Expresso | Governo tirou gestores da Caixa

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A7
ID: 65753434
20-08-2016
Tiragem: 94480
Pág: 3
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 28,20 x 44,50 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
BANCA
Capital Estado admite adiar pagamentos ao FMI para financiar a Caixa
Governo tirou gestores
da Caixa sem lhes dizer
F
Mário Centeno e Carlos Costa lideram as instituições portuguesas envolvidas no processo FOTO LUÍS BARRA
administradores em causa concedendo um prazo para a mudança da lei.
Além disso, o Governo valoriza a despolitização da equipa escolhida. Mas
reconhece que é preciso mais pedagogia na relação com as instituições
europeias, cuja burocracia técnica
prevaleceu.
Dívida de 900 milhões
convertida em capital
Segue-se a aprovação pela Direção-Geral de Concorrência do plano
de negócios proposto pelo Governo
para a Caixa. É neste plano que está
prevista a injeção de mais de três mil
milhões de euros em dinheiro fresco,
bem como a conversão dos €900 milhões em Cocos (dívida contingente)
em capital e a autorização para que
os custos de reestruturação do banco
(cerca de €800 milhões em quatro
anos) sejam aceites. O bolo total aproxima-se dos cinco mil milhões.
A Direção-Geral de Concorrência já
terá aprovado a conversão da dívida
de €900 milhões em capital. O que
falta é aprovar o valor de dinheiro
fresco a injetar. E que ele não seja
considerado ajuda de Estado. Se fosse,
poderia iniciar-se um processo de bail
in que prejudicaria obrigacionistas,
cenário que o Governo afasta.
Se houvesse ajuda de Estado, o
dinheiro injetado iria além de mais
afetar o défice público. Não sendo
ajuda de Estado, é ainda preciso que o
Eurostat aceite não considerar incluir
aquele valor no défice. Do que não há
dúvidas é de que o aumento de capital
afetará a dívida pública.
Aumento de capital pode
afetar pagamentos ao FMI
A injeção de capital na Caixa será
financiada com dívida pública. Por
um lado, o Governo poderá usar reservas disponíveis. Por outro, as Finanças admitem adiar o calendário
de pagamentos ao FMI para desviar
o dinheiro para a Caixa. Finalmente, será feita uma emissão de dívida pública, que será justificada ao
mercado com as necessidades da
Caixa. O Governo quer então ter um
dossiê robusto preparado, para que
o mercado entenda a racionalidade
do investimento e não o veja como
despesa pública.
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Beleza perde CGD
por causa de um
restaurante
Leonor Beleza foi
‘chumbada’ para
a Caixa por já
desempenhar
dois cargos
executivos,
quando a lei só
permite um: é vice-presidente da
Fundação Champalimaud e é
executiva do restaurante Darwin’s
Café, detido pela fundação. A lei que
afastou oito gestores propostos para
a Caixa inibe a aceitação de
administradores não-executivos na
banca em dois casos: quem já tenha
mais de um cargo executivo e dois
não-executivos noutros sectores; ou
quem tenha quatro não-executivos.
Beleza já não aceitará novo convite. O
restaurante é uma sociedade
autónoma detida pela fundação em
parceria com uma empresa de
restauração.
Venda do Novo Banco dá pouco
Governo já avaliou propostas
para o Novo Banco. Valores são
quase simbólicos ao pé dos €4,9
mil milhões injetados. Objetivo é
não perder mais
O Governo já analisou e devolveu ao
Banco de Portugal as propostas para a
compra do Novo Banco. As ofertas são
diferentes entre si, incluindo aumentos de capital. Mas o “encaixe” para
o Fundo de Resolução está em qualquer caso muito longe dos €4,9 mil
milhões injetados em agosto de 2014.
E mais perto dos €40 milhões pelos
quais o Estado vendeu em o BPN ao
angolano BIC em 2012. Estas propostas não surpreendem o Governo, que
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A Caixa,
depois disto
O maior mérito do Governo
na nova administração — a
sua inédita despolitização —
foi apagado por um processo
embaraçoso de chumbos
no BCE. Agora o que interessa:
capitalizar a Caixa. E geri-la bem
O
Pedro Santos Guerreiro
e Isabel Vicente
oi já no início deste agosto que o Governo foi surpreendido pela imposição do Banco Central
Europeu de não aceitar
oito administradores
propostos para a Caixa
Geral de Depósitos, por
estes terem excesso de
cargos de administração noutras empresas. A 5 de agosto, o Ministério das
Finanças devolveu a lista a Frankfurt
retirando estes nomes. Mas não disse
nada a ninguém: nem aos próprios,
nem sequer a António Domingues, que
os convidara. Chegaram a estar previstas reuniões para setembro com quem
já não estava na lista. E só quinze dias
depois é que os administradores souberam que não o seriam. Pelos jornais.
A lei que os impediu de acumular
cargos é portuguesa, resultando de
uma transposição de uma diretiva
comunitária feita em 2014. Essa transposição, que foi solicitada pelo Banco
de Portugal, serviu então para afastar
administradores do Banco Espírito
Santo. Agora, o Governo quer juntar à
lei outros elementos da diretiva comunitária que não foram então transpostos, para que os critérios para convites
para cargos de administração sejam
mais amplos.
Mas há outra possibilidade: o Governo está a estudar a criação de um
Conselho Consultivo para a Caixa, que
possa absorver gestores de topo de
grandes empresas, o que é desejado
para aproximar o banco público do
mundo (e de uma cultura mais) empresarial.
A retirada da lista de oito administradores, para mais sem que estes o
soubessem, suscitou forte polémica,
quer política quer nos meios financeiros. Os partidos da oposição acusaram
o Governo de amadorismo e de incompetência. Nos meios financeiros,
as críticas dirigiram-se aos efeitos
reputacionais, nos mercados e nas
instituições europeias. Foi assim, aliás, que foi entendida a obrigação de
que três novos administradores da
Caixa tenham de frequentar cursos
numa universidade estrangeira, além
de que todos os 11 administradores
terão de ter ações de formação interna
na Caixa.
Fontes do Governo garantem que
a equipa das Finanças envolvida conhecia a lei impeditiva mas esperava
que o BCE permitisse a entrada dos
Pedro Santos Guerreiro
tem insistido que o objetivo é não ter
de injetar mais dinheiro público no
antigo BES, o que aliás implicaria uma
nova resolução. Mas fica assim claro
que os 4,9 mil milhões ficarão como
prejuízo da operação, prejuízo que
aliás pode aumentar.
É que nenhuma das propostas aceita comprar o risco de pagar os cerca
de dois mil milhões de obrigações seniores que foram transferidos para o
“banco mau”, caso os tribunais assim
o determinem. Essa contingência (e
outras) ficará no Fundo de Resolução.
Quem perde então os €4,9 mil milhões menos a receita simbólica da
venda? O Fundo de Resolução. Financiado pelo Estado. É que o emprésti-
mo transitório do Estado de 3,9 mil
milhões feito em 2014 vai ser transformado num empréstimo de muito longo prazo, na ordem das décadas. Ao
longo dos anos, o Estado vai recebendo dos bancos as contribuições para o
fundo, assim reduzindo o empréstimo.
No caso de as contingências jurídicas
agravarem o custo, o empréstimo poderá ser dilatado em ainda mais anos.
O Governo espera que a venda seja
concluída brevemente, mas quem controla o processo é o Banco de Portugal.
O BPI tem uma das propostas mais
apreciadas no Governo, segundo apurou o Expresso. Mas esta depende do
que for decidido na próxima Assembleia Geral do BPI sobre a desblinda-
gem dos estatutos que ditará ou não o
sucesso da oferta pública de aquisição
do CaixaBank sobre o banco. Na corrida estão também os americanos da
Apollo (que detêm a Tranquilidade e a
Açoreana) juntamente com a Centerbridge e a estreante Loan Star, uma
gestora de private equity (detém os
centros comerciais Dolce Vita).
António Ramalho escolhido pelo
Banco de Portugal para substituir
Eduardo Stock da Cunha, já teve luz
verde do BCE para presidir ao Novo
Banco e já iniciou funções. Ontem já
se reuniu com os diretores do banco.
Isabel Vicente
e Pedro Santos Guerreiro
[email protected]
processo de formação
da administração
da Caixa não foi
vergonhoso, foi muito
embaraçoso. Sobretudo
para Portugal.
O embaraço de convidar e
desconvidar pessoas. O embaraço
de ter de fazê-lo por causa de uma
lei... portuguesa. O embaraço de
os próprios envolvidos saberem
pelos jornais. O embaraço de ver
outra vez o Governo português
ser dobrado por uma entidade
europeia.
Mas estes não são os embaraços
maiores. O maior é constatar que o
Banco Central Europeu não confia
em gestores portugueses. É isso que
significa mandá-los estudar. Dirão
que é da imposição da lei. Oiça
que é da perceção que têm de nós.
Se fosse da lei, António Ramalho
também teria de voltar às aulas
para ser o novo presidente do Novo
Banco, pois esteve mais de dois
anos fora da banca. Não teve.
Preconceito? Não. Primeiro,
porque a forma como foi gerido o
processo da nova administração
prejudicou a nossa imagem e a da
Caixa. Segundo, porque o nosso
futuro anuncia-se sempre depois do
nosso passado. Lembra-se do nosso
passado?
Nós lembramos-lhe, em letras do
presente e em números do futuro.
Três notícias desta edição: o Estado
quer injetar mais de 3 mil milhões
de euros na Caixa, converter 900
milhões de dívida em capital e
assumir mais 800 milhões para
custos de reestruturação, o que
soma a fatura total da Caixa em
quase 5 mil milhões de euros; quase
todos os 4,9 mil milhões injetados
no Novo Banco deverão ser
perdidos na sua venda; o custo total
do BPN, que sobe todos os anos
umas centenas de milhões, pode no
final superar um novo “recorde”, de
9 mil milhões de euros.
Passaria cheques em branco à
reputação de países com bancos
assim? O BCE não passa.
Uma nota, que é tudo menos
uma curiosidade. O BCE
não procura apenas gestores
competentes, procura também
gestoras portuguesas. A futura
administração da Caixa, liderada
por António Domingues, terá
de ter pelo menos três mulheres
(neste momento não tem
nenhuma); e a nova equipa de
gestão do Novo Banco, liderada
por António Ramalho, terá de
ter pelo menos igual número de
administradoras.
Não será nas nossas empresas
cotadas que encontrará muitas.
E esta desproporção representa
mais do que uma desigualdade de
acesso, mas também uma cultura
empresarial que se conforta na
reprodução dos seus próprios
comportamentos: quem manda
são os homens. Mesmo que os
desempenhos desta classe de
gestores se venha revelando,
precisamente no caso dos bancos,
em resultados tão catastróficos
como os três que continuam a ser
notícia. Talvez seja mesmo preciso
mandar muitos homens de novo
para os bancos da escola.
PEDRO SANTOS GUERREIRO
ESCREVE NO EXPRESSO
DIÁRIO ÀS SEGUNDAS
E QUARTAS-FEIRAS
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