Artigo de Revisão Tratamento de ameloblastoma Karima Yustra Jaber1 Laurindo Moacir Sassi2 Sérgio Altino Franzi3 Treatment of ameloblastoma RESUMO O ameloblastoma é um tumor odontogênico da maxila e da mandíbula, sendo indolor; é benigno e incide mais em mandíbula. São lesões localizadas e tumores odontogênicos agressivos. Apresenta alto índice de recidiva. O cirurgião dentista tem um papel importante no diagnóstico dessas lesões por meio do uso da radiografia panorâmica, que é importante instrumento no diagnóstico diferencial. O aspecto radiográfico de favos de mel ou de bolhas de sabão é o principal indício de sua presença. A presença de reabsorções e deslocamentos dentários deve ser considerada também. O ameloblastoma unicístico pode ser confundido clinica e radiograficamente com cisto dentígero e este ocorre em jovens e, entre a segunda e terceira década de vida. Inúmeras alternativas de tratamento têm sido propostas na literatura e, destas, as técnicas de ressecção demonstram melhores resultados em relação ao índice de recidiva e sobrevida do paciente. Descritores: Ameloblastoma. Neoplasias Mandibulares. Neoplasias Maxilares. Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos. INTRODUÇÃO O ameloblastoma é um tumor odontogênico da maxila e da mandíbula. Representa aproximadamente 1% de todos os tumores e cistos dos ossos faciais. Tem origem preferencialmente nas regiões molares e pré-molares. Caracteriza-se por crescimento lento e indolor e é frequentemente diagnosticado devido ao aumento de volume local ou por meio de radiografia de rotina1. O ameloblastoma é um tumor odontogênico benigno, derivado da lâmina basal, de alta taxa de recidiva e possui uma frequência de localização, na mandíbula, quatro vezes maior do que na maxila2. Embora benignos, são lesões localizadas e tumores odontogênicos agressivos. Sua presença associada com radiolucidez pericoronal em terceiros molares impactados é bem documentada, embora rara. Logo, a apresentação associada à radiolucidez pericoronal em dentes impactados pode confundir o dentista clínico3. REVISÃO DA LITERATURA E DISCUSSÃO Inúmeras técnicas têm sido propostas na literatura para o ABSTRACT Ameloblastoma is a painless odontogenic tumor of the jaws. It is benign and occurs more often in the mandible. They are localized and aggressive lesions. Clinicians have an important role in the diagnosis of such lesions, through the use of the panoramic X-rays, which is an important tool for their the differential diagnosis. The radiographic aspect of honey combs or soap bubbles under the panoramic X-rays is the main indication of its presence. The presence of reabsorption and dental displacement areas should also be considered in the differential diagnosis. The unicystic ameloblastoma can be misleading with dentigerous cyst, and it happens in youngsters, between second and third decade of life. Several treatment approaches have been proposed in the literature, and of those, the resective techniques described have been demonstrating better results in relation to the recurrence of the lesion and for the long-term results. Key words: Ameloblastoma. Mandibular Neoplasms. Maxillary Neoplasms. Reconstructive Surgical Procedures. tratamento de ameloblastomas em mandíbula. A reabilitação de paciente submetido à ressecção segmentar de mandíbula para tratamento de ameloblastoma com o uso de enxerto autógeno de ilíaco e implantes mediatos tem sido proposta4. Após a ressecção do tumor, enxerto autógeno de ilíaco foi colocado na mandíbula para posterior (um ano e seis meses) colocação de implantes endósseos. A técnica de distração óssea também foi proposta a fim de promover a osteogênese após a ressecção de ameloblastoma em mandíbula e posterior colocação de implantes endósseos. A distração foi realizada em dois estágios devido à curvatura mandibular. Após dez meses da primeira cirurgia de distração, uma segunda cirurgia de distração foi realizada e, três meses depois de consolidado o osso, sete implantes endósseos foram instalados na mandíbula. Três meses após a instalação desses implantes, as próteses implanto-suportadas foram instaladas. Três anos após sua instalação, as próteses estavam estáveis e não apresentavam sinais clínicos nem radiográficos de perda óssea em torno dos implantes5. Em outro trabalho envolvendo a reabilitação após ressecção de tumor em mandíbula de crianças e adolescentes, após a ressecção do tumor, em um segundo momento cirúrgico, a reconstrução foi realizada com o uso de enxerto de ilíaco. Vinte 1) Mestre pelo Curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo/SP, Brasil. 2) Mestre pelo Curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo/SP, Brasil. Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba/PR, Brasil. 3) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-graduação em Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Medicina de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. Docente do Curso de Pósgraduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo/SP, Brasil. Instituição: Hospital Erasto Gaertner, Curitiba/PR, Brasil. Correspondência: Av. Cândido de Abreu, 469, sala 703 – 80530-000 Curitiba/PR, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 15/08/2008; aceito para publicação em: 30/12/2008; publicado online em: 10/05/2009. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 124 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 124 - 128, abril / maio / junho 2009 meses após a cirurgia de ressecção, implantes foram instalados e, sete meses após a instalação, as próteses implanto-suportadas foram instaladas. Dessa amostra de nove pacientes, apenas um era diagnosticado com ameloblastoma. Esse paciente recebera a ressecção em bloco, a colocação da placa rígida na primeira cirurgia, enxerto de crista ilíaca na segunda cirurgia e quatro implantes endósseos na terceira cirurgia6. O tratamento para ameloblastoma de mandíbula, a ressecção segmentada da mandíbula e o uso de enxerto microvascularizado de fíbula e imediata instalação de implantes endósseos foram sugeridos como sendo o ideal. Um total de treze pacientes portadores de ameloblastoma de mandíbula receberam cirurgia de ressecção segmentada de mandíbula seguida de reconstrução mandibular com a simultânea instalação de implantes. Um seguimento de 40 meses demonstrou sucesso em todos os implantes instalados7. O uso do enxerto microvascularizado de fíbula na reconstrução ressecções de mandíbulas extensas devidas à presença de tumores odontogênicos foi demonstrado em 13 pacientes, dos quais três eram casos de ameloblastoma, submetidos à hemimandibulectomia. Esses pacientes foram divididos em três grupos, de acordo com a área ressectada. Havia o grupo de ressecção central, ressecção lateral e de ressecção central e lateral. Treze pacientes foram tratados com enxerto microvascularizado de fíbula; desses, três tinham sido acometidos de ameloblastoma. Todos tinham sofrido ressecção lateral. Destes três pacientes, apenas um recebera implantes e, posteriormente, uma prótese implanto-suportada; dos outros dois, um usava prótese total. Um deles sofrera reabsorção parcial do enxerto em dois anos de observação. Os autores concluem que o enxerto microvascularizado de fíbula é um método seguro e previsível na reabilitação de pacientes que sofreram ressecções grandes de mandíbula para o tratamento de tumores odontogênicos8. A reconstrução de defeitos mandibulares extensos por meio do uso de distratores osteogênicos verticais também foi sugerida como uma alternativa para o tratamento do ameloblastoma9. Dez pacientes haviam recebido ressecção segmentada ou em caixa de mandíbula e, posteriormente, o aumento do rebordo ósseo remanescente da mandíbula ou um enxerto total de crista ilíaca juntamente com o distrator vertical. As distrações e consolidações ósseas foram monitoradas por ultra-sonografia. Os implantes endósseos foram instalados uma semana após a ativação dos distratores. O valor médio de acompanhamento das instalações dos implantes foi de 38 meses. Apenas um local foi perdido por infecção. Vinte e oito implantes foram instalados no osso que sofrera distração osteogênica e, destes, dois foram perdidos. Após quatro anos, o índice de sobrevida dos implantes foi de 90% e de sucesso da técnica de 59% em quatro de sete eventos ocorrendo no mesmo paciente. Os autores concluem que essa técnica é relativamente segura, sendo a reabsorção óssea o fator crítico nessa técnica. A reconstrução com enxerto microvascularizado de fíbula em mandíbula com duplo segmento em porção anterior em edentados – variante I foi elegantemente reportada10. A paciente de 22 anos, após a ressecção do tumor, recebera um enxerto autógeno osteomiocutâneo microvascularizado de fíbula, com anastomose vascular e síntese óssea por meio de mini-placas de liga de titânio, fixadas com parafusos. O tratamento de ameloblastomas em crianças e jovens foi avaliado11. Dez pacientes foram examinados; todos os casos envolviam molares inferiores e ramo de mandíbula. O sinal mais comum fora o de inchaço indolor. Em cinco dos pacientes, uma transparência radiográfica multilocular estava presente; os demais cinco casos apresentavam uma grande lesão radiolúcida unilocular. Enquanto dois tumores não tinham regiões microcísticas, dois exibiam somente esparsos focos de cisto e seis eram inteiramente císticos (unicisto). Casos com aparência radiográfica unilocular eram tratados com Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 124 - 128, abril / maio / junho 2009 enucleação cirúrgica e osteotomia com instrumentos rotatórios. Casos com aparência radiográfica multilocular eram tratados com ressecção cirúrgica. Durante o período de proservação (média 7,6 anos), nenhuma recorrência ou metástase foi observada. Todos os pacientes mantiveram função e estética aceitáveis. Vinte e seis pacientes acometidos de ameloblastomas foram restrospectivamente avaliados. Cinco tinham ameloblastomas na maxila, dos quais três eram mulheres e dois eram homens. A incidência geral de ameloblastomas foi quatro vezes maior na mandíbula (21) do que na maxila (cinco). Em 69% dos casos (18) ocorrera em homens e, em 31% dos casos, em mulheres (oito). A média foi diferente na maxila: 40% homens (dois) e 60% mulheres (três). Embora tenha crescimento lento e praticamente indolor, este pode atingir um tamanho significativo e acometer estruturas especializadas da face como a órbita, a base do crânio e o cérebro. Grandes ressecções cirúrgicas, com considerável margem de segurança foram feitas a fim de evitar a recorrência. No entanto, recorrência era frequente devido à invasão do osso subjacente. Embora a recorrência fosse observada após uma simples curetagem de um cisto dental, grande destruição óssea, envolvendo a cavidade nasal, etmoidal e os seios da face, infiltração da base do crânio e metástase a distância foi observada. O tratamento de escolha foi a mandibulectomia com 10-15 mm de margem de segurança em osso saudável incluindo a crista óssea, o palato duro, a mucosa dos seios e a parede lateral do nariz12. A presença de tumores odontogênicos foi avaliada em 362 casos13. Um total de 28.041 espécimes foi revisado, utilizando o critério de classificação de tumores odontogênicos da Organização Mundial de Saúde, proposto em 1992. Os resultados demonstraram que a frequência de tumores odontogênicos foi de 1,29%. O mais frequente achado histológico foi o odontoma (44,7%), seguido pelo ameloblastoma (20,4%) e mioxoma (8,8%). A análise retrospectiva de ameloblastomas unicísticos foi revista de maneira clinica e histopatológica14. As características clínicas dessa amostra estavam em acordo com outros estudos. Trinta e três casos de ameloblastomas unicísticos foram estudados e havia uma tendência a ocorrerem mais em jovens (média de 25,3 anos), com predileção para o gênero masculino e predominância na mandíbula (90,9%). Microscopicamente, os tumores apresentaram um crescimento em geral monocístico, sendo oito císticos, 10 apresentando nódulos e 15 tendo considerável quantidade de componente infiltrativo em ilhas de tumor na cápsula cística. Proservação de 29 pacientes revelou seis recorrências, com uma média de intervalo de sete anos. A recorrência também estava relacionada aos subtipos de achados histológicos. O ameloblastoma unicístico apresentou recorrência em média de 35,7% e aqueles que tinham invasão da parede, 6,7%. O ameloblatoma desmoplástico apresenta importantes diferenças na sua distribuição anatômica, na sua aparência histológica e aspectos radiográficos se comparado com o tipo clássico de ameloblastoma. Foram descritos dois casos desta variante do tumor de ameloblastoma localizados na porção anterior da mandíbula. Os tumores eram expansivos, destrutivos e indolores. Os achados radiográficos mostraram uma lesão difusa, tanto radiopaca quanto radiolúcida e com a destruição da cortical óssea. Excisões em bloco foram realizadas em ambos os casos. Ao examinar os pacientes um ano e dois anos depois, nenhum sinal de recorrência dos tumores foi observado. A grande problemática dessa variante do tumor deve-se ao fato de poder infiltrar as trabéculas ósseas. A curetagem da lesão pode levar pequenas ilhas do tumor para dentro do osso, provocando posteriormente a recorrência do tumor. Conclui-se que, por essa razão, a excisão em bloco deve ser o tratamento de escolha nesses casos15. Muito embora o ameloblastoma seja considerado um tumor benigno, fora descrito uma variante maligna desse tumor12, em 125 paciente de 44 anos. O tumor inicialmente apresentou crescimento lento e indolor na maxila direita do paciente, sendo removido com ressecção em bloco e com margem de segurança. Após seis anos, houve recidiva e crescimento considerável dentro da face até a órbita e atingiu a base do crânio, apresentando alterações histológicas de células escamosas metaplásticas. O paciente foi a óbito e a necropsia revelara uma metástase em miocárdio. De 41 pacientes, 17(41%) tiveram recorrência; 14 recorrências ocorreram em 19 pacientes com tratamento inicial de curetagem e 22 recorrências ocorreram onde o tratamento inicial fora a ressecção. A recorrência mais recente fora com 15 meses e a mais tardia com 18 anos (média de sete anos). Destes 17 pacientes, sete tiveram uma segunda recorrência e quatro tiveram três ou mais recorrências. As porcentagens de recorrência para lesão unicística e multicística foram três (20%) de 15, 14 (53%) de 26 pacientes, respectivamente; as três recorrências de lesões unicísticas ocorreram após o tratamento inicial com curetagem. A proporção de recorrência na mandíbula foi de 14 em 38 pacientes e, na maxila, três em três pacientes. Radioterapia fora utilizada (dose de 50 cGy) quando houve recorrência, mesmo após várias ressecções em seis pacientes e, em outros dois, como tratamento combinado. Os pacientes eram reavaliados após um mês do término do tratamento e, depois, de seis em seis meses por dois anos e, depois, a cada ano. Cada recorrência era confirmada histologicamente. Dois pacientes morreram devido à progressão da doença. Sendo assim, estes autores concluem que o ameloblastoma tem um alto índice de recorrência se não removido adequadamente. Ressecções segmentadas de mandíbula e maxilotomia parcial para a maxila devem ser o tratamento inicial; ressecção marginal só é apropriada para tumores pequenos e inicias. Para recorrências múltiplas, radioterapia é efetiva e cirurgia e radioterapia (50 cGy, adjuvante) deverima ser utilizadas em casos selecionados16. A relação do vírus da papilomatose humana (HPV) com o ameloblastoma foi também estudada 1 7 . Em estudo retrospectivo, observacional, duplo-cego, 50 blocos de parafina de ameloblastomas, foram comparados com 50 folículos dentais impactados de terceiros molares, por meio da reação da enzima polimerase. A escolha dos folículos dentais de terceiros molares deve-se ao fato de que histologicamente esse tecido apresenta características semelhantes àquelas dos ameloblastomas. Os resultados demonstraram que havia significância estatisticamente significante de incidência do HPV nas amostras dos testes (ameloblastomas) se comparados às amostras dos controles (folículos dentais de terceiros molares) {p< 0,025}. Ainda, a incidência do vírus tipo 6 nas amostras positivas foi significativamente maior (p<0,005). Nenhum vírus tipo 8,11, 16, 18, 31 e 33 foi observado. Portanto, muito provavelmente existe a possibilidade de que o HPV seja um dos fatores etiológicos para o desenvolvimento do ameloblastoma. Em outra revisão da literatura referente aos ameloblastomas, juntamente com uma série de relatos de casos onde as imagens radiográficas, demonstrou-se uma série de características peculiares associadas a essas lesões. O ameloblastoma pode-se apresentar em uma radiografia panorâmica como imagens osteolíticas uni ou multiloculadas, halo radiopaco e com expansão da cortical, assemelhando-se a bolhas de sabão ou favo de mel, podendo ainda ocorrer reabsorções e deslocamentos dentários18. Foi realizada análise retrospectiva das fichas dos pacientes diagnosticados com ameloblastoma em crianças e revisão da literatura de 1970 a 2001, tanto dos países ocidentais como da África19. Estudos que antecedessem 1971 não foram incluídos devido ao fato de que os exames histológicos ainda não eram padronizados para o diagnóstico de ameoloblastomas. Os resultados da análise retrospectiva demonstraram 11 pacientes com idade inferior a 20 anos tratados. Oito pacientes haviam 126 sido diagnosticado inicialmente e três apresentaram recorrência. A média de anos foi de 15,5 anos, cinco desses pacientes eram afro-descendentes e nove apresentaram ameloblastoma unicístico. A literatura revisada demonstrou que 85 crianças nas sociedades ocidentais e 77 crianças na África tiveram ameloblastoma no período. A média de idade de 14,3 anos e 14,7 anos, respectivamente. Ameloblastoma unicístico contou para 76,5% dos ocidentais e somente 19,5% dos africanos, com uma frequência maior ocorrendo na sínfise mandibular na África (44,2%) versus Ocidente (5,8%). A análise da recorrência após a enucleação do ameloblastoma unicístico em 20 crianças acompanhadas por pelo menos cinco anos ou até a recorrência ocorrer mostrou um índice de recorrência de 40%. Portanto, os ameloblastomas em crianças diferem dos adultos, apresentado maior índice de recorrência e uma maior porcentagem de tumores unicísticos. Crianças africanas parecem apresentar mais o padrão adulto da doença. Embora a enucleação apresente índices aceitáveis de recorrência nos ameloblastomas unicísticos, não existem estudos longitudinais de longa duração em crianças. As características histológicas que exibem invasão das paredes em ameloblastomas unicísticos sugerem que cirurgia mais agressiva deve ser necessária. De 26 pacientes encaminhados para o tratamento de ameloblastoma mandibular, todos tratados somente com curetagem desenvolveram recorrência (11 pacientes); nenhum paciente tratado com curetagem ou ressecção mais nitrogênio líquido (crioterapia) sofrera recorrência (nove); pacientes que apresentavam tumores imagem radiográfica extensa e aspecto de casca-de-ovo nas margens ósseas e que sofreram ressecção segmentada com excisão dos tecidos moles envolvidos também não apresentaram recorrência (oito). Ainda, dois pacientes que apresentaram recorrência de tecidos moles necessitaram ressecção. Ambos sofreram múltiplas resecções. Todos receberam reconstrução cirúrgica com enxerto ósseo primário ou secundário e apenas três pacientes tiveram completa reabilitação dentária com implantes endósseos osteintegrados. A curetagem dos ameloblastomas apresenta um índice de recorrência inaceitável. Lesões contidas na mandíbula são adequadamente tratadas com curetagem ou ressecção marginal se combinadas com crioterapia. Ressecção segmentada da mandíbula com envolvimento de tecidos moles, incluindo o periósteo, traz um resultado aceitável quando há extravasamento ósseo. A primeira operação garante a melhor chance de cura. Quando o tumor reincide em tecido mole, cirurgias extensas são necessárias para salvar o paciente. Poucos pacientes nessa amostra tiveram a reabilitação completa do aparelho mastigatório, incluindo o uso de implantes endósseos osteintegrados20. A análise de 5.289 biópsias orais, registradas em um período de 30 anos demonstrou 127 casos de tumores odontogênicos (2,4%). A lesão mais frequente fora o odontoma, seguida do ameloblastoma. Trinta e nove casos de ameloblastoma foram encontrados nessa amostra, acarretando 30,7% do montante de todos os tumores odontogênicos. Esses casos ocorreram em 22 mulheres e 17 homens e as fachas etárias mais afetadas foram a terceira e a quinta década de vida. O paciente mais jovem foi de 12 anos de idade e o mais idoso, 71 (média de 38,25 anos). Todas as lesões foram exclusivamente encontradas na mandíbula. Havia 35 casos de tumores sólidos ou multicísticos, três de unicístico e um caso de ameloblastoma periférico. Histologicamente, os ameloblastomas foram classificados em uma das categorias: folicular (oito casos), plexiforme (10 casos) e folicular-plexiforme (12 casos). Pequenos focos de alterações tipo escamosa e ceratinizada foram observados em algumas lesões foliculares, mas apenas um caso demonstrou extensa metaplasia associada com formação de ceratina e foi, por isso, considerado um ameloblastoma acantomatoso. Duas lesões foram consideradas ser variantes de célula basal e um caso de Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 124 - 128, abril / maio / junho 2009 ameloblastoma folicular exibiu um grau suficiente de mudanças celulares para ser considerado um ameloblastoma granular. Um ameloblastoma periférico e um desmoplástico foram também observados21. Outro autor descreve de maneira muito didática as diferenças entre os ameloblastomas. O tumor pode ter três tipos bem distintos, cada um deles com comportamento clínico e resposta ao tratamento distintos. Esses três tipos seriam os tumores chamados de ameloblastomas multicísticos ou sólidos, unicístico e os perféricos22. Uma vez que o prognóstico para os dois últimos tipos é considerado melhor após uma curetagem, enucleação ou simples excisão cirúrgica, o autor guiou sua revisão bibliográfica para as características do ameloblastoma multicístico, o qual é essencialmente intra-ósseo. Dois fatores teriam extrema importância quanto ao comportamento biológico desse tumor. O primeiro é o de que ele é altamente infiltrativo e, por isso, quando ocorre em osso medular, será mais perigoso. Isso deve ser considerado no momento da cirurgia. O segundo é que ele ocorre sempre nos maxilares. Mais ainda, se invadir estruturas vitais, poderá ser letal. Isso ocorre, portanto, mais facilmente na maxila onde existe mais osso medular e há proximidade com estruturas vitais. Se ocorrer em regiões posteriores de maxila, poderá atingir a base do crânio. Os ameloblastomas intra-ósseos clássicos têm uma característica geralmente associada com a malignidade, são altamente infiltrativos dos tecidos subjacentes, mas tradicionalmente são considerados tumores benignos porque não apresentam tendência à metástase. Por essa razão, esse último autor sugere que eles sejam considerados tumores malignos de baixo grau. Considerando-se o seu poder de infiltrar-se, é importante ainda que o período de acompanhamento do paciente seja longo. Devido ao índice de recidiva ser alto, faz-se necessário acompanhar o paciente por pelo menos 10 anos. O fato de que as delimitações do tumor podem não ficar claras na radiografia, especialmente em se tratando da maxila, devem ser consideradas tanto no ato cirúrgico quanto na proservação dos pacientes. A localização do ameloblastoma na mandíbula torna menos complicada a sua completa remoção cirúrgica com margem de segurança, uma vez que é mais fácil delimitar a lesão em presença de mais osso cortical do que medular, diferente da maxila. A maxila não possui a barreira cortical para impedir a progressão e invasão do tumor, tendo apenas finas camadas de osso cortical, como é o caso do soalho do seio maxilar, infiltrando-se facilmente em estruturas vitais. Já o ameloblastoma unicístico geralmente pode ser confundido radiográfica e clinicamente com um cisto dentígero, muito embora a sua incidência junto aos germes dentários não seja comum. Ocorre mais frequentemente em jovens e entre a segunda e terceira décadas de vida. Tem melhor prognóstico após a enucleação ou curetagem do que o ameloblastoma multicístico ou intra-ósseo. O resultado longitudinal de tratamento de ameloblastomas com nitrogênio líquido após a curetagem e as complicações dessa modalidade terapêutica foram reportados23. Trinta e seis pacientes com ameloblastoma sólido nos maxilares foram tratados. A crioterapia consistia de curetagem com instrumento manual da lesão intra-óssea seguida de três ciclos de congelamento, de um minuto cada, do remanescente ósseo com spray de nitrogênio líquido. As complicações pósoperatórias foram avaliadas clínica e radiograficamente. Os resultados demonstraram que recorrência local ocorreu em 11 casos (30,6%). Exceto pela recorrência, complicações pósoperatórias eram frequentes mas não eram graves. Estas foram: deiscência da ferida em 5,5% dos casos, parestesia em 5,5%, infecção em 5,5% e fratura patológica em 11,1% dos casos. A crioterapia associada com a curetagem no tratamento do tumor de ameloblastoma sólido ou multi-cístico dos maxilares diminui o número de recidivas e também reduz a indicação inicial de ressecção com defeitos contínuos. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 124 - 128, abril / maio / junho 2009 CONSIDERAÇÕES FINAIS As ressecções apresentam maiores chances de sucesso. Os pacientes são submetidos à cirurgia de remoção e recebem a reconstrução imediata ou posterior do defeito. Essas reconstruções são feitas por meio de enxerto microvascularizado de fíbula, através da técnica de distração osteogênica ou outras técnicas de enxertia. A reabilitação protética por meio de implantes dentários osseointegrados também foi proposta e será executada no mesmo ato cirúrgico ou não. O uso do nitrogênio líquido também foi proposto associado à curetagem. 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