O Programa Bolsa Família no contexto das políticas de proteção dos estados de bem-estar social: apontamentos para discussão The “Bolsa Família” cash transfer program in the context of welfare states policies: notes for discussion Resumo Este artigo visa relacionar duas características do desenho do programa de transferência de renda do governo federal Bolsa Família (PBF), a saber: as condicionalidades para se receber o benefício nas áreas de saúde e educação e a focalização do programa nos mais pobres, no quadro mais amplo da formação e consolidação do estado de bem-estar social brasileiro. As condicionalidades exigidas para o recebimento do benefício remontam aos princípios dos regimes conservadores corporativos, essenciais na constituição inicial do welfare state brasileiro, de que é necessário “merecer” um determinado benefício do Estado. O foco nos mais pobres remete aos princípios dos regimes liberais, os quais foram importantes no momento de gênese dos programas de transferência de renda no Brasil no decênio de 90 do século passado. Na organização do texto, inicialmente são apresentadas as características das políticas de proteção social dos estados de bem-estar social e suas classificações. Na sequencia, os traços fundamentais da formação do estado de bem-estar social no Brasil até a criação do PBF em 2003. Ao final, as condicionalidades e a focalização do programa serão relacionadas ao processo de formação do sistema de proteção social brasileiro. Palavas-chave educação; estado de bem-estar social; transferência de renda; welfare state; programa bolsa família. Abstract This article aims to relate two features in the design of the Federal Cash Transfer Program “Bolsa Família”: first, the conditions that families must fulfill in order to receive the benefit, noticeably those associated to education and health, and second, the fact that the program is targeted on poor families, in the broad context of the rise and consolidation of the Brazilian Welfare State. The conditions could be related to some principles of corporate welfare regimes, which were essential in the beginning of the Welfare State in Brazil, according to which it is necessary to “earn” a State benefit. The target on the poor families could be related to the principles of liberal welfare regimes, which were important in the nineties, when cash transfer programs were built. Keywords education; welfare state; cash transfer program; family grant program André Pires Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) [email protected] Introdução O s sistemas de proteção social geridos pelos Estados modernos são criações de sociedades que passaram pela chamada “Grande Transformação”, isto é, sociedades em que a ideia de um mercado autorregulável tornou-se o princípio controlador da própria sociedade humana (POLANYI, 2000, p. 75). Em sociedades organizadas pela reciprocidade, redistribuição e/ ou domesticidade, para recorrer aos outros princípios de organização social advogados por Polanyi, os riscos sociais inerentes de qualquer formação humana, tais como a proteção para determinadas fases do curso da vida, para doenças, incapacidades físicas e/ou cognitivas são geridos por instituições como o parentesco e a comunidade, que não separam a vida social em esferas autônomas, como a economia, a política e a cultura. As modernas sociedades ocidentais criaram o princípio de organização social baseado no mercado autorregulável como forma de possibilitar a própria viabilidade e expansão do capitalismo industrial. Todavia, esse processo de expansão e desenvolvimento criou também novas dimensões de risco. Dentre tantos, pensemos, por exemplo, no risco que advém da perda de renda do trabalho assalariado, seja por doença ou pelo avanço da idade. São sociedades que têm de conviver com um dilema tão bem apresentado pelo economista húngaro: a idéia de um mercado auto-regulável implicava numa rematada utopia. Uma tal instituição não poderia existir em qualquer tempo sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade; ela teria destruído fisicamente o homem e transformado seu ambiente num deserto. Inevitavelmente, a sociedade teria que tomar medidas para se proteger, mas, quaisquer que 92 tenham sido essas medidas, elas prejudicariam a auto-regulação do mercado, desorganizariam a vida industrial e, assim, ameaçariam a sociedade em mais de uma maneira. (POLANYI, 2000, p. 18). Os sistemas de proteção social surgem como tentativas de oferecer barreiras contra esta desertificação social tão bem apresentada por Polanyi. Diante da incapacidade dos mercados em lidarem com os riscos sociais que, em boa medida, foram produzidos por eles mesmos, os Estados tornam-se agentes protagonistas, no sentido de favorecer políticas que visem minorar os efeitos desses riscos. Não seria incorreto afirmar que a origem dos estados de bem-estar repousa nessa espécie de consenso, construído a partir de trágicas experiências de duas guerras mundiais e do período conturbado do intervalo entre elas, uma “Era de Catástrofe” como Hobsbawm a caracterizou (HOBSBAWM, 1994, p. 16), de que cabe ao Estado ser o agente protagonista da proteção social nas sociedades urbano-industriais. Tal como formulado por Luiz Gonzaga Belluzzo, dessas experiências trágicas surge o “convencimento de que o capitalismo, entregue à sua própria lógica, era uma ameaça à vida civilizada” (BELLUZZO, 2004, p. 27). Este artigo divide-se em quatro partes, além desta introdução. Na primeira serão apresentadas as características das políticas de proteção social dos estados de bem-estar social e suas classificações. Na sequencia, apresentaremos os traços fundamentais da formação do estado de bem-estar social no Brasil. A quarta parte dedica-se a apresentar o programa de transferência de renda condicionada do governo federal, implantado desde 2003, Bolsa Família. Na última parte, relacionaremos duas características do programa, as condicionalidades e a focalização, no quadro mais amplo da formação do sistema de proteção social brasileiro. Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 Desenvovimento Políticas de proteção dos estados de bem-estar social: regimes de welfare state As vantagens econômicas de um mercado livre de trabalho não podiam compensar a destruição social que ele acarretaria. Tiveram que ser introduzidas regulamentações de um novo tipo para mais uma vez proteger o trabalho, só que, agora, contra o funcionamento do próprio mecanismo de mercado. (POLANYI, 2000, p. 99). Como já sugerido, a introdução de novas regulamentações relacionadas à proteção social derivou de um consenso, não necessariamente articulado, de que o mercado autorregulável não seria capaz de proteger os trabalhadores dos riscos a ele submetidos. Celia Kerstenetzky (2012) demonstra que as primeiras experiências desta nova forma de intervenção pública surgem na virada do século XIX para o século XX, na Alemanha de Bismarck, com a introdução do primeiro programa de compensação por acidentes de trabalho, em 1871, seguido pelo programa de saúde dos trabalhadores, dois anos depois, para, finalmente, em 1889, criar um programa de aposentadorias para os trabalhadores idosos e permanentemente deficientes. Nota-se já uma característica dessas primeiras iniciativas de circunscreverem as formas de proteção social à garantia contra a perda da capacidade de gerar renda, no âmbito do que se convencionou chamar de seguridade social. Francisco Ferreira e David Robalino (2010) apontam também outra razão para os governos implementarem políticas de proteção social. Trata-se do enfrentamento da questão da pobreza que, paulatinamente, deixa de ser considerada uma questão de ordem individual, como doença, falha, resultado da vadiagem, da preguiça, e passa ser compreendida como resultante de processos sociais. Transferências realizadas por políticas deste tipo são convencionalmente chamadas de assistências sociais. Fugiria dos nossos propósitos reconstruir a ampla trajetória de formação dos sistemas de proteção social nos países europeus nas primeiras décadas do século XX.1 Parece-nos importante enfatizar que, após as primeiras experiências no governo de Bismarck, os países, de maneiras específicas, introduziram programas similares de proteção contra a perda da capacidade de gerar renda e de combate à pobreza e depois os ampliaram, seja em termos de cobertura, tamanho dos benefícios, seja em relação à introdução de oferta de serviços (educação e saúde, por exemplo) que paulatinamente tendem a se universalizar. A despeito de ser possível encontrar iniciativas relacionadas às políticas e programas sociais desde a virada do século XIX, a “novidade” das chamadas políticas do welfare state do segundo pós-guerra é consolidar, como indica Sônia Draibe (2013), um sistema integrado de direitos e políticas sociais, encabeçado pelos Estados, que se constituiu como forma de regulação do capitalismo, impondo limites aos efeitos socialmente diferenciadores do mercado. “É nesse sentido que o Welfare State constitui a regulação social própria do capitalismo maduro, nas fases do fordismo e pós-fordismo” (DRAIBE, 2013, p. 534, ). Em decorrência deste papel protagonista que assumem, os estados de bem-estar caracterizam-se também por promover crescimento da arrecadação tributária com um correspondente aumento dos gastos sociais, sobretudo quando se considera o período após a Segunda Guerra Mundial (SILVA; MATTOS, 2009, p. 137). Embora se possa falar de características gerais do welfare, cada país implantou este conjunto de políticas sociais à sua maneira, considerando sua história e, em especial, seus valores. Sônia Draibe (2013) considera que três grandes correntes político-ideológicas, a partir do final do século XIX, O leitor que quiser encontrar informações detalhadas a este respeito poderá consultar o já mencionado livro de Celia Kerstenetzky (KERSTENETZKY, 2012). 1 Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 93 com diferentes concepções de sociedade, plasmaram os principais modelos ou estilos de welfare state, a saber: a conservadora, a liberal e a social-democrata. As tipologias propostas para caracterizar os regimes de welfare states, como a de Esping-Andersen (1990), apoia-se nessas divisões. Na visão conservadora, na qual as políticas sociais contribuem para manter a ordem social, o principal critério de justiça social é o mérito. A provisão de recursos sociais do Estado é feita mediante o grau de contribuição de cada um, isto é, recebe mais quem contribui mais. A incorporação no sistema, normalmente, é feita via grandes corporações profissionais e, por isso, foi chamada por Esping-Andersen (1990) de conservador-corporativo. Seu financiamento é, em geral, tripartite, envolvendo trabalhadores, empregadores e o Estado. Tais características favorecem divisões em termos da cobertura e dos recursos provenientes do Estado entre os chamados insiders, protegidos e com bons salários, e os outsiders, com inserção por vezes precária. Nas palavras de Célia Kerstenetzky: rência temporária e de maneira focalizada naqueles que mais precisam. A intervenção do Estado justifica-se como forma de apoiar os mercados na garantia do bem-estar e é normalmente feita por meio de isenções tributárias para consumidores de planos de serviços privados, por exemplos, ou pela provisão essencial aos que não possuem capacidade para adquirir esses bens no mercado. Depreende-se que os regimes de bem-estar liberais engendram segmentações no acesso ao bem-estar “com serviços baratos e de baixa qualidade para os mais pobres, serviços de qualidade e caros para os não pobres” (KERSTENETZKY, 2012, p. 107). Países que exemplificam este regime, tais como Estados Unidos, Canadá e Austrália, têm menores gastos sociais em relação aos demais, uma vez que nesse enquadramento, como sintetiza Sônia Draibe, “a política social não tem e não deve ter papel redistributivo; no máximo pode melhorar as oportunidades (através da educação básica, única concessão admitida pela tradição liberal)” (DRAIBE, 2013). Como contraponto à visão liberal, apesar de universal, a cobertura é fragmentada e heterogênea, refletindo segmentações na força de trabalho, com melhores benefícios se destinando ao core industrial e aos servidores públicos, em detrimento dos trabalhadores rurais e autônomos e dos imigrantes. (KERSTENETZKY, 2012, p. 114). a tradição social-democrata passou a postular uma política social com pretensões redistributivas, fundada no direito social, na lógica da solidariedade e na expansão da cidadania, depositando no Estado e na ação política laica e pública as expectativas de que as desigualdades de classe e outras, geradas pela própria sociedade, pudessem ser eliminadas ou pelo menos reduzidas. (DRAIBE, 2013, p. 537, . ). Há elevado grau de familiarização dos benefícios, com “consequencias negativas do ponto de vista da participação e da independência econômica das mulheres” (KERSTENETZKY, 2012, p. 117), uma vez que a proteção inicial configura-se pela inserção do chefe de família no mercado formal e estende-se para os demais membros. Países como Alemanha, Itália, França e outros da Europa continental exemplificariam este regime (DRAIBE, 2013). Na visão liberal, a ação do Estado como provedor social deve ser residual, de prefe- 94 Países deste regime caracterizam-se por implantar políticas sociais universais, abrangentes e generosas, “desestigmatizando a proteção social como algo necessário apenas para os pobres” (KERSTENETZKY, 2012, p. 120). Uma das características desses regimes é que as classes média e alta beneficiam-se do consumo dos serviços sociais, garantindo maior financiamento às políticas sociais e Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 qualidade dos serviços oferecidos. Os países que exemplificam este regime, tipicamente os países nórdicos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, apresentam os maiores gastos sociais e também os maiores indicadores de redistribuição de riqueza. Já é possível perceber, como salientado por Célia Kerstenetzky (2012) e Sônia Draibe (2013), que as políticas sociais articuladas pelos regimes de estado de bem-estar tiveram efeitos redistributivos diferentes nos países que as promoveram. Em linhas gerais, pode-se afirmar que as políticas vinculadas aos princípios do regime social-democrata são as mais redistributivas, seguidas pelas políticas do regime conservador-corporativo e, por último, do regime liberal. Como qualquer tipologia, raramente as características apresentadas por cada regime aparecem em “estado puro” na realidade. O que se verifica são situações concretas em que princípios de um ou mais regimes interagem nas políticas sociais, as quais se transformam ao longo do tempo. Características essenciais do Welfare State brasileiro De maneira geral, a construção das políticas sociais do estado de bem-estar brasileiro não se diferenciou do sequenciamento observado nos regimes conservador-corporativos europeus, a não ser pelo descompasso de tempo entre estas iniciativas. No Brasil, a incorporação das pessoas ao sistema deu-se a partir das corporações profissionais e teve como marca distintiva inicial a proteção aos riscos advindos da participação no mercado de trabalho. As primeiras iniciativas, que remontam à década de 20 do século passado, foram dirigidas aos servidores públicos (civis e militares) e, paulatinamente, estenderam-se para outras categorias profissionais, como trabalhadores da indústria, do comércio e, mais tardiamente, aos trabalhadores rurais, informais e outros. Um dos aspectos deste tipo de regime é que a universalidade da cobertura do sistema não é garantida de antemão, como nos regimes social-democratas, mas como a resultante de uma longa trajetó- ria de incorporação paulatina de categorias profissionais até aproximarem-se do conjunto da população. Célia Kerstenetzky (2012, p. 181) propõe três longas ondas de inovação institucional e difusão de direitos sociais no Brasil. A primeira, entre os anos de 1930 e 1964, é caracterizada como “os anos do bem-estar corporativo”, nos quais se desenharam e implementaram as legislações trabalhista e previdenciária. Já se observou como a formação do nosso sistema de proteção social foi marcada pelo viés da exclusão (TELLES, 2006). Na percuciente observação de José Murilo de Carvalho, ao lado do grande avanço que a legislação significava [anos 1930 e 1940], havia também aspectos negativos. O sistema excluía categorias importantes de trabalhadores. No meio urbano, ficavam de fora todos os autônomos e todos os trabalhadores domésticos […] Ficavam ainda de fora todos os trabalhadores rurais, que na época ainda eram maioria. Tratava-se, portanto, de uma concepção da política social como privilégio e não como direito. (CARVALHO, 2005, p. 114). A este respeito, Wanderley Guilherme dos Santos (1987) afirmou que, no Brasil, o termo “cidadão” foi sempre restrito a uma determinada parcela da população. O segundo período, “universalismo básico”, entre 1964 e 1984, unificou e estendeu a cobertura para categorias sem capacidade contributiva, como os trabalhadores rurais. Todavia, estas novas categorias incorporadas não fizeram jus às mesmas coberturas garantidas aos trabalhadores formais urbanos, promovendo uma espécie de clivagem no sistema, na qual os mais pobres ficaram com os serviços e transferências básicos, enquanto as classes médias e altas recorreram aos sistemas privados para obtenção de serviços como saúde e educação. Já se podem observar dois fatores interligados que impediram a Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 95 efetiva universalização da cobertura do sistema de proteção social; consequentemente, a manutenção de seu viés excludente. De um lado, o Estado, via modalidades de welfare fiscal, revitalizou os sistemas privados de saúde e educação, beneficiando as camadas médias e altas que deduzem (em parte ou em todo) seus gastos com estes serviços. De outro, os mais pobres, que dependem dos serviços oferecidos pelo Estado, os quais decaem de qualidade à medida que novos segmentos sociais são incorporados ao sistema. Daí entendermos Kerstenetzky ter caracterizado o período como “universalismo básico”, uma vez que o sistema massifica-se sem, de fato, universalizar-se plenamente, posto que estratos importantes e com maior capacidade de mobilização e pressão por mais qualidade, como as classes médias e altas, não usufruem diretamente do sistema. Esta espécie de welfare state “truncado”, para utilizar a expressão de Ferreira e Robalino (2010, p. 10), em que os pobres, a despeito de contribuírem com o financiamento do sistema via impostos, não se beneficiam de modo pleno dos serviços e da seguridade oferecidas, marca a trajetória dos sistemas de proteção social latino-americanos. A terceira onda, intitulada “universalismo redistributivo”, inicia-se com promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988. Em linhas gerais, a CF de 1988 amplia e intensifica a cobertura dos serviços e dos benefícios sociais com a universalização da previdência (que se amplia aos trabalhadores rurais), da assistência social, da educação fundamental e média e da saúde. Fato distintivo para o processo de redistribuição, desde então, é o estabelecimento de um mínimo social para a seguridade, na qual o salário mínimo converte-se em uma espécie de indexador social para quaisquer benefícios constitucionais. Na observação de Célia Kerstenetzky, tal fato assegurou “ponto de partida para todos os brasileiros, dentro de uma perspectiva de adequação, independente de inserção no mercado de trabalho” (KERSTENETZKY, 2012, p. 213). 96 Se o sistema de proteção social no Brasil dirigia-se para uma progressiva universalização dos direitos, a década de 1990 apresentou seu revés. Em parte como reação em função da ampliação dos direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988, em parte pela adoção de pressões para o ajuste fiscal, os anos 1990 marcam o entendimento de que os direitos sociais, universalizados pela Constituição, seriam empecilhos para a inserção do Brasil na economia internacional. Nesse entendimento, as políticas sociais passaram a ser vistas como variáveis dependentes do crescimento econômico. No relatório sobre desenvolvimento social preparado para a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague em março de 1995, a relatora Amélia Cohn sintetizou da seguinte maneira a relação de subordinação das políticas sociais às políticas econômicas, típicas deste decênio: Enfrentar de maneira eficaz a questão da pobreza implica, portanto, matizar a tradicional oposição entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, buscando uma articulação entre ambos. Em conseqüência, superar a concepção de políticas sociais restritas a seu caráter compensatório das desigualdades sociais geradas pelo mercado. Mais que isso, assumir a própria dimensão econômica das políticas sociais, quer como geradoras, elas próprias, de emprego, quer como promotoras de novas oportunidades de investimento, a partir da demanda de produtos do setor produtivo. (COHN apud LAMPREIA, 1995, p. 40). De fato, este juízo, criticado por Cohn, justificou uma série de reformas, no Estado e em seu sistema de proteção social, em nome de uma maior eficiência e competitividade. Podemos mencionar as privatizações ocorridas na década de noventa do século passado e as reformas da Previdência, da legislação tra- Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 balhista, dentre outras ocorridas no período. No plano da proteção social, o Estado passou a focar sua atuação, cada vez mais, deixando de lado o horizonte aberto pela Constituição rumo à universalização dos direitos. Programa Bolsa Família É nesse contexto histórico mais amplo, da formação e implantação do sistema de proteção social brasileiro, que devemos considerar a efetivação do Programa Bolsa Família. Com efeito, é importante considerar que os programas de transferência de renda no mundo foram inicialmente desenvolvidos como forma de enfrentar novos riscos sociais advindos das transformações das sociedades capitalistas industriais, sobretudo a partir do período pós-fordista, naquilo que se convencionou chamar de crise da “sociedade salarial” (CASTEL, 1998, 2010). Nesse sentido, podem ser compreendidas no quadro mais amplo de desenvolvimento contínuo das políticas sociais dos estados de bem-estar, como respostas às demandas geradas pelas transformações sociais.2 O marco inicial das discussões em torno das políticas de transferência de renda no Brasil remonta ao decênio de 1970, com o pioneiro artigo de Antonio Maria da Silveira (1975), seguido, alguns anos mais tarde, pelo texto de Edmar Bacha e Roberto Mangabeira Unger (1978). Apesar da incipiente discussão, somente com a proposta do Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), projeto de lei nº 80 de 1991, de autoria do senador Eduardo Suplicy, que essa questão ganha maior visibilidade, seja na opinião pública, seja entre os gestores públicos e setores especializados. A proposta do senador Suplicy, aprovada pelo Senado Federal logo em 1991, foi, em seguida, 2 Essa característica dos estados de bem-estar de formular novas políticas sociais, ou reformular as existentes, no sentido de atender demandas de uma sociedade em contínua transformação pode ser verificada em outras situações. Pensemos, por exemplo, no efeito sobre os serviços educacionais, notadamente da creche e da pré-escola, em uma sociedade em que as mulheres adquirem maior participação no mercado de trabalho. Ou nos efeitos, no plano da seguridade social e dos serviços de saúde, em uma sociedade com um número cada vez maior de pessoas idosas. encaminhada para a Câmara Federal. Após inúmeros debates e modificações em seu desenho original, o PGRM foi sancionado pelo presidente da República em 1998. Nesse momento, vários municípios já haviam implantado políticas de garantia de renda mínima a partir das experiências pioneiras dos programas de Campinas (SP), Ribeirão Preto (SP) e Distrito Federal, todas iniciadas em 1995. O ano de 2001, antecessor das eleições majoritárias em 2002, é fundamental para entendermos a gênese do Bolsa Família. Vimos que durante os anos 1990, notadamente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), houve uma mudança na percepção do governo acerca do lugar dos programas de proteção social na forma de atuação do Estado. Para alguns (SILVA; YAZBEK; DI GIOVANNI, 2007), essas mudanças ocasionaram um verdadeiro desmonte no nosso sistema de proteção social. Como consequência desse processo, no limiar da virada do século, o governo passou a sofrer inúmeras críticas na área social, por exemplo, a de subordinar as políticas sociais ao desempenho da política econômica. Na tentativa de reverter essa imagem negativa, estabelece-se, em 2001, uma série de programas federais de transferência de renda, tais como o Programa Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, além do Programa Bolsa Escola, existente desde 1997, mas relançado em 2001 (Rocha, 2013, p. 57). Houve também a expansão de alguns benefícios já existentes, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Em 2003, sob os auspícios do governo Lula (2003-2009), programas de transferência de renda herdados das administrações anteriores, como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e outros criados pelo governo Lula, tal como o cartão alimentação do Fome Zero, foram unificados em torno do Programa Bolsa Família. Em seu desenho original, o programa era dirigido a famílias pobres com uma renda mensal per capita de 100 reais que estivessem registradas no Cadastro Único. Atualmente, a linha de corte Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 97 para a participação no programa elevou-se para 140 reais. A seleção dos beneficiários é feita de maneira descentralizada e implementada no município. Apesar do acervo de informações contidas no Cadastro Único, a informação determinante para a elegibilidade é a renda mensal per capita da família. Cada município tem uma cota – baseada nas estimativas do número de pobres – que deve ser preenchida. Os benefícios variam de acordo com a renda familiar per capita e com a composição do domicílio. As condicionalidades do programa envolvem compromissos assumidos pelas famílias nas áreas de saúde e educação. Com relação à educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já para os estudantes entre 16 e 17 anos, a frequência exigida é de 75% da carga horária mensal. Na área da saúde, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, s.d.). Programa Bolsa Família no contexto do estado de bem-estar brasileiro Em relação ao Programa Bolsa Família, duas características de seu desenho – a focalização nos mais pobres e as condicionalidades exigidas das famílias participantes nas áreas de saúde e educação – permitem-nos relacionar ao contexto mais amplo da formação do estado de bem-estar no Brasil discutido nas páginas anteriores. Em relação às condicionalidades na área da educação, a discussão sobre a eficácia da exigência de frequência escolar como 98 forma de enfrentamento da pobreza intergeracional tem sido discutida por diversos trabalhos que tratam desta temática (PIRES, 2013; SCHWARTZMAN, 2009). Não caberia nestas páginas retomar estes argumentos, mas sugerir que este tipo de relação, em que determinado direito, efetiva-se a partir da “condição de …” faz sentido quando se considera o processo histórico de formação do nosso estado de bem-estar assentado nas bases dos regimes conservador-corporativos. Nesse plano, somente aqueles que possuem uma determinada condição social, como participar de certa corporação profissional, por exemplo, fazem jus a um tipo de benefício ou serviço. Lembremos também que o principal critério de justiça desses regimes é o mérito. Nos sistemas de seguridade, por exemplo, o mérito configura-se pela forma do financiamento do benefício. Estabelece-se uma espécie de relação de troca intertemporal, na qual o indivíduo contribui hoje, com a expectativa de receber um benefício no futuro (em momentos de doença, invalidez, quando atingir uma determinada idade etc.). Mesmo se considerarmos a contribuição tripartite, característica desse regime de welfare, em que o Estado e os empregadores assumem também parte desses riscos, no limite, o indivíduo “fez por merecer” o benefício em virtude de suas contribuições pecuniárias. No PBF, o mérito para receber o benefício configura-se, todavia, com algumas diferenças marcantes, uma vez que não deriva da contribuição prévia em dinheiro para receber um benefício. Medeiros, Britto e Soares (2007) teceram interessantes observações a este respeito. Para os autores, mais do que uma “razão prática” (SAHLINS, 1978), haveria um significado simbólico das condicionalidades, o qual atenderia à demanda daqueles que julgam que ninguém pode receber uma transferência do Estado – especialmente os pobres – sem prestar uma contrapartida direta. As condicionalidades seriam algo equivalente ao ‘suor do traba- Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 lho’; sem essa simbologia, o programa correria o risco de perder apoio na sociedade. (MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007, p. 14). Embora não explicitado, depreende-se que “aqueles” que têm esse tipo de visão são os não pobres, grupo importante para a construção das imagens públicas do PBF e para a legitimação dos recursos nele investidos. Indagação semelhante propõe Célia Kerstenetzky: será que o objetivo é fazer com que as pessoas se tornem de fato autônomas, não dependentes do benefício e capazes de fazer escolhas significativas a respeito de seu próprio bem-estar? Ou será que as condicionalidades são impostas baseadas no princípio de que “não há almoço grátis”, isto é, que os benefícios devem, de alguma forma, ser compensados pelos beneficiários, já que alguém estaria de fato pagando por eles? (KERSTENETZKY, 2009, p. 69). Assim, tão importante quanto o futuro efeito concreto na vida das pessoas em relação ao fato de terem passado pela escola com 75% ou mais de frequencia até os 17 anos, estaria em jogo o esforço das famílias em merecer o benefício perante a sociedade. Em outros trabalhos (PIRES, 2012, 2013) são discutidos os usos, até certo ponto não previstos, das condicionalidades quando se leva em consideração as percepções dos beneficiários do PBF. No tocante à focalização, as discussões sobre o projeto de lei do senador Suplicy nos anos 1990 retrataram mudanças importantes nas concepções vigentes da política social brasileira, discutida nos parágrafos anteriores (FONSECA, 2001): de um lado, pensar os programas de transferência de renda como parte dos chamados direitos sociais dos cidadãos, isto é, como direito do indivíduo, independentemente de sua condição socioeconômica, ou, de outro, como direito apenas de uma determinada parcela da população, tais como os mais pobres, por exemplo. No embate entre posições mais universalistas e mais particularistas, que pôde ser corporificado nas discussões em torno do PGRM, prevaleceu a posição de, cada vez mais, focalizar as políticas de transferência de renda para uma parcela específica da população. Nesse sentido, podemos relacionar esta característica da focalização com princípios dos regimes liberais de circunscrever o foco da proteção a uma determinada parcela da população. Assim, o direito à renda deixa de ser relacionado ao indivíduo, o que nos remeteria a uma concepção mais próxima da renda básica de cidadania (PARIJS; VANDERBOURGT, 2006) e passa a ser vinculado à pessoa, isto é, a indivíduos portadores de determinados papéis sociais, como a mãe ou responsável por crianças, e com obrigações específicas. O direito à renda passa a ser exclusivo de famílias com determinada renda per capita, e vinculada à obrigatoriedade de educação dos filhos ou crianças em idade escolar. Comentários finais Nas páginas anteriores foram relacionadas duas características do desenho do Programa Bolsa Família – a focalização e as condicionalidades – no quadro mais amplo da formação do estado de bem-estar no Brasil. Com isso, buscou-se evidenciar que as políticas de transferência de renda, em especial o Programa Bolsa Família, podem ser vistos à luz das transformações do estado de proteção social brasileiro. Nesse enquadramento, foi possível verificar que as condicionalidades exigidas para o recebimento do benefício remontam aos princípios dos regimes conservador-corporativos, essenciais na constituição inicial do welfare state brasileiro, de que é necessário merecer um determinado benefício do Estado. Em sentido análogo, o fato de o PBF ser dirigido aos mais pobres remeteu-nos aos princípios dos regimes liberais de focalizar as políticas sociais, algo importante no momento de gênese dos programas de transferência de renda no Brasil, no decênio de 90 do século passado. Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 99 Referências BACHA, E. L.; UNGER, R. M. 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Dados autorais: André Pires Professor do Quadro Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Campinas. Mestre em Antropologia Social (UNICAMP) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Recebido: 17/06/2013 Aprovado: 31/07/2013 Impulso, Piracicaba • 23(58), 91-101, out.dez. 2013 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2236-9767/impulso.v23n58p91-101 101