Conhecendo Nise da Silveira Nise da Silveira (Maceió, 15 de fevereiro de 1906 — Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999) foi uma renomada médica psiquiatra brasileira, aluna de Carl Jung. Dedicou sua vida à psiquiatria e manifestou-se radicalmente contrária às formas agressivas de tratamento de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia. Formação Sua formação básica realiza-se em um colégio de freiras exclusivo para meninas. Seu pai foi jornalista e diretor do "Jornal de Alagoas". De 1921 a 1926 cursa a Faculdade de Medicina da Bahia, onde formou-se como a única mulher entre os 157 homens desta turma. Está entre as primeiras mulheres no Brasil a se formar em Medicina. Casa-se nesta época com o sanitarista Mário Magalhães da Silveira, seu colega de turma na faculdade, com quem vive até seu falecimento em 1986. Em seu trabalho ele aponta as relações entre pobreza, desigualdade, promoção da saúde e prevenção da doença no Brasil. Em 1927, após o falecimento de seu pai, ambos mudam-se para o Rio de Janeiro, onde engajou-se nos meio artístico e literário. Em 1933 estagia na clínica neurológica de Antônio Austregésilo. Aprovada aos 27 anos num concurso para psiquiatra, em 1933 começou a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha. Prisão Nise da Silveira foi militante da Aliança Nacional Libertadora ( ANL). Durante a Intentona Comunista foi denunciada por uma enfermeira pela posse de livros marxistas. A denúncia levou à sua prisão em 1936 no presídio da Frei Caneca por 15 meses. Neste presídio também se encontrava preso Graciliano Ramos, assim ela tornou-se uma das personagens de seu livro Memórias do Cárcere. De 1936 a 1944 permanece com seu marido na semi-clandestinidade, afastada do serviço público por razões políticas. Durante seu afastamento faz uma profunda leitura reflexiva das obras de Spinoza, material publicado em seu livro Cartas a Spinoza em 1995. Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro Em 1944 é reintegrada ao serviço público e inicia seu trabalho no "Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II", no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde retoma sua luta contra as técnicas psiquiatricas que considera agressivas aos pacientes. Por sua discordância com os métodos adotados nas enfermarias, recusando-se a aplicar eletrochoques em pacientes. Assim em 1946 funda nesta instituição a "Seção de Terapêutica Ocupacional". No lugar das tradicionais tarefas de limpeza e manutenção que os pacientes exerciam sob o título de terapia ocupacional, ela cria ateliês de pintura e modelagem com a intenção de possibilitar aos doentes reatar seus vínculos com a realidade através da expressão simbólica e da criatividade, revolucionando a Psiquiatria então praticada no país. O Museu de Imagens do Inconsciente A biografia de Van Gogh é uma referência importante para os estudiosos interessados em compreender as possibilidades terapeuticas do trabalho criativo frente às perturbações emocionais. Em 1952, ela funda o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura que criou na instituição, valorizando-os como documentos que abrem novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico. Entre outros artistas-pacientes que criaram obras incorporadas na coleção desta instituição podemos citar: Adelina Gomes; Carlos Pertuis; Emygdio de Barros, e Octávio Inácio. Este valioso acervo alimentou a escrita de seu livro "Imagens do Inconsciente", filmes e exposições, participando de exposições significativas, como a "Mostra Brasil 500 Anos". Entre 1983 e 1985 o cineasta Leon Hirszman realizou o filme "Imagens do Inconsciente", trilogia mostrando obras realizadas pelos internos a partir de um roteiro criado por Nise da Silveira. A Casa das Palmeiras Poucos anos depois da fundação do museu, em 1956, Nise desenvolve outro projeto também revolucionário para sua época: cria a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas. Neste local podem diariamente expressar sua criatividade, sendo tratados como pacientes externos numa etapa intermediária entre a rotina hospitalar e sua reintegração à vida em sociedade. O auxílio dos animais aos pacientes Ao perceber que a responsabilidade de cuidar de um animal e o desenvolvimento de laços afetivos pode contribuir para a reabilitação de doentes mentais, Nise da Silveira os incorporou a seu trabalho como co-terapeutas. Foi uma pioneira na pesquisa das relações emocionais entre pacientes e animais, que costumava chamar de co-terapeutas. Percebeu esta possibilidade de tratamento ao observar como um paciente a quem delegara os cuidados de uma cadela abandonada no hospital melhorou tendo a responsabilidade de tratar deste animal como um ponto de referência afetiva estável em sua vida. Ela expõe parte deste processo em seu livro "Gatos, A Emoção de Lidar", publicado em 1998. Pioneira da psicologia junguiana no Brasil Os estudos de Jung sobre os mandalas atraíram a atenção de Nise da Silveira para suas teorias sobre o inconsciente. Através do conjunto de seu trabalho, Nise da Silveira introduziu e divulgou no Brasil a psicologia junguiana. Interessada em seu estudo sobre os mandalas, tema recorrente nas pinturas de seus pacientes, ela escreveu em 1954 a Carl Gustav Jung, iniciando uma proveitosa troca de correspondência. Jung a estimulou a apresentar uma mostra das obras de seus pacientes que recebeu o nome "A Arte e a Esquizofrenia", ocupando cinco salas no "II Congresso Internacional de Psiquiatria", realizado em 1957, em Zurique. Ao visitar com ela a exposição, a orientou a estudar mitologia como uma chave para a compreensão dos trabalhos criados pelos internos. Nise da Silveira estudou no "Instituto Carl Gustav Jung" em dois períodos: de 1957 a 1958; e de 1961 a 1962. Lá recebeu supervisão em psicanálise da assistente de Jung, Marie Louise von Franz. Retornando ao Brasil após seu primeiro período de estudos jungianos, formou em sua residência o "Grupo de Estudos Carl Jung", que presidiu até 1968. Escreveu, dentre outros, o livro “Jung: vida e obra”, publicado em primeira edição em 1968. Reconhecimento internacional Foi membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica ("Societé Internationale de Psychopathologie de l'Expression"), sediada em Paris. Sua pesquisa em terapia ocupacional e o entendimento do processo psiquiátrico através das imagens do inconsciente deram origem a diversas exibições, filmes, documentários, audiovisuais, cursos, simpósios, publicações e conferências. Em reconhecimento a seu trabalho, Nise foi agraciada com diversas condecorações, títulos e prêmios em diferentes áreas do conhecimento, entre outras: "Ordem do Rio Branco" no Grau de Oficial, pelo Ministério das Relações Exteriores (1987) "Prêmio Personalidade do Ano de 1992", da Associação Brasileira de Críticos de Arte "Medalha Chico Mendes", do grupo Tortura Nunca Mais (1993) "Ordem Nacional do Mérito Educativo", pelo Ministério da Educação e do Desporto (1993) Seu trabalho e idéias inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições terapêuticas similares às que criou em diversos estados do Brasil e no exterior, por exemplo: o "Museu Bispo do Rosário", da Colônia Juliano Moreira (Rio de Janeiro) o "Centro de Estudos Nise da Silveira" (Juiz de Fora, Minas Gerais) o "Espaço Nise da Silveira" do Núcleo de Atenção Psico-Social (Recife) o "Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira", do Hospital Psiquiátrico São Pedro (Porto Alegre, Rio Grande do Sul) a "Associação de Convivência Estudo e Pesquisa Nise da Silveira" (Salvador, Bahia) o "Centro de Estudos Imagens do Inconsciente", da Universidade do Porto (Portugal) a "Association Nise da Silveira - Images de L'Inconscient" (Paris, França) o "Museo Attivo delle Forme Inconsapevoli" (Genova, Itália) O antigo "Centro Psiquiátrico Nacional" do Rio de Janeiro recebeu um sua homenagem o nome de "Instituto Municipal Nise da Silveira". Obras publicadas SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra, Rio de Janeiro: José Álvaro Ed. 1968. SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981. SILVEIRA, Nise da. Casa das Palmeiras. A emoção de lidar. Uma experiência em psiquiatria. Rio de Janeiro: Alhambra. 1986. SILVEIRA, Nise da. O mundo das imagens. São Paulo: Ática, 1992. SILVEIRA, Nise da. Nise da Silveira. Brasil, COGEAE/PUC-SP 1992. SILVEIRA, Nise da. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1995. SILVEIRA, Nise da. Gatos, A Emoção de Lidar. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1998. Mandala (símbolo) Mandalas vêm sendo criadas por artistas e por místicos desde tempos remotos. Mandala quer dizer círculo mágico; é, entre outras coisas, um símbolo da totalidade psíquica, uma representação do próprio Self (arquétipo vinculado à idéia do divino em cada um de nós, da realização plena do Ser). O que mais a intrigava é que os pacientes que as tinham feito eram pessoas de origem humilde, sem acesso a obras de arte, e que passavam pelas terríveis vivências de desintegração, características de estados psicóticos graves. Como poderiam estar construindo, com todo o cuidado, belíssimas mandalas, símbolos de integração psíquica? Em 1954, com esta questão que a ocupava, mandou uma carta para Jung, com algumas fotos de mandalas, do acervo do museu. Jung respondeu afirmando que as pinturas representavam mesmo mandalas, e que seriam a manifestação das forças instintivas de autocura, presentes nas camadas mais profundas da psique, e que procuravam compensar, no caso das obras que havia recebido, o estado de dissociação típico da esquizofrenia. A partir de então, Nise mergulhou com mais afinco no estudo dos casos clínicos e do significado das pinturas dos pacientes. Em 1957, Jung inaugurou uma exposição de pinturas do museu de imagens do inconsciente, no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique. Há uma foto histórica deste evento, em que Jung aponta para uma mandala de Carlos, um dos mais fecundos pintores do ateliê. Esta foto foi ampliada, de forma que ficasse focalizada a mão de Jung no centro da mandala. Jung autografou esta ampliação; Nise guardou-a com carinho até o dia 30 de outubro de 1999, quando foi fazer suas revoluções no infinito... Fig. 5 - Pintura a óleo, de Carlos, 1948. Mandala comentada por Jung, na exposição de pinturas do Museu, em Zurique, no II Congresso Internacional de Psiquiatria, de 1957. Mandala Indiana Mandala é a palavra sânscrita que significa círculo, uma representação geométrica da dinâmica relação entre o homem e o cosmo. De fato, toda mandala é a exposição plástica e visual do retorno à unidade pela delimitação de um espaço sagrado e atualização de um tempo divino. Nas sociedades primitivas, o ciclo cósmico, que tinha a imagem de uma trajetória circular (circunferência), era identificado como o ano. O simbolismo da santidade e eternidade do templo aparece claramente na estrutura mandálica dos santuários de todas as épocas e civilizações. Uma vez que o plano arquitetônico do templo é obra dos deuses e se encontra no centro muito próximo deles, esse lugar sagrado está livre de toda corrupção terrestre. Daí a associação dos templos às montanhas cósmicas e a função que elas exercem de ligação entre a Terra e o Céu. A mandala como simbolismo do centro do mundo dá forma não apenas as cidades, aos templos e aos palácios reais, mas também a mais modesta habitação humana. A morada das populações primitivas é comumente edificada a partir de um poste central e coloca seus habitantes em contato com os três níveis da existência: inferior, médio e superior. A habitação para ele não é apenas um abrigo, mas a criação do mundo que ele, imitando os gestos divinos, deve manter e renovar. Assim, a mandala representa para o homem o seu abrigo interior onde se permite um reencontro com Deus. Em termos de artes plásticas, a mandala apresenta sempre grande profusão de cores e representa um objeto ou figura que ajuda na concentração para se atingir outros níveis de contemplação. Há toda uma simbologia envolvida e uma grande variedade de desenhos de acordo com a origem. Originalmente criadas em giz, as mandalas são um espaço sagrado de meditação. O processo de construção de uma mandala é uma forma de meditação constante. É um processo bastante lento, com movimentos meticulosos. O grande benefício para os que meditam a partir da mandala reside no fato de que a imaginaram mentalmente construída numa detalhada estrutura tridimensional.