A lenta agonia da hegemonia Americana e Européia José Eustáquio Diniz Alvesi Os países “emergentes” tem apresentado, desde o final do século passado, um ritmo de crescimento econômico mais acelerado do que as economias “avançadas” (para usar a terminologia do Fundo Monetário Internacional – FMI). A liderança deste processo tem ficado por conta dos dois países mais populosos do mundo. Este quadro de duas velocidades diferentes ficou mais evidente depois da crise financeira de 2008/2009 e também com a crise de insolvência da Grécia – que se espalha por toda a área do Euro – e da crise política dos Estados Unidos, por conta da elevação do teto da dívida. As duas regiões que lideraram a economia mundial na segunda metade do século XX, mesmo com modelos um tanto quanto diferentes, estão em crise e não existem boas perspectivas de saída no curto e médio prazo. O capitalismo do Ocidente tem sido moldado pela disputa ideológica entre duas correntes políticas que se confrontam, especialmente nos últimos 60 anos. De uma lado estão os liberais que defendem o Estado mínimo e a predominância da lógica do mercado (lei da oferta e procura, a livre mobilidade do capital, etc.), enquanto do outro lado estão os social democratas que defendem maior regulação do mercado e maior presença do poder público, especialmente na construção de um Estado do Bem-estar Social. Os Estados Unidos da América (EUA) são os maiores defensores do modelo do Estado mínimo e do Consenso de Washington. Os países europeus, em geral, vão mais na direção da linha ideológica da social democracia e da construção do Estado do Bem-estar Social. Porém, a despeito das diferenças entre os dois modelos, ambos encontram-se em dificuldades econômicas, fazendo com que os países avançados apresentem baixas taxas de crescimento econômico, altos déficits, altas dívidas, crise fiscal e alto desemprego. Os países ocidentais estão perdendo participação na economia internacional e a mobilidade social ascendente entre as gerações tem ficado comprometida. Os jovens da Europa e dos EUA estão tendo pela frente menores oportunidades de emprego, maiores taxas e maiores encargos com as gerações idosas. A crise dos PIIGS (como são pejorativamente chamados os países: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Spain) é apenas a ponta do iceberg da crise européia e dos países que adotaram o Euro. O PIB dos 16 países que fazem parte da área do Euro representava pouco mais de 20% do PIB mundial em 1992, mas já caiu para menos de 15% em 2011 e deve ficar abaixo de 10% até 2020. Ou seja, a União Européia e a moeda única – que foram considerados um antídoto para a euroesclerose e uma esperança de recuperação econômica do poder da Europa – não conseguiram reverter o processo de declínio relativo da região. O envelhecimento populacional e a crise do sistema previdenciário tende a agravar a situação européia nas próximas décadas. A crise econômica dos EUA - que começou em 2008 e provocou um grande declínio do PIB em 2009 – veio para ficar na forma de baixo crescimento econômico e alto desemprego. Os EUA são o país com o maior déficit no comércio internacional, maior déficit público em termos absolutos e maior dívida 1 externa do mundo. Nos últimos 30 anos os EUA cresceram utilizando os déficits gêmeos (fiscal e comercial) e a dívida pública, que chegou ao astronômico número de 14,3 trilhões de dólares em julho de 2011, atingindo o teto determinado pelo Congresso dos EUA. Tanto o governo Obama, quanto a o Congresso concordaram em reduzir despesas nos próximos 10 anos. Porém, sem o combustível dos déficits e do endividamento crescente, espera-se, pelo menos no curto prazo, que haja desvalorização do dólar e continuidade do declínio americano. Assim, a economia que já carece de estímulo interno e de falta de competitividade externa, deve apresentar crescimento modesto nos próximos anos, enquanto se acirra a crise política. A crise econômica dos EUA está sendo agravada pela crise política. Os dois partidos que dominam o Congresso não se entendem e não conseguem dar um rumo para o país. Ambos os partidos estão mais preocupados com o curto prazo e com as disputas eleitorais. Para tanto, buscam financiadores entre os grandes grupos econômicos do país. Como escreveu, recentemente, Jeffrey Sachs: “The idea that the Republicans are for the billionaires and the Democrats are for the common man is quaint but outdated. It's more accurate to say that the Republicans are for Big Oil while the Democrats are for Big Banks”. Por conta disto já existe um movimento buscando uma terceira via para por fim ao bipartidarismo dos EUA. O contrário acontece com a China, que caminha para ser a maior potência econômica mundial (em tamanho do PIB). A China com seu modelo de “socialismo de mercado” tem mostrado mais eficácia do que os EUA nos resultados econômicos e na promoção da produtividade de suas empresas e tem conseguido tirar centenas de milhões de chineses da situação de pobreza, mas sem criar um sistema previdenciário, que possibilitasse tranquilizar sua crescente população de idosos. O modelo chinês tem combinado liberdade econômica, com falta de direitos trabalhistas, falta de liberdade de manifestação, organização e expressão e forte presença do Estado na economia, mas com pouca despesa na promoção social. Os cidadãos chineses são obrigados a manter altos níveis de poupança para garantir o acesso à saúde, educação, moradia, previdência, etc. O governo aproveita esta alta poupança para manter altas taxas de investimento e para promover a infra-estrutura necessária para colocar o país na liderança da economia mundial. O partido comunista do país atua como se fosse uma das antigas dinastias que vislumbra, no longo prazo, o fortalecimento do poderio estatal e nacional. Enquanto o Ocidente promove e defende a liberdade individual, os chineses restringem a liberdade individual e promovem os interesses das empresas, do Estado e da nação. Enquanto o Ocidente ainda debate os princípios do Consenso de Washington, os chineses promovem o Consenso de Beijing, que resumidamente pode ser definido em cinco pontos: 1. Promoção da economia, mas com a propriedade estatal sendo força dominante; 2. Promoção de câmbio competitivo, com mudanças graduais para evitar choques e controle cambial para evitar a especulação; 3. Políticas de promoção das exportações (Export-led growth) com proteção da industria local e dos setores estratégicos do país; 2 4. Reformas de mercado, mas com controle das instituições políticas e culturais; 5. Centralização das decisões políticas e das estratégias de promoção da soberania nacional. A china comunista não apoia nem o Estado mínimo e nem o Estado de Bem-estar social. A economia de mercado foi uma forma de garantir a competitividade internacional do país para construir uma economia com forte impulso dos investimentos e liderada pelas exportações. Foi também uma forma de superar a ideologia maoista-rural-comunitária-pobre. Resta saber se o socialismo de mercado vai conseguir manter o seu ritmo de crescimento e redução da miséria ou se o Consenso de Beijing é apenas uma alternativa passageira, que tem como resultado de curto prazo o acirramento da crise ideológica e prática do capitalismo ocidental. A Índia, considerada a maior democracia do mundo, tem uma economia menos eficiente do que a da Chína, mas que tem apresentado taxas de crescimento em torno de 8% ao ano. Como a população indiana continua crescendo e ainda tem um período mais amplo para aproveitar o bônus demográfico, existem analistas que consideram que a Índia deve passar a China tanto em termos do tamanho da população, como em termos de crescimento econômico anual. O fato é que tanto China, quanto Índia estão recuperando uma parte do antigo prestigio que tinham antes de 1800. O que os dados mostram é que o crescente peso dos dois países – chamados de Chíndia – na economia internacional deve continuar nos próximos anos e décadas. O gráfico 1, com base nos dados do FMI, mostra que o PIB dos Estados Unidos (em poder de paridade de compra – ppp), em 1980, era de 2,8 trilhões de dólares, enquanto o PIB da China era de 248 bilhões de dólares e o da Índia era de 288 bilhões de dólares. % EUA % Chíndia EUA % do PIB mundial 2016 2014 2012 2010 2008 0 2006 0 2004 5 2002 5.000 2000 10 1998 10.000 1996 15 1994 15.000 1992 20 1990 20.000 1988 25 1986 25.000 1984 30 1982 30.000 1980 Bilhões de dólares (ppp) Gráfico 1: PIB dos EUA e da Chíndia (China + Índia) e participação no PIB mundial (em poder de paridade de compra – ppp): 1980-2016 Chíndia Fonte: FMI, WEO abril de 2011 3 Nota-se que o PIB da Índia era maior do que o da China, sendo que o PIB dos EUA era mais de 5 vezes maior do que o da China e da Índia somados (ou seja, da Chíndia). Em termos de participação no produto mundial, o PIB dos EUA representava 25%, o da China 2,2%, o da Índia 2,5% e o da Chíndia 4,7%. Em 2010, já havia praticamente empate com o PIB dos EUA chegando a 14,6 trilhões de dólares (19,9% do produto mundial) e o da Chíndia chegando 14,1 trilhões de dólares (19% do produto global). Como os dois países asiáticos continuam crescendo mais rapidamente, as projeções do FMI apontam para um PIB de 18,8 trilhões de dólares para os EUA e de 26,1 trilhões de dólares para a Chíndia. Isto quer dizer que a participação dos EUA na economia mundial, entre 1980 e 2016 deve cair de 25% para 17,8%, enquanto a Chíndia deve subir de 4,7% para 24,6%. Os dados deixam claro que os EUA estão perdendo posição na economia mundial. O mesmo acontece com os países da Europa que fazem parte da área do Euro (são 16 países: Austria, Belgium, Cyprus, Finland, France, Germany, Greece, Ireland, Italy, Luxembourg, Malta, Netherlands, Portugal, Slovak Republic e Slovenia). Já os países emergentes ganham destaque. O gráfico 2 mostra que, em 1992, o PIB dos 16 países da área do Euro era de 5,6 trilhões de dólares, contra 4,3 trilhões de dólares dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os primeiros possuiam uma participação de 20,2% na economia mundial contra 15,3% dos BRICS. Em 2010 o PIB da área do Euro estava em 10,8 trilhões (14,6% da economia mundial), contra 19 trilhões dos BRICS (25,7% da economia mundial). As projeções do FMI indicam, para 2016, um PIB de 13,1 trilhões de dólares para a área do Euro (12,4% de participação relativa) e de 32,9 trilhões de dólares para os BRICS (31,2% de participação relativa). Gráfico 2: Participação no PIB mundial (em poder de paridade de compra – ppp) dos 16 países da área do Euro e dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): 1992-2016 Participação no PIB mundial (em %) 35 30 25 20 15 10 05 BRICS 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 00 Países da área do Euro Fonte: FMI, WEO abril de 2011 O Gráfico 3 mostra que os BRICS terão, já em 2016, uma maior participação no PIB mundial do que os EUA e a área do Euro somadas. Ou seja, 31,2% contra 30,2%. 4 Gráfico 3: Participação no PIB mundial (em poder de paridade de compra – ppp) dos 16 países da área do Euro + EUA e dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): 1992-2016 EUA + Área do Euro 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 Participação na economia mundial (em %) 50 45 40 35 30 25 20 15 10 05 00 BRICS Fonte: FMI, WEO abril de 2011 O gráfico 4 mostra que entre os 14 maiores países do mundo, em termos econômicos, o G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) tinha um PIB de 14,3 trilhões dólares (51,3% da economia mundial) e o E-7 tinha um PIB de 5,5 trilhões de dólares (19,7% da economia), em 1992. 60 50 40 30 20 10 E-7 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 0 1992 Participação na economia mundial (em %) Gráfico 4: Participação no PIB mundial (em poder de paridade de compra – ppp) do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) e do E-7 (China, Índia, Rússia, Brasil, México, Coréia do Sul e Indonésia): 1992-2016 G-7 Fonte: FMI, WEO abril de 2011 5 No ano 2010 a participação dos dois grupos era de 39,5% para o G-7 e de 30,4% para o E-7. As projeções do FMI indicam, para 2016, um PIB de 36,6 trilhões de dólares para o G-7 (34,7% de participação na economia mundial) e de 38 trilhões de dólares para o E-7 (36% de participação mundial). Portanto os sete paiíses emergentes vão ultrapassar, em tamanho do PIB, o grupo dos sete países (G-7) que tem dominado o cenário econômico mundial nas últimas décadas. O gráfico 5 mostra a participação dos 19 países que fazem parte do G-20 na economia mundial. O G-12 (China, Índia, Rússia, Brasil, México, Coréia do Sul, Indonésia, Argentina, Austrália, Arábia Saudita, Turquia e África do Sul) tinha um PIB de 6,9 trilhões de dólares, em 1992, passou para 26,2 trilhões de dólares, em 2010, e deve chegar a 43 trilhões de dólares, em 2016. Enquanto o G-7 tinha uma participação da economia mundial de 51,3% em 1992 e deve cair para 34,7% em 2016, o G-12, que tinha 24,7% em 1992 deve chegar a 40,8% da economia mundial em 2016. O G-7 deve se tornar minoria no G20 até 2013. 60 50 40 30 20 10 G-12 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 00 1992 Participação na economia mundial (em %) Gráfico 5: Participação no PIB mundial (em poder de paridade de compra – ppp) do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) e do G-12 (China, Índia, Rússia, Brasil, México, Coréia do Sul, Indonésia, Argentina, Austrália, Arábia Saudita, Turquia e África do Sul): 1992-2016 G-7 Fonte: FMI, WEO abril de 2011 Desta forma, os dados indicam que o mundo está passando por uma mudança no peso relativo dos países e dos grupos de países. Isto pode levar a uma transição da hegemonia da liderança mundial. Nas duas últimas mudanças anteriores a Inglaterra venceu a guerra contra a França - mantendo a hegemonia no século XIX - e os Estados Unidos (e aliados) venceram a guerra contra a Alemanha, Japão e Itália – fazendo do século XX o século americano. Será que a China (liderando os países emergentes) vai assumir a hegemonia mundial (seguida de perto pela Índia) e como será esta passagem? 6 No passado as mudanças de hegemonia foram acompanhadas de guerras. Mas atualmente as economias estão muito mais interligadas. EUA, Área do Euro, China, Índia (assim como Brasil, Rússia, África do Sul, etc) fazem parte do G-20 e possuem um canal de discussão e resolução de conflitos. Portanto, é possível haver uma mudança de hegemonia sem guerras entre as “velhas” potências econômicas. Quanto mais tranquila for esta passagem, mais o mundo tem a ganhar. E ganhará muito mais se os países se unirem para salvar o meio ambiente que está cada vez mais ameaçado por todas estas disputas econômicas que tem acontecido ao longo da história da humanidade. Contudo, pode haver uma mudança de hegemonia com o acirramento dos conflitos internacionais. Mas aí não é bom nem pensar. i Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. Tel: (21) 2142 4689. E-mail: [email protected] Publicado em APARTE (http://www.ie.ufrj.br/aparte/) – 4/08/2011). 7