requerimento nº , de 2005

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REQUERIMENTO Nº
, DE 2005
(Do Senador Pedro Simon)
Requer um voto de homenagem à médica e
psiquiatra Dra. Nise da Silveira, por ocasião do
centenário de seu nascimento.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal,
Senador RENAN CALHEIROS,
Com fundamento no disposto no art. 222 do Regimento Interno do Senado Federal, requeiro
a Vossa Excelência seja submetida à Casa a apresentação de um Voto de homenagem ao centenário
de nascimento da Dra. Nise da Silveira.
JUSTIFICAÇÃO
O Brasil, neste ano de 2005 comemora – embora haja controvérsias sobre a exatidão da data
– o nascimento de uma de suas mais ilustres cidadãs. A genial, revolucionária e competente médica
e psiquiatra Dra. Nise da Silveira, mais uma brava guerreira alagoana, que lutou, sem ceder ou
cessar, para humanizar e harmonizar o tratamento psiquiátrico no País.
Nise da Silveira nasceu em 1906 em Maceió, Alagoas. Foi a única mulher, entre os 156
alunos da Faculdade de Medicina da Bahia, que se graduaram em 1926.
Em 1927 seu pai morreu, a mãe mudou-se para a casa do pai, e Nise, decidida como sempre,
pegou um navio para o Rio de Janeiro. Começou sua carreira em psiquiatria no hospital que na
época era popularmente chamado de hospício da Praia Vermelha (hoje Hospital Pinel), em 1933.
Dedicou-se à psiquiatria sem nunca aceitar as formas agressivas de tratamento da época, tais como a
internação, os eletrochoques, a insulinoterapia e a lobotomia.
Morava num quarto do hospital; uma enfermeira, ao fazer a limpeza do quarto, achou livros
socialistas na sua estante e, durante o Levante Comunista de 1935, em plena ditadura Vargas,
denunciou-a. Embora fosse apenas simpatizante do comunismo, e não soubesse nada sobre a
organização do movimento liderado por Prestes, Nise foi presa; ficou na Casa de Detenção durante
um ano e 4 meses. Lá, conheceu Olga Benário, Graciliano Ramos e outros participantes do
movimento comunista, que se tornaram amigos seus. Diz ter tirado grandes lições deste período.
("Tudo vale a pena, se a alma não é pequena...").
Presa como comunista, é afastada do Serviço Público de 1936 a 1944. Anistiada, cria, em
1944, a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro,
no Rio de Janeiro, posteriormente conhecido como Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII).
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Foi lá que, por recusar-se a usar os métodos usuais da psiquiatria clássica, como
eletrochoques, choque de insulina e utilização indiscriminada de medicação (que deixava, e deixa
até hoje os pacientes num estado terrível de torpor - a chamada impregnação), foi deslocada para um
setor considerado "pouco nobre" do Centro Psiquiátrico, o lugar onde não havia médicos e que era
cuidado por serventes: a Terapêutica Ocupacional, que de terapêutica não tinha nada: os pacientes
faziam apenas serviços de limpeza, uma boa economia para o hospital...
A partir de muito estudo, e principalmente a partir de sua veia rebelde e criativa, Nise inovou
e criou um espaço em que os internos eram recebidos num ambiente de acolhimento e respeito.
Abriu ateliês para vários tipos de atividades (encadernação, música, pintura, modelagem, teatro,
etc.) e orientou os monitores que acompanhariam os pacientes no sentido de terem uma atitude de
não interferência na sua produção.
Procurava apontar para a importância do contato afetivo para que aquelas pessoas, que
passavam pelo grande sofrimento do rompimento com a realidade, do mergulho, sem proteção, nos
abismos do inconsciente, pudessem tentar o caminho de volta para a superfície, para a possibilidade
de recuperar a autonomia perdida. Além da dor provocada pela doença mental, os pacientes sofriam
com a discriminação no meio social e no próprio hospital.
Novas ramificações foram criadas: em 1952, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente,
um acervo precioso das pinturas, desenhos e esculturas dos freqüentadores da STOR e, em 1956,
criou, junto com alguns colaboradores, a Casa das Palmeiras. Esta última foi criada com o objetivo
de dar suporte aos pacientes egressos do hospital. Havia, na época, uma alta porcentagem de
reinternações (cerca de 70%); Nise sabia que as recaídas eram provocadas pela dificuldade de
reintegração dos ex-pacientes à vida na comunidade. Depois de surtos psicóticos, as pessoas ficam
ainda muito fragilizadas, necessitando de apoio para a reestruturação do "eu".
A Casa das Palmeiras, instituição independente de convênios, poderia ser o lugar em que este
apoio poderia acontecer. Lá, Nise e seus amigos puderam criar um território livre em que os
egressos do hospício podiam, aos poucos, recuperar a auto-estima e a independência, através de
experiências cotidianas com várias formas de expressão criativa e de convívio com profissionais que
se colocavam a seu lado numa postura de respeito, cuidado e não discriminação. As portas e janelas
da Casa das Palmeiras são abertas, não há enfermeiros, a freqüência é diária (cerca de 5 horas por
dia). Os psiquiatras, psicólogos, artistas, monitores e estagiários não usam jaleco e se posicionam
lado a lado ao paciente nas atividades, na hora do lanche, nas festas. Com a base de sólidos
conhecimentos científicos, (principalmente da psicologia junguiana, da terapia ocupacional e da
antipsiquiatria) e da sua experiência no Centro Psiquiátrico Pedro II, Nise orientou o trabalho
desenvolvido na Casa das Palmeiras, sempre enfatizando a importância do contato afetivo e da
expressão criativa para a recuperação das pessoas ali atendidas.
A Casa das Palmeiras ainda funciona (está em sua 3ª sede), e a maioria de seus pacientes não
retornou ao Hospital Psiquiátrico. É responsável pela formação do Grupo de Estudos C.G. Jung, do
qual foi presidente desde 1968. Suas pesquisas deram origem, ao longo dos anos, a exposições,
filmes, documentários, audiovisuais, simpósios, publicações, conferências e cursos sobre terapêutica
ocupacional, com destaque para a importância das imagens do esquizofrênico.
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Foi também pioneira na pesquisa das relações afetivas entre pacientes e animais, aos quais
chamava de co-terapeutas.
Como reconhecimento da importância de sua obra, Nise da Silveira recebeu condecorações,
títulos e prêmios em diferentes áreas do conhecimento: saúde, educação, arte e literatura. Foi
membro fundador da Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expressão, com sede em Paris,
França. Seu trabalho e seus princípios inspiraram a criação de Museus, Centros Culturais e
Instituições Psiquiátricas no Brasil e no exterior.
Nise faleceu em 30 de outubro de 1999, na cidade do Rio de Janeiro.
No ano de 2000, o Centro Psiquiátrico Pedro II é municipalizado e, em homenagem à
fundadora do Museu, passa a chamar-se Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Siveira.
Encerro concordando com as sábias palavras do jornalista Bernardo Horta sobre a fabulosa
médica, em seu artigo no Jornal do Brasil (09/08/2005): “Passados seis anos de sua morte, a
memória de Nise afirma-se como referência valiosa, marcada por transparência e inquebrantável fé
no futuro. Ela viveu e procedeu com firme coerência durante 94 anos de vida. Neste sentido, seu
legado é patrimônio significativo para a construção da identidade brasileira.
O centenário de Nise da Silveira, em meio ao colapso de valores políticos e culturais,
resgata o aspecto mais vigoroso de quem viveu de acordo com o que pensava e preconizava. Cem
anos para serem comemorados com arte, ciência, alegria e, sobretudo, beleza - tal qual Nise:
memória legítima que dá lugar ao futuro.”
Sala das Sessões, em 09 de agosto de 2005.
Senador PEDRO SIMON
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