PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: a realidade dos trabalhadores do lixão de Juazeiro do Norte-CE 1 Juliana Alves Batista dos Santos 2 Mossicléia Mendes da Silva Resumo: O presente estudo discute as transformações no mundo do trabalho e as novas formas de ocupação, com ênfase no trabalho dos catadores de lixo no município de Juazeiro do Norte-CE, expressando a realidade da crescente pobreza, que se acentua em face da reestruturação produtiva, do desemprego estrutural e da lógica neoliberal imbuída nas políticas públicas. Como metodologia adotouse a pesquisa qualitativa, utilizando-se como instrumental a entrevista, que possibilitou compreender a situação dos (as) catadores (as) de lixo em Juazeiro do Norte. Percebeu-se que a ocupação de catador de lixo aponta como nova forma de ocupação, apresentando única possibilidade de sobrevivência para alguns trabalhadores, como é o caso daqueles que estão no lixão da cidade de Juazeiro do Norte-CE. Palavras-chave: Trabalho, pobreza, questão social. Abstract: This paper aims to discuss the changes in the world of work and new forms of occupation, with emphasis on the work of garbage collectors. In your introduction look after of increasing poverty which grows in the face of these changes and the neoliberal logic permeated into public policies. The research is exploratory, qualitative, and use the interview as a method of data collection. The results demonstrate that new forms of occupation are the only option for survival for some workers such as those working in te “Lixão”, a dump situated in Juazeiro do Norte-CE. Key words: Work, poverty, social questions. 1 Graduanda. Faculdade de [email protected] 2 Graduanda. Faculdade de [email protected] Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio. E-mail: Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio. E-mail: 1. INTRODUÇÃO A centralidade da categoria do trabalho no desenvolvimento da sociabilidade humana coloca a imperiosa necessidade de apreender de que forma as transformações que ora se efetivam nas relações capitalistas vigentes incidem sobre a “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2007), bem como as implicações nas múltiplas expressões da questão social. A questão social, na sua contradição fundamental, qual seja, o embate político entre capital e trabalho, configura-se na presente realidade de forma aguda especialmente manifestada em novas relações de trabalho precárias e no crescente processo de empobrecimento da população. Tais transformações, que se processam bruscamente, estão pautadas numa lógica mercantilista, em que o neoliberalismo enquanto doutrina econômica da suporte ao desmonte do Estado intervencionista e a proteção social, apresenta-se cada vez mais fragilizada. Neste cenário, novas formas de trabalho informais, precárias, desprotegidas, e em algumas realidades, subumanas, conforma um contexto de pobreza extrema para importante contingente da população. O presente trabalho propõem-se a uma discussão sobre as novas formas de trabalho que insurgem num contexto de alto nível de desemprego estrutural e pobreza absoluta, considerando-se prioritariamente a realidade dos trabalhadores do lixão na cidade de Juazeiro do Norte-CE. 2. O contexto da flexibilização e a reestruturação produtiva À crise estrutural do capital que se verificou a partir da década de 70 com o esgotamento dos “anos dourados” do capitalismo, foram dadas respostas contundentes e aparentemente irreversíveis no sentido de superação da eminente crise cíclica, com vistas à auto-preservação de sua necessidade acumulativa. Tais respostas incorrem sobre o trabalho de forma expressiva, configurando a reestruturação produtiva que se caracteriza pela financeirização, flexibilização e mundialização da economia, condensando um contexto de desregulamentação e liberalização da mesma. Tem-se, pois, que: “[...] o capital ao invés de voltar-se para o setor produtivo, é canalizado para o setor financeiro, favorecendo um crescimento especulativo da economia” (IAMAMOTO, 2008, p. 141). A reestruturação produtiva diz respeito a uma série de mudanças no modo de produção capitalista, das quais são mais expressivas e podem elucidar o que de fato torna tão incrementado o modo de produzir com base na pragmática neoliberal, quais sejam: a financeirização, a flexibilização, a terceirização, a precarização do trabalho, etc. Princípios organizacionais dos quais decorrem padrões de produção em que se tem uma vinculação com a demanda, trabalho operário em equipe, just in time, sistema kanban, estrutura horizontalizada, Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), etc. No Brasil, tal qual enfatizado por Mota e Amaral (1998, p. 35), [...] a marca da reestruturação produtiva no Brasil é a redução dos postos de trabalho, o desemprego dos trabalhadores do núcleo organizado da economia e sua transformação em trabalhadores por conta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desempregados abertos, desempregados ocultos por trabalho precário, desalento, etc. 3. As configurações do trabalho, neoliberalismo e pobreza Os ditames da economia colocam no proscênio do mundo do trabalho uma regulação de mercado que incide de forma categórica na legitimação da depreciação da força de trabalho. Nesta direção, o postulado neoliberal da “taxa natural desemprego” aparece como justificativa para a exclusão de grande contingente de trabalhadores do emprego formal, legalmente protegido. Assim, a incrementação tecnológica está para o trabalho como a antítese da mercantilização de seu valor, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas conflui para a possibilidade do capital explorar a força de trabalho, pois, “o decréscimo relativo de capital variável aparece inversamente como o decréscimo absoluto da população trabalhadora, mas rápido que os meios de sua ocupação” (IAMAMOTO, 2008, p.157). Neste cenário o agravante da terceirização apresenta-se como opção extremamente viável ao capital e incisivamente destrutiva sobre o trabalho. Satisfaz a necessidade de exteriorização da produção para barateá-la, tornando alguns custos variáveis de acordo com a demanda em evidência. Portanto, reflete na redução e eliminação de direitos sociais dos trabalhadores formais e terceirizados, rebaixamento de seus salários, insegurança, instabilidade, enfim toda série de intempéries que se relaciona à problemática. A questão do não-emprego, do subemprego ou do trabalho precarizado tangencia a questão da exclusão, que se torna alarmante. Como coloca Martins apud Juncá (2000), o lapso temporal que demarca o tempo em que o sujeito é excluído para o momento de sua reinclusão está se transformando num modo de vida. Os trabalhadores expulsos do mercado de trabalho são ceifados cotidianamente da possibilidade de serem novamente incluídos, ou quando se da, se efetiva nos moldes de uma inclusão perversa. Paralelo a estas mutações de ordem técnica e organizacional está a concepção ideológica que fomenta as diretrizes da regulação sob a via do mercado, qual seja: o paradigma do neoliberalismo, que tem difundindo ideais outrora suprimidos que emergem contra o Estado Intervencionista (SALAMA, 2003). Obscurecidas as reais causas da crise do capital, que nos termos de Gramsci apud Simionatto (2001), configura-se como uma crise orgânica, favorece-se a dicotomia entre público e privado, onde o primeiro é sempre sinônimo de negativo, precário, deficiente, e, o segundo, por sua vez, a forma material da qualidade e da eficiência. Tem-se, portanto, não apenas o crescimento das mazelas sociais, mas o agravamento das mesmas à medida que há a diminuição drástica da intervenção estatal em políticas públicas, comprometendo a gestão e o desenvolvimento de quaisquer iniciativas voltadas à reformulação do arcabouço das políticas sociais. Destituído da única via de sobrevivência, a venda de sua força de trabalho, o trabalhador está sujeito a toda sorte de infortúnio, e conseqüentemente torna-se demandatário em potencial das políticas sociais, a inexistência destas, ou sua proposição focalista e descontínua conflui para uma condição de existência compatível com níveis de miséria impensáveis, é por isso que: “[...] a ofensiva neoliberal tem sido, no plano social, simétrica à barbarização da vida societária” (NETTO, 2003, p.32). Desta forma, novas expressões da miséria vão transparecendo e modificando as diferentes manifestações da pobreza. No Brasil, esta pobreza, conforme coloca Telles (1994, p. 85) [...] parece constituir-se uma espécie de buraco negro no qual convergem, combinam-se, entrecruzam-se, misturam-se crises várias, fazendo dela mais do que as evidências da destruição da maioria, o enigma de cujo deciframento parece cada vez mais depender os destinos do país. Nesse âmbito, os problemas desencadeados se revelam como desdobramentos da complexidade do sistema capitalista e da falta de ação estatal na criação e efetivação de mecanismos para a proteção social ampla e universal, tendo por resultado a degradação humana por grande parte dos pobres e a relutância de alguns poucos. Configurando dessa maneira a violência da pobreza, [...] Os impactos destrutivos das transformações em andamento no capitalismo contemporâneo vão deixando suas marcas sobre a população empobrecida: o aviltamento do trabalho, o desemprego, os empregados de modo precário e intermitente, os que se tornam não empregáveis e supérfluos a debilidade da saúde, o desconforto da moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a fome, a fadiga, a ignorância, a resignação, a revolta, a tensão, e o medo [...] (YASBEK, 2001, p.35) A violência social, a qual por sua vez consiste em todo um arranjo ideológico que o pobre é vinculado a uma imagem negativa de desqualificado e promotor da desordem e conseqüente males da sociedade, levando-o a rejeição e exclusão dos processos produtivos, bem como ao isolamento social, extermínio e até genocídio cultural. Assim, os pobres são vistos como “[...] desnecessários do ponto de vista econômico, “incômodos” para a convivência social, pela degradação urbana que provocam, constituindo-se ainda em um risco político [...]” (JUNCÁ, 2000, p. 133). 4. Os trabalhadores do lixo e sua forma perversa de inclusão no município de Juazeiro do Norte-CE Presencia-se cotidianamente um grande número de pessoas marginalizadas, que descem cada vez mais na hierarquia social, chegando à impossibilidade de reintegração no mercado de trabalho, e consequentemente destituídas de família, lar, auto-estima e identidade (SANTOS, 2000). Engendra desse modo, um percurso em que aqueles que ocupam a parte mais baixa da estrutura social vigente, descem a um patamar ainda pior, podendo assim ser designado: “os pobres se transformam em miseráveis, os que viviam da informalidade passam a viver do lixo. Uma parte da população passa a viver no luxo e outra do lixo” (BUARQUE apud JUNCÁ, 2000). Com uma população de 242.139 habitantes (IBGE, 2007) Juazeiro do Norte/CE, situa-se na Região do Cariri Cearense e constitui-se em importante pólo comercial fortemente influenciado pelo turismo religioso, em que o ícone Padre Cícero atrai uma multidão de “fiéis” nos períodos de Romaria à cidade. No entanto, alguns indicadores têm demonstrado que a crescente dinamização da economia não tem se revertido em melhoria na qualidade de vida de maior parte da população. Para ilustrar esta questão pode-se analisar, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que é de apenas de 0, 697 e Índice de Desenvolvimento Social e Resultados 0,4692. (IBGE, 2007). Este é o caso emblemático da realidade de inúmeras famílias que vivem e trabalham no “lixão” desta cidade. O referido espaço compreende uma área de 1000 m2 e localiza-se a 04 quilômetros do centro da cidade. A opção por catadores (as) de lixo levou em consideração, a realidade de trabalho informal crescente no município de Juazeiro do Norte/CE, expressando o desemprego estrutural e precarização do trabalho, associado a ausência de condições de segurança, bem como a realidade de pobreza acentuada daquela população. No lixão de Juazeiro do Norte trabalha 130 catadores (as) de lixo, sendo utilizado nesta pesquisa uma amostragem de 10% do total dos catadores. Em relação ao gênero, 61,5% dos entrevistados são homens e 38,5% são mulheres. Como procedimento metodológico utilizou-se a entrevista e a observação sistemática, que contribuíram para coleta dos dados concernentes a percepção dos (as) catadores (as) sobre a ocupação desempenhada, o rendimento propiciado, as relações e condições de trabalho, a inserção e acesso a programas e serviços públicos, o tempo de trabalho naquele espaço, o grupo familiar e, ainda, sobre o desenvolvimento de projetos no âmbito do lixão. Do total de catadores entrevistados, 30,8% residem em barracas no lixão por não dispor de condições financeiras mínimas para morar em outro local, e 69,2% declaram não morar no lixão, embora passem a semana alojados em suas barracas. Tal necessidade de permanência no local decorre entre outros fatores pela necessidade de manter-se o maior parte de tempo no local, como possibilidade, ou mesmo necessidade de delimitação dos espaços de domínio, uma vez que a concorrência entre os (as) catadores (as), face ao crescente número de trabalhadores, tornado-se acirrada a luta pelo espaço e pelo lixo. Concernente ao grupo familiar percebe-se uma formação média de 05 pessoas. Do universo de pesquisa, 75% têm membros do grupo familiar envolvidos no trabalho no lixão. Correlacionando o tempo de trabalho diário, que é em média de12 horas, com a renda extraída pelos (as) catadores (as) que varia entre R$ 350,00 e R$ 500,00, evidenciase o caráter de um trabalho degradante nos sentidos físicos e psicológicos, fugindo a padrões mínimos de humanidade. Considerando o fato de que a diferença entre a quantidade de lixo coletada e o pagamento efetuado pelos denominados “passadores”, que na visão dos (as) catadores (as) é extremamente injusta, evidencia em última análise, uma realidade evidente de trabalho não apenas precarizado, mas subumano, que segue a lógica da exploração e acumulação. Ainda neste sentido, é válido considerar a contradição implícita nos dados em que se percebe uma renda per capta familiar condizente com critérios para inserção em Programas de Transferência de Renda, e, no entanto, apenas 53,80% são beneficiários de tais programas. Observa-se a importância atribuída pelos (as) usuários (as) aos referidos programas, em que se torna explícito nos discursos dos sujeitos à importância dos programas de transferência de renda no sustento familiar. Com relação à inserção em outros processos de trabalho anteriores a realização do trabalho no lixão, apenas 38,5% dos entrevistados já teve trabalho com vínculo formal. Quanto à percepção dos (as) catadores (as) sobre o trabalho no lixão, foi unânime quanto ao lixão apresentar-se como a única forma de está inserido economicamente e de poder realizar algum trabalho, pois percebem como extremamente difícil a possibilidade de inserção no mercado formal. No discurso de alguns trabalhadores, no entanto, há certa resistência aos espaços formais, pelo aspecto fechado, controlado e mesmo de exploração que conformam os “empregos”, configurando a não compreensão das formas implícitas de exploração imbuída nesta forma de ocupação à que estão submetidos os (as) catadores (as). As expressões faciais, de corpo, não explícitas verbalmente, figuram seres humanos exaustos, apreensivos e são concordes no fato de viverem num mundo à parte. No discurso ficou demonstrado que embora não sendo o melhor espaço de trabalho, sentem-se bem por “ganhar a vida honestamente”, e demonstram estar resignados com sua condição de vida, por que na perspectiva deles, não há outra forma de sobrevivência, não têm chance no mercado de trabalho. De forma unânime foi declarado que as condições de trabalho são as piores possíveis; não contam com Equipamentos de Proteção Individual – EPI, em que evidencia o perigo eminente. É importante salientar que em alguns casos a dificuldade de acesso de informação e serviços, associado à burocracia, o mau atendimento e a distância das instituições públicas são elementos apontados pelos (as) entrevistados (as) agravantes para o acesso aos programas, serviços e políticas sociais. As relações estabelecidas entre os (as) trabalhadores (as) conformam uma sociabilidade competitiva e individual, em que os principais conflitos decorrem especialmente no que tange a divisão de espaços, o que permite compreender como a lógica mercantilista incorre de forma destrutiva nas relações sócias. CONSIDERAÇÕES FINAIS As profundas transformações ocorridas no mundo do trabalho, a partir da crise estrutural e das respostas contundentes do capital, na tentativa de reter sua crise cíclica e manter sua necessidade acumulativa, incidiram de forma devastadora sobre a classe trabalhadora. A precarização, o desemprego estrutural, a flexibilização, o desmonte do Estado intervencionista e o recurso a novas formas de trabalho parecem configurar uma realidade de maior exploração do trabalho e de acentuação da pobreza. A realidade dos trabalhadores do lixão da cidade de Juazeiro do Norte-CE, apresenta as conseqüências nefastas de uma lógica de mercado que privilegia indiscutivelmente o fator acumulação em detrimento dos direitos elementares. Embora seja evidente o caráter degradante daquele trabalho, constitui-se na única forma de sobrevivência para importante número de famílias. As políticas sociais, que devem visar o atendimento de necessidades básicas da população seguem uma lógica neoliberal perversa, que em última análise são balizantes entre a pobreza e a miséria. Na verdade, esta lógica aponta para níveis de barbárie numa sociedade que se pretende civilizada. A pobreza se generaliza na medida em que o trabalho é depreciado. Aqueles trabalhadores, mesmo fora da lógica formal são explorados, contribuindo para o processo de acumulação. Além do desgaste físico, o estigma e a violência social de que são vítimas tornando claro o processo, que nos termos de Buarque (1994), pode ser designado como “apartação social”. Portanto, a exploração da força de trabalho é fator determinante no sentido da acumulação inerente ao sistema vigente. Está presente também nas novas formas de ocupação e trabalho, que além de precarizados são subumanas, tal como se demonstra na realidade dos trabalhadores do lixo, em que sua condição de pobreza é ainda mais agudizada visto a insegurança e desproteção trabalhista à que são subjugados. Realidade que se acentua ao passo que os diretos sociais seguem uma inobservância inquestionável num país em que o vínculo empregatício, embora fortemente atacado pelo ideário neoliberal de flexibilização das leis trabalhistas, ainda é a forma possível de efetivação de alguns direitos de cidadania. Referências ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 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