2 NeuroAtual Volume 3, número 2, 2007 NEUROLOGIA GERAL Dr. Osvaldo M. Takayanagui Emergency diagnosis and treatment of adult meningitis. Fitch MT et al. Lancet Infect Dis, 7: 191, 2007. Epidemiologia A incidência estimada de meningite bacteriana é de 0,6 a 4/100.000 adultos/ano no países desenvolvidos mas pode ser até 10 vezes maior em outras partes do mundo. A meningite causada por Haemophilus influenzae do tipo b foi praticamente eliminada nos paises desenvolvidos desde a introdução rotineira da vacinação das crianças e o desenvolvimento de vacinas conjugadas contra sete sorotipos de Streptococcus pneumoniae reduziu substancialmente a freqüência de meningite pneumocócica da infância. A recente aprovação de uma vacina conjugada contra os sorogrupos A, C, Y e W135 da Neisseria meningitidis pode levar a um futuro decréscimo da incidência desta devastadora infecção. Em conseqüência desses programas de vacinação, a incidência de meningite bacteriana tem diminuído nas crianças e aumentado nos adultos. Em 2005, 56% dos casos de meningite bacteriana na Holanda eram de pacientes maiores de 16 anos de idade. Atualmente, nos adultos, a meningite bacteriana tem como agentes mais freqüentes o S. pneumoniae e N. meningitidis, responsáveis por 80% - 85% dos casos. Avaliação inicial da meningite O intervalo entre o início dos sintomas e o primeiro atendimento médico é um aspecto pouco conhecido. Um estudo retrospectivo da meningite meningocócica mostrou que o quadro clássico de rash, meningismo e comprometimento da consciência é de surgimento tardio no período pré-hospitalar. Os sinais precoces antes da admissão de adolescentes (1516 anos) com meningite meningocócica foram dor nas pernas (53%) e nas mãos e pés frios (44%). 3 No atendimento dos serviços de emergência, a história clínica pode auxiliar na suspeita de meningite. Uma meta-análise que incluiu 845 casos mostrou baixos níveis de sensibilidade e especificidade dos sintomas tais como cefaléia, náusea e vômitos para o diagnóstico de meningite. Isto não chega a ser surpreendente posto que tais sintomas inespecíficos são encontrados em muitos pacientes com uma ampla variedade de afecções. Um estudo realizado em um hospital de atendimento terciário mostrou que a tríade clássica de febre, rigidez de nuca e alteração do nível de consciência estava presente em apenas 2/3 dos adultos; a febre foi o achado mais freqüente (presente em 95%). Em outras análises retrospectivas a febre esteve presente em 84-97% associada a freqüências menores da tríade clássica (21-51%), ou sintomas de febre, rigidez de nuca e cefaléia (66%). Embora, haja um alerta de que apenas os sinais e sintomas não sejam suficientes para sugerir o diagnóstico, uma meta-análise indica que a ausência de febre, rigidez de nuca e alteração do nível de consciência exclui meningite como provável diagnóstico, com uma sensibilidade de 99-100%. O estudo prospectivo holandês mostrou até mesmo uma menor freqüência (44%) da tríade clássica de febre, rigidez de nuca e distúrbio da consciência (definido como escala de Glasgow igual ou inferior a 4). Embora a febre tivesse sido constatada em apenas 77% dos casos, 95% dos pacientes apresentavam pelo menos dois dos seguintes sintomas ou sinais: cefaléia, febre, rigidez de nuca e alteração da consciência e, 99%, pelo menos uma destas manifestações. Dos achados clínicos específicos, o tradicional rash cutâneo da doença meningocócica esteve presente em apenas 11% dos casos num estudo retrospectivo e em 26% num outro prospectivo. Quanto aos demais sinais meníngeos, como os de Kernig e Brudzinski, apresentam níveis insuficientes de sensibilidade para confirmar ou excluir, de forma isolada, a suspeita de meningite. Um estudo prospectivo de 297 pacientes mostrou que a rigidez de nuca, os sinais de Kernig e de Brudzinski apresentam baixa sensibilidade (5%) e elevada especificidade (95%). Neste estudo populacional, 80 dos 297 pacientes dos que tinham meningite, mas apenas 24 apresentavam rigidez nucal (sensibilidade de 30%) e estava ausente em 148 daqueles sem meningite (especificidade de 68%). O teste de acentuação da cefaléia à rotação horizontal a um ritmo de 2 a 3 vezes por segundo é outro sinal meníngeo. Num estudo prospectivo, a sensibilidade da rigidez de nuca e do sinal de 4 Kernig eram muito baixa (15% e 9%, respectivamente), mas a do teste de acentuação foi de 97%, com especificidade de 60%. Diagnóstico Indicação da tomografia computadorizada antes do LCR O exame do LCR é o procedimento de escolha para o diagnóstico. Entretanto, uma das preocupações é quanto ao risco da precipitação de herniação e de possível fatalidade da punção do LCR. Uma questão importante é se haveria necessidade da realização de exames de neuroimagem (TC ou ressonância magnética) antes do LCR, pela possibilidade da existência de lesão com efeito de massa (tumor ou toxoplasmose). Baseado nos trabalhos até agora publicados, os autores consideram que a punção do LCR pode ser realizada sem o exame de neuroimagem na ausência de qualquer dos seguintes sintomas ou sinais: 1crises recentes; 2- imunodepressão; 3- sinais suspeitos de lesão com efeito de massa (papiledema ou sinais neurológicos focais {excluindo nervos cranianos}); 4- rebaixamento do nível de consciência. Interpretação dos resultados do LCR As anormalidades clássicas do LCR na meningite bacteriana incluem pleocitose >1.000 leucócitos/mm3 (na viral é <300 leucócitos/mm3), predomínio de neutrofilos, hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia. A coloração pelo Gram, apesar de sensibilidade de apenas 50-90%, pode ser valiosa para o diagnóstico, com uma especificidade próxima de 100%. Os adultos com meningite pneumocócica apresentam resultado positivo do Gram em 81-93% dos casos. A coloração pelo Gram e a subseqüente cultura podem ser prejudicadas por uso prévio de antibióticos. Os autores advertem, contudo, que alguns pacientes com meningite bacteriana podem apresentar detalhes destoantes do quadro clássico, como pleocitose inferior a 100 leucócitos/mm3, e que não há uma única característica que, de forma isolada, possa ser suficientemente confiável para diferenciar meningite bacteriana da viral. Não há ainda estudos adequadamente desenhados para permitir a orientação dos clínicos sobre os níveis aceitáveis de risco na decisão de diagnosticar um paciente como tendo meningite viral e considerá-lo candidato a receber alta com seguimento ambulatorial. Tratamento Administração imediata de antibióticos de amplo espectro 5 A meningite bacteriana é uma emergência neurológica e envolve níveis substanciais de morbidade e de mortalidade. Os estudos recentes têm evidenciado uma taxa de mortalidade de 13-27%, apesar do tratamento antimicrobiano adequado, com dados sugerindo pior desfecho nos casos de demora no diagnóstico e no início da antibioticoterapia. Como possíveis causas do retardo do tratamento estão a espera pela realização da TC, dos exames laboratoriais e na admissão hospitalar. É importante destacar que os pacientes para quem foi indicada a TC antes do LCR, devem ser submetidos a coleta da hemocultura e receberem a antibioticoterapia. O antibiótico inicial de escolha é uma cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima ou ceftriaxona) por ser de amplo espectro e por sua excelente capacidade de penetração no SNC. O aumento da prevalência de S. pneumoniae resistente a múltiplas drogas em várias regiões do mundo (35% em partes dos EUA) motivou a adição de vancomicina ao esquema terapêutico inicial de pacientes adultos. Adicionalmente, os indivíduos acima de 50 anos de idade devem receber ampicilina associada aos antibióticos acima citados para a cobertura de Listeria monocytogenes que atinge maior incidência nesta faixa etária. Corticoterapia A intensa reação inflamatória promovida pela infecção e pela antibioticoterapia está vinculada à significativa morbidade e mortalidade. Com o intuito de modular esta resposta inflamatória, a corticoterapia tem sido associada aos antimicrobianos. Deve-se ressalvar que a administração endovenosa de dexametasona deve ser efetuada no momento da primeira dose de antibióticos. Um estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado, duplocego e controlado com placebo mostrou que a associação de dexametasona (10mg EV de 6/6 horas, por 4 dias) resultou numa redução do risco de desfecho desfavorável e de mortalidade. Nos pacientes com meningite pneumocócica a mortalidade foi reduzida de 34% para 14%. Uma meta-análise de 623 adultos com meningite bacteriana tratados com corticoterapia associada mostrou uma redução global da mortalidade e de seqüelas neurológicas. Uma revisão sistemática no Cochrane Database, incluindo 1.800 adultos e crianças também revelou uma substancial diminuição da fatalidade, da hipoacusia e de seqüelas neurológicas com a corticoterapia. Os guias práticos atuais e a opinião de especialistas recomendam a utilização de dexametasona administrada de 6/6 horas, por 4 dias. 6 Uma preocupação do uso de corticosteróides é se a redução do processo inflamatório não poderia diminuir a permeabilidade da barreira hematencefálica e impedir a penetração de antibióticos no LCR. Os estudos experimentais sugerem que embora a concentração de ceftriaxona não seja afetada, os níveis de vancomicina são mais baixos nos animais recebendo corticosteróides. No homem, tem sido descrita a falha terapêutica de vancomicina associada a corticosteróides na meningite causada por pneumococos multiresistentes. Os dados disponíveis sugerem que o momento do início do corticóide é crucial e que deve ser administrado antes ou simultaneamente à antibioticoterapia. Assim, os médicos atuando nos serviços de emergência devem considerar fortemente a administração de 10 mg de dexametasona EV no momento de iniciar a antibioticoterapia nos pacientes suspeitos de meningite bacteriana, repetindo-a de 6/6 horas, por 4 dias. Comentários: Embora o peso das evidências seja inegavelmente forte a favor do benefício da administração associada de dexametasona, devemos ter certa cautela em adotar de imediato essa conduta. Não seria excessiva a dose de dexametasona (10 mg de 6/6 h, isto é, 40 mg/dia) para os pacientes brasileiros? O estabelecimento desta dose foi baseado no estudo realizado na Holanda e aceito pela comunidade científica, predominantemente dos países desenvolvidos. Seria esta dose igualmente recomendada para os nossos pacientes que, em geral, têm menor peso que os dos países desenvolvidos, com maior risco de reações colaterais? Não seria recomendável a realização de mais estudos, ajustando a dose de acordo com o peso corporal? Acute disseminated encephalomyelitis. Tenembaum S et al. Neurology, 68 (suppl 2): S23, 2007. É uma excelente revisão sobre a Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM), uma doença inflamatória do SNC caracterizada por um processo disseminado de desmielinização que envolve predominantemente a substância branca do cérebro e da medula espinhal. A condição é geralmente precipitada por uma infecção viral ou vacinação. Afeta preferencialmente crianças. 7 Manifestações clínicas O quadro de ADEM é descrito classicamente como evento monofásico que se inicia 2 dias a 4 semanas após a exposição antigênica. Em cerca de 70% a 77% dos casos há relato de um antecedente infeccioso clinicamente evidente ou de vacinação no período de 4 semanas precedentes. As características da apresentação incluem uma encefalopatia de início súbito com uma variedade de sinais e sintomas neurológicos multifocais. Pode ser observado um quadro prodrômico de febre, mal estar, cefaléia, náusea e vômitos pouco antes do surgimento de sinais meníngeos e comprometimento da consciência. A evolução é rapidamente progressiva, ocorrendo dentro de algumas horas e atingindo um máximo em poucos dias (média de 4,5 dias). O quadro neurológico depende da localização das lesões no SNC, incluindo sinais piramidais uni ou bilaterais (60% a 95%), hemiplegia aguda (76%), ataxia (18% a 65%), paralisia de nervos cranianos (22% a 45%), comprometimento visual por neurite óptica (7% a 23%), crises (13% a 35%), síndrome medular (24%), distúrbios da fala (5% a 21%) e hemiparestesia (2% a 3%), geralmente com comprometimento do estado mental, variando de letargia a coma. Embora certos sinais possam ocorrer tanto em crianças como em adultos, como o comprometimento da consciência, ataxia, déficits motores e envolvimento do tronco, outras características parecem ser dependentes da idade. A febre prolongada e a cefaléia ocorrem mais freqüentemente nas crianças, enquanto que os sintomas sensitivos predominam nos adultos. As crises são raramente observadas nos adultos com ADEM e são mais comuns em crianças menores de 5 anos. Um estudo documentou crises parciais motoras em 70% dos pacientes mais jovens, com 82% destes evoluindo para o estado de mal. Pode ocorrer o comprometimento do sistema nervoso periférico, como polirradiculoneuropatia aguda, mas é raramente observado na ADEM infantil. A combinação do comprometimento do SNC e do periférico pode ser mais comum nos adultos e ocorreu em 43,6% em um estudo de coorte de pacientes adultos. A insuficiência respiratória secundária ao comprometimento do tronco encefálico ou nos casos de comprometimento mais grave da consciência ocorre em 11% a 16% dos pacientes. Neuroimagem A neuroimagem é um instrumento diagnóstico extremamente valioso. As anormalidades na ressonância magnética são mais facilmente identificáveis nas seqüências em T2 e no FLAIR, com lesões hiperintensas. As lesões são classicamente grandes, 8 múltiplas e assimétricas. Envolvem a substância branca subcortical e central e a junção entre a substância branca e cinzenta de ambos os hemisférios cerebrais, cerebelo, tronco e medula espinhal. A substância cinzenta do tálamo e dos gânglios da base é freqüentemente acometida, tipicamente em caráter simétrico. A substância branca periventricular é também freqüentemente afetada. São descritos 4 padrões de anormalidades do envolvimento cerebral na ressonância magnética: 1- ADEM com lesões pequenas (menos de 5 mm) 2- ADEM com lesões grandes, confluentes ou tumefeitas, com extenso edema perilesional e efeito de massa 3- ADEM com envolvimento talâmico bilateral e simétrico 4- Encefalomielite hemorrágica aguda em que há presença de hemorragia nas lesões desmielinizantes maiores A freqüência de reforço na fase contrastada com gadolíneo é variável e depende do estadio do processo inflamatório. As lesões com reforço são descritas em 30% a 100% dos casos. O envolvimento medular na ADEM é descrito em 11% a 28%, predominantemente na região torácica. A análise seqüencial da ressonância magnética desempenha papel importante no estabelecimento diagnóstico. A ADEM monofásica não é associada com o surgimento de novas lesões. A resolução completa das anormalidades após o tratamento é descrita em 37% a 75% e a melhora parcial em 25% a 53%. Diversos autores sugerem a repetição do exame pelo menos por 2 vezes após a primeira ressonância normal, durante o período de 5 anos após o episodio inicial para assegurar a ausência do surgimento de lesões adicionais. ADEM e suas variantes Apesar de ser geralmente monofásica, a ADEM pode ter caráter recorrente cuja freqüência varia de 5,5% a 21%. O caráter multifásico de ADEM foi descrito em 2 séries de crianças seguidas por longo período de tempo. A leucoencefalite hemorrágica aguda, a encefalomielite hemorrágica e a leucoencefalite hemorrágica necrotizante aguda são variantes de um processo desmielinizante hemorrágico inflamatório agudo da substância branca do SNC, rapidamente progressivo e freqüentemente fulminante. A morte decorrente do edema cerebral ocorre habitualmente dentro da primeira semana de instalação, mas há relatos cada 9 vez mais freqüentes de evolução favorável em decorrência de um tratamento precoce e agressivo utilizando várias combinações de corticosteróides, imunoglobulina, ciclofosfamida e plasmaferese. Estas variantes são consideradas subformas hiperagudas de ADEM e são observadas em 2% dos casos. A ADEM deve ser definida de forma adequada e diferenciada de outras doenças que comprometem a substância branca. Especificamente, a distinção entre a forma multifásica de ADEM e esclerose múltipla representa um desafio diagnóstico. Este ponto é extremamente relevante não apenas para o prognóstico mas também porque a esclerose múltipla requer, pelo menos nos adultos, o tratamento precoce com imunomoduladores. Com o objetivo de estabelecer uma classificação uniforme, The International Pediatric MS Study Group propôs uma uniformização da definição de ADEM e suas variantes: ADEM: um primeiro evento com uma encefalopatia polissintomática, com início agudo ou subagudo, evidenciando lesões hiperintensas focais ou multifocais afetando predominantemente a substância branca; nenhuma ocorrência de alterações destrutivas da substância branca previamente e nenhum antecedente de fenômeno anterior com características de evento desmielinizante. ADEM recorrente: novo evento desmielinizante preenchendo os critérios diagnósticos de ADEM, ocorrendo pelo menos 3 meses após o primeiro episódio e pelo menos 4 semanas após completar a corticoterapia, evidenciando a mesma apresentação clínica e afetando as mesmas áreas na ressonância em relação ao episódio inaugural. ADEM multifásico: um ou mais episódios de ADEM, incluindo encefalopatia e déficits multifocais, mas acometendo novas áreas do SNC tanto no exame neurológico como na ressonância. A repetição ocorre pelo menos 3 meses após a ADEM inicial e pelo menos 4 semanas após completar a corticoterapia. Tratamento Não há um tratamento padrão para ADEM. A maioria dos procedimentos terapêuticos emprega alguma modalidade de terapia imunosupressora inespecífica, similarmente ao que se adota na esclerose múltipla e outras doenças autoimunes, incluindo corticosteróides, imunoglobulina EV ou plasmaferese. A maioria dos dados descrevendo as diversas medidas terapêuticas é fundamentada no relato de pequeno número de casos, inexistindo, até o momento, ensaios controlados e randomizados, nem em crianças, nem em adultos. Corticosteróides 10 A corticoterapia é a mais amplamente utilizada, habitualmente em doses elevadas. A maioria dos grupos pediátricos descreve o uso de metilprednisolona EV, na dose de 10 a 30 mg/kg/dia até um máximo de 1 g/d ou dexametasona 1 mg/kg por 3 a 5 dias, seguidos de redução gradual por 4 a 6 semanas, com descrição de recuperação em 50% a 80% dos casos. Imunoglobulina EV Há inúmeros relatos de sucesso com o uso isolado de imunoglobulina EV, ou em combinação com corticosteroides, mas inexiste qualquer trabalho comparando a imunoglobulina com os esteroides ou com a plasmaferese. A dose total de imunoglobulina EV habitualmente empregada é 1 a 2 g/kg, administrada em dose única ou em 3 a 5 dias. Geralmente é bem tolerada pela população pediátrica. Há relatos de repetição do esquema de imunoglobulina nos episódios de recorrência. Plasmaferese Este recurso é descrito apenas em um pequeno número de casos, tipicamente nos mais graves quando a corticoterapia não revela ser eficaz. Uma série recente utilizou a plasmaferese em 59 pacientes com uma variedade de doenças desmielinizantes acometendo a substância branca, incluindo 10 casos de ADEM, revelando melhora moderada a significativa em 40% dos casos (incluindo ADEM); nesse estudo o número médio de sessões foi 7, variando de 2 a 20. Outros tratamentos Não há qualquer registro do uso de interferon-β ou de acetato de glatinamer na fase aguda de ADEM, embora haja descrições anedóticas do emprego de interferon-β nos episódios de eventos desmielinizantes recorrentes, compatíveis com ADEM multifásico. Há relato de alguma melhora com ciclofosfamida em pacientes adultos que não haviam respondido de forma satisfatória à corticoterapia. Os recursos terapêuticos atualmente disponíveis propiciam geralmente uma evolução aceitável. Entretanto, há necessidade de estudos melhor conduzidos para avaliar novas drogas ou procedimentos, particularmente para os casos refratários ou multifásicos. 11 Clinical update: diagnosis and treatment of essential tremor. Benito-León J et al. Lancet, 369: 1152, 2007. O tremor é um movimento oscilatório rítmico de uma parte do corpo, resultado de uma contração de grupos musculares oponentes. É o tremor mais freqüente e uma das doenças neurológicas mais comuns no adulto. O diagnóstico envolve a história, exame físico e, eventualmente, exames complementares. Na história, são importantes os detalhes cobre a idade de início, fatores de exacerbação e melhora, antecedentes familiares, moléstias associadas, medicamentos utilizados, ingestão de cafeína e tabagismo. As drogas que podem exacerbar o tremor incluem lítio, antidepressivos, broncodilatadores, neurolépticos, amiodarona, procainamida, prednisona, cinarizina, flunarizina, ciclosporina, metoclopramida, metilfenidato e ácido valpróico. Cerca de 30-50% dos pacientes com tremor essencial são confundidos com doença de Parkinson. O tremor associado a outras doenças como hipertireoidismo, distonias, doença de Wilson e síndromes parkinsonianas podem ter sintomas associados. P. ex., no hipertireoidismo ocorrem emagrecimento, irritabilidade, etc. O exame físico começa pela observação do tremor. O tremor de repouso dos braços ocorre quando estes são mantidos contra a gravidade e completamente em repouso (por exemplo, quando os braços estão apoiados sobre o colo ou quando o paciente caminha ou quando os braços estão abaixados). O tremor postural ocorre quando as partes afetadas do corpo são mantidas contra a gravidade (p.ex. extensão dos braços à frente do corpo). O tremor de ação ocorre durante o movimento voluntário (p. ex. durante a escrita ou desenhando figuras de espirais de Arquimedes). O tremor de intenção ocorre durante um movimento visualmente dirigido a um alvo (p. ex. pegar um copo de água). Embora o tremor cinético seja a característica tipicamente do tremor essencial, pode ocorrer em outras doenças tais como a de Parkinson, distonia, hipertireoidismo, ou tremor fisiológico exacerbado. Na maioria dos casos a investigação laboratorial é restrita a exames da função tireiodiana e para exclusão da doença de Wilson. O tremor essencial é uma doença progressiva e os fatores da progressão incluem a assimetria e a unilateralidade inaugural do tremor. O tratamento medicamentoso é iniciado quando o tremor começa a afetar a habilidade do paciente nas atividades diárias ou quando começa a assumir caráter 12 embaraçoso. A recomendação é de “start low and go slow” para reduzir o risco de reações colaterais e permitir a tolerância dos pacientes. Se um determinado medicamento não for benéfico, deve ser reduzido gradualmente antes da suspensão. Se o benefício for apenas parcial, um segundo medicamento pode ser adicionado. Os pacientes que necessitarem apenas do controle momentâneo e intermitente do tremor (p. ex. comparecer a um evento social) podem ser beneficiados com a ingestão de propranolol 10-40 mg, cerca de 30 minutos antes do evento. A cirurgia é reservada aos que apresentam tremor essencial incapacitante e que não respondem aos medicamentos. Propranolol e primidona são eficazes em 30% a 70% dos casos. O propranolol, que atua principalmente no sistema nervoso periférico, pode reduzir a amplitude do tremor com doses diárias iguais ou superiores a 120 mg/d. A primidona tem se mostrado eficaz nos estudos controlados com placebo em doses de até 750 mg/d. Contudo, a tolerabilidade é uma limitação da primidona; cerca de 20% dos pacientes interrompem o tratamento por causa das reações adversas de sonolência e desequilíbrio. A eficácia não difere significativamente entre propranolol e primidona, embora a primidona possa ser melhor tolerada a longo prazo que o propranolol. Vários outros medicamentos podem ser úteis no tremor essencial. Outros antagonistas de receptores β-adrenérgicos, tais como atenolol e sotalol, podem reduzir o tremor essencial. Alprazolam, um benzodiazepínico, pode auxiliar na redução do tremor essencial. Um estudo multicêntrico, duplo-cego e randomizado mostrou que o topiramato (até no máximo 400 mg/d.) foi mais eficaz que placebo no tratamento do tremor essencial. A gabapentina, um anticonvulsivante, tem se mostrado benéfico em alguns estudos mas não em outros. Doses únicas de 40-400 U de toxina botulínica A podem melhorar o tremor do pescoço (os medicamentos para administração oral são menos eficazes no tratamento do tremor do pescoço que dos braços), e doses de 50-100 U injetados na musculatura do braço tem eficácia modesta no tratamento do tremor das mãos. Embora sejam bem conhecidos os efeitos positivos do etanol sobre o tremor essencial, seus malefícios sobre a saúde não recomendam o uso mantido dessa substância. A estimulação talâmica (estimulação contínua do núcleo ventral intermediário) é um recurso cirúrgico reservado a casos rebeldes aos medicamentos e vem substituindo a 13 talamotomia. A estimulação bilateral desde ser indicada com cautela pois pode causar disartria e incoordenação. Antiepileptic drugs: generic versus branded treatments. Heaney DC et al. Lancet Neurol, 6: 465, 2007. A epilepsia é uma doença crônica cuja prevalência é de 0,5% a 1% na maioria dos países. As drogas antiepilépticas (DAE) geralmente não são caras mas o enorme volume de prescrições faz com que o custo global seja elevado. Como em todos os tipos de tratamento, há um interesse nas medidas de contenção de gastos. O controle das crises requer o uso adequado e regular das DAE por um período de muitos anos e, por vezes, por toda a vida. A prescrição de DAE genéricas envolve inúmeras vantagens, principalmente no que concerne ao preço. Por exemplo, no Reino Unido, em 2002, os produtos genéricos foram responsáveis por 53% do total de prescrições, mas representando apenas 20% do gasto com medicamentos, pois a diferença média entre os medicamentos de marca e os genéricos é aproximadamente de 80%. Isto significa que nos países em desenvolvimento, onde as DAE de marca podem ser inacessíveis, os produtos equivalentes genéricos ampliam o acesso a drogas mais novas e possivelmente melhor toleradas. Quando uma indústria farmacêutica produz uma nova DAE, a patente garante legal e comercialmente a produção exclusiva por um período de 10 anos na Comunidade Européia, com o estabelecimento do preço comercial englobando o custo da pesquisa e também os lucros que são parcialmente reinvestidos no desenvolvimento de novas drogas. Ao término deste período, outras indústrias podem solicitar licenças para produção de similares em termos de formulação farmacêutica e de bioequivalência. Esta composição permite a comercialização como genérico, sem a necessidade de novos ensaios clínicos regulatórios. A maioria das DAE é livre de patente ou será em breve. Por exemplo, a patente da lamotrigina expirou em 2004 e, após um ano, 50% das prescrições eram de genéricos, com uma economia geral estimada de 35%. Mas, por que, então, alguns grupos, incluindo associações de pacientes, mostram resistência? 14 Primeiro, a aparência é diferente. A maioria dos neurologistas descreve situações de pacientes que ficam confusos com a aparência diferente dos medicamentos e que apresentam toxicidade pela mistura de formulações de marca com genéricos. Segundo, há uma preocupação de que a definição de “similaridade” entre os remédios de marca e os genéricos não seja suficientemente exata para as DAE. Do ponto de vista da produção de medicamentos, a “similaridade” é definida em termos de biodisponibilidade, sem necessidade da comprovação de equivalência terapêutica. Terceiro, há uma preocupação de que os testes industriais de bioequivalência sejam fundamentados num contingente pequeno de voluntários sadios (cerca de 20 a 30) e não numa grande população de pacientes efetivamente tratados em quem doenças concomitantes ou outros medicamentos podem interferir na farmacologia do medicamento. Todo esse conjunto de preocupações introduz novas incertezas na mudança de medicamentos de marca para os genéricos. A prescrição de drogas genéricas acarreta inegavelmente uma redução do custo, mas a longo prazo não há uma garantia de uma economia persistente na mudança para os genéricos, pois a manutenção do preço e a continuidade do fornecimento não estão asseguradas, além dos gastos envolvidos no processo educacional da população sobre mudanças na formulação e eventuais reações colaterais requerendo internações hospitalares. Surpreendentemente, apesar do desejo generalizado de aceitar a política de prescrição de genéricos, não há dados que quantifiquem o benefício econômico da mudança para marcas disponíveis mais baratas. No Reino Unido, em 1999, 40 dos 200 principais medicamentos genéricos eram produzidos por apenas 3 ou menos indústrias proprietárias de licença. Os pacientes com epilepsia necessitam da garantia de acesso por um longo período. Por outro lado, a indústria produtora não tem qualquer compromisso ou obrigação de continuar a produzir um medicamento se as margens de lucro forem muito baixas. Assim, no decorrer dos anos, o paciente tomando a droga genérica mais barata pode ser forçado a mudar de diferentes fornecedores de DAE à medida que diferentes indústrias introduzem ou retiram os medicamentos do comércio. Adicionalmente, quando a empresa retira um produto do mercado, não há uma garantia de acesso. A maioria dos neurologistas vivenciou as dificuldades recentes com o fornecimento mundial de primidona e etosuximida, em que as indústrias interromperam, em conjunto, a produção dessas DAE. 15 Teratogenesis of sodium valproate. Duncan S. Curr Opin Neurol, 20: 175, 2007. O ácido valpróico é uma droga antiepiléptica de amplo espectro, introduzido inicialmente na Europa em 1967. Embora os detratores destaquem os efeitos indesejáveis, o ácido valpróico continua sendo a droga de escolha na epilepsia mioclônica juvenil, assim como eficaz nas epilepsias generalizadas idiopáticas. Infelizmente, este medicamento é teratogênico. O conhecimento da inegável eficácia do ácido valpróico tem intensificado o dilema dos neurologistas no tratamento de pacientes com epilepsia, e em particular de mulheres jovens. Os recentes dados de registros de gravidez não apenas confirmam a teratogenicidade do ácido valpróico mas também alertam para a associação com retardo no neurodesenvolvimento e doença de espectro autístico em crianças de mães expostas à droga durante a gravidez. Assim, o neurologista deve ponderar sobre os inegáveis benefícios da paciente permanecer livre de crises e as potenciais riscos envolvidos nas conseqüências permanentes nos seus filhos. Há necessidade de pesquisas futuras para melhor identificação das mulheres cujos filhos podem ser afetados, ajudando na mensuração do risco do surgimento de retardo no neurodesenvolvimento por exposição ao medicamento durante a gravidez. Indications for brain CT scan in patients with minor head injury. Saboori et al. Clin Neurol Neurosurg, 109: 399, 2007. O trauma craniano menor representa o tipo mais frequente de trauma craniano nos serviços de emergência, chegando a quase 85% dos casos. Este termo é reservado aos casos com o escore de 15 na escala de coma de Glasgow. A maioria desses pacientes não requer qualquer tratamento e recebe alta hospitalar sem complicações, mas um pequeno número deles apresenta hemorragia intracraniana, necessitando de intervenção cirúrgica. A indicação de tomografia computadorizada (TC) é muito controversa, havendo disparidade de conduta, com a realização rotineira em todos os indivíduos ou apenas em casos selecionados, como a presença de fratura no RX de crânio. 16 Este estudo prospectivo avaliou 682 indivíduos consecutivos maiores de 6 anos de idade com trauma craniano com escore de 15 de Glasgow, tendo como objetivo a avaliação de sinais e sintomas clínicos que possam auxiliar na indicação de TC. Os fatores de risco para a presença de lesões intracranianas pós-traumáticas na TC foram: 1- Amnésia pós-traumática 2- Perda da consciência 3- Crises pós-traumáticas 4- Cefaléia 5- Vômitos 6- Déficit neurológico focal 7- Fratura de crânio 8- Coagulopatia 9- Antecedentes de tratamento com anticoagulantes 10- Idade superior a 60 anos A associação de vários fatores num mesmo indivíduo aumentou a probabilidade de lesão pós-traumática na TC. The inner ear and the neurologist. Agrup C et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 78: 114, 2007. A diminuição da audição é o comprometimento sensorial mais freqüente no ser humano, afetando mais de 5% dos indivíduos nos países industrializados. É importante na população idosa e 40% das pessoas acima de 65 anos de idade apresentam hipoacusia de magnitude suficiente para comprometer a comunicação. Adicionalmente, um terço da população geral refere sintomas vestibulares. A diminuição da audição geralmente motiva o paciente a procurar um otorrinolaringologista. Entretanto, aqueles com comprometimento vestibular isolado são freqüentemente atendidos por neurologistas, com queixas de tonturas, instabilidade na marcha e oscilopsia, mas sem diminuição da audição. O foco desta revisão é o comprometimento vestibular, tendo como objetivo discutir algumas condições audiovestibulares que podem ser vistos no consultório do neurologista, incluindo os recentes avanços neste campo. 17 Anatomia O ouvido interno é uma estrutura diminuta mas complexa, preenchida por um fluido e circundado por um labirinto ósseo localizado na profundidade do osso temporal. A cóclea corresponde ao órgão acústico terminal e os órgãos vestibulares distais são os 3 canais semicirculares e o utrículo. Manifestações clínicas das doenças vestibulares A tontura pode ser causada por várias condições médicas identificadas e doenças psíquicas, mas 13% dos casos permanecem sem elucidação etiológica. Os distúrbios vestibulares podem ser divididos em periféricos e centrais. A maioria das doenças periféricas tem uma etiologia, sendo extremamente importante a obtenção de detalhes da história. A disfunção vestibular periférica aguda surge geralmente sob a forma de tontura aguda, acentuada, espontânea e acompanhada da sensação de rotação. Uma característica típica da perda da função unilateral da função vestibular é o nistagmo à torção horizontal com a fase rápida dirigida para o lado oposto ao da lesão. A disfunção periférica aguda é habitualmente associada a náusea, vômitos, sudorese e palidez. Se o componente auditivo estiver também acometido, o paciente pode referir também diminuição da audição e zumbido. A maioria das doenças vestibulares periféricas resolve em 6 a 12 semanas, em conseqüência de uma série de mecanismos diferentes e complexos, denominados coletivamente como compensação vestibular. Esta envolve o tronco encefálico, cerebelo e funções corticais e medulares. A melhora sintomática não é necessariamente acompanhada da recuperação da função vestibular, e a perda da função é freqüentemente irreversível. Em alguns pacientes, especialmente nos idosos e naqueles com doenças do SNC, a compensação vestibular não é tão marcante, resultando numa disfunção vestibular periférica crônica ou em episódios recorrentes (isto é, descompensação). As causas mais freqüentes de descompensação são doenças psicológicas, comprometimento da visão e/ou da propriocepção, comorbidades sistêmicas e o uso de drogas com ação no SNC. A disfunção vestibular central é freqüentemente associada com outros sintomas neurológicos e tende a ser mais insidiosa e prolongada que as doenças vestibulares periféricas. Nos casos em que a vertigem for o único sintoma, o diagnóstico diferencial entre o comprometimento central e periférico é problemático. Um detalhe útil é a queixa da sensação de movimento, característica da disfunção periférica. As doenças que provocam a disfunção vestibular central incluem lesões com efeito de massa na fossa posterior, 18 esclerose múltipla, e infarto cerebral ou no tronco encefálico.A vertigem episódica pode ser a manifestação inaugural de AVC cerebelar ou de tronco encefálico e, de fato, pequenas áreas de isquemia nessas regiões podem se manifestar com vertigem e ataxia, sem outros sintomas ou sinais localizatórios. Doenças audiovestibulares: variações clínicas A seguir, os autores apresentam detalhes de várias doenças que provocam disfunção vestibular, tais como otite média, colesteatoma, doença de Menière, enxaqueca, trauma cranioencefálico, doenças autoimunes sistêmicas, labirintite, etc. Drogas ototóxicas Mais de 130 medicamentos ou produtos químicos são considerados potencialmente ototóxicos. As drogas mais comumente associadas com ototoxicidade são os aminoglicosídeos, diuréticos, medicamentos citotóxicos, quinina, drogas anti-inflamatórias não esteroidais e aspirina. Quase todas essas drogas apresentam tonturas como possível reação colateral. A maioria das drogas que causam tonturas provoca esse sintoma por redução da pressão arterial com subseqüente disfunção do SNC ou por comprometimento de informações visuais/proprioceptivas. Tanto a carbamazepina como o ácido valpróico podem levar a anormalidades da audição e de zumbido de caráter temporário. Tratamento Reabilitação Como a lesão do ouvido interno é em geral irreversível, a reabilitação desempenha papel fundamental nas doenças audiovestibulares. A reabilitação vestibular é segura e eficiente. É baseada nos exercícios físicos, exercícios de Cawthorne-Cooksey, assim como no retreinamento da marcha. A maioria das drogas antivertiginosas (p. ex. antihistaminicos, anticolinérgicos, fenotiazidas, benzodiazepínicos e butirofenonas) é constituída de sedativos vestibulares e pode controlar o sintoma através desse mecanismo. Os sedativos devem ser usados apenas durante a fase aguda da doença, especialmente se a náusea for um sintoma relevante. Estes medicamentos não estão indicados para pacientes apresentando tontura crônica. Os autores enumeram os modernos recursos para recuperação ou compensação da hipoacusia, com o uso de aparelhos externos ou internos, os implantes de cóclea, entre outros. 19 Wernicke’s encephalopathy: new clinical settings and recent advances in diagnosis and management. Sechi GP et al. Lancet Neurol, 6: 442, 2007. A encefalopatia de Wernicke é uma síndrome neuropsiquiátrica aguda resultante da deficiência de tiamina, que é associada com elevados níveis de morbidade e mortalidade. De acordo com os estudos necroscópicos, a doença é ainda subdiagnosticada tanto em adultos como em crianças. Esta revisão apresenta um visão atualizada sobre os fatores e condições clínicas que predispõem à encefalopatia de Wernicke e discute os aspectos mais recentes de epidemiologia, fisiopatologia, genética, diagnóstico e tratamento. Para facilitar o diagnóstico, os autores separam os sintomas em freqüentes e raros na apresentação e os quadros tardios. Ressaltam a dose ótima de tiamina parenteral requerida para a profilaxia e tratamento da encefalopatia de Wernicke e prevenção da síndrome de Korsakoff associada com abuse de álcool. Human T-lymphotropic vírus 1: recent knowledge about an ancient infection. Verdonck K et al. Lancet Infect, 7: 266, 2007. O HTLV-1 infecta o ser humano há milhares de anos, mas o conhecimento sobre a infecção e sua patogênese está surgindo apenas recentemente. O vírus pode ser transmitido através da relação sexual, por produtos sanguíneos contaminados ou da mãe para o filho. Existem áreas no Japão, na África sub-sahariana, no Caribe e na América do Sul onde mais de 1% da população geral está infectada. Apesar da maioria dos portadores permaneça assintomática, o vírus é associado com graves doenças que podem ser subdivididas em 3 categorias: doenças neoplásicas (Leucemia/Linfoma de Células T do Adulto), síndromes inflamatórias (Mielopatia Associada ao HTLV-1/Paraparesia Espástica Tropical e Uveíte, entre outras) e infecções oportunistas (hiperinfecção por Strongyloides stercoralis e outras). A compreensão da interação entre o virus e a resposta do hospedeiro tem aumentado de forma expressiva, mas os marcadores do prognóstico não estão ainda claros e há poucas opções terapêuticas. 20 NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO Dr. Paulo Caramelli Neuropsychological deficits in frontotemporal dementia and Alzheimer’s disease: A meta-analytic review. [Déficits neuropsicológicos na demência frontotemporal e na doença de Alzheimer: uma revisão meta-analítica]. Hutchinson AD et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 2007, in press Objetivo: Identificar os testes cognitivos que melhor discriminam a doença de Alzheimer (DA) da demência frontotemporal (DFT). Métodos: Foi realizada pesquisa bibliográfica detalhada de todos os estudos publicados entre 1980 e 2006 que examinaram o desempenho cognitivo na DA e na DFT. Noventa e quatro estudos foram identificados, que avaliaram ao todo 2.936 pacientes com DA e 1.748 pacientes com DFT. Medidas estatísticas específicas foram determinadas para cada teste cognitivo que tivesse sido utilizado em dois ou mais estudos. Resultados: Os testes cognitivos mais discriminantes avaliavam de orientação, memória, linguagem, função visual-motora e função cognitiva global. De forma mais específica, os testes identificados foram: os subtestes de orientação e memória da bateria ACE, teste de evocação tardia e reconhecimento de aprendizagem auditiva verbal (AVLT), evocação tardia do desenho da figura de Rey, teste de reconhecimento de palavras, subteste de memória lógica da bateria Wechsler (% de retenção e escore de evocação tardia), subteste de reprodução visual da bateria Wechsler (escore de evocação tardia), teste de recordação seletiva (escore de evocação total), teste de nomeação graduada, emparelhamento palavrafigura, subteste de fluência verbal e de compreensão da Western Aphasia Battery, teste das pirâmides e das palmeiras (escores de palavras e de figuras), tarefas de nomeação de figuras, teste de integração visual motora de Beery e o Mini-Exame do Estado Mental. Embora tenham sido observadas diferenças marcantes e estatisticamente significativas para todas estas medidas, houve sobreposição substancial dos escores dos grupos de pacientes com DA e DFT. Idade, nível educacional e os critérios diagnósticos utilizados não contribuíram de forma significativa para estas diferenças. Conclusões: Em função da grande sobreposição dos desempenhos de pacientes com diagnóstico de DA e de DFT nos diferentes testes, a avaliação cognitiva deve ser empregada com cautela e em conjunção com a história clínica, com dados 21 comportamentais e de neuroimagem, além de informações obtidas dos familiares, com o intuito de se fazer este diagnóstico diferencial. Clinical and psychometric distinction of frontotemporal and Alzheimer dementias. [Distinção clínica e psicométrica entre as demências frontotemporal e de Alzheimer]. Liscic RM et al. Arch Neurol, 64: 535, 2007. Fundamentos: Uma parcela de pacientes que preenchem critérios diagnósticos de doença de Alzheimer (DA) do NINCDS-ADRDA tem degeneração lobar frontotemporal (DLFT) confirmada à autópsia, com ou sem DA concomitante. Portanto, os fenótipos clínicos das duas condições podem se sobrepor. Objetivos: Identificar marcadores clínicos e psicométricos que distinguem DA e DLFT no momento da apresentação clínica. Desenho: Estudo longitudinal de memória e envelhecimento. Local de estudo: Centro de Pesquisa sobre doença de Alzheimer, Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, Saint Louis, EUA. Participantes: Quarenta e oito casos com diagnóstico de DLFT confirmado à autópsia e bem caracterizados clinicamente (27 com resultado de testes neuropsicológicos) foram comparados a 27 casos com diagnóstico de DA confirmado à autópsia. Resultados: Alterações de comportamento, particularmente impulsividade (p<0,001), desinibição (p<0,001), isolamento social (p=0,01) e a presença de afasia progressiva não fluente, distinguiram os indivíduos com DLFT daqueles com DA. Os pacientes com DLFT tiveram melhor desempenho do que os com DA em um teste de memória episódica visual (p=0,01), mas pior em um teste de fluência verbal (p=0,02) (desempenho este correlacionado a alterações afásicas). Outras alterações cognitivas, como disfunção executiva e comprometimento de memória, foram comparáveis entre os dois grupos. Achados histopatológicos característicos de DA foram observados concomitantemente em 11 dos 48 pacientes com DLFT. Conclusões: Aspectos clínicos e cognitivos da DLFT podem se sobrepor aos da DA, embora alterações de comportamento e de linguagem diferenciem os pacientes com DLFT. O déficit de memória em pacientes com DLFT pode, em parte, ser um reflexo da 22 dificuldade para encontrar palavras, característica do transtorno de linguagem. Soma-se à sobreposição dos fenótipos clínicos da DLFT e da DA a presença de alterações neuropatológicas de DA em quase 1/4 dos pacientes com DLFT. Comentários Os dois estudos citados abordam temática semelhante e de grande relevância na prática clínica, com implicações relacionadas tanto ao prognóstico quanto à terapêutica: o diagnóstico diferencial entre DA e DFT. Embora a DA seja a causa mais freqüente de demência em indivíduos com idade ≥ 65 anos, alguns indivíduos nesta faixa etária, e principalmente aqueles com idade abaixo de 65 anos, podem apresentar outra forma de demência degenerativa, a DFT. Alguns investigadores sugerem que na faixa etária présenil (< 65 anos), a DFT teria prevalência muito próxima à da DA. Tanto a meta-análise apresentada no primeiro artigo quanto os dados da casuística original apresentada no segundo (que tem como grande diferencial o fato do diagnóstico final ter sido confirmado ao exame anatomopatológico) demonstram a marcante sobreposição das manifestações cognitivas nestas duas formas de demência. A análise dos resultados apresentados implica em que o diagnóstico diferencial entre DA e DFT seja feito com cautela e baseado no conjunto de dados clínicos e de exames de neuroimagem disponíveis e não apenas nos dados de avaliação neuropsicológica. Particularmente importantes são as informações relativas à ocorrência de alterações de comportamento, sobretudo impulsividade, desinibição e isolamento social, que seriam bons indicadores do diagnóstico de DFT. A observação, no segundo estudo, da associação de patologia do tipo Alzheimer em quase 25% dos cérebros dos pacientes com DFT é até certo ponto surpreendente, e pode explicar parte da sobreposição clínica observada entre estas duas formas de demência degenerativa. 23 Category fluency as a screening test for Alzheimer disease in illiterate and literate patients. [Fluência verbal semântica como teste de rastreio para a doença de Alzheimer em pacientes analfabetos e alfabetizados]. Caramelli P et al. Alzheimer Dis Assoc Dis, 21: 65, 2007. Objetivos: Testes de avaliação cognitiva breve são amplamente utilizados para rastreio de demência, embora sejam usualmente influenciados pelo nível educacional. O presente estudo teve como objetivos determinar escores do teste de fluência verbal (FV) semântica (animais por minuto) ajustados à escolaridade e seus valores correspondentes de sensibilidade (S) e de especificidade (E) como instrumento de rastreio diagnóstico na doença de Alzheimer (DA). Métodos: Oitenta e oito pacientes com DA leve e 117 controles devidamente pareados foram avaliados. Pacientes e controles foram subdivididos em quatro grupos de acordo com a escolaridade (analfabetos, 1-3 anos, 4-7 anos e ≥ 8 anos) e submetidos ao teste de FV semântica (animais). Em cada grupo, as notas de corte foram determinadas por meio de análise das áreas sob as curvas ROC. Resultados: Os valores das áreas sob as curvas ROC foram 0,922 / 0,914 / 0,963 / 0,954 para a o diagnóstico de DA entre os grupos de analfabetos, 1-3, 4-7 e ≥ 8 anos de escolaridade, respectivamente. As notas de corte para cada grupo, juntamente com os valores de sensibilidade e especificidade, foram: < 9 (S=90,5%; E=80,6%) para analfabetos; < 12 (S=95,2%%; E=80,0%) para aqueles com 1-3 anos; < 12 (S=91,3%; E=91,9%) para os com 4-7 anos e < 13 (S=82,6%; E=100,0%) para os indivíduos com escolaridade ≥ 8 anos. Conclusões: Estes resultados sugerem que o teste de FV semântica (animais) pode ser útil como instrumento de rastreio em casos de DA leve com diferentes níveis educacionais, desde que sejam utilizados pontos de corte ajustados para cada faixa de escolaridade. Comentários O teste de FV (animais) é muito empregado em nosso país como parte da avaliação cognitiva de pacientes com demência, especialmente DA. É bastante conhecida a interferência da escolaridade sobre o desempenho neste e em muitos outros testes empregados na prática clínica e mesmo na avaliação neuropsicológica formal. Para que o 24 emprego destes instrumentos seja mais informativo e mesmo seguro por parte do médico e do neuropsicólogo, recomenda-se que sejam estabelecidas notas de corte adequadas à nossa população, levando-se em consideração tanto particularidades educacionais como também culturais. É neste contexto que se enquadram os objetivos deste estudo, que apresenta sugestões de pontos de corte para o referido teste no rastreio de DA leve em diferentes níveis de escolaridade. Os resultados obtidos reproduzem as impressões positivas de várias publicações internacionais anteriores com este mesmo teste, que pela sua brevidade e facilidade constitui ferramenta útil para a avaliação clínica de pacientes com demência, particularmente aqueles com suspeita de DA. 25 NEUROIMUNOLOGIA Dr. Marcos Moreira Dr. Charles Peter Tilbery Dr. André Luiz Muniz Alves dos Santos Dr. Rogério de Rizo Morales Dra. Nívea de Macedo Oliveira Morales Autologous haematopoietic stem cell transplantation fails to stop demyelination and neurodegeneration in multiple sclerosis. Metz I et al. Brain, 130: 1254,2007. Esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória crônica imunomediada desmielinizante do sistema nervoso central. A causa da EM permanece desconhecida. Vários estudos sugerem que a exposição a um agente ambiental desencadearia uma disfunção do sistema imune em pessoas geneticamente predispostas precipitando a doença. A disfunção do sistema imune levaria a uma ação autolesiva dirigida fundamentalmente contra a substância branca com perda de oligodendrócitos, mielina e axônios. O transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas (TACT) na EM está baseado em resultados favoráveis de transplantes em modelos animais e em observações clínicas de pacientes submetidos a transplante para doenças malignas que apresentavam doença auto-imune associada. No entanto, o modelo animal de EM não é totalmente reproduzível em humanos e pacientes com lesões graves caracterizadas por perda axonal e atrofia cortical não apresentariam melhora. A base terapêutica do TACT na esclerose múltipla é a imunossupressão radical ou mesmo a imunoablação, desencadeadas por dose alta de quimioterapia e/ou radioterapia e a reconstituição de um novo sistema imune após a infusão de células-tronco autólogas oriundas do sangue periférico ou da medula óssea do próprio paciente. A fonte preferida de células tronco é o sangue periférico devido à curta duração da aplasia, resultando em menor morbidade e mortalidade. O efeito de longo prazo de dose alta de imunossupressão seguida de TACT sobre a freqüência dos surtos ou progressão da EM é desconhecida. No Brasil, o primeiro TACT em um paciente com EM foi realizado em 2001. Aproximadamente 250 pacientes com EM foram tratados com dose alta de quimioterapia seguida de TACT em todo mundo, como parte de estudos abertos fase I e II. 26 O objetivo deste estudo foi caracterizar a histopatologia de lesões da EM em pacientes que receberam TACT. Um total de 53 lesões da substância branca (de 05 pacientes) foi investigado utilizando corantes imunohistoquímicos para caracterizar atividade desmielinizante, infiltrados inflamatórios, axônios lesados agudamente e células microgliais/macrófagos. Os autores encontraram evidências de desmielinização ativa em todos os pacientes. O infiltrado inflamatório dentro das lesões mostrou somente poucas células T com predomínio de células T citotóxicas CD8+. Células B e plasmócitos estavam completamente ausentes nas lesões. Alto número de axônios lesados agudamente foi encontrado nas áreas de lesão ativa. A injúria tissular foi associada com células microgliais/macrófagos ativados. Os resultados deste estudo indicam que a desmielinização ativa e a degeneração axonal ocorrem apesar de uma imunossupressão radical seguida de TACT. Em conclusão, os dados do estudo mostram que dano axonal e desmielinização estão presentes em pacientes com longo tempo de doença e alto EDSS que se submeteram a imunossupressão seguida de TACT. Neutralizing antibodies to interferon beta: Assessment of their clinical and radiographic impact: an evidence report. Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology. Goodin DS et al. Neurology, 68: 977, 2007. Este estudo foi baseado em evidências científicas disponíveis na literatura e realizado sob os auspícios da Academia Americana de Neurologia. O estudo analisou o impacto radiológico e clínico do desenvolvimento de anticorpos neutralizantes (NAbs) para o interferon beta (INFβ). Com base em evidências classe II e III (quadro 1), concluiuse que o tratamento de pacientes com esclerose múltipla (EM) com INFβ está associado com a produção de NAbs (recomendação A). A presença dos NAbs no soro está provavelmente associada com a redução na eficácia clínica e radiológica do tratamento com INFβ (recomendação B). Além disso, a taxa de produção de Nabs é provavelmente 27 menor com o tratamento com INFβ-1a quando comparado com o tratamento com INFβ-1b, embora a magnitude e persistência desta diferença seja difícil de determinar (recomendação B). É provável que exista uma diferença na soroprevalência devido a variabilidade da dose de INFβ injetada ou na freqüência ou via de administração (recomendação B). Parece claro que o INFβ-1a de uso intramuscular é menos imunogênico que as outras preparações de INFβ (recomendação A). No entanto, devido ao fato dos NAbs desaparecerem em alguns pacientes mesmo em uso continuado de INFβ, a persistência desta diferença é difícil de determinar (recomendação B). Apesar do achado de que altos títulos de NAbs (>100 a 200 NU/ml) estão associados com uma redução no efeito terapêutico do INFβ, não há informação suficiente para a utilização de testes para dosagem de NAbs com a finalidade de fornecer recomendações específicas; visto que ainda não está definido que teste usar; quando fazer o teste, quantos testes são necessários ou ainda, que títulos seriam importantes (recomendação U). 28 Quadro 1. Classes de Evidência para intervenção terapêutica e tipos de Recomendação Tradução da evidência para a Classes de evidências dos ensaios terapêuticos Tipos de recomendação recomendação Classe I: Ensaio clínico controlado com avaliação A = Estabelecido como Recomendação Tipo A requer no mascarada do resultado, numa população eficaz, ineficaz, ou mínimo um estudo Classe I representativa. São necessários: prejudicial para a dada convincente, ou no mínimo dois estudos convincentes classe II a) Resultado(s) primário(s) claramente definido(s) condição na população b) Critérios especificada de inclusão/exclusão claramente definidos c) Contagem adequada das desistências e crossovers com números suficientemente baixos para se ter mínimo potencial para viés d) Características relevantes do quadro inicial são apresentadas e substancialmente equivalentes entre os grupos de tratamento, ou há ajustes estatísticos apropriados para as diferenças. Classe II: Estudo de coorte prospectivo com B = Provavelmente eficaz, Recomendação Tipo B requer no grupos pareados numa população representativa ineficaz, ou prejudicial para mínimo um estudo convincente Classe com avaliação mascarada do resultado que a dada condição na II, ou no mínimo três estudos preencha a – d acima; ou um ensaio clínico população especificada consistentes Classe III. Classe III: Todos os outros ensaios controlados C = Possivelmente eficaz, Recomendação Tipo C requer no (incluindo controles com história natural bem ineficaz, ou prejudicial para mínimo dois estudos convincentes e definida ou pacientes servindo como seus próprios a dada condição na consistentes Classe III controles) numa população representativa, onde a população especificada terapêutico numa população representativa faltando um dos critérios a – d. avaliação da desistência é independente do tratamento do paciente. Classe IV: Evidência a partir de estudos não U = Dados inadequados ou controlados, séries de casos, relatos de casos ou conflitantes. opinião de especialistas. 29 Immunomodulatory treatment in multiple sclerosis: experience at a Brazilian center with 390 patients. Tilbery CP et al. Arq Neuropsiquiatr, 64: 51,2006. A esclerose múltipla é uma enfermidade crônica, progressiva e imunomediada. Geralmente compromete indivíduos jovens, sendo a principal causa de incapacidade laborial nos EUA e Europa. Nos últimos anos a prevalência desta enfermidade tem aumentado gradativamente e, recentes publicações, detectaram aumento significativo da EM em mulheres e crianças. Este fato foi confirmado entre nós, de maneira que inúmeros neurologistas tem descrito séries crescentes de pacientes com a EM no Brasil, com semelhanças às séries ocidentais. Do ponto de vista evolutivo há uma tendência entre nós de considerá-la mais benigna comparativamente as mesmas séries. Até meados dos anos 90 o tratamento na EM se resumia a reverter os surtos com uso de corticóides e seus derivados. Após esta intervenção medicamentosa, o paciente gradativamente evoluía para progressão e acúmulo de incapacidades nos anos subseqüentes, sem haver até então medicamentos que alterariam este grave cenário. Felizmente, após a aprovação do FDA em 1993, o arsenal terapêutico do neurologista para tratar estes pacientes foi beneficiado com a aprovação dos interferons, drogas modificadoras do curso da moléstia. Esta nova intervenção medicamentosa causou alteração significativa na evolução dos portadores de EM. Entre nós, o Ministério da Saúde incorporou, paulatinamente, a partir de 1997, na sua lista de medicamentos os interferons e o acetato de glatirâmer, como medicamentos imunomoduladores A indicação do uso destes medicamentos está bem estabelecida atualmente. Há indicação de se iniciar o tratamento tanto mais precoce possível, uma vez que o diagnóstico seja definido pelos critérios adotados por McDonald WI e cols em 2001 e revistos por Polman CH em 2005. Deve-se medicar apenas pacientes com formas ativas da EM, pois suas características anti-inflamatórias restringem seu uso nestes casos, pois pacientes com progressão da doença e portanto com seqüelas e lesões axonais não tem benefícios comprovados com estes medicamentos A experiência com uso de imunomoduladores nos últimos 10 anos tem revelado dados impotantes, que devem ser abordados com os pacientes para manter a aderência ao tratamento. Não é possível, pelo menos atualmente, prever a resposta terapêutica, por ausência de marcador biológico para este fim e, apenas a escala de incapacidade (EDSS), o 30 número de surtos durante o uso do medicamento comparativamente ao ocorrido antes do início do tratamento e a IRM (imagem por ressonância magnética) sinalizam a resposta terapêutica. A impressão prática sugere que os medicamentos imunomoduladores tem a mesma eficácia e, portanto, ao recomendar seu uso, devemos esclarecer ao paciente as eventuais diferenças posológicas destes medicamentos, ocorrência de efeitos colaterais, resultados esperados, etc. Nota-se que as taxas de aderência e migração são variáveis nos estudos e dependem de vários fatores. Observa-se que pacientes que convertem de formas remitentes para as progressivas da doença são fatores que influenciam no abandono do tratamento. Efeitos colaterais, que normalmente são transitórios, são fatores importantes para alguns pacientes migrarem de imunomodulador. Os autores relatam estas ocorrências em sua casuística, que representa o perfil dos pacientes e a conduta que adotamos no nosso meio. High-dose cyclophosphamide for moderate to severe refractory multiple sclerosis. Gladstone DE et al. Arch Neurol, 63: 1388,2006. Trata-se de um estudo realizado em New York, no qual foram estudados 13 portadores de esclerose múltipla (EM), forma remitente-recorrente ou secundariamente progressiva, com EDSS maior ou igual a 3,5, e submetidos anteriormente a pelo menos dois tratamentos com drogas modificadoras da doença (imunomoduladores, imunoglobulinas, mitoxantrone, e outros). Esses pacientes receberam ciclofosfamida 200mg/kg por quatro dias, e foram seguidos por dois anos com avaliações clínicas, de ressonância e de qualidade de vida. Durante o seguimento, nenhum paciente piorou o EDSS inicial em mais de um ponto, e cinco apresentaram melhora entre 1,0 e 5,0. Observou-se estabilização dos parâmetros radiológicos, e melhora em sintomas neurológicos e em todos os domínios de qualidade de vida avaliados pelo SF-36. Dessa forma, os autores concluem que a ciclofosfamida em altas doses para portadores de EM refratária é uma opção a ser considerada, mas reforçam ainda a necessidade da melhor determinação do tipo de pacientes para esse tratamento. 31 A systematic review of oral methotrexate for multiple sclerosis. Gray OM et al. Mult Scler, 12:507, 2006. Neste estudo, os autores apresentam os resultados de uma busca na literatura, através de várias fontes, de estudos randomizados e controlados sobre a utilização do metotrexate oral na esclerose múltipla (EM). Foram incluídos estudos com portadores de EM com forma remitente-recorrente ou progressiva de acordo com os critérios de Poser, que utilizaram metotrexate na dose de 7,5 mg/semana por pelo menos três meses, e com vários critérios para avaliação da evolução e de efeitos colaterais. Dos 1085 artigos encontrados inicialmente, 1083 foram excluídos por não se tratarem de estudos controlados, e um foi excluído porque, em duas ocasiões, os pacientes apresentaram surtos, e foi comunicado aos médicos que o paciente estava usando a droga ou o placebo. O artigo avaliado estudou 60 pacientes, 31 com metotrexate e 29 com placebo, e não foram evidenciadas diferenças após 36 meses de acompanhamento, sendo 24 meses em uso da medicação. Assim, pela falta de evidências fortes, os autores da revisão não recomendam o uso do metotrexate oral na EM, até que mais estudos randomizados e controlados sejam realizados. Prognostic factors for early severity in a childhood multiple sclerosis cohort. Mikaeloff Y et al. Pediatrics, 118:1133, 2006. Um estudo do tipo coorte foi conduzido em uma população francesa com diagnóstico de esclerose múltipla (EM), com manifestação inicial antes de 16 anos de idade. O objetivo do estudo foi o de identificar fatores prognósticos para gravidade e fornecer elementos para o desenvolvimento de um instrumento que pudesse predizer precocemente a gravidade da doença, por meio de um escore. Participaram do estudo 197 crianças com história de dois episódios clinicamente definidos de desmielinização inflamatória aguda em intervalo de pelo menos 30 dias. O 32 diagnóstico de EM baseou-se em critérios clínicos de disseminação espacial e temporal. O período de inclusão foi de janeiro de 1990 a dezembro de 2003 para o primeiro episódio de desmielinização. Os pacientes foram acompanhados até junho de 2005. De 197, 144 pacientes (73%) evoluíram de forma grave. O risco de gravidade foi maior para o gênero feminino, para indivíduos com intervalo entre o primeiro e segundo surto inferior a um ano, para crianças que já preenchiam critérios para diagnóstico de EM no exame de ressonância magnética inicial, na ausência de mudanças na gravidade do estado mental no início do quadro e para a forma de evolução progressiva da doença. O estudo obteve um índice potencial para estabelecer a gravidade precoce da EM de início na infância, com valor preditivo de 35% para segundo quartil. Todavia, o instrumento elaborado ainda necessita ser validado. Segundo os autores, esse estudo permitiu a determinação dos fatores de risco para evolução precocemente grave da EM, o que pode possibilitar a identificação dos indivíduos com maior risco e favorecê-los mediante abordagem terapêutica apropriada por meio de novos estudos. Early abnormalities of evoked potentials and future disability in patients with multiple sclerosis. Kallmann BA et al. Mult Scler, 12: 2006, 58. Os autores iniciam o artigo salientando que os potenciais evocados (PEs) têm um papel no diagnóstico da Esclerose Múltipla (EM), mas sua implicação para predizer o curso futuro da EM está sob debate. Neste artigo os PEs de 94 pacientes foram realizados na primeira visita, após cinco e dez anos e analisados retrospectivamente. Os pacientes foram divididos em dois grupos com relação à duração da doença: grupo 1 (n= 44) foram examinados nos primeiros dois anos após o início da doença, e grupo 2 (n= 50) nas formas mais tardias da doença. No grupo 1 foi encontrado um valor preditivo significativo para o PE (Potencial Evocado Somatossensitivo - PESS e Potencial Evocado Motor - PEM) que se correlaciona significativamente com os valores do EDSS após cinco anos e o PEM após 10 anos. Os 33 PEM, PESS e PEV (Potencial Evocado Visual) anormais indicam também uma grande incapacidade funcional com EDSS>3,5 após cinco anos. Achados anormais combinados de PESS e PEM na primeira avaliação se correlacionam mais com EDSS > 3.5 após cinco anos. Os dados dos PEs e EDSS na primeira avaliação não foram associados significativamente, o que sugere que as anormalidades do PE pelo menos em parte representaram lesões silenciosas. No grupo 2 nenhuma associação significativa entre dados dos PEs na primeira avaliação e o EDSS em cinco e dez anos de acompanhamento foram detectados. Os autores salientam a importância do PEV no diagnóstico de EM, porém escrevem que os mesmos não são úteis para o acompanhamento. Os autores concluem que achados clínicos juntamente com achados da ressonância magnética e os dados combinados dos PEs podem ajudar identificar pacientes de alto risco de incapacidade e ajudar na decisão do uso do imunomodulador. Recomendam estudos prospectivos para avaliar o valor dos PEs no acompanhamento desses pacientes. Can abnormal evoked potentials predict future clinical disability in patients with multiple sclerosis? Mastaglia FL. Nat Clin Pract Neurol, 2: 2006,304. Mastaglia comenta que o curso clínico dos pacientes com EM é extremamente variável, e predizer a progressão e o grau eventual da incapacidade é difícil nos estágios precoces da doença. Determinadas características tais como a idade de início, a área do sistema nervoso central afetada inicialmente (por ex: medula espinhal, tronco cerebral, cerebelo) e a freqüência dos surtos nos primeiros dois anos da doença podem servir de marcador prognóstico. O número e o volume das lesões no cérebro na ressonância magnética já são considerados marcadores prognósticos. Segundo Mastaglia, nenhum destes critérios possui real valor quando analisamos individualmente cada paciente. Estudos prévios já evidenciaram uma relação entre registros anormais dos potenciais evocados e a incapacidade funcional dos pacientes com Esclerose Múltipla indicando o valor prognóstico dos PEs. O estudo de Kallmann et al. mostra uma correlação convincente entre o número e a severidade de anormalidades dos PEs quando os registros 34 foram obtidos nos primeiros 2 anos após o início do sintoma, e o grau da incapacidade subseqüente avaliada após 5 anos pelo EDSS. Kallman e cols. sugerem que os PEs em associação com o exame por imagem por ressonância magnética (IRM) podem ajudar no prognóstico dos pacientes e identificar quem se beneficiará com a terapia imunomoduladora. No entanto,deve-se pensar no custo desses exames. O potencial evocado visual (PEV) já é reconhecidamente o PE mais útil para detectar lesões assintomáticas da via visual nos pacientes com IRM normais ou inconclusivas. O PEV é útil também nos pacientes com lesões restritas ao cérebro ou na medula espinhal, sendo que o mesmo já está incluído nos critérios diagnósticos revisados de McDonald para EM. Early abnormalities in evoked potentials and future disability in patients with multiple sclerosis. Casanova B et al. Mult Scler, 12: 2006,521. Na carta para o editor, Casanova et al., comentam sobre o valor preditivo das anormalidades dos potenciais evocados na incapacidade futura dos pacientes com esclerose múltipla. Eles concordam com o estudo de Kallmann e salientam que os potenciais evocados realizados no início dos sintomas se correlacionam não só com a incapacidade como também com a progressão rápida da doença. Eles acreditam que os potenciais evocados juntamente com a clínica, IRM e marcadores biológicos podem nos auxiliar no prognóstico destes indivíduos e na seleção de pacientes de alto risco para uma intervenção terapêutica precoce. 35 CEFALÉIA Drª. Célia Aparecida de Paula Roesler Migraine in the elderly: a review. Haan J et al. Cephalalgia, 27: 97, 2007. Neste artigo, a epidemiologia e aspectos clínicos da migrânea em grupos de 60 anos ou mais são reunidos, com especial atenção para comorbidade. São também mostradas as opções de tratamento em idosos. Em geral, a migrânea tem um prognóstico relativamente favorável: em torno de 40% de pacientes com migrânea com aura (MA) e migrânea sem aura (MoA) pararam de ter crise. Essa diminuição é iniciada a partir dos 50 ou 60 anos de idade e ocorre não somente no período pós-menopausa da mulher, mas também em homens. Quando a migrânea persiste, suas características podem mudar com o avanço da idade. O problema de transformação da migrânea numa forma crônica pode acontecer em todas as idades, inclusive nos idosos. Abuso de medicação tem seu papel nisso, mas essa transformação também pode refletir um mal diagnóstico. Devemos lembrar que, ao envelhecer, ataques de MA podem perder o elemento da dor de cabeça e os pacientes podem somente apresentar os sintomas visuais (aura). O avanço na idade geralmente vem acompanhado do aumento de suscetibilidade de um grande número de doenças, como hipertensão, diabetes e consequências (como AVC e problemas no coração). Há também inúmeras doenças que ocorrem mais freqüentemente em associação com a migrânea, como o AVC isquêmico (que não deve ser somente associado aos pacientes idosos). Migrânea e doenças cérebros-vasculares: os achados são só consideráveis em mulheres jovens; não há nada consistente em populações mais idosas. Migrânea e depressão: sintomas depressivos podem influenciar a ocorrência e severidade de migrânea em pacientes mais velhos. 36 Migrânea e cognição: uma alta incidência de lesões na substância branca em pacientes com migrânea e o fato desta também causar ruptura na fisiologia do cérebro poderia nos levar a assumir que há uma relação entre migrânea e declínio cognitivo, mas isso não foi comprovado em estudos. Migrânea e vertigem: apesar de tontura ser uma reclamação comum na população em geral, e parece crescer com o aumento da idade, migrânea com vertigem não é especificamente associada com pessoas maiores de 60 anos. Migrânea e epilepsia: não há dados conclusivos, visto que a maioria dos estudos foi focada na população jovem. A tabela a seguir mostra qual tratamento deve ser usado em pacientes idosos. Tratamento da crise Primeira escolha Acetaminofen Segunda escolha Triptanos Não usar, ou usar com cautela NSAIDs ; Ácido Acetilsalicílico Tratamento Preventivo Primeira escolha Propanolol ;Topiramato ;valproato de sódio Segunda escolha Bloqueadores dos canais de cálcio Não usar, ou usar com cautela Nortriptilina Não usar Amitriptilina A migrânea em pacientes idosos tem sido negligenciada, apesar de muitos pacientes com idades maiores que 50, 60 e 70 anos sofram de migrânea. Atenção especial é necessária para o diagnóstico da migrânea em pacientes idosos, onde outras doenças que causam dor de cabeça devem ser consideradas e excluídas. 37 Prospective analysis of factors related to migraine attacks: the PAMINA study. Wöber C et al. Cephalalgia, 27: 304, 2007. A migrânea é relacionada a numerosos fatores, como hormônios, stress e nutrição, por exemplo, mas informações sobre seus reais envolvimentos no assunto são limitadas. Neste estudo, foi analisado um amplo espectro de fatores relacionados com dor de cabeça em migranosos. A migrânea é uma desordem neurológica paroxismal que afeta pelo menos 10% da população mundial, causando desconforto individual e até mesmo um largo problema econômico na sociedade. Como sabemos, a migrânea requer tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos, mas não devemos esquecer que os gatilhos desencadeantes das crises devem ser usados como estratégia de tratamento. A grande maioria dos estudos sobre os fatores desencadeantes dos ataques de migrânea são baseados em recordações, o que é uma informação subjetiva. Neste estudo, foi entregue aos pacientes um diário que relacionava 52 itens potencialmente relacionados com migrânea e incluía questões como presença de dor de cabeça, assim como as características desta. Foram observadas a ocorrência e persistência de dor de cabeça em migranosos e, como resultados, percebemos que a menstruação tem um papel desfavorável em 96% dos casos. Além disso, tem também efeitos desfavoráveis tensão muscular no pescoço, tensão psicológica, cansaço, barulho, odores e exaustão física. Com esses resultados enfatizamos que a educação do paciente deve ser feita juntamente com o tratamento farmacológico. 38 TRANSTORNOS DO MOVIMENTO Dra. Mônica Santoro Haddad RISCOS ELEVADOS DE PROBLEMAS VALVARES CARDÍACOS REPORTADOS EM PACIENTES COM DOENÇA DE PARKINSON USANDO AGONISTAS DOPAMINÉRGICOS DERIVADOS DO ERGOT. Valvular heart disease during treatment with dopamine agonists for Parkinson´s disease. Zanettini R et al. N Engl J Med, 356: 39, 2007. Dopamine agonists and the risk of cardiac-valve regurgitation. Schade R et al. N Engl J Med, 356: 29, 2007. E Coméntários de Kurt Samson para o Neurology Today 2007, vol 7, n 3 Dois novos estudos, publicados no início de 2007, confirmam que pacientes com doença de Parkinson (DP) usando agonistas dopaminérgicos ergolínicos podem estar em risco elevado de doença valvar cardíaca. Os sintomas da doença cardíaca podem escapar da atenção do neurologista pois são similares àqueles experimentados pelos pacinetes com DP e são apenas detectados por ecocardiogramas. O grupo italiano encontrou um aumento significante na regurgitação valvar moderada a grave em pacientes usando pergolida ou cabergolina quando comparados com indivíduos não tratados. A regurgitação também não foi encontrada nos pacientes usando agonistas não ergolínicos. Ecocardiogramas foram realizados em 155 pacientes ( 64 usando pergolida, 49 usando cabergolina e 42 com agonistas não ergolínicos) e comparados com 90 controles pareados por sexo e idade. Os resultados revelaram que 23,4% dos pacientes com pergolida e 28,6% dos pacientes com cabergolina tinham regurgitação valvar cardíaca moderada a grave(graus3 e 4), clinicamente significativas e que acometiam uma ou mais vávulas de três ( aórtica, mitral e tricúspide). Comparativamente, apenas 5,6% dos controles e nenhum dos pacientes em uso de agonistas não ergolínicos apresentaram tal problema. Os autores também relatam que os pacientes tratados com agonistas ergolínicos que tinham grau 3 a 4 de regurgitação de qualquer das valvas cardíacas recebiam uma dose cumulativa significantemente mais alta de pergolida ou cabergolina quando comparados 39 com pacientes com graus mais baixos de regurgitação. O risco relativo (RR) para regurgitação valvar moderada ou grave foi estatisticamente significante para válvula mitral nos usuários de pergolida (RR=6,3;p=0,008) e regurgitação aórtica (RR=4,2;p= 0,01). Nos pacientes usando cabergolina, apenas o risco de regurgitação aórtica foi significativo (RR=7,3;p<0,001). Os autores ressaltam que os sintomas de insuficiência valvar podem se instalar lentamente e serem referidos de forma vaga pelos pacientes, na forma de casaco, tonturas, dificuldade para caminhar ou seja, facilmente confundidos com queixas comum nos pacientes parkinsonianos e o diagnóstico só pode ser feito pelo estudo ecocardiográfico. Assim, sugerem que os neurologistas devem estar cientes do risco, discuti-lo com seus pacientes e realizar acompanhamento ecocardiográfico periódico nos pacientes usando agonistas dopaminérgicos ergolínicos. O segundo estudo foi conduzido por pesquisadores alemães, que revisaram dados de 11417 pacientes registrados no United Kingdom General Practice Research Database no período de 1988 até 2005. Encontraram um significante aumento de regurgitação valvar cardíaca durante um tempo médio de seguimento de 4,2 anos, particularmente naqueles que usavam doses superiores a 3mg e por períodos maiores de seis meses. A incidência anual de doença valvar cardíca foi significantemente mais alta com o pergolide (30 /10000 pacientes) e cabergolina (33/10000 pacientes), do que com pacientes não tratados ( 5,5/10000). Em 31 pacientes com insuficiência valvar recentemente diagnosticada, seis estavam usando pergolida, seis estavam usando cabergolina e 19 não estavam usando nenhum agonista dopaminérgico. Não se observou entretanto diferenças nos pacientes usando bromocriptina ou lisuride, assim como nos agonistas não ergolínicos, como ropinirole e premipexole. O professor Joseph Tenenbaum cita, nos comentários ao Neurology Today, que estes achados lembram os que levou a suspensão do uso de moderadores de apetite do tipo fenfluramina, há uma década atrás. Já há na literatura médica evid~encias suficientes quanto ao risco dos derivados do ergot, porém os neurologistas habitualmente não incluem ecocardiogramas em sua rotina quando prescrevem estes medicamentos. Isto é um equivoco, pois embora o número de pacientes afetados seja pequeno, o risco é alto e os neuologistas devem estar alertas, completa. 40 EPILEPSIA Dr. Luiz Eduardo Betting Dr. Fernando Cendes Idiosyncratic adverse reactions to antiepileptic drugs. Zaccara G et al. Epilepsia 2007; OnlineEarly Articles: 1-22 1) Introdução A prevenção e o manuseio de eventos adversos é um grande desafio na prática diária dos médicos que lidam com epilepsia. De modo geral, as reações adversas podem ser divididas em dois grandes grupos: - Tipo A (dose dependente): mais comum. Esta relacionada aos mecanismos de ação da medicação em uso. Na maioria das vezes o ajuste da dose do medicamento melhora os sintomas. Raramente requer descontinuação da droga antiepiléptica. - Tipo B (idiossincrásica): mais rara. Este tipo de reação adversa ocorre sem aviso e de forma imprevisível. Apesar de sua menor freqüência, as reações adversas idiossincrásicas constituem um grande problema. Estas reações são responsáveis por elevada taxa de morbi-mortalidade e na maioria das vezes requerem descontinuação da medicação. 2) Definição de reação adversa idiossincrásica Qualquer efeito adverso que não pode ser explicado com base nos conhecidos mecanismos de ação da medicação. A ocorrência na maioria das vezes é imprevisível. Incide em indivíduos susceptíveis, independentemente da dosagem. 3) Avaliação e identificação Existem muitas dificuldades metodológicas no estudo dos efeitos adversos idiossincrásicos. Uma das dificuldades é a rara ocorrência podendo passar despercebida nos estudos iniciais. Outra dificuldade é o estabelecimento de uma relação causal, pois muitas vezes a reação pode aparecer anos após o inicio da medicação dificultando a sua identificação. A epidemiologia das reações idiossincrásicas é bastante complexa em decorrência das incertezas quanto às incidências reportadas, relação causal entre outros. 41 4) Mecanismos: Podem ser divididos em três principais: - Citotoxicidade direita: uma medicação ou metabólito pode causar dano celular direito. - Reações de hipersensibilidade imunomediadas. - Farmacologia relacionada a outro sistema: a droga ou um metabólito interage diretamente com outro sistema. 5) Fatores de risco: a) Fatores genéticos: a ocorrência de efeitos adversos idiossincrásicos em gêmeos e em algumas famílias sugere uma predisposição geneticamente determinada. Resultados interessantes estão sendo observados das investigações de genes que controlam as respostas imuno-inflamatórias. Futuramente, testes genéticos poderão se tornar importantes ferramentas na investigação de pacientes com riscos de reações adversas idiossincrásicas. b) Idade: o risco de apresentar reações adversas idiossincrásicas é idade-dependente. Esta susceptibilidade é explicada pelas diferenças no metabolismo relacionado a idade. Indivíduos mais jovens e idosos apresentam uma maior predisposição aos efeitos adversos idiossincrásicos. c) Dose de início e velocidade de titulação: o início com doses altas e o rápido aumento na dosagem das medicações antiepilépticas estão associados a um maior número de efeitos adversos idiossincrásicos. d) Fatores relacionados a doenças: várias patologias de base podem predispor a um maior risco de reações adversas idiossincrásicas. Deste modo, em pacientes com comorbidades o manuseio das drogas antiepilépticas deve ser realizado de forma mais cautelosa. e) Outros fatores: - reações idiossincrásicas a uma determinada medicação ocorrem com uma freqüência maior quando o paciente apresenta história de reação a outras medicações. Particularmente, quando os compostos são semelhantes. Um exemplo é a reação de hipersensibilidade cruzada entre medicações antiepiléticas aromáticas (carbamazepina, fenitoína e fenobarbital). Nestes pacientes, medicações não-aromáticas como valproato e benzodiazepínicos constituem alternativas mais seguras. - o uso de múltiplas medicações é outro fator associado a predisposição as reações adversas. Um exemplo é a combinação entre lamotrigina e valproato. Esta combinação 42 favorece o aparecimento dos efeitos de hipersensibilidade relacionados a lamotrigina, em especial nos pacientes com rápido aumento das doses. 6) Reações idiossincrásicas mais comuns a medicações antiepilépticas: a) Reações cutâneas: constituem a manifestação mais comum de uma reação adversa idiossincrásica. Podem variar de leve a grave inclusive com potencial de letalidade. - Rash relacionado à droga com eosinofilia e sintomas sistêmicos (drug-related rash with eosinophilia and systemic symptons – DRESS): é uma reação severa caracterizada por febre, erupção cutânea, eosinofilia, linfocitose atípica, artralgia, linfadenopatia e envolvimento multiorgânico (discrasias sanguíneas, hepatite, nefrite, miocardite, tireoidite, pneumonite intersticial e encefalite). Mais comumente observada em pacientes com fenitoína e carbamazepina. - Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise tóxica epidérmica: consistem em reações caracterizadas por rápido aparecimento de erupções bolhosas, exantematosas, com máculas purpúricas e lesões em alvo, acompanhadas de envolvimento de mucosas e descamação da pele. São classificadas de acordo com a porcentagem de descamação (menor do que 10% na Síndrome de Stevens-Johnson e maior do que 30% na necrólise tóxica epidérmica). A mortalidade esta relacionada com a extensão do envolvimento da pele e é maior em idosos. O prognóstico é melhor quando a medicação ofensiva tem uma meia-vida curta e é retirada de forma precoce. - Reações leves: são reações benignas, localizadas, não confluentes com aspecto mais sólido, que geralmente são descritas como morbiliforme ou maculopapular em aparência. Ocorrem tipicamente entre 5 dias a 8 semanas após o início da terapia. Apesar destas reações poderem ocorrer com todas as medicações antiepilépticas, elas ocorrem mais freqüentemente com o fenobarbital, fenitoína, carbamazepina e lamotrigina. b) Reações hematológicas: nas discrasias sanguíneas induzidas por drogas, o agente ofensivo provoca redução da sobrevivência e apoptose das células da medula óssea levando a uma supressão global ou seletiva da hematopoiese. A reação mais séria é a anemia aplástica. c) Reações envolvendo o fígado e o pâncreas: - Hepatotoxicidade: o fígado está exposto a uma elevada concentração das medicações durante a fase absortiva e é também o órgão primário responsável pela 43 metabolização das medicações. Desta forma, o fígado é particularmente vulnerável a toxicidade induzida pelas medicações. Medicações antiepilépticas aromáticas constituem uma causa reconhecida de hepatotoxicidade imuno-mediada. A lamotrigina também pode causar hepatotoxicidade. O valproato requer especial atenção, pois a hepatotoxicidade fatal varia de acordo com a idade e terapia associada. O maior risco ocorre em crianças menores que dois anos e em politerapia. A suspensão precoce da medicação e a administração rápida de L-carnitina parecem melhorar a sobrevivência de pacientes com hepatotoxicidade induzida pelo valproato. - Pancreatite: complicação rara associada a terapia com o valproato. d) Reações do sistema nervoso central. 7) Prevenção, identificação precoce e manuseio: a) Prevenção: Apesar de imprevisíveis algumas ações podem minimizar a ocorrência das reações adversas: investigar o contexto clínico do paciente, considerar a tolerabilidade das medicações (especialmente na utilização de politerapia), início com dosagem baixa e aumento lento e gradativo das doses. b) Identificação precoce: a principal estratégia para identificação precoce é informar o paciente da possibilidade de reações adversas. Acompanhamento periódico regular com história clínica e exame físico cautelosos também auxiliam na detecção precoce das reações adversas. Em geral a monitorização laboratorial periódica não auxilia na detecção destes efeitos adversos. As indicações de exames laboratoriais estão listadas na tabela 1. Tabela 1: Indicações de exames laboratoriais. Antes de iniciar o tratamento Em pacientes de alto risco Em pacientes com dificuldade de comunicação Na presença de sinais ou sintomas possivelmente relacionados a uma reação adversa c) Manuseio - Reações adversas sérias requerem a retirada imediata da medicação. A introdução de uma nova medicação deve ser realizada concomitantemente. Quando a reação adversa é 44 causada por uma droga antiepiléptica aromática, outras medicações aromáticas e a lamotrigina devem ser evitadas. Alternativas seriam os benzodiazepínicos, gabapentina e dependendo do quadro topiramato e valproato. - O uso de corticoides é controverso. A maioria dos médicos utiliza prednisona 1-2 mg/Kg se os sintomas são graves. Reações adversas graves necessitam de hospitalização e suporte adequados. 8) Conclusão: Conseqüências sérias relacionadas aos efeitos adversos idiossincrásicos de medicações antiepilépticas podem ser evitadas. Para isso, é preciso o conhecimento dos fatores de risco, evitar drogas antiepilépticas específicas em subpopulações de risco, alterações cuidadosas nas dosagens e especialmente uma monitorização cuidadosa da resposta clínica tendo em mente a possibilidade da ocorrência destas reações. Non-convulsive status epilepticus in adults: clinical forms and treatment. Meierkord H. et al. Lancet Neurol, 6: 329, 2007. 1) Definição Estado de mal epiléptico não-convulsivo é definido como uma alteração no comportamento e/ou nos processos mentais associados com descargas epileptiformes contínuas no eletroencefalograma. Portanto, é uma atividade ictal prolongada com ausência de sinais motores maiores. Apesar da definição ser difícil e controversa, a maioria dos autores concordam que o diagnóstico deve ser clínico-eletroencefalográfico. Apenas as alterações clínicas não são suficientes para o diagnóstico, pois elas podem ser muito sutis e em algumas ocasiões de difícil diferenciação com eventos não-epilépticos. A tabela 1 mostra os principais diagnósticos diferenciais. 45 Tabela 1: Diagnóstico diferencial. Patologias que mimetizam o estado de mal epiléptico não-convulsivo. Encefalopatia metabólica Aura migranosa Amnésia pós-traumática Confusão pós-ictal prolongada Patologias psiquiátricas Intoxicação exógena Amnésia global transitória Ataque isquêmico transitório 2) Epidemiologia O estado de mal epiléptico não-convulsivo é uma condição comum. Sua incidência aproximada é de 2-8 por 100000 habitantes por ano. Entretanto, este número pode ser ainda maior devido ao diagnóstico pouco reconhecido. De modo geral, existe um predomínio do estado de mal epiléptico nos indivíduos mais idosos (maiores que 60 anos). O estado de mal epiléptico não-convulsivo também predomina nesta idade refletindo a observação clínica de que a atividade epiléptica tende a generalizar menos freqüentemente em indivíduos mais idosos. 3) Formas clínicas O estado de mal epiléptico não-convulsivo pode ser dividido em quatro subtipos principais: estado de mal epiléptico de ausência, estado de mal epiléptico parcial simples, estado de mal epiléptico parcial complexo e estado de mal epiléptico durante o coma. O estado de mal epiléptico sutil é considerado um outro subtipo. Esta forma de estado de mal epiléptico ocorre em decorrência da evolução do estado de mal epiléptico convulsivo. Vale a pena lembrar que a dicotomização entre epilepsias parciais e generalizadas também é válida para o estado de mal epiléptico não-convulsivo. A melhor forma de diferenciação entre os diversos subtipos é através do quadro clínico, padrão eletroencefalográfico e o contexto da síndrome epiléptica pré-existente. As características clínicas mais sugestivas de um estado de mal epiléptico não-convulsivo são: anormalidades da movimentação ocular e fatores de risco para crises epilépticas como doença cerebrovascular, neoplasia, 46 demência e neurocirurgia prévia. Estes pacientes devem obrigatoriamente ser investigados através do eletroencefalograma. a) Estado de mal epiléptico de ausência: a principal manifestação clínica é a alteração de consciência. Alterações de comportamento também foram relatadas. O eletroencefalograma mostra atividade epileptiforme generalizada do tipo espícula-onda lenta com aproximadamente 3Hz. Ocorre geralmente no contexto das epilepsias generalizadas idiopáticas particularmente em pacientes com epilepsia ausência ou epilepsia mioclônica juvenil. Pode ser desencadeado pelo uso inapropriado de algumas medicações antiepilépticas como, por exemplo, a carbamazepina. b) Estado de mal epiléptico parcial simples: neste caso, a difusão da crise epiléptica é restrita e as descargas epileptiformes também permanecem circunscritas. O paciente permanece consciente e interagindo. A manifestação clínica depende da região cerebral acometida. Podem ocorrer manifestações auditivas, afasia, sensitivas (disestesias), gustatorias, olfatorias, psíquicas, vegetativas, sintomas visuais ou alteração de comportamento. O eletroencefalograma de superfície é variável podendo ser inclusive normal. Em alguns casos o exame mostra espículas ou complexos espícula-onda lenta focais. Tanto o estado de mal epiléptico não-convulsivo parcial simples, quanto o parcial complexo podem ter como etiologia epilepsia lesional ou não-lesional pré-existente. Podem ocorrer “de novo” devido a patologias agudas, progressivas ou remotas do sistema nervoso central. c) Estado de mal epiléptico parcial complexo: é resultante de uma descarga ictal mais difusa e geralmente bilateral. Pode ser de difícil diferenciação com o estado de mal epiléptico de ausência. O quadro clínico é bastante variável. A consciência esta sempre comprometida impossibilitando a interação do paciente com o meio. As manifestações incluem confusão mental, comportamentos estranhos, automatismos orais ou manuais. A maioria dos casos tem origem no lobo temporal e frontal. O eletroencefalograma é semelhante ao estado de mal epiléptico não-convulsivo parcial simples, entretanto as descargas ocorrem de forma mais difusa e o eletroencefalograma de superfície tem uma melhor sensibilidade. d) Estado de mal epiléptico não-convulsivo durante o coma: constitui um problema importante. Na maioria das vezes o diagnóstico é difícil, uma vez que a patologia de base e o uso de medicações como anestésicos, relaxantes musculares e anticonvulsivantes 47 obscurecem a manifestação clínica. O diagnóstico deve ser realizado na presença de alterações clínicas e eletroencefalográficas. 4) Prognóstico O prognóstico depende da patologia de base e das complicações associadas. De modo geral, a maioria dos estados de mal epiléptico não-convulsivos tem um bom prognóstico com baixa morbidade e a mortalidade. Entretanto, a decisão do tratamento não deve ser baseada exclusivamente nestes dados. O risco de danos físicos graves, especialmente quando existe o comprometimento da consciência, deve ser considerado. 5) Tratamento Depende do tipo e da causa. Devido a baixa incidência de complicações sistêmicas agudas e neurológicas crônicas, os autores sugerem um tratamento menos agressivo. a) Estado de mal epiléptico de ausência: geralmente respondem bem a administração de diazepam 10mg que pode ser repetido se as crises persistirem. Se necessário, o fenobarbital sódico intravenoso na dose de 20mg/kg ou valproato podem ser utilizados. Em ambiente extra-hospitalar a administração de benzodiazepínicos via oral ou retal pode ser utilizada. b) Estado de mal epiléptico parcial simples e complexo: a resposta ao tratamento inicial depende se o estado de mal ocorre em pacientes com epilepsia pré-existente ou “de novo”. Em pacientes com história de epilepsia de lobo frontal ou temporal o tratamento inicial pode ser realizado com diazepam 10mg que pode ser repetido se necessário. Se as crises persistirem uma dose adicional de fenitoína (15-18mg/kg) pode ser utilizada. Por outro lado, no estado de mal epiléptico parcial ocorrendo “de novo” os autores recomendam o uso de fenobarbital intravenoso na dose de 20mg/kg ou valproato. Se as crises não terminarem, é preciso ter cuidado com o tratamento agressivo, pois o uso de anestésicos intravenosos parece estar relacionado a uma maior morbi-mortalidade. O uso de anestésicos (midazolam, propofol, tiopental ou pentobarbital) deve ser considerado nos raros casos de estado de mal epiléptico parcial complexo refratário em que o paciente é jovem e não tem comorbidades. 48 LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO Dr. Luís dos Ramos Machado Cerebrospinal fluid tau protein is increased in neurosyphilis: a discrimination from syphilis without nervous system involvement? Paraskevas GP et al. Sex Transm Dis, 34: 220, 2007. É um estudo de pesquisadores gregos que procura estabelecer critérios para distinguir uma sífilis sistêmica de uma neurossífilis. 1. O ESTUDO Os pressupostos básicos do estudo são os seguintes: (1) segundo os autores, o critério para diagnóstico da neurossífilis é o teste de VDRL reagente no LCR (teste com alta especificidade mas baixa sensibilidade). Quando esse teste fosse falso-negativo, o diagnóstico dependeria do aumento do teor de proteínas e/ou da pleocitose na vigência de quadro clínico compatível, uma vez feita a exclusão de outras doenças neurológicas; (2) a proteína tau no LCR é um marcador de lesão axonal / neuronal. Por esse motivo, seria de esperar que a proteína tau estivesse aumentada seletivamente no LCR dos doentes com neurossífilis em relação àqueles que apresentam apenas acometimento sistêmico, à semelhança do que ocorre em outras doenças do sistema nervoso nas quais há lesão neuronal. Foram estudados 4 grupos de doentes: (1) 12 com neurossífilis; (2) 17 com sífilis sistêmica, sem acometimento do sistema nervoso; (3) 14 controles; (4) 14 com doença de Alzheimer. No grupo 1, a mediana da proteína tau foi de 349 pg/mL; no grupo 2, 190 pg/mL; no grupo 3, 189 pg/mL; no grupo 4, 543 pg/mL. Portanto, a proteína tau está aumentada significativamente nos grupos neurossífilis e doença de Alzheimer. No caso específico da sífilis, o teste permitiria discriminar as formas com acometimento neurológico daquelas formas em que não há esse acometimento. 49 Os autores fazem, ao final, uma ressalva relativa ao pequeno número de casos estudados, afirmando serem necessários estudos mais amplos para confirmação. 2. COMENTÁRIOS SOBRE O ESTUDO O ponto-chave na discussão é o pressuposto admitido quanto à caracterização do acometimento do sistema nervoso pela sífilis. Por desconhecimento metódico (não reconhecido para valorizar os dados pesquisados e os resultados obtidos) ou por desconhecimento real, há uma desinformação inadmissível quanto ao diagnóstico da neurossífilis. Creio ser de extrema importância referir alguns pontos: (1) a reação do VDRL deve ser sempre acompanhada por outras reações imunológicas para diagnóstico da sífilis: pelo menos uma reação não treponêminca (VDRL ou Wasserman) e pelo menos uma reação treponêmica (hemaglutinação passiva ou ensaio imunoenzimático). A utilização de uma reação isolada não é reconhecida como válida para o diagnóstico da sífilis; (2) a positividade das reações imunológicas por si não permite caracterizar o acometimento do sistema nervoso, seja da sífilis, seja de outras doenças infecciosas. No caso da sífilis deve haver: (a) reação inflamatória no LCR, com aumento ligeiro ou discreto do número de células e aumento do teor de proteínas; (b) aumento do teor de globulinas gama, que costuma ser muito significativo e não guarda relação direta com os títulos de anticorpos específicos; (c) pelo menos nos casos em que há imunossupressão ou quando for difícil o reconhecimento da neurossífilis, deve ser determinado o índice de anticorpos específicos de Reiber e Felgenhauer, que permite a caracterização de imunoliberação de anticorpos específicos no sistema nervoso. Uma vez sumariamente ignorados estes pontos como foram no presente estudo, fica sem fundamento o segundo pressuposto. Por isso, a determinação da proteína tau para caracterização da neurossífilis tem interesse mais ilustrativo do que real. Fica difícil imaginar a utilização de metodologia tão dispendiosa e de difícil acesso a laboratórios de análises clínicas no Brasil como é o caso da proteína tau para caracterizar uma doença estudada em nosso país com a competência com que foi a neurossífilis. 50 DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ ELA Dr. Mário Emílio Teixeira Dourado Júnior As doenças do neurônio motor apresentam-se de forma heterogênea. Não existe um exame que seja um marcador biológico definitivo para o diagnóstico, entretanto, nos últimos anos, vários estudos foram realizados na busca de um marcador, de diagnóstico ou de acompanhamento, que permita distinguir o envolvimento do primeiro ou do segundo neurônio motor. (Lancet Neurol 2005:4:229-238) A Ressonância Magnética com espectroscopia visa ao estudo do metabolismo cerebral in vivo analisando o N-acetilaspartato, entre outros, que reflete a densidade e a viabilidade neuronal e axonal. A imagem por tensão de difusão (DTI – diffusion tensor imaging), analisa a presença de anisotropia de difusão, resultante da preferência das moléculas da água de difundirem-se ao longo dos axônios em vez de cruzá-los, permitindo diagnosticar o comprometimento do axônio no Sistema Nervoso Central. A estimulação magnética transcraniana avalia a integridade neurofisiológica da via cortico-espinhal. A estimativa do número de unidades motoras (ENUM) quantifica o número de neurônios motores inervando um músculo. Quantitative objective markers for upper and lower motor neuron dysfunction in ALS. Mitsumoto H et al. Neurology, 68: 1402, 2007. Mitsumoto e col estudaram prospectivamente 66 pacientes com doenças do neurônio motor (43 com ELA, 9 com AMP, 6 com ELP e 6 com ELA familiar) com a finalidade de determinar marcadores de envolvimento do primeiro e do segundo neurônio motor. Para avaliar o primeiro neurônio motor, foram utilizados espectroscopia de prótons do encéfalo, imagens por tensão de difusão e estimulação magnética transcraniana. Para avaliar o segundo neurônio motor, utilizou-se a estimativa do número de unidades motoras (ENUM) através da técnica de estimulação em múltiplos pontos. 51 Os pacientes com ELA cumpriam os critérios do El Escorial. Indivíduos normais eram utilizados como controles. Todos eram submetidos à avaliação clínica (força muscular, finger tapping, foot tapping, medida da capacidade vital forçada e ALSfunctional rating Scale-Revised). A duração média de doença era 34,8 meses indicando que uma progressão substancial da doença já podia ter ocorrido em alguns pacientes. Os pacientes foram avaliados a cada 3 meses; todos tinham pelo menos uma segunda visita. Nos pacientes com ELA havia redução na concentração de NAA no giro pré-central de 11% e na razão de NAA⁄creatina de 24% comparados com controles (p=0,009 e p=<0,0005, respectivamente). Quando analisados todos os indivíduos com comprometimento do primeiro neurônio motor, a redução de NAA foi de 8% em relação aos controles. A redução da razão de NAA⁄creatina nos portadores de ELP foi de 20% em relação aos controles (p=0,001). No estudo de imagens de tensão por difusão, foram utilizados dois parâmetros para detectar anormalidades no trato cortico-espinhal (coeficiente de difusão e anisotropia). Os valores de anisotropia medidos no braço posterior da cápsula interna estiveram reduzidos nos indivíduos com ELA-f. O tempo de condução motora central para o tibial anterior estava aumentado em todos os pacientes com ELA (24ms, média), ELA-f (23ms, média) e DNM com comprometimento do primeiro neurônio quando comparado com o de controles (13ms, média). A ENUM estava reduzida nos indivíduos com AMP (29; p<0.0005), com ELA (76), com ELA-f (80) e com ELP (174) do que o de controles (267). A média de ENUM estava maior nos pacientes com ELP do que nos de ELA. Todos esses marcadores correlacionavam com a avaliação clínica. Os marcadores clínicos de disfunção do primeiro neurônio, finger-tapping e foot-tapping, correlacionavam com NAA e com o tempo de condução motora central. A ENUM correlacionou com a CVF e força muscular manual. As medidas clínicas pioravam com o tempo. Entretanto, os marcadores de imagem (NAA, NAA/creatina, imagem por tensão de difusão) não modificavam significativamente. Já a ENUM e o tempo de condução motora central, modificavam com o tempo. 52 Na discussão os autores discutem a importância das novas técnicas de neuroimagem, especialmente utilizando equipamentos de RNM de alto campo, como marcadores quantitativos nos portadores de ELA. As técnicas neurofisiológicas mereceram destaque. A ENUM, marcador de envolvimento do segundo neurônio motor, estava diminuída em todos os grupos de doença. Entre os outros marcadores, a ENUM foi a que mais consistentemente correlacionou com os achados clínicos (força muscular manual e a CVF, influenciados primariamente pelo segundo neurônio motor). A redução na ENUM foi também detectada nos portadores de ELP, porém menos acentuada do que na ELA. É necessário estudos para tentar diferenciar ELP dos portadores de ELA que iniciam com sinais de primeiro neurônio motor. No estudo, demonstrou-se a alta sensibilidade da ENUM em detectar a redução do segundo neurônio motor com o tempo. Nesse estudo, a estimulação magnética transcraniana foi capaz de detectar prolongamento do tempo de condução central em 81% dos pacientes com sinais de envolvimento do primeiro neurônio motor. Houve correlação dos marcadores de disfunção do primeiro neurônio motor, NAA e tempo de condução motora central, com as medidas clínicas (finger tapping e foot tappin). 53 MOLÉSTIAS NEUROMUSCULARES Dra. Márcia Cruz Mitochondrial neurogastrointestinal encephalomyopathy in three siblings. Schüpbach WMMK et al. J Neurol, 254: 146, 2007. Trata-se de um relato muito rico das características clínicas, genéticas e neuroradiológicas (incluindo espectroscopia) de 3 irmãos acometidos por esta mitocondriopatia que afeta o cérebro causando leucoencefalopatia, os nervos periféricos gerando polineuropatia, além de miopatia caracterizada principalmente por ptose palpebral, oftalmoplegia , e compromete ainda o sistema gastrintestinal levando a quadros importantes e graves de pseudo obstrução intestinal É conhecida pela sigla MNGIE e pela multiplicidade de acometimento dos sistemas nervosos: central e periférico faz diagnóstico diferencial com inúmeras patologias entre elas: as leucodistrofias; outras miopatias mitocondriais como a síndrome de Kearns- Sayre e a CEPO; além de diversas polineuropatias com componente disautonômico e a miastenia gravis devido ao comprometimento da musculatura extraocular. A discussão deste artigo é na verdade uma revisão da literatura que pode atualizar o leitor com respeito a esta patologia. A mutação geradora desta afecção está no gene da timidina fosforilase, que gera redução da atividade da enzima timidina fosforilase e aumento da timidina no plasma e urina. A disfunção mitocondrial decorre do excesso de deoxitimidina trifosfato. É portanto, uma mitocondriopatia por mutação no DNA nuclear e não no DNA mitocondrial com herança autossômica recessiva. Myopathy associated with gluten sensibility. Hadjivassiliou M et al. Muscle & Nerve, 35: 443, 2007. É apresentada a experiência dos autores com 13 casos cujo diagnóstico de sensibilidade ao glúten foi determinado após início da miopatia. Alguns destes pacientes também 54 apresentaram o quadro clássico de polineuropatia e ataxia que costumam estar associados à sensibilidade ao glúten. Miopatia inflamatória foi o achado mais comum nos estudos histopatológicos, e um dos pacientes tinha achados sugestivos de miosite por corpos de inclusão. A faixa etária em geral foi superior ao 50 anos, que coincide com a faixa etária dos casos de miosite por corpos de inclusão. O autores compararam ainda um grupo de 6 pacientes que receberam tratamento imunossupressor associado a dieta apropriada, a outro de 7 pacientes que permaneceram apenas com a dieta livre do glúten. Houve melhora em ambos os grupos ficando a sugestão de que a sensibilidade ao glúten possa causar miopatia imunomediada e que a intervenção dietética seja capaz de levar à melhora independente do tratamento imunossupressor.