Experiência Inicial com Implante de Endoprótese Vascular Recoberta

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Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(1): 50-54.
Sacre SO, et al. Experiência Inicial com Implante de Endoprótese Vascular Recoberta - “Stent Graft” - em Aorta, no Estado do
Tocantins: Relato de Caso. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(1): 50-54.
Relato de Caso
Experiência Inicial com Implante de Endoprótese
Vascular Recoberta - “Stent Graft” - em Aorta,
no Estado do Tocantins: Relato de Caso
Sandro Oliveira Sacre1, Karen de Nardi Chagas2, Juan Fernando Terrones Caceres3, Rodrigo Calligaris Cagi3,
Rodrigo Ferreira Lins4, Caio Augusto Ferreira do Amaral4, Foade Suleiman Magalhães4,
Hueverson Junqueira Neves4, Henrique Barssanulfo Furtado3, Moacir Fernandes de Godoy5
RESUMO
SUMMARY
O artigo relata o caso do primeiro implante de endoprótese
vascular em aorta para tratamento de aneurisma torácico
pós-traumático, no estado do Tocantins. O tratamento endovascular foi realizado em paciente jovem, com sucesso primário e sem complicações, podendo representar uma alternativa
segura de tratamento para os pacientes da região norte do
país.
First Experience with Stent-Graft Endoprosthesis Implantation in the Aorta Tocantins State: a Case Report
The article describes the first vascular endoprosthesis implantation in the aorta to treat post-trauma thoracic aneurysm at
Tocantins state. The endovascular treatment was carried
out in a young patient, and reported primary success, and
no complications. The experience may prove to be a safe
alternative for patients in Northern Brazil.
DESCRITORES: Aneurisma aórtico, terapia. Aneurisma dissecante. Contenedores. Prótese vascular.
DESCRIPTORS: Aortic aneurysm, therapy. Aneurysm dissecting. Stents. Blood vessel prosthesis.
O
é relativamente recente e vem sofrendo contínua evolução e aperfeiçoamento.
s alargamentos da aorta podem ser aneurismas,
pseudo-aneurismas ou dissecções e, em alguns
casos, de origem traumática. Estes podem ser
corrigidos com a colocação de próteses endovasculares,
“Stents”, por via percutânea, especialmente em pacientes
em que o tratamento cirúrgico é de alto risco. No
segmento torácico, são indicados para tratamento das
lesões da aorta descendente, desde que a lesão se
inicie após a emergência da artéria subclávia esquerda1.
A técnica para tratamento endovascular das doenças
da aorta torácica com stents, na sala de hemodinâmica,
1
Médico Hemodinamicista do Hospital Dom Orione - Araguaína - TO.
2
Acadêmica do 6º ano da Faculdade de Medicina do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos - Araguaína - TO.
3
Médico Cirurgião Cardiovascular do Hospital Dom Orione - Araguaína
- TO.
4
Médico Cardiologista do Hospital Dom Orione - Araguaína - TO.
5
Professor, Doutor em Medicina e Médico Hemodinamicista do Hospital de Base e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP
(FUNFARME/FAMERP).
Correspondência: Sandro Oliveira Sacre. Hospital e Maternidade
Dom Orione. Rua Dom Orione, 100 - Centro - Araguaína - Tocantins
CEP 77803-010 • Tel.: (63) 3411-8787 • e-mail: [email protected]
Recebido em: 28/07/2005 • Aceito em: 07/10/2005
O aneurisma de aorta torácica das mais diversas
etiologias tem uma evolução que, muitas vezes, pode
ser catastrófica e a intervenção em tempo hábil é fundamental. Além disso, a escolha do tratamento também
é importante.
Desde 1992, com Michael D. Dake, o tratamento
percutâneo com implante de endoprótese vascular passou de perspectiva para um tratamento de eleição em
muitos casos, com alto índice de sucesso e baixo risco
de complicações2.
No caso do aneurisma de aorta secundário ao
trauma, esta opção é sempre bem aceita, principalmente
por se tratar de pacientes jovens em que as contraindicações são mínimas, o aneurisma é bem definido,
localizado e de anatomia favorável. E, em muitos casos,
sem doença arterial crônica ou outros fatores de risco
que possam complicar o pós-operatório.
Muitas vezes, o paciente não é favorecido por um
método como este por estar distante de um grande
centro médico, onde uma infra-estrutura ampla e adequada garante o sucesso do procedimento. Neste caso,
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tivemos a oportunidade de oferecer um método seguro
de tratamento para uma doença grave, estando longe
dos grandes centros.
AR: à percussão, som claro pulmonar, à palpação,
FTV dentro dos padrões da normalidade, à ausculta,
murmúrio vesicular presente universalmente em ambos
os pulmões, sem ruídos adventícios.
RELATO DO CASO
Precórdio: ausência de depressão e/ou abaulamentos, à ausculta, RCR em 2T com BNF e ausência de
sopros e/ou estalidos.
V.A.C., 33 anos, casado, pardo, comerciante, apresentando como queixa principal “dificuldade para engolir e tosse”.
Paciente relata que, há quatro meses, foi vítima de
acidente automobilístico no qual teve fratura exposta
em perna esquerda, fratura em braço esquerdo, fratura
de arcos costais em hemitórax esquerdo, ferimento
corto-contuso em região temporal esquerda e levou
um golpe intenso do volante no tórax, o qual ficou
bastante edemaciado.
No mesmo dia do acidente, foi realizada cirurgia
para colocação de fixador externo em perna esquerda,
sem nenhuma intercorrência e, 3 dias depois, foi realizada operação para a colocação de platina no rádio
e na ulna.
Refere que, cerca de 3 dias após o acidente, começou com um quadro de disfagia para alimentos sólidos, a qual melhorava quando associava a ingesta de
água. Cerca de 20 dias depois do acidente, começou
a apresentar tosse constante e intensa do tipo seca,
sem fatores desencadeantes, agravantes ou atenuantes,
sem hemoptóicos e que desencadeava episódios de
vômito. Chegou a procurar o pneumologista, mas este
não detectou nenhuma alteração nos exames físico e
radiológico (sic). Como não houve melhora deste quadro, procurou o cardiologista, quando fez novos exames.
HPP: Refere que sua pressão sempre foi em torno de
100/70 mmHg, mas que no ano anterior apresentou
picos hipertensivos (com PA máxima de 130/90 mmHg),
durante aproximadamente 1 semana, o que lhe foi atribuído
ao sedentarismo, sendo sugerida a realização de caminhada
diária. Ele seguiu a recomendação e melhorou (sic).
Abdome: plano, flácido, com ausência de massas
e/ou nódulos e pontos dolorosos, tanto à palpação
superficial, quanto profunda, com ruídos hidroaéreos
presentes. Sem visceromegalias.
Exames Complementares
Eletrocardiograma: ritmo sinusal e dentro dos limites
da normalidade.
Radiografia de tórax: detalhes podem ser observados na Figura 1.
Tomografia: pode ser observada na Figura 2.
Aortografia: Presença de aneurisma (pseudo-aneurisma) tipo I, justadistal à artéria subclávia esquerda,
Figura 1 - Radiografia de tórax prévia ao procedimento.
Nega diabetes, síncope, enxaqueca, edema de
membros inferiores e problemas intestinais.
HPF: Nega presença de problemas cardiovasculares
e de diabetes na família.
HS: Nega tabagismo, ex-etilista social desde o acidente.
Exame físico: PA: 120/80 mmHg; FC: 92 bpm;
Pulso: 88 ppm; FR: 19 irpm.
Paciente lúcido, auto, alo e cronologicamente orientado, acianótico, anictérico, afebril, com mucosas normocoradas e hidratadas, fâneros com implantação, distribuição e características dentro dos padrões da normalidade, ausência de edemas, pulsos presentes e simétricos.
Tórax: ausência de depressões e/ou abaulamentos,
com expansibilidade e elasticidade preservadas.
Figura 2 - Tomografia de tórax prévia ao procedimento.
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com orifício de entrada limitado e localizado após o
arco aórtico (Figura 3).
Procedimento
é um método acessível ou possível para todos os
pacientes. Ainda existem algumas limitações ao procedimento e, na experiência do nosso estado, a dificuldade do paciente é ter acesso ao centro de referência,
Procedimento realizado no laboratório de Hemodinâmica do Hospital Dom Orione de Araguaína - TO,
onde contamos com equipe multidisciplinar composta
por cirurgião cardiovascular, hemodinamicista, ecocardiografista e anestesiologista.
Paciente sob anestesia geral e com hipotensão
controlada, submetido a implante de stent recoberto
com Dacron auto-expansível de 30x90 mm “Free Flow”,
onde a primeira gaiola não é recoberta com Dacron
numa extensão de 20 mm (Braile Biomédica), através
de acesso arterial femural por dissecção e anastomose
de tubo de Dacron término-lateral na artéria para introdução do conjunto, com auxílio de fio guia metálico
Amplatz SuperStiff 0,035"x260 cm (Boston Scientific).
Posicionado um cateter “pig-tail” 6F, passado por via
braquial esquerda, no arco aórtico, para orientar a
liberação da prótese e realizar aortografia de controle
em aorta ascendente. Uma vez posicionada a primeira
gaiola, junto à emergência da artéria subclávia esquerda, foi liberado o stent (Figura 4) com perfeita expansão das gaiolas, sem necessidade de dilatação adicional com balão. Conferimos o posicionamento da prótese
e oclusão total do defeito através de aortografia de
controle (Figura 5).
O paciente evoluiu bem no pós-operatório imediato,
permanecendo 24 horas internado em UTI. Após a
alta para enfermaria, foi realizado controle com ecocardiograma transesofágico, que mostrou boa expansão
das hastes do stent, com completa oclusão do aneurisma. Foi realizado novo controle ecocardiográfico (Figura
6) em seguimento de 2 meses, que revelou manutenção
do resultado. Atualmente, o paciente permanece assintomático, em acompanhamento ambulatorial.
Figura 4 - Aortografia, onde observa-se a liberação do stent.
DISCUSSÃO
A técnica para implante de stents na aorta torácica
vem sofrendo rápida evolução. Entretanto, ainda não
Figura 3 - Aortografia, onde observa-se presença de aneurisma aórtico.
Figura 5 - Controle angiográfico e completa oclusão do aneurisma.
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Figura 6 - Ecocardiograma transesofágico de controle.
muitas vezes, por limitação geográfica, distância e falta
de profissionais para realizar o atendimento inicial e
diagnóstico.
Em nosso serviço, foram realizados 1700 procedimentos diagnósticos, no período de junho/2002 a julho/
2004; destes, 31 (1,8%) pacientes tinham diagnóstico
de doença arterial aórtica. Vinte e dois (70%) pacientes eram do sexo masculino, com média de idade 59,5
anos. Oitenta por cento eram hipertensos, sendo que
21 doentes apresentavam dissecção de aorta (9 dissecções tipo A e 12 do tipo B).
Em 57% dos casos, os pacientes foram encaminhados para cirurgia de correção com cardioplegia, hipotermia profunda, circulação extracorpórea e parada
circulatória total. Outros 6 doentes tinham diagnóstico
de aneurisma de aorta, sem menção de dissecção e 5
pacientes, de coarctação. Dois casos de coarctação
foram submetidos a aortoplastia com sucesso.
3
Em sua série, Grabenwoger et al. relatam experiência com 66 pacientes submetidos a implante de prótese
endovascular e somente dois (3%) apresentavam aneurisma
de etiologia relacionada ao trauma. Já Riyad et al.6 relatam 47 casos de ruptura traumática da aorta, num período de quatro anos, dos quais somente 11 foram tratados
com endopróteses4. Em nosso seguimento, somente um
(3,2%) dos casos de doença aórtica foi de aneurisma
traumático, o qual foi selecionado para tratamento com
implante de endoprótese, por apresentar menor complexidade, ideal para uma curva de aprendizado.
No que concerne especificamente ao tratamento
da dissecção e ou ruptura aórtica, o implante de endoprótese é particularmente interessante nos pacientes
com orifício único e localizado5. Foram estes aspectos
de orifício localizado, natureza da lesão e idade do
paciente, peculiares a este caso, que fizeram do método minimamente invasivo um procedimento de eleição
com baixa morbidade e mortalidade, possivelmente,
reduzindo a chance de ruptura.
Embora este método tenha todas estas vantagens,
não devemos fechar os olhos para as prováveis complicações que têm sido relatadas, nos diferentes estudos
com relação à técnica; a maior parte delas decorrente
da própria doença, já que o risco de ruptura iminente
vai depender das condições do paciente, diagnóstico,
tratamento e lesões associadas (fraturas, traumatismos
cranioencefálicos fechados, pulmonares, etc).
Inicialmente, o procedimento pode-se complicar
já no intra-operatório se houver uma nova dissecção
por manipulação dentro do lúmen aórtico, geralmente
associado a casos de aneurismas de outra natureza
que não traumática. Deve ser considerado, também, o
deslocamento da endoprótese depois de ter sido liberada, evento que acontece geralmente no pós-operatório.
O local de implante da endoprótese pode influir
no resultado final. Muitas vezes, há necessidade de
ultrapassar o limite da emergência da artéria subclávia
esquerda para dar um melhor suporte à prótese, sacrificando em alguns casos o fluxo pela artéria, mas que
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em poucos casos tem afetado a circulação do membro4.
Neste mesmo caso, pode haver invasão da curvatura
do arco aórtico, provocando um mau posicionamento
da prótese, deixando pequenos endovazamentos que
podem ou não ser tratados como nova intervenção
intravascular ou com cirurgia convencional4, dependendo da gravidade dos mesmos ou da sua pronta detecção.
Existem relatos de alterações da temperatura corporal
no pós-operatório, possivelmente devidos à reação
inflamatória da prótese apoiada na parede endotelial
da aorta. Porém, não se pode considerar uma complicação grave e sim um alerta.
O método apresenta-se como alternativa segura à
cirurgia, com importante redução da morbidade e mortalidade. A técnica utilizada, em pacientes selecionados,
veio permitir internações mais curtas, menor utilização
de derivados do sangue e semelhantes e melhores
taxas de sucesso em comparação com a operação
tradicional, inclusive em relação às síndromes paraplégicas6, que podem ser consideradas praticamente
nulas com este metodo4, permitindo importante redução de custos hospitalares. Entretanto, em pacientes
relativamente jovens com aneurisma traumático, tor-
nam-se necessários estudos de longo prazo para melhor
avaliação dos resultados7.
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