 19 de Direito Penal, num definitivo afastamento do pensamento Iluminista. O contexto em que se insere a formulação deste autor é a Alemanha logo após a unificação, que se encontrava atrasada economicamente em relação aos demais países da Europa, e sua reestruturação exigia um poder estatal forte, razão pela qual a teoria política preocupou-se em afirmar a autonomia do Estado, e o resultado foi o triunfo da concepção de que este titular do direito de exigir a obediência dos súditos. Seguiu-se um considerável domínio estatal, que se manifestou especialmente através do Direito, num genuíno positivismo jurídico justificado pela pretensão de progresso econômico.20 Para Binding, portanto, os bens jurídicos são criações do legislador e o delito é a lesão ao direito de mandar do Estado. O Direito Penal foi utilizado para a criação e manutenção das condições postas pela necessidade do progressismo econômico, sendo o bem jurídico identificado com as condições de uma vida sã em comunidade, mas tal qual o legislador a delineava. Por seu turno, Franz Von Liszt desenvolveu uma dimensão material do injusto penal. Em contraposição ao tratamento formalista da norma feita por Binding, formulou um conceito material de bem jurídico, que transcende ao sistema jurídico e, por isso, se mostra capaz de ofertar um limite ao poder punitivo do Estado. Assim, o bem jurídico era visto como o interesse vital juridicamente protegido: todos 19 LOPES, op. cit. p. 296. 20 MALARÉE, Hernan Hormazábal. Apud COPETTI, André Copetti, Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 92/93. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S os bens jurídicos são interesses vitais do indivíduo ou da comunidade. Esses interesses existem independentemente da ordem jurídica, criados estabelecidos pela vida em comunidade. Ao Direito cabe, apenas, reconhecer tais interesses e protegê-los.21 Firma-se, assim, uma conceituação liberal de bem jurídico que precede ao direito positivo e independe dele, sendo endereçada mais ao legislador. O injusto penal compreende a conduta que, além de culpável, é ilícita, no aspecto formal, quando há a transgressão de uma norma estatal e, no aspecto material, quando opera uma lesão a um interesse vital ou bem jurídico.22 De acordo com Rudolphi o esforço empreendido por Liszt é no sentido de encontrar uma determinação essencial do delito, fazendo-o com base no bem jurídico, dirigindo a formulação contra o Estado: … O ponto de partida de sua teoria é constituído pela tese de que o direito existe por vontade humana e que, portanto, o fim de todo direito penal seria somente a proteção de interesses humanos vitais. Estes interesses humanos vitais que Liszt chama bens jurídicos quando são protegidos juridicamente, não são para ele um produto da ordem jurídica, mas sim, da vida e, portanto, estão dados a ele previamente.23 O resultado que Liszt alcança é o conceito de bem jurídico cujo núcleo material é independente do direito vigente. Retira-o das circunstâncias sociais concretas da comunidade e, exatamente por isso, presta-se a ser um limite ao legislador penal. Numa análise comparativa das formulações de Binding e Von Liszt, o contributo do primeiro está na visão positivista de bem jurídico, superando e afastando-se do pensamento iluminista de vinculação do objeto de proteção penal com valores pré-jurídicos. O último, combatendo aquela postura, advoga a necessidade de identificar o bem jurídico nos interesses vitais do homem, que existem por si, cabendo ao Direito protegê-los, gerando uma perspectiva limitadora da intervenção penal. 21 Nas exatas palavras de Luiz Régis Prado, […] o bem jurídico vem a ser, portanto, uma criação da experiência e como tal é um interesse vital do indivíduo ou da comunidade. Firma-se uma conceituação liberal de bem jurídico que precede o direito positivo, e independe dele, sendo endereçada mais ao legislador.(PRADO, op. cit., p. 33). 22 Idem. 23 Op. cit., p. 334. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S 5 CONCEITO DE BEM JURÍDICO NA CONCEPÇÃO SISTÊMICA DE WELZEL Num sentido objetivista, Welzel considera o bem jurídico como um bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente. 24 Neste norte a missão do Direito Penal vem a ser a tutela dos bens jurídicos mediante a proteção dos valores éticos sociais da ação mais elementares. De inspiração fenomenológica, esta orientação estabelece que os bens jurídicos realizam certas funções dentro do contexto amplo e dinâmico da vida social. Segundo sua concepção dos valores ético-sociais da ação, a ameaça penal deve contribuir para asseguramento dos interesses individuais e coletivos fundamentais, através do valor-ação. Daí, ser o delito formado de um desvalor da ação e de um desvalor do resultado. Nesta esteira, o bem jurídico seria reflexa e consequentemente protegidos a partir do momento em que se criminalizavam as ações ético-socialmente reprováveis. O grande perigo da concepção de Welzel seria fazer com que houvesse um alargamento significativo da área de intervenção do Direito Penal, na medida em que ocorreria o risco de criminalizar condutas que não atentassem contra os bens jurídicos. Reforçar a consciência ética dos cidadãos é tarefa não dos meios, mas dos fins do Direito Penal nomeadamente da prevenção geral positiva.25 A tendência inaugurada por Welzel frutificou. Excelente desenvolvimento foi procedido por Rudolphi, na obra já citada. Afirma este pensador haver uma tendência moderna em caracterizar o bem jurídico com base na chamada teoria dos estados, segundo a qual os bens jurídicos são estados de coisas cuja conservação interessa aos indivíduos ou à sociedade em geral: […]Os bens jurídicos cuja proteção é tarefa do Direito Penal tampouco são objetos estáticos que permanecem em repouso, mas unidades funcionais 24 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. P. G. Trad. De Bustos Ramíres e Yanés Pérez. Santiago: Jurídica do Chile, 1970. p. 15. 25 TORRÃO, Fernando. A Propósito do Bem Jurídico Protegido Nos Crimes Sexuais, in Boletim da Faculdadede Direito. Estudos no Curso de Mestrado. Universidade de Coimbra, Coimbra, 1995. p. 550 Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S sociais sem as quais nossa sociedade em sua estruturação concreta não seria capaz de existir26. Portanto, Rudolphi denomina os bens jurídicos como unidades funcionais constitutivas da vida social, que são próprias de cada sociedade, e que se modificam no tempo de acordo com as transformações que nela se operam e que podem gerar a necessidade de outras unidades funcionais. Rudolphi define bem jurídico como conjuntos funcionais valiosos constitutivos da nossa vida em sociedade, na sua forma concreta de organização. 27 O bem jurídico é visto como condição de uma vida próspera, fundada na liberdade e responsabilidade undividual. A toda evidência, Welzel anteviu o porvir. Assinala-se a propósito de tal concepção que o bem jurídico é pois o orifício da agulha pelo qual têm que passar os valores da ação: Nenhuma reforma do Direito Penal pode ser aceitável se não se dirige à proteção de algum bem jurídico, por mais que esteja orientada aos valores da ação. 28 O que faz o Direito Penal é estabilizar esses valores ético-sociais da atitude interna de uma forma característica e tendo em conta determinados limites que são precisamente os dos princípios da legalidade e da proteção dos bens jurídico. Somente respeitando esses limites podem ser justificados os mandatos e proibições que imõe o Direito Penal e se pode esperar que seja ele o que a teoria da prevenção geral positiva pretende: exemplo e garantia dos valores éticos-sociais da aitude interna. Isto é exatamente, na tradição conceitual de Welzel, a formalização do controle social. 6 BEM JURÍDICO PENAL E CONSTITUIÇÃO 26 RUDOLPHI. Op. Cit., p. 343. RUDOLPHI, op. cit. P. 166. 28 HASSEMER ; MUÑOZ CONDE. Introdución a la criminologia y al Derecho Penal, Ed. Tirant lo Blanche, Valencia, 1989. p.102. 27 Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S Sendo a Constituição norma fundamental da sociedade e impondo assim os seus princípios a todo ordenamento jurídico,29 refletindo ela as concepções dominantes, devendo espelhar o que há na sociedade de mais essencial e consensual. Neste sentido, parece a Constituição estar apta para desempenhar o papel de orientadora do legislador penal na escolha de fatos a criminalizar. Assim, parece fazer sentido perguntar pela existência desta função orientadora por parte da constituição quanto à tarefa criminalizadora/descriminalizadora, ou seja, quanto à definição dos bens jurídicos-penais. Na doutrina é maioritariamente aceite a identificação da finalidade última do Direito Penal na sua essência, com a proteção dos pressupostos indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo e assim, também, das condições (mínimas) de convivência das pessoas em sociedade. Neste sentido, acentuando a intolerabilidade do comportamento para poder ser qualificado com ilícito penal, o que corrobora a idéia de que o Direito Penal está vocacionado para proteger as condições mínimas, essenciais e não as condições ótimas de convivência em sociedade, necessárias para o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos. Segundo Figueiredo Dias: Uma política criminal que se queira válida para o presente e futuro próximo e para um estado de Direito material, de cariz social e democrático, deve exigir do Direito Penal que só intervenha com seus instrumentos próprios de atuação ali, onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem.30 29 A Constituição como estatuto jurídico da ordem geral. (Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da república Portuguesa Anotada. Vol. I Editora: Coimbra, 1984. p. 163. 30 FIGUEIREDO DIAS. Os Novos Rumos da Política Criminal. Revista da ordem dos Advogados. Lisboa, 1982. p.13. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S Também neste sentido, Costa Andrade, ao definir a dignidade penal como um juízo qualificado da intolerabilidade social, assente na valoração ética de uma conduta, na perspectiva da sua criminalização e punibilidade.31 No entanto se torna controversa a individualização destes pressupostos indispensáveis ao indivíduo e ainda mais controversa ainda será a decisão sobre como a intervenção penal ou até sobre a necessidade desta intervenção. Na realidade, estamos sempre perante o problema da definição do crime, que se relaciona com a identificação de bens jurídicos penais. Centro nevrálgico de toda a teoria do Direito Penal é irrecusalvemente a questão do bem jurídico: aqui, a razão de ser do Direito penal; aqui, a função da pena, aqui o cerne das divergências das posições axiológica-normativas e das concepções relativistas (sociológicas, pragmatistas ou justopositivistas)32. Inúmeras as tentativas feitas para se encontrar um conceito natural do crime, apesar de eventuais constantes, a definição de bens jurídicos penais depende sempre das condições sociais, econômicas e culturais, do ambiente valorativo de cada sociedade, em cada época histórica. Assim, o crime terá de ser necessariamente, histórico-espacialmente situado. Ao legislador penal cabe o papel de captar as modificações sociais, o diferente ambiente valorativo, para os tornar em consideração quando define a área do crime. A procura de princípios ou critérios constitucionais orientadores do legislador penal na definição dos fatos a criminalizar, dilucidação do problema da área de liberdade/vinculação do legislador, maxime da existência ou não de verdadeira imposições de criminalização e conseqüentemente os poderes de controle constitucional, pressupõe que toda esta problemática seja perspectivada à luz da Constituição. 31 COSTA ANDRADE. A Dignidade Penal e a Carência da Tutela penal como Referências de uma Doutrina Teleológico-Racional do Crime. In Reivsta Portuguesa de Ciência Criminal. 2º, abril-junho de 1992, pp. 173-205. 32 TAIPA DE CARVALHO. Condicionalidade Sócio cultural do direito Penal – Análise histórica. Sentido e Limites. p. 85. Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S 7 CONCLUSÃO Talvez poucas expressões sejam mais caras e ocupem mais espaço na literatura contemporânea voltada à política criminal e a dogmática jurídico-penal do que a expressão bem jurídico. Para a política criminal contemporânea, ao menos para a política criminal perspectivada no horizonte de um Estado de Direito e duma sociedade aberta e plural, vale com axioma e afirmação segundo a qual é a tutela penal de bens jurídicos que simultaneamente define a função do Direito Penal e marca os limites da legitimidade da sua intervenção. Por seu turno, no plano dogmático, permanece apelar-se ao bem jurídico como critério fundamental duma interpretação teleológica, como base de um sistema classificatório da parte especial, como suporte do tipo e fundamento da ilicitude material e ainda como princípio de solução de controvérsias em domínios como concurso e causas de justificação. Cumpre observar, que o legislador não possui livre na escolha dos bens jurídicos sobre os quais vai incidir a tutela penal, ficando limitado aos anseios sociais, bem como ao que preceitua a Constituição Federal. Conforme Figueiredo Dias: Num Estado de Direito material deve caber ao Direito Penal uma função exclusiva de proteção dos bens fundamentais da comunidade, das condições sociais básicas necessárias à livre realização da personalidade de cada homem e cuja violação constitui crime33. Um bem jurídico que, resulta claro, não pode dissolver-se no conceito omnicompreensivo de ratio legis, mas há de circunscrever-se a valores devidamente identificados a que o tipo assegura uma específica, mas sempre limitada área de tutela.34 33 FIGUEIREDO DIAS. op. cit. p 78. Desenvolvidamente, HASSEMER. Schtzbedürftigkeit des Opfers und Strafrechtsdogmatik. Berlim: Duncker & Humblot, 1981. p. 43 e ss. 34 Faculdades UNIME – União Metropolitana de Educação e Cultura S/C Ltda. Av. Luis Tarquínio Pontes, nº 600, Lauro de Freitas – Bahia / Tel.: 288-8202 / e-mail: [email protected] ffACULDADE S Há que se observar, portanto, que no contexto de Estado Democrático de Direito, o Direito Penal encontra-se balizado, fundamentalmente, pelas garantias constitucionais. A dignidade do ser humano constitui bem primordialmente tutelado juridicamente, o que conseqüentemente, o fato de limitar este somente deve ocorrer quando for claramente necessário, idôneo e proporcional à proteção de determinado bem jurídico. REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora Edipro, 1999. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 3a. ed. Brasília: Editora UnB, 3ª ed., 1991. COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. COSTA ANDRADE. Manuel da. A Nova Lei dos crimes contra a economia (Dec. 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