Teorias de Aquisição da Linguagem Como vimos anteriormente, a

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Teorias de Aquisição da Linguagem
Como vimos anteriormente, a escolha de certos pressupostos teóricos determina as
diferentes maneiras de se abordar o fenômeno da aquisição da linguagem. Daí surgirem, em
diversos pontos da história dos estudos sobre o desenvolvimento linguístico infantil, várias
correntes de estudos, as quais constituem nos dias atuais um amplo leque de opções teóricas
e metodológicas em que a investigação científica em Aquisição de Linguagem pode se
fundamentar. É o conjunto dessas correntes, bem como dos problemas específicos que cada
uma delas enfoca e dos métodos de investigação específicos de cada uma delas, que dá corpo
à Aquisição da Linguagem como disciplina científica, modernamente.
As teorias em Aquisição de Linguagem, ainda que divirjam em muitos pontos, podem
ser agrupadas conforme os seus backgrounds teóricos, ou seja, de acordo com as suas
assunções fundamentais. Assim, pode-se estabelecer uma espécie de relação de parentesco
entre as correntes de estudos, de forma a deixar entrever tanto as suas origens históricas
comuns quanto as similaridades e afinidades teóricas. O presente capítulo pretende compor
um quadro dessas correntes, explicitando o que há de mais relevante em cada uma, dando
assim uma visão de conjunto sobre os desenvolvimentos atuais da Aquisição da Linguagem.
1. O quadro geral:
De um modo geral, pode-se agrupar as correntes de estudo em Aquisição da Linguagem no
quadro que abaixo se segue:
Por correntes empiristas, entende-se aquelas teorias que, de algum modo e em algum
grau, assumem uma perspectiva empirista na abordagem do fenômeno da aquisição.
Conforme o visto no capítulo anterior, o que caracteriza o empirismo é a assunção de que todo
o conhecimento começa com a experiência, e que não há nada a priori na mente humana que
torne possível indicar a direção do conhecimento – neste último caso, versões radicais do
empirismo tem caracterizado a mente humana como uma tábula rasa, ou seja, como uma
estrutura completamente vazia a ser preenchida com os dados da experiência sensível, ao
passo que versões menos agudas têm considerado a existência de capacidades cognitivas
gerais, como a capacidade de inferência indutiva e de analogia, ambas prévias à experiência.
Seja como for, o empirismo confere aos fatores externos uma importância maior no processo
de aquisição de conhecimento, em detrimento dos fatores internos, os quais ficam reduzidos
ou a capacidades gerais de raciocínio indutivo ou analógico ou a habilidades de processamento
de informação externa indissociadas por domínio.
Já por correntes racionalistasdeve-se entender as teorias que assumem uma perspectiva
racionalista, quais sejam, aquelas que postulam haver capacidades e conhecimentos inatos
que guiam o sujeito no processo de aquisição de conhecimento e de linguagem. No capítulo
anterior, viu-se que o que caracteriza o racionalismo é a assunção de que é a fonte inicial do
conhecimento é a razão humana, a qual torna possível a experiência. Sem a razão, os dados
advindos da experiência sensível constituiriam um todo caótico e fragmentado, a partir do qual
dificilmente se chegaria a uma forma estável, sólida e definida de conhecimento. Os
racionalistas, portanto, partem de uma caracterização inicial das capacidades racionais inatas
como condição prévia para o processo de desenvolvimento cognitivo em geral e da linguagem
em particular, delegando à experiência condição necessária, mas não suficiente, para o
processo. Dessa forma, são os fatores internos que são tomados como mais relevantes, na
perspectiva racionalista, em detrimento dos fatores externos, como é feito pelos empiristas.
O semirracionalíssimo, por sua vez, tem uma caracterização um tanto híbrida, pois esta
corrente se coloca como uma espécie de meio-termo entre o empirismo e o racionalismo. Os
defensores desta corrente creditam boa parte do processo de aquisição de conhecimento e de
linguagem à maturação de estruturas mentais, devidamente caracterizadas por cada teoria
desta corrente. A descrição das propriedades das estruturas mentais subjacentes é uma das
tarefas centrais dos semirracionalistas, o que os aproxima dos racionalistas. Por outro lado,
não há a assunção explícita de existência de conteúdos mentais inatos – o processo de
maturação das estruturas mentais seria, em parte, determinado por fatores biológicos e,
portanto, inatos, mas uma fatia expressiva do processo seria determinada por fatores
externos, como o ambiente de aquisição, o tipo e a quantidade de input, a interação entre o
sujeito cognoscente e o ambiente ou entre este mesmo sujeito e um interlocutor (os pais ou
outros sujeitos), os quais recebem um peso maior na teorização semirracionalista. De uma
forma geral, o semirracionalismo equilibra-se entre a ênfase dada pelos empiristas aos dados
da experiência e a ênfase dada pelos racionalistas aos conteúdos inatos, propondo uma
interação entre estes dois aspectos, ainda que nem sempre esta interação pretendida seja
equitativamente dividida entre os aspectos externos (experiência e ambiente) e internos
(mente).
Um outro fator que aproxima ou afasta diferentes teorias sobre a aquisição de
linguagem é o modo como se concebe a arquitetura da mente humana. Mais uma vez,
conforme o capítulo anterior, sabe-se que esta arquitetura pode ser ou modular ou
indissociada por domínio, também chamada de holista. No primeiro caso, a mente seria
composta por uma série de módulos cognitivos especializados, cada um deles destinado a um
aspecto da cognição, com modos próprios de processamento e desenvolvimento. Já no
segundo caso, a mente seria uma estrutura indivisível, ou seja, não especializada por domínio,
sendo que toda a cognição humana seria processada segundo processos comuns e se
desenvolveria segundo um mesmo cronograma geral. Empiristas e semirracionalistas tendem
a assumir uma concepção holista da mente, já que, para os proponentes desta corrente, não é
arquitetura ou os processos mentais que determinam o modo como vai se dar o
desenvolvimento cognitivo e a aquisição de linguagem, mas sim os dados de entrada e o
ambiente em que transcorre o processo, bem como a interação entre eles e o sujeito em
desenvolvimento. Por sua vez, os racionalistas tendem a ser fortemente modulares, já que,
para os seus defensores, as características da mente, sua arquitetura e modo de
funcionamento são determinantes para que conhecimentos e linguagem sejam adquiridos,
mais que os dados em si ou o ambiente e interação.
Para finalizar, teorias de aquisição de linguagem empiristas e holistas tendem a se
concentrar na aquisição de aspectos comunicativos, expressivos e interacionais da linguagem,
bem como no desenvolvimento das capacidades de interação social por meio da língua,
aquisição de língua escrita e seus gêneros, aquisição de língua de segunda língua (L2) e
desenvolvimento de habilidades cognitivas de algum modo vinculadas à linguagem, como a
contagem e numerosidade, memória, raciocínio abstrato e simbólico, etc. Teorias de aquisição
de linguagem racionalistas, por seu turno, concentram-se nos aspectos formais e gramaticais
da linguagem, enfatizando os estágios inicial e final do processo de aquisição, o tipo de
informação necessária para que este processo seja desencadeado e consolidado e as
habilidades de processamento de informação linguística presentes na criança em fase de
aquisição de linguagem.
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