A TEORIA DA PESSOA EM SANTO TOMÁS DE AQUINO COMO FORMATADORA DOS DIREITOS HUMANOS Antonio Adelgir de Oliveira Almeida Bacharel em Direito, Pós-graduado em Direito Público pelo Centro de Estudos Newton Paiva e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES, Especialista em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. [email protected] “Rompendo com perspectiva segundo a qual a Cidade dos Homens é diretamente de instituição divina e ligada ao pecado original, Tomás estabelece que ela é – na ordem da criação – “um fato natural” . Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o poder, cujo objetivo é assegurar a “A unidade de uma multiplicidade”, é uma questão humana que faz parte do plano mais geral da Providência e não de um desígnio singular de Deus ou de seu representante. “Desse modo, a definição do bom poder é uma tarefa exclusivamente da Razão” 1 (S.Tomás de Aquino) “O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los ”. (Norberto Bobbio) 1 CHÃTELET, François, DUHAMEL, Olivier e PISIER-KOUCHNER, Evelyne in Histórias das Idéias Políticas (1985: 32 e 33) Nosso propósito, ao apresentar o tema, é destacar a necessidade de reflexão sobre a importância que nos relegou Tomás de Aquino na defesa da pessoa à sua época. A relevância e a atualidade desse entendimento tomasiano foram ressaltadas quando das comemorações pela Organização das Nações Unidas (ONU) dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo inicio deu-se a partir de 10 de dezembro de 2007. O termo pessoa, ao consultar o Dicionário de Filosofia N.Abbagnano surgirá definido no sentido mais comum do enunciado: o homem em suas relações com o mundo ou consigo mesmo . Em seus estudos, S.TOMÁS DE AQUINO vai desenvolver uma Teoria da Pessoa segundo a qual o ser humano é uma réplica de Deus incriado, ou seja, somos a imagem e semelhança daquele. Concebe, em termos filosóficos, essa pessoa como substância de natureza individual. É patente que, mesmo desenvolvendo seus estudos em cima da doutrina teológica, tenha nos deixado grande legado que irá mais tarde dar substancial contribuição à afirmação das garantias dos direitos individuais. Assim entendido, o direito natural vai se confundir com a moral social. Na esteira de seus conceitos, S.TOMÁS vai levar, na Modernidade, à reflexão na construção dos direitos do homem. Nessa perspectiva, foi construído - através da Carta das Nações Unidas - todo um arcabouço jurídico no sentido de proteger aqueles indivíduos que sofrerem qualquer ameaça aos seus direitos e garantias individuais. Essa Teoria dos Direitos dos Homens é sem dúvida um dos grandes debates na Modernidade, no sentido de que todo o ser humano deve ser tratado com dignidade e justiça, pois, com o avanço de novas tecnologias de investigação cientifica - principalmente naqueles que envolvem a pesquisa em seres humanos - necessário se faz que busquemos freios e contrapesos para a preservação dessas garantias. Partindo dessa premissa dada ao Direito Natural, é importante destacar algumas vozes que dissertaram sobre o tema no Renascimento e também na Modernidade. Ressalte-se que não há unanimidade no sentido de que o Direito Natural vá levar a um ideal de Justiça. Entre os estudiosos que se dedicaram à essa reflexão, é importante destacar a figura de THOMAS HOBBES, o qual - em sua obra Leviatã – nos informa da impossibilidade de através do Direito Natural chegarmos uma correta distribuição de justiça. Com efeito, BARBOZA, 2008:54,55; transmite-nos esse posicionamento in verbis: 1 – Que todo o homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra; 2 - Que um homem concorde, quando os outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar o seu direito a todas as coisas, contentandose, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. E, em arremate, dizia HOBBES. Uma lei da natureza (lex naturalis) é um preceito ou regral geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la. Porque embora os que têm tratado deste assunto costumem confundir jus e lex, o direito e a lei, é necessário distingui-lo um do outro. Pois o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem a mesma matéria.2 Em Jean Bodin, considerados os seus Seis Livros da República, podemos verificar que, mesmo não se atendo a uma investigação profunda como a que foi desenvolvida por S.Tomás, aquele autor vai pontuar no sentido da existência de um direito natural de origem divina. (CHÂTELET,1985: 46).3 Conforme nos assevera FABRIZ, 2003: 233,234, o tema é desenvolvido por um dos doutores da Igreja que distinguia quatro classes de Leis: a Lei Eterna , sendo esta a razão de tudo, dirigindo todos os movimentos e ações do universo; a Lei Natural , que 2 BARBOZA, Jovi Vieira. In Dano Moral – O problema do Quantum Debeatur nas Indenizações por Dano Moral. (2008: 54 - 55). 3 CHÃTELET, François, DUHAMEL, Olivier e PISIER-KOUCHNER, Evelyne in Histórias das Idéias Políticas (1985: 46). possibilita ao homem a distinção do bem e do mal e, por tal razão, a Lei Natural deve ser guia invariável e imutável da lei humana; a Lei Divina , que é revelada por Deus nas sagradas escrituras; e, por fim, a Lei Humana, que vem a ser o ato de vontade do governo temporal, devendo este observar os princípios da Lei Eterna, refletidos na Lei Natural. Para Santo Tomás o individuo se encontrava no centro de uma ordem social e jurídica justa, devendo, no entanto, o direito laico - definido pelo Imperador, Rei ou Príncipe, submeter-se às leis emanadas de Deus. 4 Essa idéia de direito natural vai marcar todo o pensamento a partir do século XVI até nossos dias, estando no centro das discussões como um dos grandes temas da atualidade. Mesmo no século XVIII e inicio do século XIX, a temática persistiu, ocorrendo criticas ao direito natural por parte dos positivistas, que deram uma preponderância ao direito positivado com a separação entre Direito e Moral. Entretanto, vale salientar que o jusnaturalismo demonstrou que sua desvinculação da idéia de justiça pode levar à barbárie, conforme demonstrado pela história recente da humanidade. Essa particularidade do direito natural serve para se contrapor às atrocidades cometidas com base no direito posto. Nessa perspectiva passam a ser a Filosofia e a Teologia de Tomás de Aquino as molas propulsoras que imbricarão na formulação - em 1948 - da Declaração dos Direitos do Homem. Outro documento importante que nasce da idéia de pessoa propugnada por S. Tomás é a Convenção Americana dos Direitos do Homem, ou Pacto de São José da Costa Rica, assinada no ano de 1969, da qual. Dentre os vários temas de que trata, pode ser destacada a proibição da prisão civil. Na esteira da idéia dos direitos humanos na contemporaneidade, vale destacar BOBBIO, 1992: 15 - 16, ressaltando que, quando se tratar de direitos do homem, não devemos enfrentar a questão com o direito positivo e, sim, como obra do direito natural, isto é, olhando-a sob o prisma da filosofia alhures desenvolvida por TOMÁS DE AQUINO. Salienta, que esses direitos são coisas desejáveis, ou seja, merecem ser perseguidoS, mesmo que nem todos tenham acesso a eles.5 4 5 FABRIZ, Daury Cezar in Boética e Direitos Fundamentais(2003: 233 - 234). BOBBIO, Norberto in A Era dos Direitos (1992: 15 - 16) Incorporando-se também a esse conceito de Lei Natural é importante nomear a figura de CARNELUTTI, 2005 : 24 - 25 , o qual nos informa em seus apontamentos a não concordância com os fundamentos de Kelsen e sua escola pura do direito na oposição da lei jurídica à lei natural, ou seja, sua assertiva vai na direção da evolução das ciências naturais nos últimos tempos. Essa revolução no campo das ciências naturais leva-nos a dissipar a idéia da fé na infalibilidade das leis.6 Por outro lado, vale acrescentar a importância da argumentação defendida pelo jusfilósofo REALE,1978: 633 – 634, que assim se expressa sobre o pensamento Tomista a respeito do Direito Natural: É sabido que a idéia de um Direito Natural, já poderosamente afirmada na corrente socráticaaristotélica e na estóica, assim como na obra de Cícero e de jurisconsultos romanos, adquire um sentido diverso nas coordenadas da cultura cristã (grifo nosso), não somente por tornar-se uma lei da consciência, uma lei interior, mas também por ser considerada inscrita no coração do homem por Deus O Direito Natural destinava-se a representar a afirmação da nova Lei contra a Lei velha, a mensagem de uma nova forma de vida.(......) O Direito Natural, na concepção tomista (grifo nosso), não é, porém, um Código de boa razão, nem tampouco um ordenamento cerrado de preceitos, mas se resume, afinal, em alguns mandamentos fundamentais de conduta, derivados de maneira imediata da razão, por participação à lex aeterna. Tais princípios ou normas do Direito Natural impõe-se de maneira absoluta ao legislador e aos indivíduos, de tal maneira que não se pode considerar Direito qualquer preceito que de modo frontal contrarie as normas do Direito Natural, máxime quando consagradas como leis divinas (jus sive justum).(...).7 O referido autor, em artigo publicado no ano de 2005 no jornal o Estado de São Paulo, considera ainda que: 6 7 CARNELUTTI, Francesco in A Arte do Direito(2005: 24 - 25) REALE, Miguel in Filosofia do Direito(1978: 633-634). ... os adeptos do Direito Natural Clássico, especialmente aqueles da escola aristotélica-tomista, já admitiam a existência de direitos inatos e eternos, aos quais se deveriam submeter os dispositivos da lei civil, mas hoje valores que se universalizaram como expressão da própria experiência social. Com fundamento nas premissas do jurista em questão, vale destacar que certos valores adquiriram força, ou seja , mesmo na perspectiva da vida coletiva, destacamse como se fosse inatos. REALE, no artigo supra, destaca nas últimas décadas o aparecimento de tais valores como: os da pessoa humana e da democracia e, mais recentemente, o ecológico, isto é, do direito ao meio ambiente mais saudável. Essas invariantes axiológicas, que assinalam os horizontes de toda a legislação positiva.8 É importante destacar a opinião do eminente constitucionalista português J .J. GOMES CANOTILHO,1998: 380 que, em seus escritos sobre a Constituição Portuguesa, procura valorizar a teoria da “Lex Natura”, no que tange à influência da secularização em geral sobre a doutrina dos direitos fundamentais; in verbis: As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista (grifo nosso) , ao distingüir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abririam o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria natureza dos homens. Mas como era a consciência humana que possibilitava ao homem aquilatar da congruência do direito positivo com o direito divino, colocava-se sempre o problema do conhecimento das leis justas e das entidades que, para alem da consciência individual, sujeita a erros, captavam a conformidade da lex positiva com a lex divina . Ora, foi a secularização do direito natural pela teoria dos valores objetivos da escolástica espanhola (Francisco de Vitória, Vazquez e Suarez) que, substituindo a vontade divina pela “natureza ou razão das coisas”, deu origem a uma concepção secular do direito natural, posteriormente desenvolvida por Grotius, Pufendorf e Locke. Aqui são os preceitos da “rectae rationis” (noção explicitada logo no séc. XIX por Guilherme de Ockam) que, desvinculados do peso metafísico e nominalistico, conduzirão à idéia de 8 REALE, Miguel in Jornal o Estado de São Paulo, (2005: A2). direitos naturais do individuo e à concepção de direitos humanos fundamentais.9 Prosseguindo em seu raciocínio, CANOTILHO pontua no sentido da não fundamentação do direito natural, visto que todos os teóricos do direito natural racionalista se preocuparam com a justificação do estado e com a legislação do domínio. O fato é que HOBBES, no seu Leviatã, parte da idéia de que os indivíduos, ao celebrarem o pacto social, abandonam seus direitos e liberdades ao soberrano absoluto que deve proteger ao cidadão Por outro lado, JOHN LOCKE , no viés da escola de Salamanca, partindo da mesma idéia de contrato, vai reagir contra o processo de absolutizaçao, acompanhado de uma máquina burocrática centralizadora, no qual a nobreza continuava a deter posições privilegiadas; porém, a burguesia se sentia excluída. E essa falta de liberdade política foi o fator preponderante para a luta a favor dos direitos do homem. Em nosso país, na esteira das Constituições modernas, o tema foi agasalhado pela Magna Carta de 1988, ao dispor, em seu artigo 4º, inciso II, normas protetoras dos direitos humanos. Podemos concluir que para a efetiva existência de um verdadeiro direito positivo é necessário que olhemos com mais atenção para aquele direito propugnado por Tomás de Aquino, ou seja, o direito natural, também chamado de direito inato. É mister que para a configuração de uma Democracia forte, baseada no respeito aos direitos humanos, não se pode descuidar dos direitos individuais do cidadão. Embora seu estudo tenha sido desenvolvido em cima da teologia, foi enorme sua contribuição para o nascedouro desses direitos. Mesmo com a preponderância da ideologia positivista, que durante o século XVIII e início do século XIX relegara o direito natural ao segundo plano, foi este sem dúvida um dos esteios de todo o pensamento a partir do século XVI. Nessa perspectiva, a validade dos direitos naturais é a sua contribuição para a construção no século XX, da Carta das Nações Unidas como propulsora dos direitos humanos e, por conseguinte, a fixação de novas bases para os novos desafios do direito social no século XXI, com destaque para o mais importante e preocupante debate em nossos dias, qual seja, a busca de um meio ambiente mais saudável conforme nos asseverava o eminente jusfilósofo MIGUEL REALE.. 9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes in Direito Constitucional e Teoria da Constituição (1998:380). BIBLIOGRAFIA: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2.ª ed., São Paulo: MESTRE JOU, 1982. BARBOZA, Jovi Vieira. Dano Moral – O Problema do Quantum Debeatur nas Indenizações por Dano Moral. 1ª ed., Curitiba: Juruá Editora,2008. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11.ª ed., Rio de Janeiro: Campus,1992. CANOTILHO,José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra-Portugal:Livraria Almedina,1998. CARNELUTTI, Francesco. A Arte do Direito. 4.ª ed., Campinas – SP: Bookseller,2005. CHÂTELET, François, DUHAMEL, Olivier, PISIER-KOUCHNER, Evelyne. História da idéias políticas. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e Direitos Fundamentais. 1.ª ed. – Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 8ª ed. - São Paulo: Saraiva,1978 Jornal o Estado de São Paulo, Espaço Aberto,p.A2 São Paulo. 18 de junho de 2005.