UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA FERNANDA MACHADO GRUPO DE APOIO AOS FAMILIARES DE PACIENTES PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS FLORIANÓPOLIS (SC) 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA FERNANDA MACHADO GRUPO DE APOIO AOS FAMILIARES DE PACIENTES PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Linhas de Cuidado em Enfermagem – Opção Atenção Psicossocial do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista. Profa. Orientadora: Giovana Dorneles Callegaro Higashi FLORIANÓPOLIS (SC) 2014 FOLHA DE APROVAÇÃO O trabalho intitulado Grupo de apoio aos familiares de pacientes portadores de transtornos mentais de autoria do aluno FERNANDA MACHADO foi examinado e avaliado pela banca avaliadora, sendo considerado APROVADO no Curso de Especialização em Linhas de Cuidado em Enfermagem – Área Atenção Psicossocial. _____________________________________ Profa. Dra. Giovana Dorneles Callegaro Higashi Orientadora da Monografia _____________________________________ Profa. Dra.Vânia Marli Schubert Backes Coordenadora do Curso _____________________________________ Profa. Dra.Flávia Regina Souza Ramos Coordenadora de Monografia FLORIANÓPOLIS (SC) 2014 DEDICATÓRIA Dedico este projeto aos Familiares de Portadores de Transtorno Mental, que sofrem tanto ou até mais que seus entes, devido à agonia das incertezas, a impotência perante a doença e as descriminações sofridas. Este projeto só se tornou viável devido a estas pessoas. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, pessoas simples e humildes, que me ensinaram valores éticos e morais, que levarei por toda minha vida. A eles que foram meus primeiros grandes mestres. A meu noivo Vitor, companheiro de todas as horas que sempre tem uma palavra de apoio nos momentos necessários. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................08 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................10 3 MÉTODO....................................................................................................................1 3 4 RESULTADO E ANÁLISE......................................................................................16 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................22 REFERÊNCIAS...........................................................................................................2 4 APENDICES.................................................................................................................2 6 ANEXOS........................................................................................................................31 RESUMO A assistência aos familiares de pacientes portadores de doenças mentais é tão importante quanto à própria assistência do paciente. A criação de grupos de apoio a estes familiares, além de contribuir para a terapia do paciente, cria um vínculo importante e primordial com a equipe. O objetivo deste estudo é criar um grupo de apoio á familiares de pacientes que freqüentam uma unidade de saúde que presta atendimento a saúde mental no município de Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul. Gerando a possibilidade de mudança, referente ao convívio, aceitação da patologia e ressocialização do paciente. A metodologia utilizada para aplicação do plano de ação foi passeada em uma pesquisa convergente assistencial, a ênfase foi proposta a partir de uma tecnologia da educação. As análises dos resultados basearam-se em três dimensões: A interferência da doença na vida familiar, a importância da inter-comunicação entre profissionais e familiares e pacientes com transtornos mentais, desafios e perspectivas para a atuação multiprofissional com pacientes com transtornos mentais, além de um plano de ação. A experiência de construir um projeto como este, me proporcionou uma experiência única. O poder compartilhar experiências, vivenciar o cotidiano, foi muito além do que eu imaginava. Palavras chaves: Grupo de apoio, Transtorno mental, saúde mental. 1 INTRODUÇÃO A arte do cuidado remonta a pré-história, desde os primórdios desenvolvemos um senso de cuidado essencial para nossa existência, sendo este instintivo ou técnico. Porém, nem todas as pessoas estão preparadas para prestar assistência, principalmente quando esta é uma patologia onde os sinais, muitas vezes não são visíveis e de pouca compreensão. Tendo em vista que, as unidades de saúde se dinamizam por um trabalho de natureza inter - relacional, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos de quem cuida e de quem é cuidado, seu aprimoramento requer a consideração dos aspectos que definem e compõem a ideia de cuidado. Neste sentido, a assistência aos familiares de pacientes portadores de doenças mentais é tão importante quanto à própria assistência do paciente. O entendimento da doença, causas e sintomas, além de desmistificar a patologia é de extrema valia para o sucesso da terapia. Grande parte dos familiares quando se deparam com diagnostico de doença mental e a partir daí começam a “cuidar” desta pessoa, além do surgimento de inúmeras duvidas, por vezes, acabam “adoecendo”, por frustrações, sobrecarga e falta de apoio da equipe assistente. No município em que resíduo, possuímos uma Unidade de Saúde Básica de Saúde, onde é prestado atendimento aos pacientes portadores de transtornos mentais, mas não é um Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), porém possui grupos terapêuticos já formados, oficinas e um suporte de apoio profissional invejável. A importância deste estudo se baseia em modificar uma realidade onde não há auxílio aos familiares, coma criação de um grupo de apoio aos familiares dos pacientes com transtornos mentais, pois estes sofrem tanto ou mais do que os próprios pacientes, uma vez que, sentem-se impotentes perante a doença. Além disso, em alguns casos, ocorrem preconceitos e mistificações, em torno do tratamento e condutas terapêuticas. A criação de grupos de apoio a estes familiares, além de contribuir para a terapia do paciente, cria um vínculo importante e primordial com a equipe. Viabiliza não apenas um cuidado ímpar e especializado, mas possibilita maior compreensão e entendimento sobre a patologia e os cuidados de saúde que permeiam o viver dos sujeitos envolvidos. 8 O objetivo deste estudo é criar um grupo de apoio á familiares de pacientes que freqüentam uma unidade de saúde que presta atendimento a saúde mental no município de Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul. Gerando a possibilidade de mudança, referente ao convívio, aceitação da patologia e ressocialização do paciente. 9 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Anterior à reforma psiquiátrica, os familiares de portadores de transtornos mentais, possuíam vínculo antagonista ao cuidado do paciente, este era mediado unicamente ao cuidado médico, encarregado pela cura, custodia e assistência (BORBA et al, 2008). A partir do advento da desinstitucionalização, com a reforma psiquiátrica, a ressocialização dos pacientes, a presença da família como apoio e forma de assistência, se tornou primordial. A família passa a ser cuidadora, sendo integrado ao contexto do cuidado (GONÇALVES, LUIS, 2010). Borba et al (2008) descreve que com a reformulação da assistência psiquiátrica, a família surge como cuidador e responsável pela ressocialização do paciente. Por isso, a importância do conhecimento da equipe com o universo familiar. Nesta perspectiva, Melmann (2008), ressalta que atualmente, a sobrecarga familiar atinge um novo conceito, sendo este, definido pelos encargos econômicos, físicos e emocionais, a que estes estão submetidos. E, o quanto isso fica mais aparente e somatizado, quando esta família se depara com transtorno mental, representado por vezes, como peso material, subjetivo, organizativo e social. A inter-relação entre familiares e portadores de transtorno mental implica em sobrecarga caracterizada por problemas no relacionamento, estresse devido à instabilidade de humor, dependência do paciente (BORBA et al, 2008). Gonçalves, Luis (2010) ressaltam acerca dos anseios dos cuidadores, observando os altos níveis de ansiedade, proveniente das oscilações dos portadores de transtornos mentais, além de descreverem problemas relacionados a medicação e ao estigma social que as patologias possuem. Silva (2000) relata que cuidar, era prestar atenção nas pessoas e fazer por elas o que estavam precisando no momento, com o que ele estivesse na mão, ou seja, nem sempre era de medicação que necessitavam. Na maior parte do tempo, elas precisavam de atenção, de carinho e de uns sorrisos amistosos, solidários, em suma, de um atendimento humano. Assim como os familiares, as equipes profissionais, também necessitam de apoio, por parte da família. Auxiliar no gerenciamento da vida cotidiana, dos pacientes alivia o peso dos encargos, facilita a cooperação e diminui os estressores em crise. Possibilitando uma maior qualidade de vida a todos os envolvidos (MELMAN, 2008). 10 As unidades de saúde, especializadas na assistência de portadores de transtornos mentais tem o dever de incluir planos de ação que utilizem como foco principal os familiares e cuidadores destes pacientes, para estes possam desenvolver formas de ressocialização (BORBA et al, 2008). Santin e Klafke (2011) destacam que após a implantação de serviços especializados em saúde mental, as principais mudanças estão relacionadas com a cidadania dos usuários, a desmistificação da loucura perante a comunidade e a valorização da inserção dos familiares no tratamento. Para Deslandes (2004) na visão do paciente, as formas do atendimento, a sensibilidade do profissional em compreender suas necessidades, suprem outros fatores de deficiência da instituição, por exemplo, a falta de medicamento, espaço físico e até mesmo o tempo de espera para o atendimento. Pois, segundo Andrade e Donelli (2004), as principais queixas nos atendimento, na visão dos pacientes são: dificuldade de cuidado global ao doente, dificuldade de construir uma relação amistosa com a equipe de saúde e dificuldade de criar formas de abordagem aos pacientes crônicos. Desta forma, Borba et, al. (2008), enfatiza que a equipe, o usuário e a família juntos, podem alcançar formas e estratégias que auxiliem em uma melhor assistência através da interação e vínculo. Para Melman (2008), o adoecimento mental abala toda estrutura familiar. Abalo este gerado pela representação de falha do sistema familiar, que reflete em uma impotência. Ainda, ressalta que a importância dos familiares conhecerem a patologia, ajuda na interação e gerenciamento da sua vida cotidiana com o paciente, facilita o processo de cooperação e diminui os fatores de estresse existentes em momentos de crise, além de melhorar a qualidade de vida de ambos. Para Munari e Godoy (2004), o atendimento ao usuário é um processo único e pessoal, que depende da relação profissional x paciente, que é caracterizado pela instituição em que ela se dá. Para que exista um atendimento satisfatório devem-se respeitar as diferenças presentes nas relações humanas. Desta forma Melman (2008) citado por Santin e Klafke (2011), enfatiza que os grupos de familiares podem acontecer de forma a acolher, através das experiências vividas pelos participantes, gerando um estimulo, sendo este, uma nova ferramenta para lidar com os problemas, assim como ampliando o vínculo com os profissionais que prestam assistência. 11 Todavia, para Minayo (2004) a formação dos profissionais de saúde, principalmente da equipe de enfermagem, continua marcada pela hierarquia habitual, que tratam o doente como um corpo funcional, somente como um dispositivo bioquímico. Como isso, persiste o menosprezo e indiferença ao cliente, sendo está consciente ou inconsciente. Porém, em tese, esta formação atualmente passa por esforços do projeto de integralidade e de humanização. 12 3 MÉTODO A metodologia utilizada para aplicação do plano de ação foi baseada em uma pesquisa convergente assistencial. Esta implica segundo Trentini e Paim (2004), em uma orientação para minimizar ou resolver um problema, realizar ou introduzir uma mudança nas práticas de saúde. A ênfase foi proposta a partir de uma tecnologia da educação, onde o produto é o próprio projeto e o plano de ação desenvolvida. Para Niestche (2000) e Prado et al. (2009), a tecnologia da educação tem o poder de proporcionar formas de auxiliar a construção de uma consciência para um vida saudável. É importante ressaltar que a pesquisa convergente assistencial, não é um método definitivo, este pode sofrer alterações em sua estrutura e forma durante o trajeto da pesquisa. O estudo iniciou a partir de uma solicitação ao Secretário de Saúde do Município de Imbé, (Apêndice I), e autorização do mesmo (Anexo I). O estudo baseou-se na criação de um grupo de apoio aos familiares dos pacientes portadores de transtorno mental, que são atendidos na unidade de saúde. Esta unidade ainda não possui o credenciamento de CAPs, porém atendem cerca de 5.000 pacientes com transtornos mentais, gerando cerca de 300 consultas/mês. A equipe multidisciplinar da unidade é composta por enfermeira, técnicos de enfermagem, psicólogos, psiquiatra, terapeuta ocupacional, recepção e serviço de higienização, totalizando 7 profissionais. A unidade atende sua demanda a partir de consultas agendadas, o acolhimento inicial ocorre pelos psicólogos. Existem oficinas terapêuticas e grupos terapêuticos, ministrados por psicólogos e estagiários em psicologias que são bolsistas. Porém, não existe em uma intervenção referente aos familiares destes pacientes. As oficias e grupos terapêuticos são exclusivos para assistência dos pacientes, os familiares até vão nas consultas, porém, como o tempo é limitado acabam ficando com dúvidas sobre o tratamento e condutas. Devido a isso, a criação de um Grupo de Apoio aos Familiares, despertaria não somente o interesse destes, como também traria a equipe de trabalho para a realidade de cada paciente, subjetivando a assistência. Inicialmente foi pensado na realização com o apoio da equipe multidisciplinar da unidade, todavia, durante a introdução da proposta, pude constatar o desinteresse dos psiquiatras e psicólogos da unidade. Somente a equipe de enfermagem se mostrou 13 interessada, a enfermeira com pouca experiência em Atenção Psicossocial, já tinha vontade de criar um grupo de apoio aos familiares, porém sem apoio de nem outro profissional, não conseguia construir um norteador. O grupo para familiares teve como objetivo inicial tirar dúvidas sobre mudanças de comportamento após a administração de medicações, formas de ressocialização, sobrecarga do cuidador. Os encontros deveriam ocorrer semanalmente, seriam de livre demanda e teriam como interlocutor um psicólogo e a enfermeira da unidade. Todavia, com a realidade já descrita, os encontros permaneceram semanalmente, somente com o apoio da enfermeira responsável pelo posto e do Secretário Municipal de Saúde, que demonstrou interesse imediato, quando apresentei o projeto inicial. A adesão inicial por parte dos familiares foi bastante complicada. Nas três primeiras semanas de tentativas, não apareceu ninguém. Pensei em desistir, em realizar outro projeto, pois não imaginava que a adesão a um grupo de apoio fosse tão difícil. Então conversando com um amigo psicólogo, este me sugeriu não só realizar convites formais (apêndice II), e sim conversar com cada familiar que estivesse aguardando as consultas. Foi o que fiz durante a espera para as consultas dos psicólogos e psiquiatras, sentava ao lado de alguns familiares e explicava a proposta do grupo, alguns já me questionavam algumas questões que explicava superficialmente, para gerar uma curiosidade entre eles. A todos os familiares foram fornecidos um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicando o objetivo do Projeto (Apêndice III). Na quarta semana apareceram três pessoas interessadas no que tínhamos para falar. Contudo, demonstravam fragilidade, vergonha e, sobretudo medo. Durante os encontros, foi elaborado um roteiro semi-estruturada (apêndice IV), para conduzir a conversa. Alguns levaram seus familiares que possuem transtornos mentais, pois são os únicos cuidadores. Os encontros foram realizados em uma sala onde ocorrem algumas oficinas em outros dias da semana, ofertamos durante as conversas um lanche, para tornar o ambiente mais agradável e menos formal. 14 4 RESULTADO E ANÁLISE Os resultados extraídos ao longo da construção do projeto, não foi o que imaginava, vinham de uma expectativa diferente a realidade que encontrei. Não pensava que seria fácil, que as respostas seriam imediatas e com adesão rápida, entretanto, a proporção do projeto tomou dimensões diferentes. Tive que moldar à sistemática, de acordo com estas mudanças. Com isso, pude delimitar algumas dimensões, referentes a aspectos consideráveis a análise do projeto. 4.1 A interferência da doença na vida familiar Durante os encontros, observei a desestruturação que um transtorno mental gera na vida de uma família. Da fragilidade que ocorre dos medos e discriminações decorrentes da patologia. Foi observado durante os encontros, que alguns familiares desejavam que seus parentes estivessem internados, independente desta ser necessária, somente para não terem que ser responsáveis pelo cuidado. Para alguns, era claro, em suas expressões o fardo que é prestar assistência 24h por dia a uma pessoa, em muitos casos, totalmente dependente. A internação para alguns, é sinônimo de “fuga do problema”, como se a responsabilidade simplesmente passasse para outra pessoa, neste caso, para instituições. Ao longo das conversas, podia notar que os participantes começaram a construir um vínculo, confiança e demonstraram interesse pelas pautas trazidas por nós. Além disso, muitas outras surgiram, como por exemplo, questões como sexualidade, libido, vergonhas, medos com relação à perda do paciente e a não aceitação da doença. Uma senhora me relatou que seu esposo, portador de depressão maior, não aderia por vezes o tratamento, devido à diminuição da libido, que este pensava que a esposa iria lhe deixar, esta situação era visível na concepção do sexo masculino. Outros ainda, não aceitavam o diagnóstico, o tratamento e a ressocialização, com estes as conversas eram bastante desgastante, pois queriam somente que os médicos dessem cada vez mais remédios, para que os pacientes ficassem, como uma me disse: “dormindo em casa, para não incomodar”, como se isso fosse à solução de seus problemas. Alguns não aceitavam o diagnóstico, pois discriminam os transtornos mentais, mistificam as patologias e, principalmente não aceitam a doença por terem vergonha do familiar, que por vezes não se adéquam aos conceitos da sociedade. Por isso, manter um 15 paciente sedado em casa se torna cômodo, além de ser bem mais fácil do que tentar uma ressocialização. Pude constatar ainda que alguns familiares criam um exílio social ao seu redor, devido a patologia de seu ente. Com isso, também acabam por desenvolver depressões, crises de ansiedade e transtornos de humor. A fragilidade destas pessoas acaba por delimitar a assistência prestada. 4.2 A importância da inter-comunicação entre profissionais e familiares e pacientes com transtornos mentais. Durante os encontros, pude perceber a reprovação de alguns dos profissionais que formam a equipe multiprofissional, alguns me tratavam com indiferença, uma chegou até a me questionar a necessidade e o meu interesse referente à construção do grupo de apoio. Em contra partida, com o desenvolvimento do grupo, um psicólogo demonstrou interesse, dizendo que futuramente, quem sabe consiga conciliar, suas consultas e o grupo. Não consegui delimitar o porquê de tanta indiferença. Os profissionais me pareceram saturados, desmotivados. Aparentavam somente querer cumprir seu horário, atender suas fichas agendadas e ir embora. A equipe acabava por ver o paciente singularmente, pouco era comentado entre os profissionais sobre os projetos terapêuticos aplicados aos pacientes. A única exceção eram os pacientes que participavam das oficinas e grupo terapêutico, porém mesmo estes, o tratamento me pareceu compartimentado. Acredito que a possibilidade de mudança, foi o que ocasionou a indiferença, o comodismo era visível a alguns profissionais. Com isso, consegui entender a resistência dos familiares em iniciar a vinda ao grupo, à cultura em torno da assistência se baseava em consultas para renovação de receitas, não existia um projeto terapêutico em conjunto, a equipe multidisciplinar na verdade não se comunicava. O principal motivo desta falta de comunicação se dava pelo simples desinteresse, pelo comodismo, pela cultura retrógrada que mina os profissionais ao longo dos anos, quando estes deixam a poeira da inércia abater sobre eles. Para mim foi muito difícil constatar isso, todavia, ao me deparar com esta realidade descobri que meu projeto se tornaria algo mais do que simplesmente trabalho de conclusão de curso. 16 Devido a isso, pude perceber que minha missão ali, não era somente de realizar meu estudo, ou simplesmente concluir meu projeto de conclusão. Era construir uma idéia de que o Grupo de Apoio a Familiares de Pacientes Portadores de Transtornos Mentais, seria algo que possibilitaria uma intervenção melhor ao cuidado destes pacientes. Era demonstrar que um Grupo de Apoio á Familiares era tão importante quanto o grupo terapêutico ofertado aos pacientes, pois estes eram o alicerce da assistência no domicilio. Que a interação entre equipe e familiares era primordial para um melhor resultado terapêutico. Surpreendi-me, por me deparar com profissionais com conceitos desatualizados e antiquados, conheci uma realidade totalmente diferente do que penso. Por isso, o projeto tornou-se um desafio. 4.3 Desafios e perspectivas para a atuação multiprofissional com pacientes com transtornos mentais Meus desafios durante o projeto foi tanto em conscientizar os familiares sobre a necessidade de procurar apoio, referente à patologia de seu ente, como em sensibilizar a equipe multidisciplinar sobre a importância deste trabalho. Pois culturalmente, tanto familiares quanto profissionais não pareciam preparados para o que eu estava propondo. Não que fosse algo muito complexo ou de difícil entendimento, porém para os familiares expor seus medos e limitações, foi bastante difícil. Em contra partida, acredito que muitos profissionais não estavam e nem estão preparados para se depararem com uma realidade avessa aos padrões. Durante todos os encontros, não me preocupava somente com as respostas dos familiares, mas também com as expressões e interesse da enfermeira da unidade. Tinha certeza de que se a motivasse ao ponto desta acreditar que poderia manter o grupo após eu terminar minha pesquisa, todo o trabalho teria valido a pena. Ao longo dos encontros, fui mostrando a equipe de enfermagem o quão importante era o seu trabalho, o quão diferencial era a construção deste grupo e, como a experiência que este os traria seria importante. A cada encontro, os profissionais demonstravam mais interesse e determinação para que o Grupo se tornasse uma realizada. Tenho convicção de que com isso e com os esforços da equipe os quatro primeiros encontros foram um estopim para a continuidade desde Grupo. Após a avaliação no 17 último encontro, os familiares trouxeram inúmeros questionamentos novos, que foram anotados para a construção de uma etapa de encontros. Finalizei o quarto encontro com 25 familiares, número ainda pequeno, porém expressivo em uma população que não possui a cultura de falar sobre seus problemas e fragilidades. A enfermeira da unidade já está pensando em construir mais um Grupo para os novos interessados, onde aplicaria novamente os quatro primeiros encontros já semi – estruturados (apêndice IV). Manterá os dois grupos em horários alternados. 4.4 Plano de Ação A partir da realização do grupo, foi considerado necessário a realização de um plano de ação para a implementação e consolidação efetiva de um grupo de apoio para os familiares de pacientes com alterações/problemas/distúrbios mentais. Uma vez que a participação dos familiares no cuidado destes pacientes poderá resultar em benefícios para todos os envolvidos direto e indiretamente, ou seja, para o próprio paciente, os familiares e por fim, os profissionais de saúde. 4.4.1 Cronograma de Atividades O grupo foi iniciado com quatro encontros semi – estruturados (apêndice IV), durante os encontros fomos descobrindo novas necessidades. As atividades foram desenvolvidas semanalmente, nas quintas – feiras, devida a disponibilidade de uma sala maior, ocorriam no período da tarde, iniciávamos por volta das 14hs. Nas duas primeiras semanas, se mantiveram por um tempo inferior à 1h, nos seguintes se estenderam por mais de uma 1h, com isso, realizamos um novo planejamento, pois havia familiares que estavam ficando incomodados, por terem afazeres domésticos. Com isso, estipulamos um tempo mínimo de 40 minutos e Máximo de 1h. As questões desenvolvidas para os primeiros encontros foram de suma importância para nortear o processo de investigação e construção do grupo. Após as conversas primárias foi possível conhecer a real necessidade e especificidades dos familiares. 18 Devido a isso, após o quarto encontro realizei com a enfermeira da unidade um novo planejamento, criamos uma nova metodologia, não somente com conversas direcionadas, mas com atividades práticas, as metas iniciais serão: Criar uma horta – para desenvolvimento de lazer, pois vários familiares descreveram não possuir um momento destinado a isso; Construir um Diário – este será escrito por cada familiar, de forma singular, para que possam expressar seus sentimentos, não precisará ser compartilhado com o grupo se não for de interesse do participante; Realizar palestras com profissionais de diversas áreas – serão convidados profissionais distintos podendo estes estar ou não ligados a saúde, para que os familiares tirem dúvidas, aprendam algo mais e de distraiam de seu cotidiano. Estamos pensando inicialmente em convidar uma cabeleireira, para dar dicas de cortes de cabelo e beleza pessoal; Estas novas atividades serão extras aos encontros semanais, poderão ser freqüentadas pelos familiares e pacientes se assim quiserem, com isso, acredito que iniciará um novo modelo de convivência estreitando laços e aumentando o vínculo. Conforme a aplicação destas atividades deverá ser realizada auto-avaliações dos resultados, o objetivo e trazer os familiares para o convívio do posto, para que este se sinta seguro e interaja com seus entes enfermos. 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência de construir um projeto como este, me proporcionou uma experiência única. O poder compartilhar experiências, vivenciar o cotidiano, foi muito além do que eu imaginava. O transtorno mental, patologia que por anos foi reprimida dentro de manicômios, subjugada e por que não dizer esquecida, hoje faz parte de uma sociedade que ainda não está preparada para entendê-la. Uma sociedade preconceituosa, que julga e condena o que não está de acordo as suas regras. Acredito que a resistência que presenciei por parte dos familiares na adesão ao grupo, ocorreu um pouco, por isso, não possuímos uma cultura de expor nossos problemas, principalmente em uma cidade pequena. Minha ideia inicial é só realizar um projeto para conclusão do meu curso de especialização, mas na verdade, tenho a convicção de que ultrapassei todas minhas expectativas e, tive o privilégio de proporcionar um diferencial de assistência aquelas pessoas. A Atenção Psicossocial ainda está iniciando uma longa jornada, todavia, está em cada profissional fazer a diferença na construção de uma assistência mais humana, acredito que a criação do Grupo de Apoio aos Familiares de Transtornos Mentais, não é a solução para todos os problemas dos pacientes, mas é um acalento aos entes que sofrem tanto quanto ou por vezes mais que os próprios enfermos. Ao longo de minha experiência profissional, conclui que a sensibilização dos profissionais e usuários, é a melhor forma para gerar mudanças, por maior de seja a resistência inicial. Pude constatar progressos na relação família/paciente/profissional. Com a integração entre os familiares e a equipe um vínculo foi criado. Esta mudança está sendo gradual e lenda, porém possível. A compreensão da patologia pelos familiares é primordial para uma assistência eficiente, quando é criado um vinculo entre familiares e equipe, todos tem a ganhar a equipe que presta um atendimento mais humanizado com visão holística, o familiar que aprende a conviver com a doença e o paciente que terá suporte profissional e afetivo. Plantei uma semente, está se regada e cuidada, provavelmente trará retorno, tanto aos profissionais, como aos familiares. O que proporcionará uma melhora futura também aos pacientes. 20 REFERÊNCIAS ANDRADE Elizabeth, DONELLI, Tagma. Acolhimento e humanização: propostas de mudança na recepção aos usuários do setor de emergência/urgência do hospital municipal de Novo Hamburgo (HMNH). Boletim da Saúde, jul./dez.2004, vol.18, n.2, p.17-24. BORBA, Leticia de Oliveira, SCHWART, Eda, KANTORSKI, Luciane Prado. A sobrecarga da família que convive com a realidade do transtorno mental.Acta Paul Enferm 2008;21(4):588-94. DESLANDES, Suely F. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciências e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v 9, n.1, p.7-14,2004. GONÇALVES, Jurema Ribeiro Luiz. LUIS, Margarita Antônia Villar. Atendimento ao familiar cuidador em convívio com portadores de transtorno mental. Rev. Enferm, UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun;18(2):272-7 MELMAN, Jonas. Familia e Doença Mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. 3. Ed. São Paulo: Escrituras, 2008. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Dilemas do setor saúde diante de suas propostas humanísticas. Ciências e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n.1, p.15-29, 2004. MUNARI, Denise Bouttelet e GODOY, Maria Tereza Hagen de. Recursos de relacionamento para profissionais da saúde: a boa comunicação com cliente e seus familiares em consultórios e hospitais.Rev. Latino-Am. Enfermagem, jul./ago. 2004, vol.12, n.4, p.689-690. NIESTCHE, E. A. Tecnologia emancipatória-possibilidade ou impossibilidade para a práxis de enfermagem. Ijuí(RS): Unijuí, 2000. PRADO, M. L. do et al. Produções tecnológicas em enfermagem em um curso de mestrado. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 18, n. 3, p. 475-481, jul./set. 2009. SILVA, Maria Júlia Paes. O Amor é o caminho (maneiras de cuidar). 2.ed. São Paulo: Gente, 2000. TRENTINI, M; PAIM,L. Pesquisa convergente assistencial. Florianopolis: Insular, 2004. 21 APENDICE I Prezado Secretário Municipal de Saúde; Na oportunidade que o cumprimento, venho lhe solicitar a autorização para realização de estudo, baseado em metodologia convergente assistência, na UBS – Albatroz. Este terá caráter de Pesquisa de Conclusão de Pós-graduação em Linha de Cuidado em Enfermagem: Atenção Psicossocial, ministrada em parceria, pela Universidade Federal de Santa Catarina e UNA – SUS. Atenciosamente Enfª Fernanda Machado COREN/RS: 159341 22 APENDICE II Modelo dos convites entregues aos familiares do UBS – Albatroz CONVITE Aos familiares e Pacientes que freqüentam o Posto de Albatroz, Saúde Mental Encontro para esclarecer dúvidas sobre medicações e assistência ao paciente Quando: Quinta-feira às 14hs; Onde: Posto de Albatroz Contamos com a participação de todos 23 APÊNDICE III Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Eu, Fernanda Machado, Pós – Graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina estou realizando um Projeto Convergente Assistencial, com a construção de um Grupo de Apoio á Familiares de Transtornos Mentais. Meu objetivocom este projeto é criar um grupo de apoio a familiares de pacientes que frequentam uma unidade de saúde que presta atendimento a saúde mental no município de Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul. Gerando a possibilidade de mudança, referente ao convívio, aceitação da patologia e ressocialização do paciente Para tanto, solicito a sua participação, nos encontros semanais e autorização de que possa ser utilizado imagens ou frases descritas durante os encontros.Caso venha a desistir em qualquer momento, asseguro-lhe que tal fato não interferirá na sua atividade profissional da instituição.Coloco-me à disposição para esclarecimento ou dúvidas que necessário for, em relação ao trabalho desenvolvido e a entrevista propriamente. Pelo presente termo de consentimento livre e esclarecido, declaro que fui esclarecido (a) de forma clara e detalhada sobre o objetivo deste estudo e de minha participação. Por isso, concordo em participar. Nome: __________________________________________ Local: _______________________________________________________ Data: _____________________________________________ Assinatura do Participante: _______________________________________ Imbé, de de 2014. _______________________ Pós - graduanda Fernanda Machado Matricula 45120749 24 APENDICE IV PRIMEIRO ENCONTRO Responda as questões abaixo: O que você sabe sobre transtornos mentais?? _____________________________________________________________________________ Qual o transtorno mental que seu familiar possui? _____________________________________________________________________________ O que você pensa sobre a seguinte frase: “Eu sou uma pessoa, não uma doença!” _____________________________________________________________________________ SEGUNDO ENCONTRO Vamos conversar sobre as questões abaixo: Como é o seu dia-a-dia? _____________________________________________________________________________ O que você gostaria de mudar na sua rotina? _____________________________________________________________________________ Como você cuida de si mesmo? _____________________________________________________________________________ O que você acha do lugar onde você vive? Como você cuida dele? _____________________________________________________________________________ Como você se sente em relação as pessoas com quem convive? _____________________________________________________________________________ Quem são as pessoas com quem você pode contar? _____________________________________________________________________________ TERCEIRO ENCONTRO Hoje vamos conversar sobre os seguintes assuntos: Quais são suas principais duvidas sobre os transtornos mentais? 25 _____________________________________________________________________________ Você sabe quais os principais efeitos das medicações que são utilizadas? _____________________________________________________________________________ Que efeitos você consegue identificar? _____________________________________________________________________________ Você conhece os direitos dos portadores de transtornos mentais? _____________________________________________________________________________ Você concorda, discorda, ou não possui opinião formada sobre estes direitos? _____________________________________________________________________________ QUARTO ENCONTRO Agora, vamos realizar uma avaliação sobre nossos encontros: Você esta gostando das nossas conversas? _____________________________________________________________________________ Sobre o que mais gostou de conversar? _____________________________________________________________________________ Sobre o que ainda não conversamos e gostaria de trazer para o grupo? _____________________________________________________________________________ O que mudou em sua convivência familiar após nossas conversas? _____________________________________________________________________________ 26 ANEXO I 27