1 TEÓFILO AMORIM CHAGAS DE OLIVEIRA O PODER JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS A INTERVENÇÃO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA Dissertação apresentada para obtenção de título de Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo programa de Mestrado do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Orientadora: Prof. Dra. Samantha Meyer. BRASÍLIA 2009 2 TEÓFILO AMORIM CHAGAS DE OLIVEIRA O PODER JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS: A INTERVENÇÃO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA Dissertação apresentada para obtenção de título de Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo programa de Mestrado do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Orientadora: Prof. Dra. Samantha Meyer. Brasília, 08 de maio de 2009. Banca Examinadora ___________________________________ Prof. Samantha Meyer (Orientadora) ____________________________________ Prof. Marcelo Dias Varella _____________________________________ Prof. Frederico Barbosa _____________________________________ Prof. Alexandre Pagliarini 3 A meus pais, modelos de retidão, compreensão e amor, preocupando-se desde minha origem em proporcionar-me sempre o melhor, incondicionalmente. 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente, a Deus, por tudo. A meu pai, pelo apoio financeiro e moral, sem o qual este estudo não se concretizaria. À professora Samantha Meyer, pela sabedoria em orientar com motivação, clareza e simpatia, aceitando o encargo em fase turbulenta. Ao professor Marcelo, detentor de brilhante mente, sempre disposto em incentivar a pesquisa e solucionar minhas dificuldades. Ao Doutor Camargo Neto, mais que um chefe, um amigo e exemplo de magistrado, pela convivência e flexibilidade no horário em prol do mestrado. À Zélia, verdadeira governanta, pela preocupação e cuidado todo especial com os mantimentos nas viagens semanais até a Capital Federal. À Gi, simpatia em pessoa, acessível e disposta em facilitar meus contatos com a Secretaria, encurtando a distância com todos os professores. À querida tia Mânia e afilhado Francisco, pelos “pousos” e tolerância de minha presença. Ao amigo Fabrício Mota, pela orientação e auxílio desde a formulação do projeto de pesquisa. Ao primo José, simplicidade e inteligência admiráveis, pelo incentivo ao ingresso no curso. Aos colegas de mestrado, pelos debates ao longo de todo o curso, resultando em idéias aqui utilizadas. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 1. O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO SOCIAL 2. EFICIÊNCIA 12 23 2.1. EFICIÊNCIA E EFICÁCIA 30 2.2. EFICIÊNCIA E LEGALIDADE 32 2.3. EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO 38 2.4. EFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA 48 2.5. EFICIÊNCIA E DISCRICIONARIEDADE 52 3. A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 61 a) A formulação das políticas públicas 63 b) Serviços públicos 73 3.1. EFICIÊNCIA COMO PARÂMETRO DE CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS a) Indicadores sociais como parâmetros objetivos 4. O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS 77 98 104 4.1. INTERVENÇÃO: POSSIBILIDADE LEGITIMIDADE 4.2. PARÂMETROS DE CONTROLE E 105 116 a) Mínimo existencial e direitos fundamentais 119 b) Reserva do possível 139 c) Princípios da proporcionalidade e da 142 dignidade da pessoa d) Lei de Responsabilidade Fiscal 4.3. INSTRUMENTOS JUDICIAIS MANEJÁVEIS PARA O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 4.4. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA? CONCLUSÕES 148 150 163 171 6 RESUMO O modelo de uma Administração Pública eficiente é medida que se impõe na atual conjuntura social, exigindo-se postura ativa e comprometida com o bemestar coletivo. Neste cenário, modelos estruturais vêm sendo apresentados para a otimização da prestação estatal, visando dar cumprimento aos novos anseios e expectativas no campo social. Para tanto, a eficiência tem sido o paradigma focado pelas administrações modernas, estas exibindo-se como entes preparados cujos agentes se mostram qualificados em diversas áreas sociais e técnicas, um conglomerado de profissionais no qual se constata uma perfeita transdepartamentalidade, a fim de solucionar questões de todas as ordens que afetam a sociedade. Como recurso indispensável para este intento, o planejamento estratégico vem se mostrando uma saída viável e eficaz na formulação de políticas públicas, trazendo métodos não só científicos, mas também éticos e de natureza subjetiva. Com esta mesma finalidade, o Judiciário vem se apresentando como um aliado em busca da efetividade social, imiscuindo em setores e questões antes não adentrados, mas justificada sua atuação em virtude da inoperância governamental, sem comprometer, contudo, a independência e a separação de poderes. PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas; eficiência; efetividade social; planejamento; Administração Pública gerencial; Poder Judiciário; separação de poderes; judicialização. 7 ABSTRACT An efficient Public Administration model is been required in current social crises, demanding positive and committed instance to common welfare. In that setting, structural models have been offered to make better the results of state installment, to search and fulfill the social expectations. In this way, the efficiency have been the paradigm which modern public administrations are looking for, presenting as entity whose agents are qualified in many grounds, working together to solve the mainly social matters. As a necessary resource to this goal, strategy planning is viable on policy making, using not only scientific methods, but even subjectivism and ethic ones. With the same aim, the support by the Judiciary, judging policy and unusual cases, can help to reach the attainment for this important question, without contradiction to independence or separation of powers principles. 8 INTRODUÇÃO Num período marcado pela valorização de uma administração estatal eficiente, modelos de organização são trazidos por cientistas políticos, sociólogos e profissionais da área, visando atender essa exigência moderna. Métodos que revelam adoção de princípios específicos do setor privado são gradativamente absorvidos pelo complexo aparelho estatal, sobretudo em busca de redução de custos e otimização de resultados. As questões inerentes à Administração Pública e sua finalidade precípua reivindicam tratamento diferenciado quanto a sua atuação, mormente quando se discutem matérias afetas a políticas públicas, tendo como objeto prestações estatais positivas, estando em jogo interesses indisponíveis e tendo, como destinatárias, pessoas com necessidades prementes. Nesta linha, a formulação de políticas públicas passa a ser uma tarefa composta de várias etapas e com a participação de agentes ativos e comprometidos com a satisfação da massa, a fim de proporcionar o bem-estar almejado por toda sociedade democrática, tendo-se em conta valores e princípios igualitários. A alta relevância das políticas públicas no cenário mundial transmite uma tendência de socialização – não em seu aspecto ideológico, mas especificamente social – com grande preocupação dos Estados em gerir seu gigantesco sistema, ao prestarem serviços públicos de qualidade e atingindo um grau de excelência que atenda satisfatoriamente aos anseios dos destinatários, principalmente naqueles setores de necessidades mais urgentes, cuja intervenção se exige em maior intensidade. Afasta-se, desta 9 forma, do antigo ranço de governos patrimonialistas, cujos adágios capitalistas e liberais eram tidos e aceitos de forma absoluta. Isso também porque a distância entre os continentes parece diminuir à medida não só do avanço da tecnologia, mas, sobretudo, da interdependência econômica entre as nações, vindo a espelhar verdadeira corrente, teia umbilicalmente engrenada que resulta na preocupação do avanço e êxito de cada um indistintamente, sob pena de comprometer todo o processo. Exemplo disso é a crise econômica mundial, fruto de pequenas manobras de dimensões microeconômicas que vieram repercutir em todos os lugares e áreas do planeta, comprovando a existência dessa cadeia interdependente que há entre os Estados. A fim de se evitar consequências ainda maiores, governos mostram-se solícitos e aliados uns dos outros, inovando com pacotes econômicos e execução de políticas públicas em searas antes reservadas somente ao capital privado. Assim, a busca pela eficiência na prestação de políticas públicas tem sido a preocupação encontrada frequentemente, enfrentando pontos de confluência e, ao mesmo tempo, de conflito. Vários institutos e princípios do campo jurídico e também social apresentam-se em constantes tensões, exigindo-se uma análise e ponderação para a escolha dos mais convenientes em cada situação, visando uma solução coerente e eficaz, fruto de uma estratégia devidamente planejada por profissionais que detêm o arcabouço técnico apto para o mister. 10 Neste particular, o planejamento e a implementação dessas políticas são tarefas imprescindíveis, mas que nem sempre se resumem a um processo lógico ou de cunho eminentemente racional. Pelo contrário, antes de tudo se trata, na maioria das vezes, de questão política, havendo decisões que podem ser tomadas longe de critérios técnicos, mas cercadas de alta carga de subjetividade, cujos prognósticos não ficam a depender somente das ciências aplicadas, com seus métodos empíricos e racionais. Nesta tipologia moderna, o campo das políticas públicas não se dirige ao imediatismo pragmático como sempre acostumou a se apresentar. Mostra-se, na atualidade, estruturado estrategicamente, com uma complexidade que exige uma transdepartamentalidade. Surgem, daí, programas de governo que traduzem legitimamente o preenchimento das lacunas deixadas pela inoperância do modelo estatal anterior, mas que agora se apresenta como um desenho político de macroestruturas. Para a aferição da qualidade destas políticas públicas, a eficiência vem se mostrando como instrumento seguro e razoável de análise, corroborando com normas principiológicas já consagradas no ordenamento jurídico vigente. Aliado a este parâmetro, outros podem se apresentar também de forma complementar, como são os índices sociais, apurando-se neste processo vários aspectos simultaneamente e tendo a eficiência como regente. Entretanto, a eficiência não pode ser vista sempre como paradigma atrelado à economicidade ou a situações desta seara, ainda que de forma relativa. Exige-se, na realidade, estudo pormenorizado focado em problematizações sociais, devendo 11 ser articulada com o substrato próprio das políticas públicas, sendo recebida sob o prisma da eficácia social. Com este objetivo, a Administração Pública vem se aderindo gradativamente a estudos voltados à eficiência de suas atividades, adotando uma marca eminentemente gerencial, otimizando seus métodos e racionalizando suas atuações. A antiga máquina estatal desprovida de interesses macroeconômicos ou de preocupações que transcendiam sua intervenção imediata não mais perdura. Busca-se, pois, uma atuação voltada para o desenvolvimento como um todo, não limitado a áreas de infraestrutura, mas com um campo de atuação mais abrangente, presenciando-se um acionismo estatal desde o setor social básico até aquele técnico e político na longa cadeia e organograma governamental. Visto como um forte aliado, o Judiciário é requisitado para a consecução desta tarefa de atingimento da eficiência estatal e eficácia social na realização de políticas públicas. Exige-se, assim, uma postura mais ativa e dinâmica de seus agentes, antes tidos como inertes e imparciais. Vislumbra-se a participação constante das instâncias jurisdicionais visando coibir atuações ineficientes, ímprobas e carregadas de desperdícios, criando-se, para isto, instrumentos jurídicos de intervenção. Identifica-se, na realidade, a posição dos magistrados no mais ativo campo político, fazendo parte dos agentes legitimados e co-responsáveis pela consecução e atingimento de políticas públicas eficientes. 12 1. O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO SOCIAL Considerado como ente maior e responsável pela vida pacífica em sociedade, teorias explicam o surgimento do Estado a partir de três situações: familiar (patriarcal ou matriarcal), patrimonial ou pela força. Esta última teoria, a mais aceita, foi defendida principalmente por Thomas Hobbes, discípulo de Bacon. Segundo ele, os homens, no estado de natureza, eram inimigos uns dos outros e viviam em guerras permanentes, surgindo o Estado como organização do grupo dominante para manter o poder de domínio sobre os vencidos1. A organização do Estado por órgãos divididos por funções marca a essência do sistema constitucional, guiado pelo princípio da divisão funcional do poder de soberania, embora esta permaneça una. Esse modelo de separação de poderes (em Legislativo, Executivo e Judiciário) foi proposto por Montesquieu no século XVIII, sendo adotado pela quase totalidade dos Estados atuais2. No que tange à proteção das liberdades individuais, começando pelo Estado grego antigo, este a desconhecia, embora não ficasse a vida privada imune às ingerências do governo. O direito que se tutelava estava sempre vinculado à polis, sendo o indivíduo visto como filho e parte componente das cidades-estados. Na Idade Média do século XV, a idéia de Administração Pública contemplava todas as atividades estatais, excluindo-se, apenas, as eclesiásticas e morais, vindo a separar a polícia e a Justiça apenas no 1 HOBBES, Thomas. Leviatã. Ou Matéria, Forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2 ed., São Paulo: Abril, 1979 (Os pensadores). 13 século XVII, quando a primeira se limitava às matérias de administração e, portanto, fora da atuação judicial. Já no início do século XVIII, o Estado Absoluto foi marcado pela monarquia déspota, na qual justificava o poder supremo do rei como divino e escolhido por Deus, atribuindo ao monarca plena liberdade de escolha para a consecução dos fins que entendia necessários, não se preocupando com direitos individuais dos cidadãos. Essa ausência de limitação de poder fragilizou o modelo em momento histórico que se valorizava o uso da razão, aspirando-se uma limitação legal do poder e proteção de direitos individuais e igualdade social3. A adoção do sistema de separação de poderes apresentado por Locke4 e posteriormente por Montesquieu5 veio nesse intuito, encontrando terreno fértil para o êxito de seus ideais limitadores do poder estatal e libertários de direitos individuais, trazendo atividades do Estado bem definidas, embora seu poder continuasse a ser apresentado como uno e indivisível. Com uma carga eminentemente contratualista, Locke desenvolveu seu trabalho defendendo que “A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se submete às restrições da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com conforto, segurança de suas propriedades e paz umas com as outras e desfrutando com maior proteção contra quem não toma parte de dita comunidade (...). Quando qualquer número de homens decide constituir 2 Idem, ps. 209-211. BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Belo Horizonte, Mandamentos, 2004, p. 37. 4 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro. Vozes. Rio de Janeiro, 1999, p. 68. 5 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Trad. Fernando Henrique Cadroso e Leôncio Martins Rodrigues. 2ª ed. Brasília, UnB, 1995, p. 187-189. 3 14 uma comunidade ou um governo, isto os associa e eles formam um corpo político em que a maioria tem o direito de agir e decidir pelo restante”6 . Apesar de ter separado as funções estatais (Legislativo, Executivo e Federativo), Locke acreditava ser um deles supremo, ao afirmar que “não há poder mais alto que o de ditar as leis”, já que “É o poder supremo porque atende ao maior objetivo da vida social que é ‘gozar dos próprios bens em paz e segurança’, o que só se pode lograr por intermédio de leis” 7. Montesquieu também se revela grande defensor da liberdade pela separação dos poderes (agora Legislativo, Executivo e Judiciário), temendo a tirania, ao aventar que “A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança; e, para que se tenha esta liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo poderia ter a força de um opressor”8. Pretendia-se, pois, elaborar um mecanismo organizacional estatal que consistiria em impedir que o poder fosse concentrado em uma única função, servindo como um sistema de freios e contrapesos, permitindo que o poder controlasse seu próprio poder. 6 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 468. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro. . Vozes. Rio de Janeiro, 1999, p. 42. 7 15 Esta separação foi vital para o surgimento de acepções ligadas à democracia, ainda que timidamente, equilibrando-se as forças do Estado e distribuindo o poder entre suas entidades, sendo suficiente para acabar com o Estado Absolutista, no qual o poder centralizado do monarca sufocava os direitos dos cidadãos. Grosso modo, ao Poder Executivo foi incumbida, então, a função de obediência e execução das leis, em auxílio ao Legislativo, cabendo ao Judiciário a tarefa de solucionar questões e conflitos sociais pontuais, além de apurar a legitimidade da lei, dizendo a quem cabe o direito, de acordo com ela. Para Medauar, a formulação clássica da separação de poderes acarretou algumas consequências jurídicas, como atribuição da atividade executiva a um grupo determinado de órgãos, em virtude da concepção de Estado de Direito, provocando um isolamento dos órgãos e entre administração e política, além de uma supremacia do Legislativo e da lei em virtude do princípio da legalidade9. Nesse cenário surge o Estado liberal do século XIX, permeando um Estado de Direito e buscando a limitação do poder do príncipe pela própria lei, abrindo espaço para o princípio da legalidade. Privilegiaram-se, pois, os direitos individuais antes não protegidos, além de restringir a atuação estatal à manutenção da ordem pública, assegurando a 8 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Trad. Fernando Henrique Cadroso e Leôncio Martins Rodrigues. 2ª ed. Brasília, UnB, 1995, p. 119. 9 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 123/124. 16 pacificação social e a fruição dos direitos de cada um, inclusive os de ordem privada, em atendimento aos anseios da classe burguesa10. O próprio Estado é visto - ainda nesta época - como instrumento de garantia dos direitos individuais, principalmente no que tange à segurança nas relações do particular com o Estado, iniciando um período de constitucionalização dos direitos individuais, a fim de eliminar o abuso pelos detentores do poder11. A Administração, por sua vez, como o próprio nome já adianta, apresenta-se como instrumento institucional do qual se serve o Estado para, por meio de órgãos e agentes, gerir a coisa pública, gerenciar as funções estatais e os deveres normativamente previstos. Ressalta-se que a Administração não é poder, mas apenas meio de atuação do Estado, funcionando como utensílio de execução para o cumprimento material das ordens emanadas pelos ditos Poderes estatais12. O modelo de Estado atual, entretanto, não deixa clara a denominação de “Administração Pública”, parecendo ter sido ela introduzida no âmago do Poder Executivo, (...) sem vontade própria, não se mostrando, portanto, um sujeito ativo e marcante no cenário político neste particular. Não bastassem as divergências e dificuldades em se definir propriamente a Administração Pública, consenso também inexiste com referência às suas atividades e funções. 10 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 42. 11 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 80. 17 Nas palavras de Marçal Justen Filho, “A grande dificuldade em definir o que é função administrativa reside na extensão e heterogeneidade do conceito. A função administrativa compreende atividades de fornecimento de utilidades materiais de interesse coletivo (...). Mas também abrange atuação de cunho jurídico, imaterial”13. Em geral, o termo Administração Pública é utilizado para se referir ao conjunto de entes e organizações que velam pela função administrativa, mas ela deve ser interpretada sob diversos sentidos, principalmente em suas acepções subjetiva e objetiva. Subjetivamente, ela é tida como o conjunto de agentes, pessoas jurídicas e de órgãos que exercitam atividade administrativa. Objetivamente, passa a ser o conjunto dos bens e direitos necessários ao desempenho da função administrativa, bem como a própria atividade de gerir os interesses públicos, a res publica14. Maria Sylvia Zanella Di Pietro restringe ainda com mais rigor o conceito, definindo a Administração Pública, em sentido estrito, como sendo “sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política”15. 12 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo, Atlas, 2000, p. 61. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 29. 14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2005, p. 9. 15 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo, Atlas, 2000, p. 54. 13 18 O Estado possui, assim, funções bem definidas, restando delineadas no próprio corpo de seu instrumento jurídico maior, a Constituição, reservando a cada ente o poder suas devidas competências e atribuições, servindo como meio de garantir a ordem institucional e instrumento de exigir pelos cidadãos os deveres estatais nela previstos. O século XX foi marcado por um Estado mais voltado para preocupações de cunho social, em virtude de crises econômicas e sociais resultantes do abuso do poder econômico da burguesia, vindo a surgir o chamado Estado Social, exigindo-se deste atuação antes não imposta (...), mas que a partir de então, se buscou para consecução de finalidades sociais em diversos campos. Odete Medauar aponta como possíveis causas para essa mudança o fortalecimento e pressão dos sindicatos, edição de leis de proteção social na Europa, crises sociais (como a de 1929 e a do pós-guerra), êxodo rural e aglomeração de populações, surgindo grandes metrópoles e surgindo problemas de convivência da massa urbana16. Esta é a idéia transmitida por Alexandre Pizzorusso, ao se referir ao Estado Social como o provedor de um mínimo de bem-estar aos cidadãos, resguardando-os do desemprego, de enfermidades e, em geral, da miséria17. A exigência exagerada do Estado, responsabilizando-o pelo insucesso em várias searas, agigantou a máquina estatal e a sobrecarregou, levando-a a sua própria decadência, em razão dos sentimentos de desconfiança e insatisfação (...). A partir do 16 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 83/84. 19 século XX, o agravamento do déficit dos orçamentos públicos, em decorrência do financiamento dos programas assistenciais mediante empréstimos públicos, veio a desenhar uma crise do Estado Social. No Brasil, o Estado passou por três fases razoavelmente bem delimitadas. Até 1934, presenciou-se um aparato estatal precário e amador, baseado em uma Administração patrimonialista e ociosa, marcada pelo apadrinhamento e sem grandes preocupações com a implementação de programas de governo. Em busca da eficiência o Estado adotou um modelo burocrático, fundando-se em normas racionais de procedimento, de maneira que este esteja previamente estabelecido18, visando a uma maior organização e, em consequência, melhor otimização. Em que pese a boa intenção do Estado burocrático, o apego exacerbado ao princípio da hierarquia e à rotina procedimental parece ter engessando a criatividade e a motivação da Administração, contribuindo para levá-la a resultados ineficientes, não acompanhando a crescente complexidade da tecnologia moderna. Para Batista Júnior, todavia, as razões da ineficiência da máquina pública brasileira são múltiplas e de diversas naturezas, e seria por demais ingênuo atribuir às disfunções do modelo burocrático todas as causas pela sua ineficiência19. 17 PIZZORUSSO, Alessandro. Lezioni di diritto constituzionale. 3ª ed. Il Foro Italiano. Roma, 1984. Trad. Javier Jimenez Campo in Lecciones de derecho constitucional,Centro de Estudios Constitucionales. Madrid, 1984, p. 25. 18 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 69. 19 Idem, p. 71. 20 Na vigência da Constituição de 1934, foi trazida a Reforma Administrativa de 1936, visando um avanço na modernização e aperfeiçoamento do serviço público brasileiro, destinada, ainda, a regular a área administrativa federal e realizar a descentralização, apesar de ter, na realidade, agigantado a burocracia e propiciado a proliferação de empresas públicas e autarquias20. Com os indesejados resultados, criou o governo de João Goulart, em 1967, o Ministério Extraordinário da Desburocratização, passando a carregar a bandeira da eficiência dos serviços públicos. Desencadeou, assim, a Reforma Administrativa da Nova República até o Governo de José Sarney, não atingindo, todavia, as finalidades inicialmente pretendidas21. A partir desse período, passou-se a conviver com a fase de uma Administração Pública gerencial, com critérios semelhantes da chamada burocrática, embora de maneira mais flexível, visando o atingimento de eficiência máxima do Poder Público, com estratégias bem planejadas e busca de seus resultados, adotando-se critérios de mérito para o ingresso na carreira pública e avaliação de desempenho, tendo, ainda, no cidadão, a figura de um contribuinte de seus tributos e cliente de seus serviços, criando-se, inclusive, as chamadas agências reguladoras e executivas para a fiscalização e fomento do serviço público, visando a esta desejada eficiência, a marca deste período22. 20 SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo, 2003, p. 160. 21 MARCELINO, Gileno Fernandes. Apud SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo, 2003, p. 161. 22 SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo, 2003, p. 168. 21 Odete Medauar traz várias expressões para intitular esse modelo de Estado, como Estado providência, Welfare State, Estado distribuidor, Estado manager, Estado assistencial e outras designações do gênero, todas tentando transmitir sua idéia principal, que é a atuação mais presente do Estado em áreas antes reservadas apenas à iniciativa particular, tanto na seara social como na econômica, abrindo-se, inclusive, barreiras alfandegárias, buscando atender às necessidades da população, exprimindo a idéia de substituir a incerteza da providência religiosa pela certeza da providência estatal, completando, assim, sua secularização23. Com esse cenário de descrédito, foi necessária a implementação de um novo sistema modificado, com alterações marcantes na estruturação da Administração Pública do Estado, movimento conhecido por Reformismo, pretendendo uma maior eficiência da máquina pública, com adoção de mecanismos de modernização, descentralização e maior tecnicismo. A Constituição de nossa República de 1988, sob inspiração democrática, foi um marco inicial de fácil visualização deste período, vindo a se tornar mais claro com a reforma trazida pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, buscando um maior equilíbrio na distribuição dos benefícios sociais, maior justiça e mais liberdade para formação e exercício de uma consciência política de nacionalidade, além de uma melhor prestação de serviços públicos aos administrados. Nessa problemática se encontra a Administração Pública do atual século XXI, num Estado atingido pelos efeitos da globalização, idéias neoliberais e incentivo 23 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 86/88. 22 às privatizações, com o fim de, ao mesmo tempo, gerir a coisa pública com eficiência sem se esquivar de atender aos novos anseios da comunidade, garantindo seus direitos constitucionalmente previstos. Recebe, assim, várias outras designações, como Estadoregulador, controlador, mediador, negociador, subsidiário. 23 2. EFICIÊNCIA Quando se refere ao termo “eficiência”, tem-se em mente uma ação bastante e suficiente para atingir determinado resultado com o menor tempo e/ou custo possível. No vernáculo, eficiência transmite a idéia de ação capaz de gerar efeitos e atingir um resultado eficaz24 ou, ainda, a virtude de conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou tempo ou dinheiro para determinada operação25. No mundo jurídico, o termo não é tratado com grandes distorções. Não obstante, as idéias trazidas pelo estudo da língua portuguesa e seus instrumentos não são capazes de traduzir todo o seu significado, exigindo-se análise mais técnica e aprofundada para se aproximar de seu sentido no Direito e em outras Ciências. Hely Lopes Meirelles trazia a eficiência como sendo um dos deveres da Administração que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional, relembrando ser o mais moderno princípio da função administrativa, não se contentando em ser esta desempenhada apenas com legalidade, mas exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros26. 24 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986, p. 620. 25 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. Rio de Janeiro, 2001, p. 1102. 26 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996, pp. 90-91. 24 Maria Sylvia Zanella Di Pietro enfoca o princípio sob dois aspectos. Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público27. José dos Santos Carvalho Filho ressalta a correlação do princípio da continuidade com o da eficiência, este reclamando que o Poder Público se atualize com os novos processos tecnológicos, de modo que a execução seja a mais proveitosa com o menor dispêndio. E enfatiza que a necessidade de a Administração atuar com eficiência, curvando-se aos modernos processos tecnológicos e de otimização de suas funções, tendo a Emenda Constitucional nº 19/98 incluído no caput do artigo 37 da Constituição da República o princípio da eficiência entre os postulados principiológicos que devem guiar os objetivos administrativos28. Já Marçal Justen Filho aborda o princípio como sendo orientado pela vedação ao desperdício ou má utilização dos recursos destinados à satisfação de necessidades coletivas, obtendo o máximo de resultados com a menor quantidade possível de desembolsos, otimizando, pois, os recursos disponíveis29. Entendendo não se tratar de um conceito jurídico, mas econômico, José Afonso da Silva destaca que a eficiência não qualifica normas, mas qualifica atividade. Aponta, assim, a dificuldade em transpor para a atividade administrativa uma noção 27 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. Atlas. São Paulo, 2000, p. 83. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14ª ed. Lúmen Juris. Rio de Janeiro, 2005, p. 271. 28 25 típica da atividade econômica, que leva em conta a relação input/output (insumo/produto) que, na maioria das vezes, não pode ser aferida na prestação do serviço público, onde nem sempre há um produto identificável e onde nem existe um input no sentido econômico30. Paulo Modesto encara a eficiência em seus fins jurídicos, não significando apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins prezados – como é corrente entre os economistas e os administradores. Enquanto para estes profissionais, é um simples problema de otimização de meios; para o jurista, diz respeito tanto a otimização dos meios quanto à qualidade do agir final. Em linhas simplificadas, a obrigação de atuação eficiente, portanto, impõe: a) ação idônea (eficaz); b) ação econômica (otimizada); c) ação satisfatória (dotada de qualidade)31. Eficiência pode ser vista, ainda, como um método no qual se racionaliza a ação, ou seja, tendo-se um ponto de partida e guiando-se através da razão para se atingir um determinado objetivo com o menor número de erros possíveis32. Neste mesmo sentido, Odete Medauar ensina, declarando ser uma das idéias-força das reformas administrativas realizadas em inúmeros países a partir da década de 90 do século XX, ligando seu significado com a de resultados de um programa de modo rápido e preciso, obtendo a maior produtividade possível, atendendo às necessidades da população33. 29 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Saraiva. São Paulo, 2006, p. 85. Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001. QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de improbidade administrativa, p. 1335. 31 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www. direitopublico.com.br /pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08. 32 GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo, 2002, p. 27. 33 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 242. 30 26 Contextualizando a eficiência à atual época, Sandra Barbosa a entende como palavra de ordem no mundo globalizado, significando produção de bens e serviços de maior qualidade, com rapidez e em maior número34. Trata-se, segundo Paulo Modesto, de exigência jurídica imposta aos exercentes de função administrativa, ou simplesmente aos que manipulam recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização de finalidades públicas assinaladas por lei, ato ou contrato de direito público35. O postulado da eficiência deve ser compreendido, para Nobre Júnior, como o dever administrativo de melhor atender à consecução dos fins, de interesse público, a que está vinculada a Administração, laborando, para tanto, com o menor custo, crendo estar o preceito vinculado à economicidade referida no artigo 70 da Carta Maior36. Vejamos o teor dos dispositivos constitucionais referentes a este particular: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”. (sem grifo no original) “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”. (sem grifo no original) 34 Revista de Direito Administrativo. Volume 224, abr/jun 2001. BARBOSA, Sandra Pires. Impacto da globalização sobre o princípio da eficiência, p. 198, Renovar, Rio de Janeiro, 2001. 35 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08. 36 Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira, Caruaru, p. 210. 27 Essas novas regras de Direito Administrativo envolvendo eficiência, trazidas pela Reforma de 1998, vêm no intuito de se evitar desperdícios, incompetências e leviandades na gerência da res publicae, assentando-se em dois grandes pilares: a probidade e transparência na gerência pública, e eficiência na prestação dos serviços públicos37. Em seu sentido estrito e econômico, eficiência está ligada à melhor utilização dos recursos disponíveis, analisando os meios empregados e os fins alcançados, ponderando essa relação para se avaliar a produtividade do método utilizado, a própria eficiência do processo. Parece, assim, não haver consenso em sua conceituação no ponto de vista jurídico, sendo qualquer definição carregada de subjetivismo, em razão do conceito vago, fluído, impreciso e indeterminado do termo38. Com tantos significados (embora aproximados), a eficiência deve assumir aquele que melhor se compatibilize com a norma constitucional, de acordo com a intenção do constituinte, quando da elaboração da reforma de 1998. Neste sentido é a lição de Chicóski, ao vincular sua interpretação segundo o sistema jurídico erigido sob os princípios constitucionais do Estado social, democrático e de Direito, a fim de que lhe extraiam, mesmo 37 Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e polêmicas/organizadores Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência, p. 50. 38 Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001. QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de improbidade administrativa, p.1335. 28 numa perspectiva de discricionariedade, benefícios concretos à sociedade, e não apenas às classes econômico-sociais dominantes39. Tudo indica ter vindo a eficiência como marco normativoconstitucional para servir de critério a fim de possibilitar maior controle das atividades estatais com base nesse parâmetro, buscando uma maior otimização no funcionamento da máquina institucional e afastando as arraigadas manchas da antiga imagem burocrática e morosa do Estado. A eficiência veio, então, introduzida explicitamente no seio na Carta de 1988, transmitindo um objetivo a ser alcançado pelo Estado em sua atividade não só administrativa em sentido estrito, mas a abranger toda a sua atuação, vislumbrando-se um fazer com objetividade, economicidade e eficácia social. Quanto a suas características básicas, Alexandre de Moraes atrela ao princípio da eficiência o direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, a imparcialidade, a neutralidade, a transparência, a participação e aproximação dos serviços públicos à população, a eficácia, a desburocratização e a busca da qualidade40. Como princípio, a eficiência carrega consigo referidas peculiaridades que a faz distinguir de outras normas, como as regras. Isso em razão de se 39 A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 3, n. 11, jan/mar 2003. CHICÓSKI, Davi. O princípio da eficiência e o procedimento administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 178. 40 Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e polêmicas/organizadores Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência, p. 39. 29 optar, nessa adoção, por conceitos jusnaturalistas ou por acepções trazidas pelo positivismo. Na visão jusnaturalista, os princípios encontram-se em posição hierarquicamente superior às normas, possuindo, ainda, força normativa quanto à sua aplicação e efetividade. Por sua vez, para os positivistas, as normas são gênero, no qual se encontram os princípios e as regras, estando estes em mesmo grau hierárquico, porém, se distinguindo no que se refere ao seu grau de generalidade e abstração. Na lição de Robert Alexy, pode-se notar que: Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados com la ajuda de las expressiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente. La distinción entre reglas y principios es pues uma distinción entre dos tipos de normas.41 Neste mesmo sentido, nas palavras de Luís Roberto Barroso, “Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações” enquanto que “Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações”.42 Ana Paula de Barcellos prefere, ainda, concentrar-se no ponto relativo à eficácia dos princípios, os quais teriam três modalidades: a interpretativa, a negativa e a vedativa do retrocesso. A autora explica que, “ao contrário do que acontece com as regras, a eficácia interpretativa tem aplicação bastante ampla no caso dos princípios, exatamente em 41 ALEXY, Robert. Teoria de os Derechos Fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993, p. 83 42 BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro, p. 293. 30 decorrência da indeterminação de seus efeitos e da multiplicidade de situações às quais ele poderá aplicar-se”43. Quanto à denominada eficácia negativa elucida a autora que “essa modalidade de eficácia funciona como uma espécie de barreira de contenção, impedindo que sejam praticados atos ou editadas normas que se oponham aos propósitos do princípio”. Por fim, arremata que na vedação ao retrocesso (modalidade ainda não incorporada definitivamente na doutrina, segundo a autora), o propósito “é evitar que o legislador vá tirando as tábuas e destrua o caminho porventura já existente, sem criar qualquer alternativa que conduza ao objetivo em questão” 44. No mesmo diapasão, os princípios são considerados vigas-mestre do sistema jurídico, ou na definição clássica do ilustre jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade de sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico45. 2.1. EFICIÊNCIA E EFICÁCIA 43 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. Renovar. Rio de Janeiro, 2002, p. 80. 44 Idem 45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo, Malheiros, 2005, p. 43. 31 Muito se tem usado equivocadamente o termo eficácia como sinônimo de eficiência, trazendo inexatidões em contextos técnicos e causando confusões semânticas que podem comprometer o trabalho no qual se encontram inseridos os vocábulos. Quando se trata de eficácia, o objeto em foco se encontra mais restrito em comparação à eficiência. Tem-se em conta, aqui, unicamente o resultado a ser atingido, o objetivo a ser alcançado, entendendo alguns autores estar relacionada a eficácia com a eficiência em sentido amplo, mas não em sentido estrito. Isso porque, na eficácia, se desconsideram os meios utilizados para determinado processo, somente importando o efeito resultante da ação empregada, analisando se o alvo pretendido foi atingido ou não. Em termos gramaticais e isentos de influências de outras áreas, eficácia expressa a idéia de aptidão para produzir determinado efeito, segurança de um bom resultado, infalibilidade, efeito útil, chegando-se a determinado resultado46. Fazendo distinção entre os dois institutos, Paulo Modesto traz os significados atrelados ao tema do Direito Administrativo, afirmando que o princípio da eficiência diz mais do que a simples exigência de economicidade ou mesmo de eficácia no comportamento estatal. Entende eficácia como a aptidão do comportamento administrativo para desencadear os resultados pretendidos. A eficácia relaciona, de uma parte, resultados possíveis ou reais da atividade e, de outra, os objetivos pretendidos. A eficiência pressupõe a eficácia do agir administrativo, mas não se limita a isto. A eficácia é, juridicamente, um prius da eficiência. Assim a imposição de atuação eficiente, do ponto de vista jurídico, refere a duas dimensões da atividade administrativa indissociáveis e conjugadas ideologicamente: a) a 32 dimensão da racionalidade e otimização no uso dos meios; b) a dimensão da satisfatoriedade dos resultados da atividade administrativa47. A eficiência, no campo jurídico, pode significar eficácia jurídica (aptidão para produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos), eficácia social ou efetividade (efetiva conduta acorde com a prevista pela norma) ou ter um conceito próprio, referente ao sucesso da norma na obtenção dos resultados48. 2.2. EFICIÊNCIA E LEGALIDADE A legalidade é reconhecida principalmente nos Direitos Tributário e Penal, tendo raízes históricas e políticas no regime democrático, prendendo-se à atuação dos parlamentos e ao chamado “tributo consentido” através da lei votada pelos representantes do povo, desde a luta das Câmaras inglesas para a efetivação da aspiração contida na fórmula no taxation without representation49. Essa técnica da legalidade avança como princípio jurídico geral para a Administração no século XIX, quando se firmou o Estado de Direito, principalmente o Estado Liberal, tendo como objetivo neutralizar o executivo monárquico, vindo atualmente a orientar toda a Administração Pública, que se vê sempre atrelada à previsão contida na norma, 46 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. Rio de Janeiro, 2001, p. 1102. 47 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08. 48 GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo, 2002, p. 30. 33 tendo a função de delinear os contornos das atividades estatais, principalmente no que tange à limitação de seu poder. Entretanto, no Estado Social percebe-se uma perda de eficácia do princípio da legalidade, que não consegue mais regulamentar toda ação da complexa Administração, atingida pelos avanços tecnológicos e descentralização em busca da eficiência. Como bem ressalta Batista Júnior, o princípio da legalidade, ainda que observado na íntegra, não é suficeinte, sempre, para garantir situações jurídicas subjetivas de maior vantagem para o cidadão50. Diante da realidade burocrática dinâmica desse século o princípio da eficiência vem atenuar o formalismo exacerbado e a rigidez da procedimentalização, ganhando força autônoma principalmente após sua previsão constitucional, contrapondo-se, muitas vezes, à legalidade. Com a pretensão de eficiência da máquina pública, depara-se o administrador entre a aplicação dos dois princípios constitucionais e, às vezes, diametralmente opostos, indagando-se sobre a obediência à ordem rígida da norma ou norteando-se pelo aberto significado do termo “eficiência”. Exigiu-se, pois, não só uma conduta dos executores administrativos de acordo com a norma, mas um comportamento profissional que retire da norma seu significado mais alinhado com os seus objetivos sociais com a maior eficiência 49 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, ps. 344-345 50 Idem, p. 349. 34 possível, sendo necessária, assim, uma exegese antes não cobrada, diferenciando-se da anterior atuação cerradamente enquadrada pela lei. Ressalta-se que a eficiência é cobrada e presumida do próprio corpo da lei, merecendo e necessitando de interpretação de seus executores para tirar dela sua maior efetividade em prol do princípio. A interpretação correta da norma é expediente que se exige, sendo norteada pelo seu elemento finalístico, auxiliada pela eficiência e pelos princípios reitores das atividades estatais. Quando houver aparente colisão entre princípios, como o da eficiência e da legalidade, deve-se realizar uma ponderação de valores, bem como indagar se a norma considerada ineficiente foi propositalmente posta em vigor, visando a um outro objetivo. Em caso afirmativo, deve-se prelvalecer a norma, ainda que resulte em ineficiência. Sendo a norma aparentemente eficiente, deve-se preservá-la, ainda que dela advenha resultado inexitoso. Neste sentido se filia Onofre Alves Batista Júnior, ressaltando que se uma lei abstratamente descreve o procedimento e propicia, em tese, a eficiência, mas, no caso concreto dá ensejo a flagrante ineficiência, deve-se preservar a solução legal, sob pena de afronta ao princípio da legalidade e ofensa ao Estado de Direito. Entende que até uma solução legal ineficiente deve prevalecer se (e somente se) servir para preservar outros valores constitucionalmente consagrados. Isso porque o próprio legislador preocupou-se em fazer 35 essa ponderação de valores, sacrificando, neste caso pontual, a eficiência em prol de outro vetor constitucional relevante51. Note-se que ao legislador também é imposta a observância ao princípio da eficiência, presumindo-o no próprio teor das normas postas em vigência, permitindo a substituição por outro princípio apenas em casos excepcionais. Como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, não teria sentido que a lei, podendo fixar uma solução por ela reputada ótima para atender o interesse público, e uma solução apenas sofrível ou relativamente ruim, fosse indiferente perante estas alternativas. É de presumir que, não sendo a lei um ato meramente aleatório, só pode pretender que a conduta do administrador atenda excelentemente à perfeição, a finalidade que a animou52. Também nesse dever de eficiência legislativa, Ruy Samuel Espíndola esclarece que as leis que criem entraves à eficiência, que burocratizem desmedidamente o serviço público, desatendendo à racionalidade necessária à boa consecução do serviço, poderão ser invalidadas nas vias do controle de constitucionalidade, por malferimento ao princípio constitucional da eficiência53. Com entendimento semelhante, Chicóski ressalta que o princípio da eficiência, se por um lado não deve sobrepor-se aos ditames da legalidade, também não pode ser desacreditado, pois a atuação estatal eficiente, além de também contribuir para a legitimação do poder, acaba sendo um aspecto da própria legalidade, quando observada de um 51 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 315. 52 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem. Malheiros, São Paulo, 2007, p. 33. 36 ângulo material, corroborando para a manutenção do Estado Social e Democrático de Direito54. Nesta mesma vertente, Edilson Pereira Nobre Júnior ensina que a atual convivência entre a Administração e o sistema jurídico não se faz unicamente na forma de uma vinculação positiva diante da lei que, durante largo espaço de tempo, predominou entre nós com base em ensinamento de Hely Lopes Meirelles. Pelo contrário, a submissão da Administração à lei ora se dá como fundamento prévio e necessário de determinada ação (vinculação positiva), ora como um mero limite externo à livre ação (vinculação negativa), com a única condição de que não contradigam proibições estabelecidas na Constituição e em sede legal55, fugindo-se do anterior e já arraigado paradigma no qual enuncia que a Administração só pode fazer o que a lei expressamente permite. Neste sentindo já se pronunciou nosso Pretório Excelso, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 253.885-MG que, considerando que a Lei nº 9.784/99 não prevê competências para a celebração de acordos, com vistas à extinção dos procedimentos administrativos no âmbito federal, tal é plenamente admissível nos limites expostos pelo Supremo Tribunal Federal, não se podendo falar em nenhum momento em ofensa ao princípio da legalidade (indisponibilidade do interesse/bem público), atenuando-se este princípio56. 53 Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. In: LEITE, George Salomão (Coord.) Dos princípios constitucionais – considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 284. 54 A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 3, n. 11, jan/mar 2003. CHICÓSKI, Davi. O princípio da eficiência e o procedimento administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 177. 55 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 227. 56 “Ementa: Poder público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. E, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o 37 O princípio da eficiência pode ser percebido como componente da própria legalidade, percebida sob um ângulo material e não apenas formal, referindo à legalidade material explorada excelentemente por Celso Antônio Bandeira de Mello, nomeadamente, quando trata do “dever de atuação ótima ou excelente do administrador nas hipóteses de discricionariedade”, compondo uma das faces materiais da Administração Pública, e destacado pela Constituição por razões pragmáticas e políticas57. Não parece, todavia, haver incompatibilidade entre eficiência e legalidade, mas sim harmonia. Isso porque a eficiência, ao invés de rejeitar a adstrição do administrador à juridicidade, incorpora a esta um novo sentido, de cunho substancial, de maneira que, além da mera observância à formalidade, se busque o interesse público pelo alcance de determinados resultados quando da realização de atos administrativos58. A busca da eficiência da Administração não pode significar, pois, o abandono dos outros princípios constitucionais, como o democrático e o da legalidade, devendo ser observada a melhor forma de interpretar a Constituição. Por isso, defende a idéia de desnecessidade de desregulamentação da Administração Pública, inexistindo qualquer conflito entre os princípios59. princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração pública é a que melhor atenderá a ultimação deste interesse” (STF RE 253.885 – MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie. DJ, 21.06.02). 57 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08. 58 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 230. 59 MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública. Fórum, Belo Horizonte, 2007, pp. 195 e 213. 38 Ademais, a legalidade deve ser vista sob o seu sentido mais amplo possível, a ponto de enxergar a eficiência em seu bojo, eis que se trata de norma explícita e constitucionalmente prevista, dando mais um motivo pela co-integração e compatibilidade entre elas. 2.3. EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO Dúvidas não restam mais acerca da natureza jurídica do princípio da eficiência, tratando-se de norma prevista expressamente em nosso ordenamento jurídico, ao menos após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, embora já houvesse previsões no próprio texto constitucional de forma explícita (artigos 74 e 144) e implícita (artigos 70 e 71), além de outras leis, como o Código de Defesa do Consumidor (de 1990), que dispõe, em seu art. 4º, sobre a Política Nacional das Relações de Consumo, ressaltando a eficiência no controle da qualidade e segurança em produtos e serviços em seus incisos V, bem como repressão eficiente no combate aos abusos nas práticas comerciais, em seu inciso VI, sem contar disposição específica aos serviços públicos, exigindo sua prestação de forma eficaz e adequada (art. 6º, X). Do mesmo modo, a Lei Federal nº 8.987/95 previa a exigência da eficiência como atributo do serviço adequado, no que tange ao regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos (art. 6º, § 1º). Também a lei 9.074/95 determina ao poder concedente a observância do aumento da eficiência das empresas concessionárias, visando à elevação da competitividade global da economia nacional (art. 3º, III). 39 A doutrina também já se pronunciava sobre o princípio da eficiência antes mesmo da reforma de 1998. Hely Lopes, por exemplo, se dirigia ao assunto enfatizando o dever de eficiência imposto ao agente público para que este realize suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional60. A sua vez, a jurisprudência emanava sua posição quanto ao princípio da eficiência na administração pública antes da expressa previsão constitucional, entendendo a impossibilidade de o juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional, por exemplo, determinando que se desfizesse construções já realizadas para atender projetos de proteção ao parcelamento do solo urbano. Ao Poder Executivo caberia, pois, a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais etc.). O Judiciário não poderia, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário estaria vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. As atividades de realização dos fatos concretos pela administração dependeriam apenas de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não caberia ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente61. 60 61 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996, p. 90 STJ, RESP 169876/SP ; RECURSO ESPECIAL (98/0023955-3); fonte: DJ; data: 21/09/1998; pg: 00070, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, data da decisão: 16/06/1998, órgão julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA, decisão por unanimidade. 40 Foi preciso, pois, a previsão constitucional do aludido princípio para se poder cobrar do Estado uma atuação mais rígida no que tange aos efeitos direcionados de suas ações. A eficiência mostra-se, assim, como princípio jurídico que provoca um dever positivo de atuação otimizada do Estado, considerando-se os resultados da atividade exercida, relacionando os meios empregados e os fins aos quais se pretendem alcançar. Houve verdadeira euforia entre os administrativistas com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, como se a simples inclusão expressa do princípio da eficiência no texto constitucional fosse capaz de solucionar todos os problemas de ineficácia da Administração Pública. Entendendo inquestionável o reconhecimento pela doutrina da presença de princípios que informam a função administrativa - em razão, por exemplo, da necessidade da vida social - situa-se nesta classe de princípios o da eficiência, que permeia o modo de gestão do Estado atual, não decorrendo de ideais de justiça consagrados imemorialmente, mas de reclamos impostos pela vida gregária, com vistas a uma melhor satisfação do bem-estar geral62. Ainda assim, parte da doutrina manifestou seu ceticismo quanto à efetividade do princípio em estudo. É o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que afirmou ser juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (... nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois 41 jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência63. Neste mesmo pessimismo, Ribeiro Lopes opõe-se ao caráter principiológico da eficiência, se expressando que jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido finalidade da mesma, eis que nada é eficiente por princípio, mas por consequência64. Mais sensato parece ser o entendimento de Paulo Modesto, ensinando que o princípio da eficiência, como todo princípio, não possui caráter absoluto, mas irradia efeitos em quatro dimensões: cumpre uma função ordenadora, uma função hermenêutica, uma função limitativa e função diretiva65. Na mesma linha, Maria Paula Dallari não demonstrou crer na reforma administrativa, entendendo ter sido um exemplo negativo de como a ignorância do direito administrativo pelos gestores públicos e como o desconhecimento da Administração Pública enquanto organização, pelos juristas, produziram desperdício de energia humana, numa Emenda Constitucional que dificilmente chegará à aplicação, tal como aprovada66. 62 Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira, Caruaru, pp. 200/201. 63 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Malheiros. 19ª ed. São Paulo, 2005, p. 109. 64 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à reforma administrativa. De acordo com as EC 18 e 19 de 1998. São Paulo, RT, 1998, pp. 108/109. 65 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08. 66 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. XXXVII. 42 Em que pese a carga semântica e jurídica representada pelos doutrinadores aludidos, não parece merecer todo o crédito e concordância, eis que se mostra uma inovação útil e necessária para exigir das normas sua maior eficiência, expurgando eventuais argumentos contrários, em razão da anterior ausência expressa do termo no texto constitucional. Robert Alexy ensina que os princípios podem ser caracterizados como mandados de otimização, verificando que podem ser implementados segundo várias escalas de concretização, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas que envolvam o caso concreto67. A importância desse moderno pensamento principiológico no Direito é de suma relevância, posto que possibilita ao aplicador da norma seu grau de concretude e realização – a partir de sua interpretação – ante as peculiaridades do caso, valendo-se da preponderância axiológica dos princípios reconhecidos pela Constituição da República, dentre eles o da eficiência. Deve, pois, o vocábulo “eficiência” ser interpretado com base também no seu sentido comum, alinhando-se ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional, nos respectivos aspectos teleológico e sistemático e no princípio da indisponibilidade do interesse público. Neste mesmo posicionamento é a lição de Alexandre de Moraes, entendendo a eficiência como princípio, vista como uma imposição à Administração Pública 43 direta e indireta e a seus agentes a busca do bem comum, como meio de exercício de suas atribuições, de forma imparcial e transparente, participativa e eficaz, sem burocracia e primando sempre pela qualidade dentro dos critérios legais e morais, a fim de se evitarem desperdícios e garantir maior rentabilidade. Acredita, ainda, estar a eficiência ligada a eventual responsabilidade do agente em suas funções públicas, pautadas estas sempre pelo referido princípio, sob pena de se configurar conduta tipificada como improbidade administrativa, em uma de suas modalidades encontradiças nos artigos 9º, 10 ou 11, todos da Lei nº 8.429/9268. O princípio da eficiência, enquanto norma constitucional, se apresenta como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos e condutas positivas ou omissivas do Poder Público, servindo de fonte para a declaração de inconstitucionalidade de qualquer manifestação da Administração contrária a sua plena e total aplicabilidade69. Com um entendimento mais pragmático-social, Giuliano Toniolo e Luciano Timm asseveram ser nesse sentido que a melhor literatura jurídica se refere ao princípio da eficiência no âmbito do Direito Administrativo. O Estado deve abster-se de fazer opções de gastos que não tragam benefício à maioria da coletividade. Isso aconteceria ainda que não houvesse um serviço público de qualidade. Qualidade e eficiência são conceitos 67 ALEXY, Robert. Teoria de os Derechos Fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993, p. 81. 68 MORAES, Alexandre de. Administração Pública. Artigo: Constitucionalização do direito e princípio da eficiência. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, pp. 36, 45/47. 69 MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência. Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e polêmicas. Org. Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 42. 44 distintos na Economia e, consequentemente, no Direito, quando importa estas categorias econômico-gerenciais e dota-os de caráter normativo70. Com a Emenda Constitucional nº 19/98 a eficiência passou a ser cobrada não só na atividade estatal em si, mas do próprio pessoal da Administração Pública, exigindo-se dele avaliação periódica de desempenho como condicionante para a sua situação de estabilidade e de manutenção nos quadros do serviço público, conforme expõe o inciso III do artigo 41. Humberto Ávila, entretanto, explicita que a eficiência se adentra nas espécies de normas de cunho imediatamente finalística, isto é, que impões a realização de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela realização. Discorda, assim, da denominação ‘princípio’ para o termo eficiência, entendendo sê-la postulado, na medida em que não se impõe a realização de fins, mas estrutura a realização dos fins cuja realização é imposta pelos princípios71. Para a análise do postulado normativo, o mesmo autor lança passos de sua investigação e aplicação. Em primeiro lugar, é preciso encontrar casos cuja solução tenha sido tomada com base em algum postulado normativo, como a eficiência, neste caso. Em segundo, necessário analisar a fundamentação das decisões para verificar quais elementos foram ordenados e como foram relacionados entre si. Em terceiro lugar, deve-se 70 TIMM, Luciano Benetti; TONIOLO, Giuliano. A aplicação do princípio da eficiência na administração pública: levantamento bibliográfico e estudo sobre a jurisprudência do TJRS. Prismas: Dir., Pol. Públ. e Mundial., Brasília, v. 4, n. 2, p. 347-365, jul./dez. 2007. 71 ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 107. 45 investigar quais normas foram objeto de aplicação e os fundamentos utilizados para a escolha de determinada aplicação72. Apesar da aparente coerência em suas explicações, Ávila parece ter restringido em muito o alcance de um princípio, expondo uma análise reducionista de sua dimensão. Também refutando o entendimento acima, Tavares de Oliveira assevera ser princípio porque é norma jurídica, assim considerada na base do texto constitucional; além de constituir-se em cunho programático do Direito Administrativo. Indica aos agentes públicos de que forma devem pautar-se na condução da máquina pública, primando sempre pela ação mais compatível com a técnica, a evolução tecnológica (modus operandi) e com os resultados esperados73. Essa grande preocupação com os princípios surgiu após a tragédia do massacre dos judeus, na 2ª Guerra Mundial, vindo a nascer uma forte concepção que passou a rejeitar a idéia de um ordenamento jurídico que tivesse como única fonte de validade uma norma de maior hierarquia, pressupostamente elaborada pelo Estado74, justamente para evitar situações tão grotescas, embora legais, passando-se a aceitar, a partir de então, a interpretação da norma sob a égide de juízos de valor. Para se ter uma idéia, na Constituição italiana já se previa desde 1947 a idéia de eficiência no âmbito da Administração Pública, consagrando o princípio do “buon andamento” na seara administrativa, trazendo em seu artigo 97.1 que “Os órgãos 72 ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 116. 73 OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br. 46 públicos são organizados segundo disposições de lei, de modo que sejam assegurados o bom andamento e a imparcialidade da administração”75. Da mesma forma a Declaração de Independência dos EUA de 1776 continha em seu bojo traços de eficiência, ao prever aspectos de desburocratização, evitando-se o inchaço da Administração Pública: “The Declaration of Independence, Philadelphia, Pennsylvania, 1776, [...] He has erected a multitude of New Offices, and sent hither swarms of Officers to harass our People, and eat out their substance”76. Outros Estados ocidentais, como a Dinamarca (1953), Noruega (1814), Suécia (1975), Croácia (1990) e Finlândia (1999), apesar de não consagrarem expressamente o princípio da eficiência, previram a figura do Ombudsman, como ouvidor e eventual fiscalizador da atividade administrativa estatal, visando evitar condutas e comportamentos inapropriados da Administração Pública77 e, com isso, alcançar a desejada eficiência, evitando abusos e desperdícios advindos de condutas administrativas com o uso de verba do erário. Já países com Constituições mais recentes tiveram a preocupação de inserirem em seus textos constitucionais expressamente o instituto da eficiência, como é o caso de Portugal (1982). Já a Espanha prevê desde 1958 a eficiência como princípio da atuação administrativa em seu artigo 29, ao dispor que “la actuación administrativa se 74 Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002. MORAIS, Dalton Santos. A eficiência administrativa como princípio do direito administrativo brasileiro, p. 176. 75 “I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo chesiano assicurati il buon andamento e l’imparzialitá dell’amministrazione” - Disponível em: www.constitution.org. Acesso em 30/10/2008. 76 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 153. 47 desarrollará côn arreglo a lãs normas de economia, celeridad y eficacia”78 mantendo-o em sua Carta atual de 1978 (art. 103, I). Nas novas constituições da China (1982), Áustria (1983), Filipinas (1986), Suriname (1987), África do Sul (1996), Tailândia (1997), Polônia (1997) e Suíça (1998) demonstraram ser um objetivo comum dos Estados. A eficiência pode ser vista, assim, como princípio explicitamente insculpido no ordenamento jurídico, servindo, inclusive, de parâmetro legal de controle administrativo. Neste particular, Onofre Alves Batista Júnior entende ser a eficiência não só um critério de controle, mas um valor em si, podendo aferi-la tanto a priori como a posteriori, se tratando seus referenciais, na realidade, de regras de boa administração. Sendo um valor em si, deve ser visto como critério flexível de aferição da conduta administrativa, sem perder, contudo, seu aspecto objetivo de avaliação, servindo como vetor potencializador instrumental dessa atuação estatal79. Admitindo a imperfeição das normas jurídicas de cunho valorativo, Tavares de Oliveira adverte que o seu operador necessita integrá-las com a realidade através da interpretação, que reside no trabalho de adaptar o texto da norma à evolução e às mudanças da vida social. É, afinal, o processo que se afigura indispensável ao contexto do princípio da eficiência, porquanto, por meio dos vários critérios de interpretação, pode-se integrar a atuação eficiente da Administração Pública dentro do seu “habitat” valorativo80. 77 Idem, os. 157-159. BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 182. 79 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, ps. 407/408. 80 OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br. Acessado em 23.10.2008. 78 48 A alta carga axiológica do princípio da eficiência resulta em dificuldades de interpretar as relações do fenômeno jurídico às quais estão jungidas a ele, podendo resultar em sentidos diversos. Isso decorre porque o próprio intérprete influencia e é influenciado pelo objeto a ser interpretado, porque ele também faz parte do mesmo mundo de onde o objeto fora subtraído. Neste sentido, o administrado deve pautar-se pelos valores e finalidades constitucionalmente traçados, servindo eles de norte aos quais a máquina estatal se dirige e busca alcançar, sem descurar da intenção precípua do constituinte ao editar a norma, bem como adequando-a ao cenário social atual. Os métodos clássicos de interpretação são instrumentos que auxiliam nesta tarefa, como o gramatical, o racional, o histórico, o sistemático. Esse processo de busca pela finalidade precípua da administração não pode ser visto, todavia, de forma absoluta. Ao contrário, todo processo decisório com essa visão teleológica exige momentos de ponderação de valores em seu trâmite, não se descurando de ideais democráticos de gradação constitucional no iter processual para se chegar ao seu fim último. Ou seja, os fins não podem justificar os meios, quando estes não se compatibilizarem com os valores defendidos em um Estado Democrático de Direito. 2.4. EFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA A Constituição da República do Brasil de 1988 previu em seu artigo 70, caput, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial 49 da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia, devendo ser exercida pelo seu controle interno e também pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas. Percebe-se, assim, uma preocupação do próprio constituinte em consolidar o entendimento de haver controle contábil com o parâmetro da economicidade, entendida esta como eficiência contábil-orçamentária81. O princípio da eficiência não se limita, pois, ao campo da ação administrativa do Estado, alcançando também o orçamento, projetando-se diretamente para a temática da gestão orçamentária, que também se deixa influenciar pelas novas técnicas gerenciais. Deste modo, ressalta-se a importância da estreita ligação entre o princípio da eficiência e o da economicidade, permitindo, ambos, que se proceda à abertura do controle orçamentário aos demais poderes82. Denota-se, desta forma, a legitimação de um novo instrumento de controle da atividade administrativa estatal por meio do princípio da eficiência e economicidade, levando-se em conta os aspectos contábeis das instituições públicas, possibilitando a mensuração dos gastos públicos e sua relação com a lei e com a previsão orçamentária nela contida. Neste condão, os orçamentos se mostram como instrumento que facilita a análise da eficiência da atuação administrativa, principalmente por um controle a 81 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 135. 82 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; e MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. O princípio da eficiência e a gestão empresarial na prestação de serviços públicos: a exploração econômica das margens de rodovias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE – ano 5, n. 17. Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 16. 50 priori, devendo haver uma cadeia lógica do processo de sua elaboração. Sylvie Trosa aponta quatro etapas para esse desenvolvimento, exigindo-se (1) prioridades em nível do governo, e não por ministérios; (2) devendo essas prioridades serem claras por avaliações de resultados verdadeiras; (3) determinando as grandes opções orçamentárias por setor; (4) devendo estas macro-escolhas esclarecer, por mecanismos de análise de desempenho, o que é válido e o que não é83. A partir desses dados, deve o orçamento ser direcionado pelo desempenho, com prioridades claramente fixadas. Sendo a eficiência um dos princípios traçados pela Carta Constitucional para a atuação da máquina administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar nº 101/2000, traçou limites claros e critérios objetivos que retratam a busca deste intento. Consubstanciada na experiência da Nova Zelândia, onde houve edição de lei que supervalorizava o princípio da transparência sobre as próprias regras, a LRF veio também adotar instrumentos de controle de gastos públicos, como relatórios contábeis periódicos e respectivas responsabilidades dos gestores84. No entendimento de Márcio Cavalcanti, essa norma tem o objetivo de corrigir o desperdício e o comportamento imoral dos governantes, habituados em receber transferências fiscais que pagavam a conta de suas irresponsabilidades. Agora, estão 83 TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Revan, Brasília, 2001, p. 227. 84 NUNES, Selene Peres Peres. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 339. 51 obrigados a arrecadar antes de autorizar o gasto e somente conceder benefícios fiscais se possuírem recursos suficientes para fazer frente a estas despesas85. Para o mesmo autor, houve grande modificação no regime econômico, criando um novo modelo de Estado, ao fazer eficiente o sistema constitucional de transferências de recursos fiscais e instituir a figura do gestor responsável, estabelecendo limites para o endividamento público, representando claro sinal ao mercado e obedecendo a parâmetros prudenciais que transmitam segurança na gestão orçamentária pública e garantam o planejamento equilibrado86. Com esta restrição orçamentária, espera-se prevenir a geração de déficits imoderados e reiterados, traduzindo em política tributária previsível e estável, mantendo a dívida pública em nível prudente e compatível com receita e patrimônio público87. Denota-se, assim, uma maior amplitude da natureza semântica da eficiência, englobando a economicidade contábil, esta atrelada à utilização adequada de recursos, enquanto aquela se preocupa pelo balanço de custo/benefício alcançado, visando saldo favorável das vantagens88. 85 CAVALCANTI, Márcio. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 303. 86 Idem, p. 303. 87 NUNES, Selene Peres Peres. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 340. 52 2.5. EFICIÊNCIA E DISCRICIONARIEDADE Assim como nos demais Poderes, o Executivo, em sua função típica e preponderantemente administrativa, edita e executa atos desta natureza, podendo eles ser enquadrados na clássica classificação trazida pela doutrina, intitulando-os vinculados ou discricionário, de acordo com a liberdade que a própria lei concede ao seu titular. Os atos administrativos vinculados, primeiramente, se caracterizam por serem descritos pela norma de maneira exaustiva, ou seja, tendo a própria lei descido a detalhes a forma como deverão ser executados, não deixando margem de liberdade ao administrador, que poderia realizá-los de outro modo. Exemplificando, quando o legislador indica que a verba depositada em determinado fundo tem destinação específica, como merenda escolar nos estabelecimentos educacionais da cidade “X”, não poderá o administrador autorizar despesa estranha a esta finalidade – como dirigida à publicidade/propaganda de governo -, sob pena de eivar de vício o seu ato, por patente desvio de finalidade e, portanto, ilegalidade. Com efeito, há no bojo da Constituição Federal, dispositivo que prevê expressamente esta situação, estabelecendo o quantum percentual ou em espécie a ser destinado a setor específico, determinando a medida mínima de política pública a ser cumprida89. 88 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 209. 89 Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (Vide Medida Provisória nº 339, de 2006). 53 Os atos administrativos discricionários, como já estudados, embora legalmente vinculados, permitem ao administrador certo grau de liberdade dentre as escolhas possíveis, desde que justificado pela busca do melhor interesse público. Na lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, o ato administrativo discricionário se constata quando o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito90. Também nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade se constata quando a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles. Entretanto, I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). II - os Fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do art. 155; o inciso II do caput do art. 157; os incisos II, III e IV do caput do art. 158; e as alíneas a e b do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, nos respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). III - observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (...) VII - a complementação da União de que trata o inciso V do caput deste artigo será de, no mínimo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). a) R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), no primeiro ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). b) R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no segundo ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). c) R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e quinhentos milhões de reais), no terceiro ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). d) 10% (dez por cento) do total dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, a partir do quarto ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (...) § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade de ensino, de forma a garantir padrão mínimo definido nacionalmente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). 54 o autor dá enfoque ao cerne dos atos desta espécie, valorizando seu conteúdo adstrito à lei, destacando não se tratar, tecnicamente, de “ato discricionário”, mas praticado no exercício de uma “apreciação discricionária” em relação a algum ou alguns dos aspectos que o compõem (possibilidade de praticar ou não o ato; possibilidade de praticar o ato tal ou qual; possibilidade de usar a forma tal ou qual; possibilidade de se decidir quanto ao momento da prática do ato)91. Esse poder discricionário, como explica Mauro Roberto Mattos, é excepcional e está vinculado à lei que, por não ter condição de prever todas as situações com alguma objetividade e em tese, delega ao administrador público a competência de promover um juízo particular de escolha sobre determinado assunto. A insuficiência da lei em relação ao caso concreto é que cria a necessidade excepcional do ato administrativo discricionário92. Na visão deste mesmo autor, a diferença do ato administrativo vinculado para o discricionário é o grau de liberdade de decisão concedida pelo legislador, que este último possui. Sendo certo que esta liberdade é quantitativa, mas não qualitativa, pois o ente público na atual fase do direito administrativo vincula-se às normas e princípios da boa-administração, o que significa dizer que não existe mais ato imune ao controle judicial, pouco importando se ele é discricionário ou vinculado93. Os conceitos jurídicos indeterminados, como nesses casos, se constituem em instrumentos através dos quais o legislador atribui à Administração Pública um 90 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. Atlas. São Paulo, 2000, p. 196. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem. Malheiros, São Paulo, 2007, p. 18. 91 55 poder de conformação do sentido da norma, o que, segundo Apio, não pode ser confundido de forma alguma com a autorização para a prática de um ato administrativo discricionário94. A existência do poder discricionário – sempre excepcional já que a regra é a estrita vinculação da Administração à lei – decorre da incapacidade de se prever, com alguma objetividade e em tese, a solução mais adequada, mais justa, mas correta para determinadas situações. A discricionariedade, portanto, deve servir ao interesse público, sendo um instrumento para melhor atender à finalidade pública pretendida pela lei. Essa margem de liberdade - embora restrita - ao administrador resulta da norma jurídica sob vários aspectos, segundo Antônio Carlos Moraes: 1) a lei expressamente a confere à Administração; 2) a lei é insuficiente para prever todas as situações supervenientes ao momento de sua promulgação; 3) a lei prevê determinada competência, mas não estabelece a conduta a ser adotada; 4) a lei usa certos conceitos indeterminados; 5) a norma abre para o agente público alternativas para agir95. Cuida-se, pois, de uma justificativa da existência dessa discricionariedade, que é a impossibilidade de a norma prever exaustiva e exatamente todas as situações fáticas possíveis, abrindo o legislador um caminho mais largo para que o executor 92 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, pp. 5952 e 5956, ago. 2005. 93 Idem, p. 5955. 94 APIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no brasil. Curitiba, Juruá, 2005, pp. 124-125. 95 MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública. Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 198. 56 cumpra a mens legis, que é o melhor interesse público, permitindo-se, assim, que o administrador adote as medidas mais adequadas a este atendimento96. Neste particular, ganha relevo o estudo de hermenêutica, na medida em que parece ser a interpretação o primeiro limite imposto à atividade discricionária. Isso porque o texto constitucional merece tradução maximizada, a fim de se concretizar suas normas e seu espírito. Imperioso ressaltar que essa discricionariedade possibilitada pelo próprio legislador é justificada pela busca da eficiência na finalidade buscada pela norma. Vislumbra-se, pois, a perfeita consonância entre discricionariedade e eficiência, parecendo a primeira tirar sua razão de ser da possibilidade de se alcançar segunda. Diante dessa natureza excepcional do ato administrativo discricionário, vislumbram-se três principais situações em que sua existência se justifica. Primeiramente, quando a lei expressamente dá à autoridade este poder, se tratando de ato personalíssimo e de interesse peculiar ligado à função do próprio administrador, como é o caso de atos de livre nomeação e exoneração, cabendo ao titular deste ‘direito’ utilizar desta prerrogativa para fazer integrar nos quadros da Administração o indivíduo que melhor lhe aprouver. Uma segunda situação imaginada seria quando a lei for omissa para regular determinado ato. Neste caso, o administrador utilizará a margem conferida pela 96 p. 195. Neste sentido, MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, 57 própria lei, sem contudo, abdicar de cumprir os mandamentos constitucionais supremos, garantindo, ainda, os direitos fundamentais dos administrados. Uma última hipótese é vislumbrada quando a lei estabelecer determinada competência sem determinar especificamente a conduta a ser adotada. Aqui se imaginam usualmente os atos envolvendo o poder de polícia da Administração, devendo os seus agentes se pautar também por princípios constitucionais a fim de nortearem suas condutas, principalmente os da proporcionalidade e razoabilidade. Imprescindível relembrar mais uma vez a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando analisa a discricionariedade dos atos administrativos e enfatiza o dever do gestor e a necessidade de se realizar uma interpretação da norma que contém essa peculiaridade quanto à fluidez das expressões nela contidas. Isso porque discricionariedade se traduz, segundo o professor, na margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente97. Essa discrionariedade, todavia, não pode ser considerada uma espécie de casulo intransponível, no qual se encontra o mérito do ato administrativo, intangível por qualquer controle externo. Tavares Oliveira entende que o princípio da eficiência veio desmitificar esse entendimento retrógrado, permitindo que o Judiciário, por 58 exemplo, retome as rédeas da discricionariedade e adentre nestas questões sob a égide do vetor principiológico da eficiência98. Com efeito, esse atributo de discricionariedade dirigido ao administrador o dever de pautar-se pelo interesse público e orientar-se pela eficiência de seu ato, sob pena de incorrer em desvio de poder, afastando-se do objetivo da lei. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, existem duas espécies de desvio de poder: a) quando o agente age com a finalidade de atender a um interesse alheio diverso do interesse público, seja por motivo pessoal, seja por paixão política ou ideológica; b) quando o agente age com o fim de atender a uma finalidade pública, porém diversa daquela relacionada à competência outorgada em lei99. Antônio Carlos Moraes entende que nos últimos tempos tem-se constatado uma tentativa de aumentar a discricionariedade do administrador que, sob a justificativa de estar à procura da eficiência administrativa, tem procurado trazer para o Estado as técnicas administrativas da empresa privada e fugir das normas do Direito administrativo para às do Direito privado, vislumbrando uma desregulamentação ou fuga do Direito Público. Afirma, todavia que a dúvida, a insegurança e o completo desconhecimento das técnicas administrativas são os principais motivos da lentidão dos processos e da gestão incorreta e ineficaz do orçamento, trazendo suspeitas de que essa desregulamentação possa 97 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem. Malheiros, São Paulo, 2007, p. 48. 98 OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br; Acessado em 23.10.2008. 99 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 19ª ed. São Paulo, Malheiros, 2005, p. 372. 59 trazer insegurança na seara jurídica ao administrado, posto que o princípio da legalidade é justamente o elemento legitimador da decisão administrativa100. A discricionariedade também encontra limites no próprio corpo constitucional, ao trazer, ainda, o princípio da moralidade. A partir de então, não se legitima mais o princípio da legalidade (ainda que indiretamente, como na discricionariedade permitida pela norma) por estar simplesmente positivado no ordenamento jurídico. Daí a necessidade de os atos administrativos estarem de acordo com os princípios éticos e morais norteadores da Adminstração Pública, sendo insuficiente que ostentem aparência de legalidade, mas que destoam dos valores éticos previstos e respeitados em determinada comunidade101. Celso Antônio Bandeira de Mello elenca ainda a razoabilidade e a proporcionalidade como limitadores da atuação discricionária do administrador, entendendo que esta última não pode ser considerada um salvo-conduto para ele, bem como não se poderiam admitir medidas desproporcionadas em relação às circunstâncias que suscitaram o ato – e, portanto, assintônicas com o fim legal – não apenas porque conduta desproporcional é, em si mesma, comportamento desarrazoado, mas também porque representaria um extravasamento da competência, fugindo da intelecção razoável que se espera do gestor público102. 100 MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública. Fórum, Belo Horizonte, 2007, pp. 204/207. 101 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da constituição de 1988, 2ª ed. Rio de Janeiro, Lúmen Iuris, 2006, p. 532. 102 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem. Malheiros, São Paulo, 2007, p. 43. 60 Diferentemente do princípio da legalidade, a discricionariedade, para aos olhos de Maria Paula Dallari, detém uma natureza eminentemente negativa, informando ao administrador público o que não pode ser feito, estando a ênfase na limitação do seu poder, restando a discricionariedade em seu âmbito material e dirigido ao próprio gestor público, por omissão eloquente do legislador103. 103 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, 61 3. A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS A eficiência na atuação estatal – como transmite a mens do vocábulo introduzido pela Emenda Constitucional de 1998 – remonta uma maior exigência na condução de seus processos, especialmente em suas atividades primordiais. Nesta análise, políticas públicas podem ser positivadas em disposições constitucionais, leis ou outro ato normativo infralegal, contendo em seu bojo um programa de ação voltado ao interesse público, a fim de implementar um plano de governo anteriormente traçado. Apesar da parca regulamentação específica sobre a eficiência, mostra-se ela como uma orientação à própria Administração, além de uma evidente evolução principiológica no ordenamento jurídico. Como bem ressalta Santos Morais, se por um lado a normatização da eficiência administrativa ainda gera desconfiança em vários atores do cenário jurídico brasileiro, por outro representa um grande passo no longo caminho a ser percorrido pela Administração brasileira, no sentido da racionalização de sua atuação que, priorizando as funções públicas essenciais estatuídas pela Constituição, deve ater-se às limitações impostas pela finidade dos recursos públicos, orçamentários e financeiros disponibilizados104. Numa abordagem mais técnica, John Kingdon as define como sendo o programa de ação governamental que resulta de um processo ou de um conjunto de processos juridicamente regulados visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as Saraiva, 2006, p. 16. 104 MORAIS, Dalton Santos. A eficiência administrativa como principio do direito administrativo brasileiro. Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002., p. 175. 62 atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados105. Marcelo Figueiredo as conceitua como um programa de ação que tem por objetivo realizar um fim constitucionalmente determinado, sendo mecanismos imprescindíveis à fruição dos direitos fundamentais, inclusive sociais e culturais. O autor explica ser um conjunto heterogêneo de medidas e decisões tomadas por todos aqueles obrigados pelo Direito a atender ou realizar um fim ou uma meta consoante com o interesse público106. As políticas públicas podem, assim, ser definidas como programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. São, pois, metas coletivas conscientes e, por assim ser, um problema de direito público, em sentido lato107. Analisadas isoladamente, não seriam elas, à primeira vista, objeto de análise do Direito, mas, numa época em que o universo jurídico se alarga – principalmente pela proteção dos direitos sociais – não poderiam deixar de serem absorvidas pelo campo jurídico. Percebe-se, assim, a dificuldade de se separar as matérias, havendo um hiato e uma interpenetração de campos entre questões de natureza política e de cunho eminentemente jurídico. 105 KINGDON, John. Apud BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas. Reflexos sobre o conceito jurídico. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 39. 106 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 38. 63 Como cunhado por Maria Paula Dallari Bucci, o próprio fundamento das políticas públicas é a existência dos direitos sociais, que se concretizam através de prestações positivas do Estado, e o conceito de desenvolvimento nacional, que é a principal política pública, deve conformar e harmonizar todas as demais108. a) A formulação das políticas públicas A preparação de um ambiente destinado a elaborar políticas públicas é de fundamental relevância para seu êxito, eis que dele advirão decisões pelas quais serão fixadas diretrizes e organizada sua implementação. Aliás, fazer políticas públicas é “decidir”; é estudar como, onde e quando serão aplicados os recursos públicos; é reconhecer as necessidades que afligem a população e escolher as questões prioritárias; é identificar o interesse público ao qual se busca; é fomentar o desenvolvimento de toda a coletividade, em suas diversas searas. Nas palavras de Maria Paula Dallari, as decisões e ações a propósito do objeto das políticas públicas constituem um conjunto extremamente heteróclito, no qual se envolvem atores sociais pertencentes a organizações múltiplas, públicas e privadas, e que intervêm em diversos níveis. Seu terreno se mostra como o espaço institucional para a explicitação dos “fatores reais de poder” – na expressão de Lassalle – ativos na sociedade em determinado momento histórico, em relação a um objeto de interesse público. Nesse processo, 107 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 241. 108 Idem, p. 135. 64 ao administrador cabe a discricionariedade de escolha da medida e das condições materiais que informam a sua decisão, mediante a qual desencadeia a ação administrativa. Assim, as políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio desta discricionariedade, a fim de se apurar os pressupostos que informam a decisão tomada109. Ronald Dworkin explica que se trata de espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil110. Analiticamente, políticas públicas não se confundem com a expressão “políticas”, sendo entidades bem diferentes, embora ambas sejam instrumentos buscados pelo sistema político. Para Eugênio Lahera, a política (idéias) pode ser encarada como a busca de se estabelecer políticas públicas (ações concretas) sobre determinados temas, ou de influir nelas111. A política tenderia, pois, a se adaptar tanto às propostas de políticas públicas como àquelas que se concretizam, sendo os governos os instrumentos para a realização de políticas públicas. Elas devem, assim, andar em conjunto. Isso porque uma política sem políticas públicas é demagógica, e políticas públicas sem uma política é um problema de dissenso ou até de governabilidade 112. 109 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 242. 110 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Harvard University Press (1978 paperback edition) (first printed in 1977). 111 LAHERA, Eugênio. Políticas y Políticas Públicas. Série Políticas Sociais. CEPAL. Santiago-Chile, 2004, pp. 08-09. 112 Idem 65 Devem, pois, as políticas públicas estar fundadas em princípios democráticos, como o da igualdade – um dos pontos centrais do movimento constitucionalista pós-guerras – permitindo a todos os indivíduos o direito de concorrer (em igualdade de condições) às políticas públicas, recebendo as mesmas prestações do Estado, não podendo este escolher quais seriam os grupos destinatários beneficiados pela implementação de suas políticas sem haver motivos que justifiquem esta opção113. Nessa linha, entende Benício Schmidt que a falta de uma estratégia reconhecida e aceita por todos, a baixa qualificação dos atores políticos, a falta de equipamento analítico acessório por parte da reforma do Estado justificam o demorado período de transição brasileiro, comparando-o como um parto longo e de muitas sombras quanto ao futuro da democracia114. Também diante da realidade de baixa capacidade do Estado para atendimento às demandas sociais, acredita Milton Coelho Neto ser imperativo o estabelecimento de estratégias específicas para a reestruturação e modernização da máquina estatal115, em busca de sua eficiência. Diante do que vem sendo dito, Paulo Modesto relaciona o princípio da eficiência com a Administração Pública, impondo a esta e àqueles que lhe fazem as vezes (ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento) 113 FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. RT, São Paulo, 2005, p. 83. 114 SCHMIDT, Benicio Viero. Política social e transição democrática. O Estado e as Políticas Públicas. Org. Alexandrina Sobreira de Moura. São Paulo, Vértice, 1989, p. 153. 115 COELHO NETO, Milton. Transparência e o controle social como paradigmas para gestão pública no estado moderno. Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e polêmicas. Org. Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 316. 66 atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público116. Essa preocupação quanto à eficiência da atividade estatal se revela ainda mais acentuada quando se trata de Estado pouco abastado, cujas verbas destinadas às necessidades públicas se mostram bastante escassas, ficando o administrador limitado pela baixa previsão orçamentária dirigida às políticas públicas. A eficiência de uma política pública está diretamente dependente do grau de articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos. Isso em razão da complexidade e inter-relação entre diversas áreas técnicas e científicas, havendo verdadeira transdepartamentalidade, envolvendo um sistema extremamente complexo de estruturas organizacionais, recursos financeiros e figuras jurídicas. Assim, conhecer os princípios jurídicos da Administração Pública, os condicionamentos legais à contratação de servidores ou serviços, as formas de organização jurídica direta e indireta, além dos dados materiais geridos pela Administração, são operações que necessariamente fazem parte do processo de formulação das políticas públicas117. Eficiente seria, assim, e segundo Humberto Ávila, a atuação administrativa que promova de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e probalísticos, não bastando escolher meios adequados para promover seus fins, mas 116 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08. 117 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 250. 67 exigindo satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração. Em contrapartida, escolher um meio adequado para promover um fim, mas de forma insignificante, além de resultar em muitos efeitos negativos ou com pouca certeza, é violar o dever de eficiência administrativa118. Comungando desse mesmo posicionamento, embora mais aproximado ao significado de eficácia, Vladimir França assevera haver respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e por vias lícita. O princípio da eficiência administrativa estabelece, segundo ele, que toda a ação deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo119. Na elaboração dessas políticas sociais, conforme as palavras de Ernesto Cohen e Orlando Franco, prima-se principalmente pelo princípio da equidade e, em segundo plano, a eficiência. Assim, sua implementação deve procurar sempre a eficiência quando se quer alcançar a equidade120. Concentrando na questão de escolha das decisões políticas em busca de sua eficiência, Walters e Sudweeks se filiam à Escola Pública do Discurso de Políticas, parecendo adotar, nesse particular, teoria muito semelhante à de Jurgen Habermas, descrevendo método instrumental com espeque num discurso argumentativo e democrático, em reação ao fracasso do paradigma tradicional – que detinha uma visão simplista sobre a 118 ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 132. 119 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa na constituição federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 35, ano 9, abr/jun 2001. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2001. 68 natureza humana, definindo suas ações como regras única e universalmente aplicáveis para o estabelecimento de relacionamentos causais, sem levar em conta valores e o microssistema no qual as decisões são elaboradas, nem o pluralismo que circunda a sociedade, rejeitando a racionalidade instrumental e, portanto, sendo incapaz de lidar com a "complexidade, incerteza, instabilidade e conflitos de valores que existem (Schon, 1983, Comportamento Humano, p. 50)” 121. Nesta mesma linha democrática, José Reinaldo Lopes descreve agrupamentos das políticas públicas em gêneros diversos: 1) políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como saúde, educação, segurança e justiça, etc.); 2) políticas sociais compensatórias (tais como a previdência e assistência sociais, seguro desemprego, etc.); 3) políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.); 4) reformas de base (reforma urbana, agrária, etc.); 5) políticas de estabilização monetária; e outras mais específicas ou genéricas. Em todas elas colocam-se diversas questões relativas aos princípios democráticos, chegandose a indagar sobre eventual responsabilidade do Estado pela não implementação das políticas públicas ou sua implementação ineficaz122. Embora os instrumentos sociais de cunho democrático tenham sua relevância na construção político-ideológica de determinado local, referidos movimentos não têm demonstrado, per se, capazes de determinar mudanças substanciais nas decisões e nas ações do Estado. As esferas de poder responsáveis pelas tomadas de decisões políticas 120 COHEN, Ernesto; FRANCO, Orlando. Avaliação de projetos sociais. 6ª ed. Petrópolis-RJ, Vozes, 1993, p. 27. 121 Idem. 69 relevantes se encontram distantes e com dificuldades de acesso para a maior parte da população. No entanto, certo que nesta complexa relação com o Estado, algumas conquistas são identificadas, representando avanços sociais. Esses avanços são apontados como sendo: 1) o reconhecimento das lideranças e organizações populares; 2) a criação de certas formas de representação em nível local, como os conselhos comunitários e administrações regionais; 3) certo espaço para os movimentos influenciarem a definição de algumas prioridades e orientações, em termos das intervenções estatais, no âmbito mencionado123. Patrícia Varela entende que o processo de mudança da Administração Pública brasileira envolve diversos aspectos, merecendo destaque dois deles: a integração entre planejamento, orçamento e gestão, e a expansão do uso de informações e indicadores sociais. Neste processo, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual) servem de instrumento para o planejamento e orçamento, e sendo o programa o elo entre eles124. Em busca da eficiência das políticas sociais e do papel do Estado, Lenhardt e Offe tecem críticas e ressaltam a necessidade intelectual de uma definição funcional de conteúdo do Estado ou de áreas específicas da atividade estatal (em busca do bem-estar social), certamente não percebida pelos cientistas sociais marxistas125. 122 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo: Malheiros Editora, 1994, p. 133. 123 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; LANIADO, Ruthy Nádia. Transição democrática, políticas públicas e movimentos sociais. O Estado e as Políticas Públicas. Org. Alexandrina Sobreira de Moura. São Paulo, Vértice, 1989, p. 123. 124 VARELA, Patrícia Siqueira. Indicadores sociais no processo orçamentário do setor público municipal de saúde: um estudo de caso. São Paulo, 2004, p. 06. 125 LENGARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e política social, p. 12. 70 Paulo Modesto aponta a utilidade da exploração do termo “eficiência” neste contexto de políticas públicas, entendendo que abusos administrativos fiquem melhor evidenciados e possam ser banidos da vida brasileira. Segundo ele, exemplos práticos não faltam: compras de remédios específicos em excesso, com subsequente vencimento do prazo de validade; construções iniciadas ao lado de obras inacabadas de mesma finalidade; compras superfaturadas; construções nababescas; subsídios injustificáveis a setores econômicos específicos, sem contrapartidas sociais; compras de produtos tecnologicamente defasados126. Consagrou-se o princípio da eficiência da administração de acordo com a racionalidade finalística do ato administrativo (responsabilidade pelo êxito em produzir os resultados almejados pelo interesse público) e não somente condicional (responsabilidade pelo cumprimento dos requisitos para emissão do ato) traduzido no princípio de legalidade estrita, arraigado na tradição da teoria do direito administrativo127. Medidas político-estruturais se mostraram necessárias na máquina estatal, sob pena de se atingir a sua legitimidade e mesmo a governabilidade, que se mostravam ameaçadas com a ineficiente prestação dos serviços afetos ao Estado até a Constituição de 1988. Sob forte inspiração democrática, a nova Carta foi considerada um marco de fácil visualização, vindo a se tornar mais claro com a reforma trazida pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998. 126 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08. 71 Indo diretamente à fonte, confere-se a própria justificativa para a modificação do texto constitucional, conforme constava na Mensagem Presidencial nº 886/95, convertida na Proposta de Emenda Constitucional nº 173/95, que deu origem à Emenda Constitucional nº 19/98, ocasião em que se expôs que para incorporar a dimensão de eficiência na administração pública; o aparelho do Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte”, bem como para enfatizar a qualidade e o desempenho nos serviços públicos: a assimilação, pelo serviço público, da centralidade no cidadão e da importância da contínua superação de metas desempenhadas, conjugada com a retirada de controles e obstruções legais desnecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos. Ressalte-se aqui que a previsão inicial do princípio da eficiência na Constituição de 1988 era dirigida ao artigo 173, referindo-se aos serviços públicos. Paulo Modesto assevera que participou dos esforços para fazer constar em dispositivo mais genérico da atividade administrativa, e não apenas no que tange aos serviços públicos, o que, aliás, foi atendido pelo constituinte128. Com essa inovação constitucional, inaugura-se um novo parâmetro jurídico para a interpretação das normas constitucionais e as dirigidas à própria Administração Pública. Dalton Morais aponta novos setores e objetivos perseguidos pelo princípio, como o desenvolvimento da necessária elevação do desempenho apresentado pelos servidores públicos, condicionando a estabilidade a mecanismos de avaliação; expansão da 127 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; e MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. O princípio da eficiência e a gestão empresarial na prestação de serviços públicos: a exploração econômica das margens de rodovias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE – ano 5, n. 17. Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 191. 128 MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público. Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08. 72 atuação estatal para a sociedade civil organizada, com controle e prestação de contas do dinheiro público; instituição de nova modalidade de licitação, com o pregão, visando propiciar a eficiência e economicidade à Administração Pública; e promoção do equilíbrio das finanças públicas governamentais, vindo a ser complementada pela edição da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal)129. Entretanto, os objetivos dessas reformas estruturais não foram atingidos como inicialmente se pretendeu. Cinco razões são apontadas para esse insucesso: 1) supervalorização do elemento institucional; 2) mentalidade dos destinatários diretos e indiretos dos preceitos constitucionais reformados; 3) suposição de que as reformas constitucionais constituem o remédio para todos os males da Administração; 4) deficiente conhecimento do aparelho administrativo e de seus vícios de organização e funcionamento; 5) falta de continuidade administrativa130. Em que pese a inevitável relação com os custos, Emerson Gabardo também adverte que a eficiência, mais que um princípio de Direito Administrativo, é um princípio de Direito Constitucional, condicionante de toda a atividade administrativa do Estado, inclusive a enquadrada como da ordem econômica (constitucional ou não). Todavia, isso não implica que tal condicionamento se refira à imposição de meros critérios econômicos, pois é muito mais larga sua natureza e abrangência131. 129 MORAIS, Dalton Santos. A eficiência administrativa como principio do direito administrativo brasileiro. Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002., p. 182. 130 Idem, p. 79. 131 GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo, 2002, p. 18. 73 Busca-se, assim, proporcionar com os recursos relativamente escassos uma ação otimizada para os fins almejados, tentando satisfazer as expectativas perseguidas, maximizando os resultados e a produtividade. Vê-se, pois, que aqui há uma visão relativizada da eficiência, tendo elementos que são aferidos entre si para, aí sim, se concluir pela eventual eficiência ou ineficiência da ação. Nesta mesma linha, Humberto Ávila adverte do equívoco que se pode chegar ao adotar a interpretação da eficiência da administração em termos absolutos, entendidos como a opção menos dispendiosa de realizar uma determinada política pública. Para o autor, o modo relativo se apresenta mais adequado, ressaltando que a opção menos custosa somente pode prevalecer se superar o benefício das vantagens trazidas pela escolha mais custosa, sendo imperioso, pois, ponderar os custos e os benefícios a serem colhidos, em seus aspectos qualitativos132. A atividade inerente ao poder de polícia, mais recentemente denominada de administração ordenadora, também não poderá dissociar-se da eficiência. Isso porque a limitação de direitos e atividades não poderá ser tão intensa que venha a eliminar a essência da liberdade individual, devendo, ao revés, restringir-se ao estritamente necessário à garantia do bem-estar geral133. b) Serviços públicos 132 ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa Revista brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 127. 74 A partir da intitulação do Estado como Social, reservam-se a ele os ônus de bem servir a coletividade de modo universal, assumindo papéis nem sempre próprios da Administração, como a execução de serviços eminentemente necessários ao bemestar social. Esses serviços, entendidos como públicos, servem como instrumentos pelos quais podem ser implementadas as políticas públicas e levadas a cabo diretamente até o administrado. Entende Diogo Figueiredo serem os serviços públicos “as atividades pelas quais o Estado, direta ou indiretamente, promove ou assegura a satisfação de interesses públicos, assim por lei considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável, ainda que não necessariamente de direito público”134. Neste aspecto, a Emenda Constitucional nº 19/98 criou instrumentos jurídicos necessários para que o administrador brasileiro pudesse atender aos interesses gerais da população, estabelecendo contrato de gestão dos órgãos e entidades da adminsitração direta e indireta e permitindo também a gestão conjunta entre os entes federados de serviços públicos135. No campo dos serviços públicos, a eficiência deve ser analisada a partir do que dispõe a lei e as normas que regulam o serviço. O desrespeito à norma configuraria ineficiência, resolvendo-se em violação ao princípio da legalidade136. 133 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 221. 134 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 126. 135 MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública. Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 213. 136 QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de improbidade administrativa. Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001, p. 1336. 75 Interessante, assim, buscar os limites de eficiência nas políticas públicas. Imprescindível para esse êxito seria uma efetiva articulação da vontade geral na formulação de programas (claros e consistentes) de políticas públicas de alta qualidade técnica e política, com o máximo de apoio político para assegurar uma gestão mais eficiente e certamente mais eficaz. Quando terceirizada a execução de obras e serviços públicos, a eficiência deve ser buscada desde as fases preliminares de uma política pública, no procedimento anterior a sua implementação, como, por exemplo, nas licitações, garantindose, de antemão, a igualdade como o acesso a todos os que possuam condições de atender às necessidades públicas, apresentando o objeto do certame de maneira eficiente, vindo a Administração a escolher aquela proposta que se apresente com as melhores condições para a satisfação do interesse público. Assim também, essa exigência se faz presente na fase de execução do contrato de serviço, guardando o vencedor fidelidade às cláusulas estipuladas, cabendo ao poder público a fiscalização e acompanhamento para esse mister. A jurisprudência, como se verá adiante, também parece ter se firmado no sentido mais jurídico sobre eficiência, mormente quando é posta em análise a própria Administração Pública e seus serviços, diferenciando do seu mero conceito econômico, relacionando custo/benefício. Nesta linha de entendimento, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento à apelação nº 70014119440 do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem – DAER numa ação anulatória de penalidade 76 por infração de trânsito interposta pelo proprietário do veículo na comarca de Espumoso. O julgador a quo já havia decidido pela procedência da ação, anulando tanto o auto de infração quanto a multa aplicada e condenando o DAER ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de 5 (cinco) salários mínimos. A autarquia estadual recorreu, aduzindo que o veículo do demandante fora multado por engano, em razão da existência de problemas técnicos no controlador eletrônico de velocidade, que já tinham sido corrigidos de imediato, caracterizando a carência de ação do autor por ausência de pretensão resistida. No entendimento da Desembargadora, relatora Matilde Chabar Maia, a conduta administrativa mostrou-se equivocada desde o início, ao identificar, erroneamente, a placa do veículo, fato que caracterizou falta de ineficiência. O vocábulo eficiência foi utilizado novamente como sinônimo de boa administração ou de prestação do serviço público com qualidade, se pronunciando, inclusive, sobre a legalidade da cobrança de assinatura básica mensal, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade de a concessionária manter disponibilizado, de modo contínuo e ininterrupto, o serviço de telefonia ao assinante, em razão dos dispêndios financeiros exigidos para garantir sua eficiência137. Com enfoque nesse mesmo princípio, foi o fundamento de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, entendendo que um dos princípios basilares da Administração Pública seja a supremacia do interesse público sobre o interesse individual, não é este o único aspecto que deve ser considerado por ela no cumprimento de sua atividade, principalmente no que concerne ao exercício de sua competência tributária138. 137 Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Processo 20071110083725ACJ - DF. Relator : Sandoval Oliveira. Publicação no DJU: 09/12/2008. 138 Primeira Câmara Cível. Rel.: Fabian Schweitzer. Processo 0541295-5, 17.11.2008. 77 A partir da última década, a eficiência vem se consagrando como um dos princípios mais visados pela Administração Pública, servindo de fundamento para várias das decisões judiciais que envolvem o tema, merecendo a devida atenção e relevância para o atingimento das metas sociais do Estado. 3.1. EFICIÊNCIA COMO PARÂMETRO DE CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS O Estado atual gerencial vem se mostrando em contínuo desprendimento das antigas práticas meramente burocráticas e suas amarras para assumir um papel de instituição eficiente, com políticas públicas alinhadas aos anseios sociais, correspondendo às expectativas e necessidades mais prementes da comunidade. Verifica-se, desta feita, que o Estado passou a exercer uma maior atuação direta na ordem social e econômica, adentrando em campos antes não penetrados, seja diretamente, seja indiretamente, ocasião na qual concede seu exercício temporariamente a terceiros. Essa presença estatal vem a confirmar seu papel assumido como um Estado de bemestar social, visando à integração da sociedade. Em que pese essa pretensão, o Estado tem se mostrado ineficiente para atender a todas as exigências e necessidades populares. Isso por diversos fatores. Maria Paula Dallari identifica cinco pontos de tensão (de contradição) responsáveis por esta ineficiência. O primeiro deles é aquele existente entre a função do Direito Administrativo de 78 organizar a estrutura administrativa, ao mesmo tempo em que é o instrumento jurídico de contenção do poder dentro dessa mesma estrutura. Seria difícil, pois, identificar a função garantística do Estado - contendo seu próprio poder em face do cidadão - simultaneamente a sua autoridade burocrática e poder de polícia. A autora entende que a matriz intelectual da reforma administrativa brasileira se baseou nas experiências norte-americanas e de gerenciamento empresarial do setor privado, motivo pelo qual apresentou incompatibilidades e dificuldades em se adaptar ao direito público brasileiro, cuja base é a tradição burocrática francesa. O segundo diz respeito à estruturação do Direito Administrativo como um Direito estatutário da Administração Pública, baseado na existência de prerrogativas especiais, integrantes do “poder de império” da Administração. Estes poderes se mostram exorbitantes aos conferidos no Direito privado, entendendo desnecessários atualmente, consistindo em uma fissura em um dos pilares do Estado de Direito, visto como resquício do sistema de jurisdição administrativa francesa, adotado em outras épocas no Direito brasileiro. O terceiro ponto contraditório é a aplicação do princípio da legalidade estrita – enquanto aos particulares é permitido fazer tudo o que não fosse proibido, à Administração é facultado fazer apenas aquilo que a lei expressamente autoriza. A crítica se faz não só com referência à exigência de obediência somente à lei, em sentido estrito, mas também pelo fato de haver leis sem eficácia jurídica, falecendo sua finalidade prática. Ademais, os próprios atos com carga discricionária se esvaziariam nesta obediência regrada à lei. 79 O quarto ponto baseia-se no sistema de quase irresponsabilidade dos servidores públicos, fundando-se em uma responsabilidade objetiva da própria Administração – e de forma banalizada -, dificultando a busca pela sua eficiência. Sustenta que a responsabilização subjetiva do servidor, quando possível determiná-la, não resulta em incentivo à eficiência da máquina pública ou reprime outras condutas que resultem em dano à sociedade, vindo o Estado sempre a responder objetivamente por ele. Por fim, o quinto último refere-se à inexistência de um núcleo orgânico responsável na seara administrativa, apesar de não se ter adotado um contencioso administrativo como no Direito francês. Entende que as matérias administrativas deveriam ser julgadas pela própria administração, se houvesse todo o aparato técnico e prerrogativas funcionais para esta finalidade. Entretanto, o que ocorre é a possibilidade de revisão judicial acerca do conteúdo de suas decisões, embora seus limites ainda se mostrem obscuros, enfraquecendo, assim, sua imagem institucional e pondo em xeque sua finalidade e existência prática139. A busca da eficiência no campo das políticas públicas é um processo adotado pelo Estado de bem-estar social, com sua Administração gerencial, com critérios semelhantes aos da burocrática original, embora de maneira mais flexível, visando o atingimento de eficiência máxima do Poder Público, com estratégias bem planejadas e busca de seus resultados, adotando-se parâmetros de mérito para o ingresso na carreira pública e 139 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, ps. 96/237. 80 avaliação de desempenho, criando-se, inclusive, as chamadas agências reguladoras e executivas para a fiscalização e fomento do serviço público140. Assim, deve-se ter em mente que, quando se fala em Administração Pública (e suas metas), vislumbram-se todos os poderes estatais que exercem atividade administrativa, tendo, todavia, o Poder Executivo essa função de forma preponderante e institucional, mormente por desenvolver ações de maior concretude e executoriedade, em comparação às funções legislativa e judicante. Nesse contexto, a tarefa do analista de políticas públicas é a de escolher as medidas mais benéficas para uma maior quantidade de destinatários possíveis, sem deixar, contudo, de respeitar direitos ou situações de quem não é, diretamente, beneficiado por aquele programa. O conceito de avaliação refere-se, aqui, à análise de processos de formulação e desenvolvimento, bem como de exame comparativo entre o proposto e o a ser alcançado, de acordo com o grau de consecução dos objetivos e metas prédefinidos. 140 SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo, 2003, p. 168. 81 O princípio da eficiência, nesse particular, não pode assumir figura meramente decorativa. Ademais, vale notar que toda a atividade administrativa, ainda que imbuída de discricionariedade, exige, per se, o controle de eficiência da atividade administrativa, visto aquele sob a ótica do termo de “dever de boa administração”, como cunhada ineditamente por Frederico Telho e Tiago Caetano141. Nesta mesma abordagem, vincula Emerson Gabardo à necessária imbricação entre eficiência, legalidade e finalidade142, como forma de esclarecer a real possibilidade de controle do ato discricionário – como geralmente consideradas as decisões envolvendo políticas públicas – pelo princípio da eficiência. No ordenamento jurídico, de uma forma geral, está grafada a finalidade pública a ser perseguida, sendo certo que o seu descumprimento afiança, indubitavelmente, a ineficiência do agir administrativo. Aparentando estar em alinhamento a este entendimento, José Joaquim Gomes Canotilho admite a dificuldade em se realizar o controle das políticas públicas, mas vislumbra sua possibilidade no que tange à compatibilidade (formal e material) de determinada política pública com os princípios e dispositivos da Constituição143, dentre os quais se encontra a eficiência na Carta brasileira de 1988. As políticas públicas podem ser controladas, assim, não apenas em seus aspectos de legalidade formal, mas, também, no tocante à sua adequação ao conteúdo 141 TELHO, Frederico Leonardo Mendonça, CAETANO, Tiago Lemanczuk Fraga. Controle jurisdicional de eficiência da atuação administrativa discricionária. In: Fórum de Contratação e Gestão Pública, v.3, n.25, p.3176-3184, jan., 2004. 142 GABARDO, Emerson, Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo, 2002, p. 130. 143 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra, Portugal. Almedina, 1998, pp. 832-833. 82 e aos fins da Constituição, que são aqueles fixados em seu artigo 3º144 e nos princípio nela trazidos em outros dispositivos de seu corpo. Necessária, pois, uma análise metodológica e pragmática dos programas de políticas públicas para se realizar uma avaliação sistemática de desempenho e de resultados em seus mecanismos de execução, buscando a melhoria de seu quadro de funcionamento. Daí, Maria Paula Dallari esclarece a distinção entre a eficiência econômica e a eficiência administrativa, destacando que a primeira se refere à alocação de recursos em que o valor é maximizado, não sendo o único nem o mais importante critério no processo de escolha das prioridades administrativas. Eficiência, no segundo sentido, não seria apenas gastar pouco ou gastar bem, mas sim gerir com equilíbrio e ponderação a coisa pública145. Belloni entende que a avaliação da eficiência no âmbito das políticas públicas está na sua análise institucional, abrangendo o processo de formulação e implementação não somente sobre impactos, mas também de ações e os seus resultados para o aperfeiçoamento e reformulações das ações desenvolvidas, com uma necessária elaboração de metodologias que possibilitem a aferição da eficiência, da eficácia e de sua efetividade social. Ademais, deve se apresentar como um método sistemático, envolvendo múltiplas 144 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura da Constituição de 1988. São Paulo. Malheiros, 2005, p. 112. 145 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 182. 83 observações, e não com base em um único instrumento de avaliação ou marco temporal isolado146. A contrario sensu, visando identificar a ineficiência de uma política pública, Ana Paula de Barcellos aponta cinco objetos que podem auxiliar o controle dessa eficiência. São eles: 1) a fixação de metas e prioridades por parte do Poder Público em matéria de direitos fundamentais; 2) o resultado final esperado das políticas públicas; 3) a quantidade de recursos a ser investida em políticas publicas vinculada à realização de direitos fundamentais, em termos absolutos ou relativos; 4) o alcance ou não das metas fixadas pelo próprio Poder Público; e 5) a eficiência mínima (entendida como economicidade) na aplicação dos recursos públicos destinados a determinada finalidade147. Como exemplo, traz: imagine-se que um Município hipotético X declara, em seu relatório de execução orçamentária, haver investido R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em saúde no ano de 2005. As questões que surgem aqui são duas. Em primeiro lugar: o que se fez especificamente com R$ 1.000.000,00? Que resultado se produziu com tais recursos? Em segundo lugar, e tendo em conta essa informação, será o momento de se apurar se existe uma relação de eficiência mínima entre os recursos investidos e o resultado produzido (seja ele qual for). Teria havido desperdício, ineficiência ou desvio? O resultado produzido concretamente pelo investimento de tais recursos custa razoavelmente 1 milhão de reais? 146 BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, ps. 09 e 25/26. 147 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, Ano 1, n. 3, p. 35 e ss, 2006. 84 Consoante o seu pensamento, o controle da eficiência eventualmente poderá submeter o recurso a parâmetros externos, obtidos junto ao mercado, para que seja possível aferir qual o custo real, ainda que aproximado, dos bens e serviços produzidos afinal pelo Poder Público. Suponha-se que, com R$ 1.000.000,00 (um milhão) o Município X afirme ter construído a escola Y e incrementado a qualidade da merenda escolar das cinco escolas já existentes na região, atendendo a um total de 800 crianças. Pois bem: quanto deveria custar, em geral, uma edificação do porte da escola Y e quanto custa, também em média, a melhoria introduzida na merenda escolar? A segunda observação envolve a noção de eficiência, visualizada como um dever geral de a Administração otimizar o emprego dos meios disponíveis para, com eles, obter os melhores resultados possíveis relevantes para o interesse público. Nada obstante, a economicidade – isto é: a relação custo/benefício sob uma perspectiva financeira – será sempre um aspecto importantíssimo a ser examinado no contexto da propria eficiência. Ainda sobre a noção de eficiência, também certo que a avaliação acerca do que é – ou, mais precisamente, do que foi eficiente ou não – muitas vezes produzirá zonas de certeza negativa, zonas de certeza positiva e também as chamadas “zonas de penumbra”. Dito de outro modo, algumas opções dos Poderes Públicos poderão facilmente ser descritas como ineficientes (zona de certeza negativa), outras como eficientes (zonas de certeza positiva), ao passo que em relação a outras haverá dúvida fundada sobre seu status, sobretudo tendo em conta as circunstâncias que cercavam e pressionavam o administrador no momento em que tomou a decisão148. 148 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, Ano 1, n. 3, p. 35 e ss, 2006. 85 A eficiência mostra-se, pois, como um princípio fundamental de elaboração de uma política pública, tratando-se de critério analítico básico de sua avaliação, funcionando como indicador geral das ações de planejamento e execução, além dos resultados alcançados pelo programa social analisado. Ela é alançada através de procedimentos adotados no desenvolvimento de uma ação ou na resolução de um problema, tendo em perspectiva o objeto focalizado e os objetivos e finalidades a serem atingidos149. Percebe-se, também, a utilização de instrumentos técnicocontábeis de natureza objetiva para se apurar a eficiência (baseada na economicidade) de determinada política pública, podendo, desta forma, verificar o emprego adequado dos recursos alocados para aquela finalidade pública, tendo como objetivo eliminar as zonas de certeza negativa na matéria e autorizar a intervenção judicial nesses casos, aplicando as penalidades aos responsáveis e, se possível, revendo a decisão administrativa, adequando-a à norma constitucional quanto à sua eficiência e à efetividade dos direitos fundamentais a serem alcançados pela política pública em apreço. Diante da busca de identificação dessas áreas nebulosas, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que zona de certeza positiva é aquela na qual ninguém duvida do cabimento da aplicação positiva da medida, restando clara a situação de certeza pela qual se mostra. Já na zona de certeza negativa seria certa a inaplicabilidade da medida, situando-se em pólo oposto da positiva. As dúvidas somente têm lugar entre esses dois extremos. Isso significa que em inúmeros casos será induvidoso que uma situação é, exempli 149 BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, ps. 61/63. 86 gratia, urgente, ou que seguramente não o é; que há um interesse público relevante ou que certamente não há; que dado cidadão tem reputação ilibada ou que não a detém150. Também nesta linha é a observação de Sylvie Trosa, ao apontar instrumentos de controle que visam identificar essa eficiência, como os de qualidade, indicadores e procedimentos de alerta, mecanismos de auditoria interna e análise dos resultados obtidos151. Para Etzoni e Lawrence, o meio disponível para fazer tal acomodação são métodos sociais tradicionais de ciência, com uma lista de variáveis justificadoras, adotando uma "plataforma mínima" para uma promoção sócio-econômica geral, devendo nela incluir, ao menos, uma variável não-econômica e uma econômica"152. Certo que a eficiência não pode ser entendida apenas como maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbe ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos. Para se ter idéia, a Ciência da Administração desenvolve seus estudos a partir de três perspectivas de eficiência: a individual, a grupal e a organizacional, entendendo que o desenho federativo brasileiro identifica a eficiência em quatro planos: 150 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 20. 151 TROSA, Sylvie. Gestão Pública por resultados: quando o Estado se compromete. Revan, Brasília, 2001, p. 97. 87 individual; organizacional; de determinada pessoa política; e um global, nacional. No primeiro plano, ressalta a importância de avaliações periódicas individuais para se aferir e incentivar o potencial de eficiência dos servidores públicos. No segundo plano, a questão diz respeito à otimização das performances do órgão, analisando os objetivos e resultados obtidos. O terceiro e quarto planos (referentes às unidades federativas: municípios/estadosmembros e União, respectivamente) devem ser avaliados em seu conjunto mais global, de acordo com a noção da boa administração, levando-se em conta as metas políticas traçadas e o crescimento (econômico e social) eventualmente constatado153. O mesmo autor assevera ser o planejamento dos entes políticos um instrumento útil e necessário para a busca da eficiência, entendendo que as Administrações Públicas devam atuar em cooperação e harmonia, integrando suas planificações estratégicas, a fim de se alcançar um desenvolvimento conjunto154. Com esta mesma visão, Eduardo Marino afirma que o planejamento se faz por meio de um projeto, sendo este um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas, com o fim de alçancar objetivos específicos dentro dos limites de orçamento e de tempo155. Nesse intuito, as políticas públicas exigem um plano de ação, um programa governamental que as exteriorizem. Assim, eles são institutos que não se 152 - WALTERS, Lawrence C., SUDWEEKS, Ray R. Public policy analysis: The next generation of theory., Journal of Socio-Economics, 10535357, 1996, Vol. 25, Número 4. Base de dados: Academic Search Complete (Fonte: EBSCO). 153 ARAGÃO, Alexandre Santos de. O principio da eficiência. Revista de Dir. Pub. RBDP, Belo Horizonte, ano 2, n. 4, jan/mar 2004, p. 75. 154 Idem, ps. 276/277. 155 MARINO, Eduardo. Manual de avaliação de projetos sociais. 2ª ed. São Paulo. Saraiva: Instituto Ayrton Senna, 2003, p. 20. 88 confundem. As políticas são mais amplas que o próprio plano, transcendendo-o, havendo, todavia, um paralelo evidente entre o processo de formulação de política e a atividade de planejamento. Este último, diferentemente da visão tecnocrata dos anos 70, não é mais uma atividade vazia de conteúdo político, mas sim uma função eminentemente técnica, voltada à realização de valores sociais156. Mister esclarecer que o planejamento ou plano de governo não pode ser visto sob o enfoque jurídico de norma, eis que não vincula judicialmente o Estado, servindo o instrumento como simples projeto de implementação de políticas públicas e mera expectativa de “direito” aos seus eventuais beneficiários. Neste sentido, o posicionamento de Maria Paula Dallari, ao considerar o caráter “programático” (que se entendia como sinônimo de não-vinculante) das normas do plano, revelando essa não integração157. Reconhecendo a relevância do tema, Jan Tinbergen propõe um procedimento de planejamento, a fim de elaborar um método com referência à natureza e à sequência de contatos que o órgão de planejamento econômico estabelece externamente. Assim, antes de tudo as instituições ou pessoas devem estabelecer o contato e o grau da decisão conjunta. O contato se refere ao conhecimento colhido de pessoas que estão diretamente ligadas ao programa, seja restando atingidas por ele (aspecto democrático), seja mostrando-se especializadas no assunto (aspecto técnico). A partir de então as decisões são tomadas de forma conjunta. Internamente, o autor também faz menção ao elemento organizacional, esclarecendo os departamentos e hierarquia dos agentes envolvidos158. 156 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 259. 157 Idem, p. 262. 158 TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, ps. 44/45. 89 Desta feita, uma das alternativas para esse objetivo é a consulta do maior interessado, ou seja, a própria população destinatária das políticas públicas, através de participação popular, audiências públicas e discussão sobre tomadas de decisões políticas respectivas. A partir daí, a administração deve analisar a razoabilidade das necessidades apresentadas e a possibilidade da implementação das medidas que as atendem. Comungando desse entendimento – embora um pouco determinista - Robert Walker destaca a importância da avaliação dos destinatários nesse planejamento, entendendo se tratar de único remédio eficaz e sustentável a permitir às próprias massas a particiação e o acesso a informações sobre a situação e os resultados das medidas que serão tomadas159. Um ambiente de deliberações majoritárias sem esse controle social, segundo Ana Paula de Barcellos, tende a ser marcado pela corrupção, pela ineficiência e pelo clientelismo, frequentemente norteada pela troca de favores. Nesse contexto o povo acaba por perder a autonomia crítica em face de seus representantes, minando, também, a capacidade das políticas públicas atingirem sua finalidade: garantir e promover os direitos fundamentais160. Neste mesmo trilhar, Maria Paula Dallari – embora reconheça a tecnicidade na elaboração das políticas públicas - assevera a importância da participação dos interessados em sua processualidade em três momentos: o da formação (apresentação dos pressupostos técnicos e materiais trazidos não só pela Administração, mas pelos interessados); 159 WALKER, Robert K. Produzindo impacto social: elaborando e avaliando projetos de desenvolvimento. Editora pedagógica e universitária. São Paulo, 2002, p. 07. 160 BARCELLOS, Ana Paula de. Direito Constitucional. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos fundamentais o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. Ano 1 nº 3: jul/set 2006, p. 27. 90 o da execução (compreendendo as medidas administrativas, financeiras e legais de implementação); e o da avaliação (apreciação dos efeitos sociais e jurídicos, também sob o crivo do contraditório)161. Para um plano de desenvolvimento, por exemplo, num aspecto macroeconômico, Jan Tinbergen aponta a necessidade de um trabalho de pesquisa preparatório e estudos de pré-investimento, com formulação de projetos em campos técnicos específicos e estabelecimento de regras e padrões que devem ser observados na execução daquele162, visando a alcançar essa eficiência. Nos ensinamentos de Medauar, a eficiência tornou-se uma das idéias-força das reformas administrativas realizadas em inúmeros países, a partir da década de 90 do século XX. O vocábulo eficiência liga-se à idéia de ação que leve à ocorrência de resultados de modo rápido e preciso; significa obter o máximo de resultado de um programa a ser realizado, como expressão de produtividade no exercício de atribuições163. Em busca de uma ordem social ótima, Jan Tinbergen demonstra a necessidade de reformas fundamentais no que tange a países em desenvolvimento, como o Brasil, principalmente em razão da discrepância constatada entre as classes nos níveis sócioeconômicos. Daí, aponta reformas de infra-estruturas como imprescindíveis nesse planejamento, como a reforma agrária. Por sua vez, a eficiência da máquina administrativa estatal exige reformulações também em seus procedimentos internos, a fim de desburocratizar 161 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 267. 162 TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, ps. 50/55. 163 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 242. 91 o que não se apresenta útil ou racional, principalmente no que tange à forma de tributação e a respectiva aplicação dos recursos por ela obtidos. Assim, o planejamento de uma política econômica requer investimento público em atividades e setores estratégicos, como educação e mercado, direcionando linhas de crédito para financiamento facilitado e em regiões menos favorecidas, em prol dessa finalidade última164. Na elaboração e avaliação de projetos, Robert Walker destrincha os dezesseis passos trazidos pelo manual do PROPOSAL (Programa Conjunto sobre Políticas Sociales para América Latina), quanto à “Formulação e Avaliação de Projetos Sociais”. São separados em três fases: formulação, avaliação ex ante, e programação e avaliação ex post. Na formulação são encontrados as seguintes orientações: 1) identificar o problema; 2) realizar o estudo de mercado (oferta/demanda); 3) estabelecer o objetivo de impacto; 4) selecionar as alternativas de projeto (aspectos legais, localização); 5) Estabelecer os objetivos do produto (resultado); 6) selecionar os indicadores; 7) estabelecer as metas; 8) especificar as premissas; 9) elaborar as matrizes de alternativas (marco lógico). Na avaliação ex ante, se encontram: 1) calcular os custos de cada alternativa; 2) realizar a análise de impacto de cada alternativa; 3) calacular a relação custo/impacto. E na programação e avaliação ex post: 1) construir a matriz de programação; 2) realizar o plano de operação (atividades, recursos humanos); 3) realizar a avaliação ex post (relação custo/impacto)165. Numa visão estrutural, Lenhardt e Offe entendem que o Estado deve, primeiramente, identificar seus problemas sociais e isso se faria por meio da sociologia, esclarecendo quais as medidas de integração seriam capazes de resolver essas questões 164 TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, pp. 150-157. 92 específicas. Defendem a necessidade de uma análise social partir da construção hipotética de pontos de referência funcionais, servindo de instrumento para explicar empiricamente os processos políticos, aventando que o processo de industrialização capitalista é acompanhado de processos de desorganização e mobilização da força de trabalho, fenômeno que não limita à fase inicial do capitalismo, mas que nela pode ser observado com especial clareza166. Os dois autores apresentam uma solução de cunho normativo para o problema de opressão e dominação entre as classes, defendendo uma política social não como mera “reação” do Estado aos “problemas” da classe operária, mas como contribuição indispensável para a constituição dessa classe. A função mais importante da política social consistiria, assim, em regulamentar o processo de proletarização, evitando os impactos inerentes ao modelo capitalista, principalmente por instrumentos estatais que assegurem a manutenção do poder aquisitivo do proletariado, ainda que afastado compulsoriamente de suas atividades, caso em que restariam presentes remédios previdenciários de salvaguardas legalmente previstos. A finalidade legal, neste particular, siginifica que o administrador deve exercer sua atividade com economicidade, eficácia, eficiência e efetividade, além de zelar pela moral administrativa. As decisões também devem ser razoáveis e proporcionais entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem de alcançar167. Ainda em busca de estratégias de racionalização administrativa e implementação de inovações sócio-políticas, os mesmos autores bem ressaltam a necessidade de um maior interesse sociológico nas inovações políticas normativas, confrontadas com os 165 WALKER, Robert K. Produzindo impacto social: elaborando e avaliando projetos de desenvolvimento. Editora pedagógica e universitária. São Paulo, 2002, pp. 106-107. 166 LENHARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e política social, pp. 14-15. 167 Idem, p. 22. 93 jogos de interesses de grupos organizados politicamente, deliberando as formas em que as medidas e as instituições de política social podem ser efetivamente aproveitadas, entendendo que não devem elas ser formuladas como prescritivas de metas ou de resultados, mas na investigação social específica (com profissionais especializados, cientificamente) para a elucidação descritiva das condições sociais de implementação da regulamentação política, ponderando, por fim, os efeitos externos de tais estratégias168. Nesse particular, Aparecido Jubran objetiva revisar os conceitos de produtividade e eficiência desses processos produtivos abordando técnicas de mensuração oferecidas no âmbito da Pesquisa Operacional (PO), abrangendo os desenvolvimentos teóricos e metodológicos da Programação Linear (PL) e Análise por Envoltória de Dados (AED). A mensuração da eficiência da produtividade é elaborada, segundo ele, a partir da relação existente entre produto e insumo dentro de um determinado processo produtivo. Uma unidade produtiva é considerada eficiente quando é obtida a máxima produção ao aplicar um conjunto de insumos e tecnologia. A eficiência alocativa consiste, assim, na melhor escolha entre um conjunto adequado de recursos para a produção de um conjunto adequado de produtos. Em Economia, a eficiência produtiva é normalmente calculada pelo emprego de técnicas de regressão por mínimos quadrados, que é uma função de médias, considerando uma tendência central da produtividade169. A Programação Linear (PL) procura a minimização dos custos ou a maximização dos lucros do processo, entre os fatores produtivos empregados. É a disciplina 168 Idem, pp. 39-40. JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Teese de doutorado defendida em 19.09.06. Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, pp. 93-94. 169 94 mais aplicada na Pesquisa Operacional (PO), tendo por objetivo a otimização dos problemas existentes nas escolhas de decisões, apoiada nas ciências afetas à Economia, Matemática e Informática, levando-se em conta as restrições contidas em cada situação, bem como nas variáveis que possam surgir contingencialmente, adquirindo característica de proporcionalidade170. Já a Análise Envoltória de Dados (DEA - Data Envelopment Analysis), desenvolvida por Charnes, Cooper e Rhodes, é uma abordagem da Programação Linear que generaliza as medidas de Fahel, buscando medir a eficiência produtiva de unidades de produção com múltiplos produtos e múltiplos insumos. Baseia-se na capacidade de, simultaneamente, identificar a fronteira da eficiência de um grupo de organizações que possuem as mesmas características; e elaborar comparações entre os recursos obtidos por cada uma das organizações avaliadas. Para esse sistema, analisam-se os recursos (input) e seus respectivos resultados/produtos (output)171. Já para Carlos Matus, qualquer problema social, por sua própria natureza, tem um conteúdo transdepartamental, não reconhecido pelas faculdades ou departamentos universitários e pelas especialidades científicas172. Imprescindível, assim, que houvesse profissionais com formação necessária para exercer a prática social horizontal, tendo ciência e conhecimento em várias searas, e não somente intradepartamental, como usualmente ocorre. Isso porque a prática social é horizontal, eis que os problemas são os mesmos e atingem a todos de igual forma, embora com consequências diferentes. 170 171 Idem, p. 96. Ibidem, p. 97, 95 Ainda na visão de Carlos Matus, é hora de se reconhecer a limitação da interdisciplinaridade, sendo um diálogo entre especialistas em diferentes departamentos, sem teoria transdepartamental e sem teoria sobre a prática, sendo necessária a ampliação do campo do juízo analítico dos responsáveis, através de uma nova disciplina horizontal que a intitula de ciências e técnicas de governo, com uma visão global dos problemas sociais, por meio de um método denominado PES (Planejamento Estratégico Situacional), no qual superaria o planejamento tradicional, ultrapassando os limites da esfera econômica e constituindo-se um planejamento para a ação, construindo, assim, as ciências e técnicas de governo173. Assim, com o PES os autores sociais poderiam conduzir o “jogo” como sendo planejamento de situações para orientar o processo com de forma eficiente a partir da intervenção estatal movida por uma intencionalidade coletiva, analisando o intercâmbio de três principais problemas sociais: a gestão pública, a gestão macroeconômica e referentes aos problemas da vida cotidiana. Cabe ressaltar a similitude entre a análise de Calros Matus com a de Bourdieu, quanto à finalidade de suas teorias, quando este último autor analisa o objeto social a partir de um campo cognitivo, de acordo com o ambiente e convivência, criando-se hábitos que, por sua vez, serão analisados a partir de duas grandes correntes: a fenomenológica, como sendo fruto da experiência comum atualizada, imaginada pelos atores 172 MATUS, Carlos. Teoria do jogo social. Cap. 1: há ciências para governar? Trad. Luís Felipe Rodriguez Del Riego. p. 22. 173 Idem, p. 37. 96 com familiaridade e experiência com o mundo; e a objetivista, como sendo estruturas analisadas em sua objetividade, sem a intenção dos sujeitos174. Para Bourdieu, deve-se haver uma preocupação mais imparcial na análise do objeto social, uma vez que a subjetividade faz parte da ação, mas aquela deve ser explicada e não pressuposta, sendo justificável por meio de uma estrutura que possa explicar ou até prever o comportamento do sujeito, de acordo como sua posição estrutural. Ele analisa o campo de acordo com o ambiente em que o sujeito convive, os hábitos por ele absorvidos, gerando estruturas de campos sociais mais densos e sedimentados. De acordo com esses hábitos e jogos entre os atores, se preocupa com uma verdadeira teoria da prática, visando um método neutro e campo autônomo para as possibilidades da ação – aqui onde ele se aproxima de Matos. Em busca dessa objetividade, imperioso o afastamento de valores subjetivos que visam a atender a interesses pessoais. A preocupação sobre aspectos sócioeconômicos de uma sociedade deve-se fundar na rejeição desses interesses pessoais como o motivador único de natureza humana, sem desconsiderar, evidentemente, essa influência nas decisões políticas, mas pretendendo empiricamente demonstrar a importância de seus efeitos e a valorização de sua "dimensão moral". Como ressalta, este componente moral emerge de um sentido de preocupar-se com os outros e com a comunidade geral, em razão do argumento no qual as pessoas sempre estão situadas num contexto social carregado por laços de comunidade175. 174 BOURDIEU, Pierre. Sociologia. Org. Renato Ortz. Ática, São Paulo, p. 53. Apud WALTERS, Lawrence C., SUDWEEKS, Ray R. Public policy analysis: The next generation of theory, Journal of Socio-Economics, 10535357, 1996, Vol. 25, Número 4. Base de dados: Academic Search Complete (Fonte: EBSCO). 175 97 Em situações nas quais se mostra clara a ineficiência da política pública, merece, pois, a devida intervenção por outros órgãos ou Poderes, a fim de regularizar e restabelecer a ordem prática e teleológica. Infelizmente, esse controle se mostra mais perceptível e evidente quando se realiza a posteriori, quando já houve o desperdício (ao menos parcial) dos recursos públicos antes destinados àquela determinada política pública. Para evitar essas consequências, Batista Júnior cita normas de organização e de boa administração como referenciais de eficiência, desde regras de comportamentos pessoais até adoção de técnicas internas e específicas de administração, como ruptura do princípio da hierarquia e apego a um modelo de responsabilização do agente176. Como se verá adiante, esse controle do ato administrativo tem sido exercido mais intensamente pelo Poder Judiciário, que cada vez amplia a sua interpretação acerca das normas que regulam a matéria. Mas não se pode deixar de ser lembrado o controle exercido pelos Tribunais de Contas, que modernizaram a sua forma de controle e, sem abandonar o exame da legalidade do ato, devem ir mais além para examinar, em especial, a eficácia, efetividade, eficiência e economicidade dos gastos públicos. Isso porque a própria Carta Constitucional já previa em seu texto de 1988 a possibilidade da fiscalização não apenas em seu aspecto contábil, mas também operacional, examinando os gastos da administração direta e indireta com base na economicidade177. 176 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 428-430. 98 Este controle externo pelos Tribunais de Contas engloba, dentre outras ações, a realização de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos demais Poderes, como reza o artigo 71 da Constituição de 1988. Ilustrando o conteúdo desses instrumentos, Antônio Carlos Moraes esclarece que a Auditoria de Natureza Operacional (Anop), como gênero, é o processo de coleta e de análise sistemáticas de informações sobre características, procedimentos e resultados de um programa, atividade ou organização, com base em critérios fundamentais, com objetivo de subsidiar os mecanismos de responsabilização por desempenho e contribuir para aperfeiçoar a gestão pública178. a) Indicadores sociais como parâmetros objetivos Em que pese haver pressupostos já bem aceitos quanto à eventual possibilidade de êxito de uma política pública, indispensável, ainda, avaliar sua eficiência por critérios técnicos e objetivos, quando possível. Resta claro, pois, que o sucesso das políticas públicas não depende somente da Administração, mas também da própria sociedade, com instrumentos que possam aferir sua real vontade e assentimento, legitimando as decisões políticas e reforçando o vínculo entre estes setores. Uma política pública de excelência seria 177 MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública. Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 227. 178 Idem, p. 229. 99 aquela que tem um objetivo político definido de forma democrática e com previsão de seus resultados, com estimação de gastos e clareza de objetivos e de indicadores179. Isaura Belloni traz essa efetividade social como um critério de avaliação capaz de traduzir os resultados tanto econômicos quanto sociais de uma política pública. Este indicador está ligado à adequação da educação profissional às necessidades técnicas e sociais do mundo do trabalho, dentro do contexto das transformações sociais e tecnológicas e de suas implicações (inclusão e exclusão sociais)180. Parâmetros mais objetivos são trazidos por Aparecido Jubran, apontando indicadores sociais de acordo com critérios de avaliação, relacionando eficiência no uso dos recursos públicos, eficácia no atingimento de metas e efetividade social da política pública. Os indicadores de eficiência são aplicados na avaliação dos meios e dos recursos empregados. Os indicadores de eficácia avaliam o cumprimento das metas estabelecidas. Os indicadores de efetividade avaliam os efeitos do programa em termos de bem-estar para a sociedade. Assim, os indicadores podem ser classificados sob diversas formas, sendo as mais comuns: a classificação segundo a área temática da realidade social a que se referem; e os indicadores mais agregados, como os sócio-econômicos, de qualidade de vida e desenvolvimento humano ou ambiental. Podem ainda ser classificados como quantitativos – quando revestidos de objetividade – e qualitativos – quando caracterizados pela subjetividade. Eles podem, outrossim, ser tidos como simples – quando são elaborados a partir de uma única dimensão social, como saúde, educação – e compostos – quando se reúne mais de uma 179 PEREZ, Marcos Augusto. In Políticas Públicas. Reflexos sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula Dallari Bucci. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 166. 180 BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, p. 67. 100 dimensão em sua elaboração, como é o caso do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).181. Esses indicadores sociais são formulados a partir de elementos específicos, conhecidos como input, output e throughput. O primeiro indica os recursos e insumos, estando relacionado com medidas de disponibilidade de recursos humanos, financeiros e materiais. O output se refere ao produto e resultados obtidos e analisados, tendo ligação com processos sociais complexos, com o resultado efetivo das políticas empregadas. Já o throughput se relaciona com os meios encontrados entre os dois anteriores, tendo por objetivo transformar em medidas quantitativas o esforço operacional de alocação de recursos, traduzindo-se em processos de acompanhamento e fiscalização182. Esse método matemático foi construído por Leontief, sendo conhecido na União Soviética como o método balanço. É frequentemente aplicado no planejamento econômico, juntamente com os cálculos de diferencial e de integral183. Aparecido Jubran adota em seu método os resultados específicos segundo os indicadores colhidos pelo Plano de Qualidade no Serviço Público (PQSP) cujo objetivo é avaliar o grau de alinhamento das estratégias dos planos e resultados da organização com os macro-objetivos e planos de governo; medir a qualidade de gestão e a melhoria dos resultados; incentivar a implantação da gestão por resultados; e auxiliar as organizações públicas a se transformarem em organizações “de classe mundial”. Outro item adotado é o Índice Social Municipal (ISM), que é formado por dezesseis indicadores sociais 181 JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. 2006. Disponível no endereço eletrônico www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde- 13122006 - 180402. Acessado em 03.12.08. 182 Idem, p. 12. 101 agrupados em seis índices sintéticos relacionados à qualidade de vida dos municípios e às ações de outras esferas do governo184. Voltado para a avaliação da eficiência do setor público, o PQSP adota um esquema composto por sete módulos, com as respectivas pontuações, representando um Modelo de Excelência na Gestão Pública, baseado em resultados e permitindo avaliação comparativa do desempenho das organizações públicas. Quanto à participação da população nas tomadas de decisões para a administração pública, o autor afirma que o resultado não é conclusivo, segundo estudos do Centro Latino Americano de Administração para Desenvolvimento (CLAD), que propõe um modelo de descentralização e desburocratização da Administração, flexibilizando a gestão e diminuindo os níveis hierárquicos185. Esse modelo busca levar as políticas públicas a uma excelência de desempenho, de acordo com a averiguação de pontos e critérios que são previamente valorados, consoante uma tabela desenvolvida pelo Ministério da Defesa. Aparecido Jubran ensina como é feita a elaboração de alguns índices sociais. Começa com os demográficos de saúde, analisando a taxa de natalidade para informar o crescimento populacional, sendo representada pelo quociente entre os nascidos vivos ocorridos em uma determinada localidade e período de tempo, e a população estimada na metade do período, que pode ser multiplicada por 1000 (mil) para facilitar a leitura e permitir uma comparação internacional. Assim, temse: 183 TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, p. 43. 184 JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Tese de doutorado defendida em 19.09.06. 102 TN = (NVA) X 1000 (PEMA) onde NVA = nascidos vivos no ano e PEMA = população estimada no meio do ano Outro indicador interessante e que pode estar relacionado com a eficiência da administração pública é a Taxa de Urbanização, tratando-se de índice demogeográfico que dimensiona a parcela da população residente em áreas urbanas e que potencialmente estão recebendo serviços públicos básicos de infra-estrutura. Corresponde ao percentual da população urbana em relação à rural e pode ser calculada pela fórmula: TU = PU x 100 PT onde PU = população residente em áreas urbanas e PT = população total A mortalidade infantil também é um dado que pode sinalizar a ineficiência das políticas públicas na área de saúde e saneamento básico, e representa a relação entre o número de crianças mortas no primeiro ano de vida e o de crianças nascidas vivas, tendo por base 1000 (mil). É calculada pela razão entre o número de óbitos entre Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, p. 22. 185 Idem, p. 38. 103 crianças de até 01 (um) ano e o número total de crianças nascidas vivas durante 01 (um) ano, nos termos seguintes: TM = ObC x 1000 NVA onde ObC = óbitos de crianças de até 01 (um) ano e NVA = nascidos vivos no ano Também traz outros indicadores, como de natureza cultural, de mercado de trabalho, educacionais e de desenvolvimento, se destacando dentre estes o IDH, adotado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O IDH é formado pela composição do Índice de Esperança de Vida, do Produto Interno Bruto per capita e pelo indicador composto pelas taxas de alfabetização e escolarização. Consideram-se analfabetas as pessoas maiores de 15 (quinze) anos incapazes de ler um bilhete simples. Embora pareça ser um instrumento seguro e eficaz no controle e apuração da efetividade das políticas públicas, Jan Tinbergen deixa esta parte de seu estudo em aberto, entendendo que o planejamento do desenvolvimento econômico, por exemplo, está voltado para o problema de se resumir este enorme complexo de dados, revelando a relação científica entre as quantidades de fatores de produção utilizadas e o volume do produto a ser obtido. Isso porque na literatura de Economia, este problema é conhecido como o das funções de produção e tem sido assunto de pesquisa intensiva nos últimos vinte anos186. 186 JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Tese de doutorado defendida em 104 4. O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS O Poder Judiciário já foi visto como estanque e neutro perante as situações sociais de natureza política, não se pronunciando até que seja devidamente provocado (aliás, a jurisdição é inerte) e, ainda assim, em se tratando de matéria referente à legalidade. Essa postura adveio do modelo de tripartição de Poderes de Locke e Montesquieu, como já ventilado, se referindo a Poderes constituídos isolados, mas dependentes um do outro para o andamento político estatal. Visava-se, pois, a limitação do poder pelo próprio poder, favorecendo um exercício independente e harmônico entre eles, sob pena de, inexistindo limites, um Poder se sobrepor ao outro, inviabilizando suas atuações “em concerto”. Por isso mesmo, enquanto se mantiver o princípio da separação de poderes como base do esquema de organização de Poderes num Estado determinado, impõe-se manter a delimitação de zonas de atuação independente e harmônica dos poderes políticos187. Os artigos de “Os Federalistas” (periódico que influenciou sobremaneira o federalismo estadunidense e, por consequência, o brasileiro), contagiados pelo modelo clássico de separação de Poderes, já traziam em seus discursos essa imagem do Poder Judiciário, aventando não ter “nenhuma influência nem sobre a espada nem sobre a bolsa; nenhum controle nem sobre a força nem sobre a riqueza da sociedade, e não pode tomar nenhuma resolução ativa. Pode-se dizer que não tem, estritamente, força nem vontade, mas 19.09.06. Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, p. 191. 187 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: O poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 14. 105 tão somente julgamento, estando em última instância na dependência do auxílio do braço executivo até para a eficácia de seus julgamentos”188. Entretanto, esse modelo clássico não mais persiste. Hodiernamente, o Judiciário é tido como um Poder inerente ao Estado de Direito, auxiliando, inclusive, as ações de governo propriamente ditas, servindo-se como um parceiro na busca da justiça social, concretamente referida. Nos dizeres de Ferreira Filho, seu poder de interferência na órbita político-administrativa o tornou co-responsável dos insucessos ou frustrações que para a opinião pública decorrem da má atuação do Poder. Mais, veio ele a ser visto como um colaborador do Governo189. 4.1. INTERVENÇÃO: POSSIBILIDADE E LEGITIMIDADE Como visto, a exigência de políticas públicas que satisfaçam efetivamente as necessidades sociais se mostra presente nas sociedades modernas, apresentando-se estas cada vez mais maduras politicamente, se organizando e muitas vezes pressionando seus governantes e representantes a condutas dignas de sua função pública. Neste cenário publicista, busca-se nos órgãos e Poderes estatais um canal e instrumento concretizador dos anseios sociais. O Judiciário, especialmente, vem sendo 188 paulatinamente cobrado neste particular, esperando-se do magistrado um MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas: 1787-1788. Edição Integral. Trad. Maria Luíza X. de A. Borges. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 479. 189 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. Poder Judiciário na Constituição de 1988 – Judicialização da política e politização da Justiça. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 215. 106 comportamento permanentemente atento, a ponto de coibir condutas que venham a invadir direitos fundamentais dos cidadãos, ainda que sejam aquelas situações resultantes de atos de outros agentes públicos. Verificados estes quadros situacionais tidos como ilegais, o juiz deverá estar autorizado a determinar a cessação dos efeitos do ato, bem como desconstituí-lo, quando eivado de ilegalidade. Primeiramente, todavia, mister se ter em mente o que vem a ser um ato administrativo ilegal, a fim de se identificar o seu descompasso e autorizar o controle jurisdicional. Cediço que o ato administrativo possui elementos190, requisitos191 ou aspectos192 sem os quais ele se esvaziaria, padecendo de existência. Entende a doutrina que a ausência de qualquer desses elementos resultaria na ilegalidade do ato. Na realidade, a falta desses requisitos tornaria o ato administrativo incompleto e, portanto, insuscetível de produzir efeitos. Isso porque o termo “ilegal” deve se referir a uma contrariedade à norma específica, à lei ao menos em sentido amplo, e não quando o ato vai de encontro ao entendimento doutrinário majoritário, por lhe faltar algum conteúdo que se entenda ser imprescindível. Daí, quando se fala em ilegalidade do ato administrativo, vislumbra-se a ausência de um de seus cinco elementos, quais sejam: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade193, ou mesmo quando se mostrar em desalinho com alguma norma específica (ilegalidade em termos técnico-jurídicos). Desta feita, quando se constatar a ocorrência destas ilegalidades apontadas, autorizado está o Poder Judiciário a emitir seu provimento quando provocado, 190 191 192 Termo utilizado por Zanella di Pietro in idem nota 8, p. 195-204. Por MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996. Por Marçal Justen Filho in idem nota 4, p. 198. 107 invalidando o ato administrativo, seja este vinculado ou discricionário, e ainda que seja instrumento específico de políticas públicas adstritas ao Poder Executivo. Neste sentido, tem se pronunciado nossa instância jurisdicional máxima: “Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração”194. Da mesma forma, a jurisprudência inicial de nossa organização jurídica tem entendido que um ato administrativo legal em sua essência, mas anulado indevidamente pela própria Administração Pública, poderá ser restabelecido se a questão for levada ao Judiciário. O próprio Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula na organização do Poder Judiciário brasileiro, já se pronunciou sobre a possibilidade de anulação do ato administrativo pelo próprio Governo. Isso porque é facultado à Administração anular os seus próprios atos, quando praticados com infração da lei, pois só na hipótese de ter sido esta obedecida e que deles poderia haver nascido um direito público subjetivo. Ao pronunciarse o Judiciário, se provocado, sobre a legalidade do ato anulador, dirá sempre a palavra final e estendera o seu exame ao ato anulado. Se este era legal, gerando direito subjetivo, o Judiciário o restabelecerá. Se, porém, era ilegal, mantê-lo, apesar disso, só porque a Administração o 193 Idem nota 8, p. 105-204. STF. RMS 24699 / DF - Distrito Federal. Recurso em Mandado de Segurança. Relator(a): Min. Eros Grau. Julgamento: 30/11/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação DJ 01-07-2005 PP-00056. 194 108 rescindira, seria falhar o Judiciário à sua missão de controle da legalidade dos atos administrativos195. Para sedimentar esse entendimento (embora jurisprudencial, apenas), o próprio Supremo editou súmula, esclarecendo que A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial196. Não bastasse essa hipótese de ilegalidade formal do ato administrativo, este pode também ser atingido pela revisão judicial quando constatadas duas situações: pelo fato de atingir negativamente direitos fundamentais garantidos pela norma – principalmente a constitucional – ou quando se mostrar a atuação estatal ineficiente, contrária, portanto aos princípios inerentes à própria Administração. Daí, percebe-se que o ato administrativo, embora presuma sê-lo legal, pode ser demonstrado de outra forma. À guisa de argumentação, arremata Marçal Justen Filho que a presunção de legitimidade do ato administrativo vincula a todos os particulares. Não os vincula, todavia, de modo definitivo e absoluto, o que corresponderia à supressão da função jurisdicional 197. Tecendo comentários sobre essa possibilidade, esclarece Bandeira de Mello que enquanto o agente se mantiver confinado no interior do campo intelectivo ou 195 STF. RE 55833 / RN - Rio Grande do Norte. Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Luiz Gallotti. Julgamento: 27/04/1965. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação. DJ 05-06-1965 PP-01864. 196 Súmula n º 473 do STF. 109 decisório que a norma lhe atribuiu para que identifique e assuma a conduta capaz de atender com precisão absoluta a finalidade da lei, não cabe revisão judicial. Toda vez que o ultrapassar há de caber essa revisão. Além disto, comportará sempre apreciação judicial para verificar se o agente se manteve no interior deste campo198. Como visto, as situações anteriormente ressaltadas não deixam grandes dúvidas quanto à atuação do Judiciário, servindo, pois, de fiscal da própria lei, que dá sentido e fundamento para seu pronunciamento e autoriza os efeitos de seus provimentos. Entretanto, outros casos mais melindrosos são levados à apreciação jurisdicional, não se tratando de mera análise de compatibilidade da lei com a decisão emanada do poder público, mas de outros aspectos que possam macular o ato administrativo, ainda que haja previsão legal que o sustente. Isso porque mesmo que a atividade judicial vise a assegurar a interpretação e concretude dos direitos (sociais, principalmente), ela poderá se deparar com situações de origem discricionária da Administração Pública que se contraponha a este sentido. Nestes casos, principalmente, as decisões judiciais que venham a revisar os atos administrativos devem ser pautadas e fundamentadas em regras e princípios do próprio sistema, não perdendo, por isso, sua identidade ou legitimidade. O ato administrativo discricionário, particularmente, era tido como intocável pelos demais órgãos, principalmente pelo Poder Judiciário, entendendo que o seu mérito (conveniência e oportunidade, especialmente) era considerado insindicável e, 197 Idem nota 4, p. 211. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Entrevista disponível no endereço eletrônico www.juspodivm. com.br/entrevistas/entrevistas_101.htm. 198 110 portanto, imutável por outros canais dentro do ordenamento jurídico, servindo-se um divisor de águas para definir o ato controlado e o ato que ficava fora do alcance do Poder Judiciário, quando instado a se pronunciar199. Esse entendimento parece não mais perdurar atualmente, sendo que o controle do ato administrativo – ainda que discricionário e referente ao seu mérito de conveniência e oportunidade – pode ser feito pelo Judiciário no que tange aos contornos constitucionais, orientadores de toda manifestação estatal, não estando este Poder judicante exercendo função meramente política, mas eminentemente jurisdicional, permitindo-se maior segurança e controle de objetividade. Neste mesmo diapasão Batista Júnior firma seu posicionameto, enfatizando que a discricionariedade do administrador não é totalmente livre e aberta ao subjetivismo, mas guiada pelos referenciais de eficiência e outros preceitos constitucionais, não autorizando que o juiz substitua sua função política, mas permitindo que haja o devido controle de compatibilidade de sua conduta com os valores e normas vigentes da Carta Maior200. Também nessa linha encontra-se Mauro Mattos, ao considerar esse dogma de intangibilidade do ato administrativo discricionário como resquício do Estado Absolutista, aventando que a primeira fase do Direito Administrativo - dos primórdios da Revolução Francesa - fixou a noção de ato administrativo para delimitar as ações da 199 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5955, ago. 2005. 200 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 514. 111 Administração Pública, “excluídas” por lei da fiscalização dos tribunais judiciais, formalizada pela Lei de 16 Fructidor do Ano II (1795) que, em consonância com o princípio da separação dos poderes, houve a subtração dos atos administrativos da jurisdição dos tribunais201. Realmente parece haver lógica em assim entender o autor acima referido, tendo em vista que ainda hoje o Estado francês permanece com sua dupla jurisdição, a judicial e a administrativa, esta última intangível aos efeitos das decisões dos juízes, não podendo eles apreciar sua matéria, eis que a decisão administrativa tem natureza de coisa julgada material (administrativa e judicialmente), insuscetível, pois, de ser revista em outra seara. Mauro Mattos também ressalta que um dos traços do constitucionalismo moderno é o rompimento de fronteiras anteriores marcadas pelo antigo regime deposto pela Revolução Francesa. Ou seja, foi criada uma justiça administrativa como fruto das idéias liberais que despontavam. Contudo, ainda prevaleciam os velhos conceitos do regime anterior. Daí a necessidade de uma separação de poderes, que culminou na criação do contencioso administrativo, tendo como objetivo a proteção do Estado com a “proibição dos Tribunais judiciais conhecerem dos litígios, como reação ao modo de atuação dos parlamentos do Antigo Regime”202. Isso também porque o juiz, atualmente, não é mais visto como simples aplicador do direito, mas verdadeiro agente político que interfere diretamente nas políticas públicas. Este papel se faz sentir em todas as oportunidades em que o magistrado é 201 Idem, p. 5957, ago. 2005. 112 levado a julgar, mormente quando se refere a decisões envolvendo conveniência e oportunidade de políticas públicas. Nesta ótica, passa a ser obrigatório o firme controle do ato administrativo, em especial do ato discricionário, sob pena de se autorizar ao gestor público uma atuação ampla e sem limites definidos, o que se destoaria dos lineamentos trazidos pela Constituição da República, mormente com a reforma originadas pela Emenda nº 19 de 1998. A propósito, a lição de Paulo Magalhães ao ressaltar que a existência de várias opções de natureza discricionária não torna imune a atividade administrativa do controle jurisdicional, uma vez que essa atribuição do administrador público não tem o valor de um ‘cheque em branco’ ou a possibilidade de opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e, sobretudo, ofensivas aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico203. Comungando desse mesmo entendimento, Fábio Franco e Antônio Martins trazem que a escola de administrativistas franceses construiu o arcabouço doutrinário e principiológico sobre o qual hoje se trabalha, estruturando o conceito de discricionariedade administrativa em torno da idéia de “poder”, colocando-a como atributo imprescindível ao seu exercício204. Com efeito, e por estes motivos – quiçá – parte da doutrina nacional parece não ter se desprendido totalmente da primeira fase do Estado, entendendo que 202 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5960, ago. 2005. 203 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49. 204 FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 49. 113 o efetivo controle do ato administrativo discricionário resultaria uma intromissão indesejada e contrária ao modelo clássico de separação dos poderes, vedando-se a fiscalização constitucional pelo Judiciário. Essa posição restou bem esquadrinhada por Germana Moraes, ao anotar que a discricionariedade nunca deixou de ser vista, por alguns, como a barreira para a sindicabilidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, estigma que ainda acompanha, inclusive, modernas compreensões teóricas da categoria, as quais definem a discricionariedade como o âmbito no qual a Administração pode decidir autonomamente sem vincular-se a parâmetros jurídicos205. Assim, a tarefa do julgador torna-se árdua, chegando-se a indagar acerca de sua legitimidade para imiscuir-se na análise de decisões discricionárias (principalmente de políticas públicas) que, por sua vez, se mostram em perfeita consonância com a lei, não tendo, à primeira vista, nenhuma razão para serem alteradas. Neste sentido, e como já dito, ganha relevo o estudo da hermenêutica, na medida em que parece ser a interpretação o primeiro limite imposto à atividade discricionária. Isso porque o texto constitucional merece tradução maximizada, a fim de se atribuir concretude a suas normas e a seu espírito. Parece não haver, pois, como a Administração se caracterizar como detentora de uma ampla escolha discricionária, uma vez que ela é sempre condicionada 205 MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 28. 114 pelos pressupostos fixados pela própria norma, cercada, ainda, dos princípios jurídicos gerais da atividade administrativa, sempre reguladores de seu exercício discricionário. A discricionariedade administrativa se faz presente quando, por exemplo, se depara com recursos escassos, tendo que escolher em quais necessidades sociais utilizará os parcos recursos, abrindo-se margem para a eleição da medida mais adequada, segundo seus critérios. Essa discricionariedade deve ser encarada, pois, não como poder, mas como o dever que tem a Administração em exercer suas atividades dentro de determinados limites que a própria lei lhe impõe, não se constituindo em opção arbitrária para o gestor público, mas obrigação que lhe advém com o encargo, exigindo-se que sua opção preencha as necessidades do melhor interesse público, segundo motivos razoáveis e devidamente fundamentados. Neste exato diapasão posiciona-se Batista Júnior, possibilitando a sindicabilidade do ato administrativo discricionário, ainda que se refira ao seu mérito, ensinando que não existem comportamentos estatais invulneráveis ao controle da juridicidade no moderno Estado Social de Direito, ainda que se trate de conveniência ou oportunidade da Administração Pública. O que não há possibilidade é de se substituir a função administrativa pela judicial, pela força da decisão desta última. Isso não significa ser o ato administrativo imune ao controle jurisdicional206. 206 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 301-302. 115 Entretanto, essa abertura de margem discricionária pressupõe, segundo Batista Júnior, a busca da melhor solução para o bem comum, à consecução do melhor interesse público, exigindo-se da Administração a atuação eficiente para atuar no espaço não coberto pela rigidez das normas jurídicas, alinhando-se ao cumprimento dos preceitos constitucionais207. Neste tear, e com uma definição mais precisa de discricionariedade administrativa, Fábio Franco e Antônio Martins a narram como sendo o dever de o Administrador Público, ante o grau de imprecisão existente na norma, optar pela solução mais razoável, proporcional e dentro dos limites da norma, que mais se compatibilize com o interesse público, ou seja, com a eficiente realização do objetivo colimado, tudo ditado pela Constituição Federal, pelas normas de inferior hierarquia e pelos valores dominantes ao tempo da consecução do ato208. Bandeira de Mello parece dividir o mesmo posicionamento quanto ao mérito do ato administrativo, aventando que ele não pode ser mais que o círculo de liberdade indispensável para avaliar no caso concreto, o que é conveniente e oportuno à luz do escopo da lei. Nunca será liberdade para decidir em dissonância com este escopo209. Nesta mesma senda, José Reinaldo de Lima ressalta a importância da realização de uma justiça distributiva pelo Judiciário em busca de tornar políticas públicas mais eficientes. Segundo ele, trata-se de garantir condições de exercício de direitos sociais e 207 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 309-310. 208 FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 47, 116 de gozo de bens não submetidos ao regime da propriedade, da disponibilidade do consumo, da mercadoria, vindo o Estado, por meio de seus órgãos jurisdicionais, evitar o avanço dessa mentalidade privatista na área de serviços públicos, interferindo na distribuição desigual dos benefícios sociais210. Arrematando, João Batista Marques reforça a importância da credibilidade popular para o êxito das políticas públicas, entendendo que a eficiência desta última está intimamente ligada ao apoio da sociedade, proporcionando um feedback ao gestor público e participando das decisões em busca do sucesso das políticas públicas211. Com efeito, a concepção puramente positivista do papel do juiz – que se limitava em aplicar a lei como ela friamente se apresenta – parece estar superada, restando sua legitimidade justificada pela busca do conceito de justo ou mesmo de interpretação, adequando a lei ao caso concreto. 4.2. PARÂMETROS PARA A INTERVENÇÃO JUDICIAL Eventual controle ou fiscalização do Poder Judiciário sobre políticas públicas exige parâmetros identificáveis para sua realização. Isso se faz, por exemplo, analisando as metas prioritárias fixadas pelo Poder Público, tendo-se, aí critérios possíveis para essa intervenção jurisdicional, levando-se em conta, ainda, os preceitos 209 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle judicial. 2a ed. Malheiros, São Paulo, 1993, pp. 82-83. 210 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais. p. 135. 211 MARQUES, João Batista. A gestão pública moderna e a credibilidade nas políticas públicas. Revista de informação legislativa. Brasília, a. 40, n. 158, abr/jun 2003. 117 consubstanciados constitucionalmente, tanto em matéria de políticas públicas em sentido mais concreto, como também abstratamente, em termos de princípios consagrados na mesma Carta. Ana Paula de Barcellos traz – ainda que de forma mais genérica – três diferentes tipos de parâmetros identificáveis para se justificar essa interferência judicial. Em primeiro lugar, cita uma categoria puramente objetiva para se realizar esse controle, baseado essencialmente na quantidade de recursos, em termos absolutos ou relativos, que deverá ser aplicada em políticas públicas destinadas a implementar determinadas finalidades constitucionais, transcrevendo, inclusive, trecho da Constituição Federal que exemplifica norma que permite essa ocorrência (Art. 212. “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino”)212. Um segundo parâmetro de controle que se pode construir a partir do texto constitucional diz respeito ao resultado final esperado da atuação estatal, tratando-se de identificar bens mínimos a serem, afinal, ofertados pelo Estado, promovendo direitos fundamentais e dignidade humana, não sendo plausível prever outras políticas públicas enquanto aquelas prioritárias não sejam alcançadas213. 212 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da UniBrasil. V. 5, nº 5 (Jan/Dez, 2005). Curitiba: UniBrasil, 2005, p. 138. 213 Idem, p. 139. 118 Um terceiro e último parâmetro envolve o controle da própria definição das políticas públicas fixadas e a serem implementadas, ou seja, os meios escolhidos pelo Poder Público para realizar as metas constitucionais, tendo como objetivo assegurar uma eficiência mínima às ações estatais e seu fundamento decorrente de tudo o que já se expôs sobre a vinculação do Estado às metas constitucionais e sobre as escolhas públicas em um Estado democrático republicano214. Ressalta, por fim, a relevância da transparência na gestão pública, servindo a publicidade de instrumento para o controle jurisdicional das políticas públicas, bem como dos gastos públicos, tendo as informações orçamentárias papel democrático de especial atenção, permitindo identificar minimamente quais as políticas públicas que se deseja implementar, previstas especificamente em procedimento próprio. Conveniente seria, neste contexto, assegurar a participação pública, principalmente de entidades ou associações na escolha política de políticas públicas, bem como na formulação do orçamento, já havendo, inclusive, instrumentos políticodemocráticos com essa finalidade, conhecido como orçamento participativo, este elaborado geralmente com realização de audiências públicas com as comunidades interessadas, usuárias ou destinatárias dos serviços públicos a serem prestados. Como bem ressaltado por Marcelo Figueiredo, desta forma amplia-se por intermédio da comunidade e também do Poder Judiciário o controle de legalidade dos atos públicos e a eficiência dos programas governamentais nas várias esferas 214 Idem. 119 da federação brasileira, diminuindo consequentemente em muitos casos a margem de discricionariedade (e de abuso) do administrador público215. a) Mínimo existencial e direitos fundamentais Muito se tem discutido na doutrina sobre o real significado e alcance dos chamados direitos fundamentais, mormente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Considera-se que o homem já adquire e possui direitos ou liberdades decorrentes de sua própria condição de ser humano, ou seja, desde o nascituro (artigos 1º e 2º do Código Civil Brasileiro). Trata-se, pois, de um direito natural ou, nas palavras de Luis Fernando Barzotto, os direitos humanos são uma espécie do gênero direito subjetivo: são os direitos subjetivos que cabem a todo ser humano em virtude de sua humanidade216. Para tanto, o Estado deve garantir esses direitos, eis que aquele é consequência da livre adesão dos homens a um acordo que fixa as bases de atuação da comunidade política, sempre vinculada ao respeito da liberdade individual, remontando-se à idéia da teoria do contrato social, de Jean Jaques Rousseau. Fazendo-se uma breve digressão até a Idade Média, quase nada se falava sobre os direitos fundamentais e garantias que pudessem viabilizar uma condição digna de vida a todo cidadão, sendo comum a constatação de situações desumanas, sobretudo com a adoção de sistemas escravocratas e de servidão em vários Estados ou impérios. 215 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 44. 120 Com o decorrer do tempo, vários foram os atos históricos que influenciaram a consolidação dos direitos fundamentais, começando pela Magna Carta de 1215, de João Sem Terra na Inglaterra. Em seguida, pode-se referir à Petition of Rights de 1628, também na Inglaterra, além do Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights de 1689 e Declaração de Virgínia de 1776, sem deixar de mencionar a Constituição Francesa de 1789. Noticia-se que a Constituição da República do Brasil de 1824 foi a primeira do mundo a expressar, em termos normativos, os direitos do homem217, inovando no sistema jurídico mundial, com uma visão estatal mais humanista e solidária – ao menos formalmente –, positivando o dever do Estado na função garantidora desses institutos. José Carlos Andrade observa que os direitos fundamentais podem ser analisados sob diversas dimensões, tanto enquanto direitos de todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares – perspectiva filosófica ou jusnaturalista –; como num certo tempo – perspectiva universalista ou internacionalista –; como ainda podem ser referidos num determinado tempo e lugar, isto é, em um Estado concreto – perspectiva estadual ou constitucional218. Em sentido estrito, com enfoque no objeto do presente trabalho, os contornos e importância dos direitos fundamentais foram trazidos efetivamente pelo Constitucionalismo, um movimento e técnica jurídica de tutela das liberdades surgido nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições 216 BARZOTTO, Luís Fernando. A democracia na constituição. São Leopoldo. Unisinos 2003, p. 23. BULLOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 132. 218 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, Coimbra, Livr. Almedina, 1987, p. 11. 217 121 escritas, os seus direitos e garantias fundamentais sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio. A partir de então, adotou-se esse modelo nas constituições mais democráticas, entendendo que o Estado era quem deveria se submeter aos ditames da Constituição, e não ao contrário, pugnando-se por uma visão humanista em contrapartida à frieza do Absolutismo. Vindo à tona, e em contrapartida aos abusos revelados pelo Estado Absolutista, o Constitucionalismo tinha como espeque a limitação do poder estatal, adotando preceitos e teses trazidas por pensadores políticos, como Montesquieu, e eventos históricos da época, restringindo a atuação soberana do monarca e garantindo liberdades públicas antes desprezadas. Os direitos fundamentais são, assim, divididos por fases, pela doutrina, de acordo com as suas características apontadas em cada uma delas. A primeira fase ou geração dos direitos humanos fundamentais refere-se às liberdades, com ausência de atuação do Estado (posição negativa), o qual se obrigava a uma não-intervenção nas questões sociais e particulares. A segunda geração é marcada pela presença de uma prestação positiva do Estado (direitos positivos), com uma atuação paternalista estatal, assegurando principalmente a igualdade entre todos. Já a terceira geração, a sua vez, é regida por um sentimento de solidariedade e humanismo, tendo o Estado se enveredado a este mister, numa visão universalista e unitária de mundo, sem diferenciar as pessoas, venham elas do lugar ou país que for. 122 Há quem se refira, ainda, a uma quarta ou quinta gerações destes direitos, indicando a globalização, a informática e a cibernética como marcos que as identificam219. Todavia, em razão da duvidosa aceitação doutrinária, além da pouca relevância neste trabalho, deixa-se de abordá-las com a profundidade que mereceriam. Barcellos prefere diagnosticar um novo constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo), destacando particularidades caracterizadoras desse novo modelo, sendo identificadas em dois grupos principais: um que congrega elementos metodológico-formais e outro que reúne elementos materiais. Do ponto de vista metodológico-formal, o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais: i) a normatividade da Constituição dotada de imperatividade; ii) a superioridade hierárquica da Constituição sobre as demais normais; iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos. Do ponto de vista material, pelo menos dois elementos caracterizam o neoconstitucionalismo: i) a incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais; ii) a expansão de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas dentro do próprio sistema constitucional220. Como peculiaridades que os distingue dos demais, os direitos fundamentais detêm suas peculiaridades, havendo, inclusive, princípios de interpretação do próprio texto constitucional que servem de instrumentos úteis para retirar da Carta Maior o seu real alcance e exato significado. Como exemplo, ressalta-se o princípio da concordância 219 Fase constatada por André Ramos Tavares, Ingo Sarlet e José Roberto Dromi. Apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12a ed. Saraiva, São Paulo, 2008, p. 07. 220 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionlismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 5, n. 5 (Jan/Dez, 2005). Curitiba, UniBrasil, 2005, ps. 125-128. 123 prática ou da harmonização, da máxima efetividade, como também os métodos finalístico e sistemático, tendo papéis fundamentais nesse desígnio. Em primeiro lugar, possuem tais espécies de direitos a qualidade de serem inalienáveis, ou seja, não podem seus destinatários transferi-los a terceiros, sendo, portanto, personalíssimos, pertencentes a cada pessoa pelo simples fato de existirem. São também indisponíveis. Isso significa que ninguém pode renunciar tais direitos, ainda que por vontade própria, parecendo estarem estas prerrogativas até mesmo acima da vontade humana, impedindo que sejam dispostos de alguma forma. A imprescritibilidade também é marca basilar dos direitos fundamentais, significando que o seu não-uso não o fará perecer, podendo, a qualquer tempo, serem usados pelos seus titulares sem temor de sua decadência pela inutilidade ou ineficiência. Neste particular, fenômeno que não se pode deixar de abordar é o da constitucionalização, advinda do movimento constitucionalista, elevando a previsão de tais direitos à ordem constitucional, a fim de se assegurar maior validade, eficácia e segurança a seus detentores, dificultando sua supressão da ordem jurídica vigente por eventual procedimento legislativo ordinário. Em se tratando de direitos humanos ou fundamentais, mister aclarar que se tratam de espécie de direitos subjetivos, cuja especialidade reside exatamente no fato de ser possível colocar o Estado num dos pólos da relação em questão, a fim de se exigir a sua observância e cumprimento221. 124 O mesmo se dá quando uma norma criada pelo próprio órgão legislativo federal prevê direitos a serem garantidos na órbita social, falando-se em direitos sociais, sendo, na realidade, espécies de direitos subjetivos, só que agora incrementado com um caráter público imanente, exigindo uma contraprestação do Estado, que é o detentor do poder para concretizar as realizações nesta seara. Assim, os direitos subjetivos públicos devem ser conceituados a partir da especialidade da situação ou relação de natureza pública de onde emanam, e também tendo em vista o tipo de prestação a ela correlata, afastando, outrossim, o caráter privatístico daqueles. A partir daí, a verificação empírica permite reconhecer que esses então novos direitos – ao contrário das liberdades clássicas – dependem da atuação positiva do Estado, no sentido em que os mesmos somente se efetivam mediante prestação positiva estatal, intitulando-os direitos fundamentais sociais222. Importante distinguir os direitos de defesa dos direitos sociais prestacionais, identificando-se os primeiros por sua natureza preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerências na sua autonomia pessoal, se aproximando da clássica lição francesa (laissez-faire). Os segundos, a sua vez, têm por objeto conduta positiva do Estado (ou particulares destinatários da norma), consistente numa prestação de natureza fática. Enquanto a função precípua dos direitos de defesa é a de limitar o poder estatal, os direitos sociais (como direitos de prestações) reclamam uma crescente posição ativa do Estado na esfera econômica e social, 221 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos. Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 229. 222 Idem, ps. 220 e 236. 125 objetivando a realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais. A característica marcante dos direitos prestacionais no ponto de vista pragmático parece ser, assim, a juridicidade da situação, permitindo ao cidadão (ou ente) que provoque o Poder Judiciário para obter determinação coercitiva contra o próprio Estado, no sentido de possibilitar os meios concretos para o gozo dos direitos fundamentais sociais. José Reinaldo Lopes considera esses direitos sociais tipicamente novos, estando espalhados por toda a Constituição Federal, diferindo em natureza dos antigos direitos subjetivos, não apenas por serem coletivos, mas por exigirem remédios distintos. Mais ainda, têm uma implicação política inovadora na medida em que permitem a discussão da justiça geral e da justiça distributiva223. Não há como se descurar, pois, da exigibilidade dos direitos sociais, sendo normas que definem direitos para o presente e, portanto, deve o Judiciário interpretá-los de forma a garantir-lhes máxima aplicação e efetivação, e em caso de eventual conflito, deve ser assegurada a força normativa da Constituição224. Indagações contidas no cerne deste estudo dizem respeito ao critério autorizador e ao alcance da decisão judicial para intervir nas políticas públicas que não respeitem os direitos sociais consagrados na atual Constituição da República. Ou seja, 223 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo: Malheiros Editora, 1994, p. 127. 126 quais seriam os direitos sociais que autorizariam o Poder Judiciário, em um sentido práticoobjetivo, a se pronunciar e determinar a realização de políticas públicas conforme o seu entendimento de justiça e razoabilidade? Segundo Marcelo Figueiredo, pode-se afirmar, em linhas gerais, que existem três grandes correntes a respeito da exigência dos direitos sociais, a saber: a) a dos que entendem serem exigíveis todos os direitos classificados pela Constituição como fundamentais; b) a dos que entendem serem exigíveis apenas os direitos negativos, já que os positivos, por demandarem recursos, seriam exigíveis sob a cláusula da “reserva do possível”; c) e a dos que entendem haver um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial que seria sempre exigível; os demais restariam também na reserva do possível225. A jurisprudência do Pretório Excelso parece ter se aderido àquela terceira corrente acima informada, crendo ser dever do Estado garantir condições que entende serem mínimas para a existência humana com dignidade. Citem-se dois casos levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, sendo considerados julgados com posições de grande referência nesse contexto. Primeiramente, ressalta-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 345, na qual figurou como Relator o Ministro Celso de Mello. Questionava-se, no caso, eventual desrespeito quanto ao veto presidencial no orçamento de determinado ano, configurando – em tese - desrespeito ao preceito fundamental 224 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. O papel ativo do poder judiciário enquanto efetivador dos direitos sociais da constituição federal de 1988. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 6, n. 6 (Jan/Dez, 2006). Curitiba, UniBrasil, 2006, p. 76. 225 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p.43. 127 decorrente da Emenda Constitucional nº 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Primeiramente, o Ministro Celso de Mello destacou a idoneidade e aptidão do instrumento para viabilizar e concretizar políticas públicas, quando estas estejam previstas no texto da Constituição e venham a ser descumpridas pelas instâncias governamentais. Admitiu, assim, o Relator a atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal em pôr em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional, não podendo a Corte demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional. Pronunciou-se, ainda, o Relator que não se inclui ordinariamente nas funções institucionais do Judiciário a formulação e implementação de políticas públicas, mas poderá ele intervir nas atribuições dos órgãos dos demais poderes quando estes descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, comprometendo a eficácia e a integridade dos direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estrutura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Por fim, reconheceu que há limitações orçamentárias que impedem a ampla realização de políticas públicas, mas ressaltou que não pode a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – ser invocada pelo Estado para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, mormente quando se tratar de direitos impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade, atrelado às condições da própria dignidade humana, sendo esse mínimo existencial um alvo prioritário dos gastos públicos226. 226 Julgado disponível na página eletrônica do STF na internet: www.stf.gov.br. 128 Percebe-se, assim, que não há uma discricionariedade absoluta nas decisões políticas do legislador ou do próprio administrador para conformar os direitos sociais na implementação de políticas públicas, eis que há um núcleo considerado intangível na própria Carta Constitucional que os impede de reduzir aquelas condições ou direitos ali consignados, sob pena de se legitimar o Judiciário a determinar a concretização da prestação constitucional injustamente negada pelo Estado. Ou, nos dizeres de Marcelo Figueiredo, “é a Constituição e na Constituição que a resposta a essa questão (da extensão e limite do controle) deve ser encontrada”227. Fábio Comparato, analisando estas questões dentro das políticas públicas, defendendo a idéia de haver um juízo de constitucionalidade dentro delas mesmas, esclarecendo sobre a apreciação judicial, tanto da lei que a autoriza como de sua própria execução, nos seguintes termos: É irrecusável, em primeiro lugar, reconhecer que o juízo de inconstitucionalidade atingiria todas as leis e atos normativos executórios envolvidos no programa de ação governamental. Não se pode, porém, deixar de admitir que esse efeito invalidante há de produzir-se tão-só ex nunc, ou seja, com a preservação de todos os atos ou contratos concluídos antes do trânsito em julgado da decisão, pois, de outra sorte, poder-se-ia instituir o caos na Administração Pública e nos negócios privados228. Situações mais graves se verificam quando se exige a implementação de medidas e execução de atos administrativos discricionários inerentes às políticas públicas, vindo estas ações a atingir, em tese, direitos sociais legalmente previstos, indagando se se trata de direitos subjetivos ou de mera expectativa aos cidadãos destinatários. 227 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998, p. 47. 228 Idem, p. 47. 129 Oportuna a observação de Galdino quando atenta sobre a ênfase privatística que fazem nossos juristas quanto aos direitos subjetivos, aduzindo ser produto do individualismo que forma a Pandectística (de origem no Direito Romano), utilizados pelos autores brasileiros e desenvolvidos sobre o direito privado, tendo como pressuposto (ou protótipo) uma relação jurídica típica entre dois indivíduos singularmente considerados, via de regra de conteúdo obrigacional229. Ainda tendo sob análise o cenário político encontrado no final do século XX, cercado por ideais do neoliberalismo, assaz a lição de Marcelo Figueiredo ao ressaltar que referido modelo pretendia não só diminuir a presença do Estado como produtor e empresário, mas também relativizar a importância dos chamados “direitos sociais”. Entretanto, esse movimento, nesse aspecto, não teve força suficiente para obrigar o Estado a cumprir os objetivos solidários da justiça social e a melhoria das condições de sua vida230, principalmente no Brasil, em razão das condições sociais precárias encontradas em vários locais de seu extenso território, tendo o neoliberalismo influenciado de forma mais evidente no mercado e na seara econômica. E mais, arremata o autor enfatizando o papel do Judiciário neste particular, entendendo que as reformas liberalizantes por que passou o país na década passada, ainda remanesce um Estado Social e Democrático de Direito, sendo obrigação constitucional a realização dos objetivos constantes de seu artigo 3º, a partir de suas políticas púbicas, tendo o Poder Judiciário, nesse contexto, importante parcela de responsabilidade social231. 229 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos. Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 219. 230 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, pp. 36-37. 231 Idem, p. 37. 130 No sentido de ser uma norma cogente, José Reinaldo salienta que o direito subjetivo nada mais é do que o reflexo de deveres impostos a outrem por meio de sanções, por um sistema de responsabilidade. A essência do direito subjetivo, que é mais do que simples reflexo de um dever jurídico, reside em que uma norma confere a um indivíduo o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento de um dever jurídico, entendendo que o Judiciário pode ser um poderoso instrumento de formação de políticas públicas quando provocado adequadamente, eis que as garantias dos direitos sociais podem ser efetivadas, hoje, por alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito público subjetivo, o cidadão está habilitado a exigi-lo do Estado, seja pela prestação direta, seja pela indenização232. Convém trazer à baila o esboço teórico esquematizado pelo mesmo autor, aventando que: 1) as regras do jogo democrático são apenas o mínimo, sem as quais não pode haver democracia, mas que por si sós não asseguram a existência da democracia. Em outras palavras, são condições necessárias, mas não suficientes, da via democrática (Bobbio); 2) a democracia está num processo de expansão, que almeja mais liberdade em mais lugares; 3) os novos direitos sociais são representativos dessa realidade e por isso são constitucionais, sendo elementos essenciais da democracia; 4) a negativa dos direitos sociais, ou seja, a negativa das condições de possibilidade de vida digna garantida sob o nome de direitos sociais é negativa da democracia; 5) os direitos sociais, em regra, dependem, para sua eficácia, de atuação do Executivo e do Legislativo por terem o caráter de 232 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo: Malheiros Editora, 1994, pp.114/115; 136/137. 131 generalidade e publicidade. Por fim, assegura a legitimidade jurisdicional para a efetivação desses direitos, eis que garantidos pela própria Constituição233. Oportuno ressaltar as diferentes repercussões e efeitos práticos em relação ao Estado, quando se analisam os direitos sociais garantidos pela norma (geralmente pela Constituição), sendo imprescindível que se identifique se se tratam de direitos positivos ou negativos. Como traz Flávio Galdino, existem direitos subjetivos que independem de qualquer prestação pública, daí serem chamados negativos (integrando na célebre classificação de Georg Gellinek, um status negativo do indivíduo sobre o Estado)234. Assim, necessária a identificação do Estado para que se possa analisar a efetivação de suas medidas de governo, suas políticas públicas, dependendo do caráter liberal ou social que se apresenta o ente estatal. Na lição de Flávio Galdino, enquanto o Estado do tipo ‘liberal’ é referido como aquele cuja instituição reconhece apenas direitos negativos (liberdades), o Estado social e sua constituição reconhecem os direitos positivos, consubstanciados na exigibilidade jurídica (justicialidade ou sindicabilidade) de prestações estatais positivas235. Tomando esses mesmos direitos como parâmetro para a intervenção judicial, Luís Roberto Barroso entende que modernamente já não cabe indagar o caráter jurídico e, pois, a exigibilidade e acionabilidade dos direitos fundamentais, na sua tríplice tipologia. A afirmação dos direitos fundamentais como um todo, na sua 233 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 42. 234 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos. Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 244. 235 Idem. p. 226. 132 exequibilidade plena, vem sendo positivada nas Cartas Políticas mais recentes, destinadas a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais 236. Ora, em uma análise um tanto quanto lógica, chega-se à conclusão afirmativa quanto a esta possibilidade de intervenção judicial. Se a lei deve retirar seu fundamento de validade da própria Constituição, e nesta há disposições de cunho materialmente invioláveis – referentes a direitos fundamentais – evidente que a norma infraconstitucional não poderá violar estes preceitos de nível normativo superior, sob pena de se macular de vício, autorizando (e exigindo, numa visão publicista), pois, a intervenção judicial para invalidar ou suspender a sua eficácia. Nessa mesma esteira, Marcelo Figueiredo afirma que a Constituição é um importante elemento de referência e validade para o desenvolvimento de inúmeras políticas públicas nos diversos segmentos e atividades por ela regulados, traçando em maior ou menor grau os próprios elementos da política pública que devem ser desenvolvidos e concretizados237. Em busca desses objetivos, parece haver uma aproximação à idéia de justiça social e distributiva, remontando às idéias de John Rawls, que se preocupa com a produção das decisões estatais a partir de julgamentos políticos e de forma razoável, garantindo, desse modo, direitos e liberdades que devem ser protegidos em um Estado, principalmente em um democrático de Direito, acepção construída a partir de um senso de justiça equitativa e com legitimidade democrática patente (participação política coletiva). 236 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidade da Constituição brasileira. 4a ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2000, p. 106. 133 Rawls tem o objetivo de construir critérios a partir dos quais seja possível discutir o justo; e a construção desses critérios pode ser percebida como exercício de uma filosofia crítica, partindo de situações consideradas imparciais e originais, com procedimentos democráticos. Adota, assim, um modelo liberal, politicamente, baseado em uma democracia constitucional, preocupando-se com o contexto de pluralidades das sociedades democráticas, a fim de se construir uma realidade justa, apesar das divergências de natureza moral, filosófica e religiosa, buscando um meio de coexistência e tolerância de sujeitos com diversos interesses, mas que, organizados politicamente, possam chegar a um consenso dito sobreposto, conciliando problemas de liberdade e igualdade nas sociedades modernas industriais e capitalistas238. O filósofo, apesar de se mostrar um liberal político, não o é socialmente falando, transmitindo estar incumbindo o Estado de funções não meramente administrativas, mas também econômicas. Não parece, todavia, subordinar a liberdade política à econômica, mas a considera como expressão da liberdade, cujo controle é feito pelos princípios da justiça. O Estado teria, assim, relevante papel na busca da igualdade e justiça sociais, tendo a função de fiscalizar as instituições e o próprio mercado, para que eles proporcionem condições justas aos cidadãos e acesso aos bens primários fundamentais239. Parecendo comungar desse entendimento de justiça social e distributiva, José Reinaldo aborda uma teoria da justiça contemporânea, parafraseando Chaim 237 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral. Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 38. 238 RAWLS, John. 2000. O liberalismo político. Translated by D. A. Azevedo. Edited by F. Paixão. 2a ed. Série Temas. Filosofia e Política. São Paulo: Editora Ática, p. 232. 239 Idem. 134 Perelman, ao afirmar que a Justiça é um princípio da ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria devem ser tratados da mesma maneira. Essa igualdade, assim, teria dois momentos: 1) igualdade no que diz respeito à divisão das categorias (a fim de tratar os iguais de maneira igual e desigualmente os desiguais); 2) igualdade no que diz respeito à submissão às regras. No primeiro caso significa que as distinções devem ser feitas com critérios razoáveis e inteligíveis. No segundo caso significa que uma vez estabelecidas as diferenças e as semelhanças, as disputas serão resolvidas segundo as regras, e estas serão aplicadas igualmente para os casos iguais240. Dessa forma, deve haver um consenso ideológico em busca desse desejo igualitário, evitando-se a repressão de uma classe sobre outra e, eventualmente, a revolta social ou crise institucional. Nesta linha aparentemente marxista, Nicos Poulantzas enfatiza que a repressão de classe não poderia, sozinha, garantir a “coesão” da sociedade de classe, esta pressupõe medidas para assegurar um desenrolar relativamente fluido no processo de (re)produção econômica, exigindo participação do Estado para a criação desde “condições materiais gerais da produção” à garantia da reprodução da força de trabalho241. Para contextualizar outra situação concreta, em junho de 2007 uma nova questão foi dirigida ao Supremo Tribunal Federal, sendo distribuído o processo (SS 3205) à então Presidente Ministra Ellen Gracie, no qual se pleiteava a suspensão da execução de medida liminar concedida em juízo a quo, determinando o fornecimento do medicamento Diazóxido (importado) para manutenção de tratamento médico de criança portadora de 240 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo: Malheiros Editora, 1994, p. 139. 241 POULANTZAS, Nicos (org.). Estado em crise. Trad. Maria Laura Viveiros de Castro. Graal, Rio de Janeiro, 1977, p. 93. 135 hiperinsulinismo congênito. Embora o governo do Estado tenha se mostrado expressamente contra a medida, manifestando pelo eventual comprometimento do orçamento e sacrifício nos tratamentos dos demais pacientes internados, a nobre Ministra entendeu se tratar de medida imprescindível para a manutenção da vida de ser humano, determinando, assim, a importação do medicamento até que a menor completasse dois anos de idade, quando teoricamente poderia o remédio ser gradativamente suspenso ou substituído242. Outros inúmeros pedidos vêm sendo ajuizados em busca de efetivação de direitos sociais individuais que levam o juiz a decidir naquele caso concreto, no qual foi o pleito negado pelo Poder Público. Exemplos típicos são os referentes à saúde, situações em que o cidadão-paciente não detém condições financeiras para arcar com os custos do tratamento médico nem disponibiliza o Estado referido serviço gratuitamente. Caso semelhante ao narrado foi o ajuizamento de ação no Estado do Rio de Janeiro, na qual visava a autora concessão de medicamento para tratamento de saúde, quando lhe foi negado o fornecimento pelos órgãos executivos competentes. Neste caso específico, por decisão judicial lhe foi assegurado o direito de ter acesso ao medicamento pretendido, com espeque na supremacia do direito à vida e à saúde em detrimento a princípios orçamentários, determinando ao Estado o seu fornecimento, entendendo que a decisão judicial que determina ao Poder Público fornecer medicamentos gratuitamente aos necessitados em razão de doença não ofende o principio do orçamento. Isso em razão da supremacia da vida humana em detrimento de fato financeiro do Estado, que existe para servir o cidadão e não para servir-se do mesmo. Toda e qualquer argumentação jurídica cede ante a função social do direito, que impõe ao julgador atentar para o fim social da norma jurídica ao aplicá-la. 242 Julgado disponível na página eletrônica do STF na internet: www.stf.gov.br. 136 Portadores de doenças graves têm o direito, assim, de receber do Poder Público os medicamentos que não podem adquirir243. Decisões como a acima mencionada parecem estar em consonância com a atual ordem constitucional, vindo o Poder Judiciário a preencher as lacunas de ineficiência dos demais Poderes, principalmente o Executivo, por suas políticas públicas incapazes de atender a universalidade, como pretendido pelo texto constitucional. Entretanto, imperioso não perder de vista as eventuais consequências que possam advir de decisões judiciais que visem a atender individualmente o cidadão acometido por alguma moléstia, podendo, neste ato, desencadear um outro problema que será suportado por uma quantidade muito maior de doentes, podendo comprometer o tratamento destes últimos. Com este pensamento, aliás, também tem o Judiciário se pronunciado, negando a prestação estatal a quem se dirige à Justiça com esse fim individual, justamente com um fundamento comunitário, preocupando-se com as consequências coletivas que poderiam surgir daquela ordem judicial244. 243 TJRJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 2000.002.05540 - DES. LUIZ CARLOS GUIMARÃES Julgamento: 23/08/2000 - DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. 244 “Mandado de segurança - Impetrante portador de distrofia muscular progressiva - Inexistência de comprovação da indispensabilidade da internação domiciliar, mais custosa ao Município - Perigo de dano inverso: risco à vida e à saúde de diversos pacientes internados no Hospital Municipal de Itaboraí, que se verão privados de aparelhos, medicamentos e profissionais de saúde, que passariam a atender o Apelante, com exclusividade, em sua residência Princípio da reserva do possível - (...). Princípios da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e reserva do possível, que devem ser observados no caso concreto. Manutenção da sentença. Improvimento do Recurso TJRJ - 2008.001.22943 - Apelação Cível - Des. Caetano Fonseca Costa – julgamento: 13/08/2008 - Sétima Câmara Cível. 137 Desta feita, percebe-se que, apesar da previsão e possibilidade de intervenção judicial em busca da concretude desses direitos, muito se discute acerca das consequências fáticas de sua imediata aplicação por meio judicial, tendo em vista o interesse público maior. Outrossim, se indaga sobre a possibilidade de imediata aplicabilidade das normas constitucionais que prevêem genericamente os direitos fundamentais, exigindo-se, em certas situações, regulamentação legislativa para exigir o imediato e total cumprimento da prestação estatal para a efetivação do direito preceituado na norma. O artigo 5º, parágrafo 1º, de atual Constituição da República do Brasil deixa claro que todos os direitos ali previstos são de aplicabilidade imediata, não exigindo norma infraconstitucional que deva disciplinar ou permitir, a partir daí, o seu uso. Apesar da previsão constitucional, nem todas as normas constitucionais são dotadas de densidade normativa suficiente para permitir sua imediata aplicação a casos concretos. Para tais omissões que dificultam ou mesmo impedem o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania, a própria Constituição prevê um remédio para sanar esta omissão e viabilizar a efetivação desses direitos. Esse remédio, que já foi referido anteriormente, é o mandado de injunção, previsto no artigo 5º, LXXI, da Constituição de 1988, sobre o qual se discorrerá com maior minudência em momento posterior. 138 Nossa Constituição da República assegura vários direitos fundamentais no decorrer de seu artigo 5º, garantindo, dentre outros, o direito à vida, à saúde, à educação e à dignidade humana. Referidos dispositivos são aceitos, majoritariamente, como sendo normas auto-aplicáveis, prescindindo, pois, de outra que a regulamente para surtirem efeito, juridicamente. Estes institutos também podem auxiliar no controle de efetividade e eficiência das políticas públicas. O conceito de mínimo existencial – termo emprestado da dogmática constitucional alemã – se baseia justamente nessas normas de direitos fundamentais contidas na Carta Maior, sendo, pois condições mínimas exigidas ao homem em sociedade. Daí resulta também o conceito de reserva do possível, cuja abordagem se fará adiante. Em que pese a clareza dos significados dos novos termos, tormentosa se mostra a tarefa de identificá-los e quantificá-los em um caso concreto de realização de políticas públicas, sendo necessários vários outros dados para uma conclusão lógica e coerente. Grandes dificuldades não há, primeiramente, quanto ao significado do vocábulo mínimo existencial, em razão da evidência das necessidades humanas, havendo poucos pontos controversos no que tange à sua definição. Remanescem-se, todavia, obstáculos referentes ao seu alcance e limites, sendo considerado como um núcleo 139 essencial dos direitos fundamentais – expostos na própria Constituição da República –, com a característica de ser “blindado” da intervenção restritiva estatal245 (“clásulas pétreas”). Neste aspecto, de bom alvitre enfatizar a ocorrência dos chamados direitos fundamentais positivos, ou seja, aqueles que requerem prestação ativa do Estado para sua efetivação, referindo-se principalmente aos direitos sociais. b) Reserva do possível Também com origem no Direito germânico, o instituto da reserva do possível foi incorporado nos fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro, trazendo consigo questões melindrosas que o permeiam, servindo de espeque para justificar a ausência ou ineficiência da prestação estatal com referência a determinado serviço público, em razão principalmente de incapacidade orçamentária para esses fins. Situam-se, pois, em dois pólos opostos de um mesmo eixo os institutos da reserva do possível e do mínimo existencial, exigindo-se estudo pormenorizado e técnico para justificar o afastamento de um deles em detrimento do outro, mormente quando se pretende demonstrar a impossibilidade de o Estado arcar com suas funções institucionais (reserva do possível). Isso porque há outros fatores indispensáveis para se apurar o que poderá ser possível ou não ao Estado em cada caso, sendo, pois, conceito aberto e variável em cada situação. Informações de receitas arrecadadas, decisões de alocação de recursos, planos 245 SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner In: www.revistadoutrina.trf4.gov.br/ 140 de governo prioritários, bem como a finalidade a ser atingida por determinada política pública, por exemplo, são questões imprescindíveis para se averiguar o conteúdo da reserva do possível. Neste caso, apura-se a possibilidade de o Estado arcar com os ônus das prestações a ele exigidas, seja administrativa ou judicialmente, levando-se em conta aspectos materiais e orçamentários principalmente, sob pena de inviabilizar a própria função administrativa do Estado, comprometendo outras áreas sociais às quais já restariam reservadas dotações específicas. Assim, passa-se a admitir a exigibilidade da prestação positiva estatal somente quando houver a possibilidade material de se cumprir as previsões normativas afetas aos direitos nelas enunciados. Na visão de Flávio Galdino, a impossibilidade material faz com que a dicção normativa seja pouco mais que um “nada”, sob o prisma prático, sem prejuízo de seu caráter programático, fruto de sua inegável dimensão prospectiva, e da otimização de sua função normativa, impedindo o legislador de adotar medidas contrárias a determinado programa constitucional, ou reconhecendo sua nulidade acaso adotadas246. Não podem, pois, estas questões financeiras e orçamentárias servirem de óbice à não efetivação de direitos subjetivos positivos por parte do Estado, exigindo-se esses direitos como parcelas de prestações (sociais) positivas consideradas efetivamente indispensáveis para a vida com a mínima dignidade e, por assim dizer, até pré- artigos. Acessado em 20.08.08. 246 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos. Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 244. 141 condições dos direitos de liberdade do cidadão, não parecendo ser razoavelmente oponível pelo Estado, em razão de sua essencialidade. Justificando a intervenção judicial com espeque na própria efetividade das normas constitucionais, sem desconsiderar os gastos necessários para a implementação das medidas escolhidas pela Administração, Ana Paula de Barcellos ressalta que as políticas públicas envolvem gastos e, como não há recursos ilimitados, é preciso priorizar e escolher em que o dinheiro público disponível será investido. Essas escolhas, segundo ela, recebem a influência direta das opções constitucionais acerca dos fins que devem ser perseguidos em um tema integralmente reservado à deliberação política, recebendo importante incidência de normas jurídicas constitucionais247. Num esboço mais esquemático, a mesma autora conclui i) haver na Constituição exigência da promoção de direitos fundamentais; ii) sendo as políticas públicas o meio para esses fins; iii) envolvendo gastos públicos; iv) que, por sua vez, são limitados; v) fazendo a própria Constituição vinculação das escolhas em matéria de políticas públicas ao dispêndio de recursos públicos, sem contudo, invadir o espaço da política em uma versão de substancialismo radical e elitista, o que seria infringir preceitos fundamentais em um Estado democrático de Direito248. Exige-se, assim, maior controle, inclusive, dos gastos públicos, com rígida fiscalização quanto a estas despesas, evitando-se desperdício, ineficiência e 247 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionlismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 5, n. 5 (Jan/Dez, 2005). Curitiba, UniBrasil, 2005, p. 133. 248 Idem. p. 134/135. 142 eventual precariedade de serviços indispensáveis à promoção de direitos fundamentais básicos. Dessa forma, apesar de perfeitamente sindicável juridicamente a situação almejada pelo indivíduo, perseguindo eventual direito fundamental social, têm-se as reservas materiais como limite à sua efetivação – como as de natureza econômica e financeira – conforme a condição orçamentária em que o Estado se apresente, desde, é claro, evidentemente demonstrada, e desde que não atinja direitos fundamentais do cidadão, de cunho indispensável à sua existência com dignidade mínima. Uma solução secundária e subsidiária – não sendo possível materialmente arcar com os custos de determinada política pública naquele momento, em razão de circunstâncias extraordinárias – seria a determinação judicial para alocação de recursos para aquela específica política pública no próximo orçamento, sem prejuízo de investigar as razões e responsabilidades sobre a inexistência de dotação orçamentária para a execução imediata. c) Princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa Tendo todos estes dados acessíveis, pode-se avançar ao próximo passo, que seria justamente aplicar o princípio da proporcionalidade, sendo oportuno ressaltar o status de normas constitucionais que as detêm, como já enfatizou o Supremo Tribunal Federal, considerando serem critérios autorizadores para a análise jurisdicional de decisões políticas. 143 Entendeu este Tribunal situado no ápice da hierarquia do Poder Judiciário brasileiro que os princípios da proporcionalidade e da moralidade foram desrespeitados em ato administrativo que instituíra cargos de assessoramento parlamentar. Sustentava a parte que o Poder Judiciário não poderia examinar o mérito desse ato que criara cargos em comissão, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes. Entendeu-se, todavia, que a decisão agravada não merecia reforma. Asseverou-se que, embora não caiba ao Poder Judiciário apreciar o mérito dos atos administrativos, a análise de sua discricionariedade seria possível para a verificação de sua regularidade em relação às causas, aos motivos e à finalidade que ensejam. Salientando a jurisprudência da Corte no sentido da exigibilidade de realização de concurso público, constituindo-se exceção a criação de cargos em comissão e confiança, reputou-se desatendido o princípio da proporcionalidade, haja vista que, dos 67 funcionários da Câmara dos Vereadores, 42 exerceriam cargos de livre nomeação e apenas 25, cargos de provimento efetivo. Ressaltou-se, ainda, que a proporcionalidade e a razoabilidade podem ser identificadas como critérios que, essencialmente, devem ser considerados pela Administração Pública no exercício de suas funções típicas. Por fim, aduziu-se que, concebida a proporcionalidade como correlação entre meios e fins, dever-se-ia observar relação de compatibilidade entre os cargos criados para atender às demandas do citado Município e os cargos efetivos já existentes, o que não ocorrera no caso”249. Esclarecido o posicionamento jurisprudencial, resta, então, apurar o que vem a ser razoável ou proporcional, mormente quando se analisa uma situação de política pública. Entende-se, pois, ser razoável aquilo que se coaduna com a razão, com a lógica e com o bom senso, justificando-se coerentemente as decisões com base nos resultados 249 Informativo do STF - RE 365368 AgR/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.5.2007. 144 desejados. Juridicamente, o principio da razoabilidade “decorre da tentativa de impor limitação à discricionariedade do administrador público. Este, ao atuar no exercício da discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida” 250. O alcance e o significado do princípio da razoabilidade tiveram contribuição jurisprudencial pelo direito anglo-saxão, especificamente no caso britânico Wednesbury Corporation, de 1984, a partir do qual se formulou o teste de razoabilidade a ser aferido judicialmente251. Assim, O Tribunal pode controlar a ação de uma autoridade local para examinar se esta tomou em consideração os elementos que deveriam ter em conta ou, ao contrário, se recusou ou omitiu algum que deveria ter sido considerado. Desde o momento em que a resposta a esta questão é favorável à autoridade local de, sem embargo, ser possível dizer que, ainda que tenha permanecido dentro dos limites de sua competência, a autoridade local chegou a uma conclusão irrazoável que nenhuma autoridade razoável teria adotado. E penso que um Tribunal poder intervir num caso tal252. No concernente à proporcionalidade, crê-se se tratar de critério para aplicação de medida justa e suficiente, com o fito de se atingir determinada finalidade, chegando alguns autores – remontando o desdobramento trazido por Robert Alexy – a descrever etapas (ou subprincípios) para a aplicação do princípio de maneira sistematizada. 250 MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo, Melheiros, 1994, p. 141. 251 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética, São Paulo, 2004, p. 86. 252 Apud MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética, São Paulo, 2004, p. 86. Decisão referente a um conflito entre Associated Pictures House Ltda e Wednesbury Corporation. Uma autoridade local autorizou os proprietários de uma sala de cinema a abrir aos domingos à tarde. No entanto, com base em uma antiga lei que permitia condicionar tais autorizações, proibiu a assistência a essas sessões dominicais dos menores de quinze anos, fossem ou não acompanhados. 145 Em passos seguidos, se afere a adequação (idoneidade) da medida; em seguida sua necessidade (exigibilidade); e, por fim, a análise de sua proporcionalidade, em sentido estrito (razoabilidade)253. Na adequação, cumpre notar se a medida eleita se mostra a mais eficaz e eficiente, a fim de se atingir a finalidade por ela pretendida, não sendo comportável substituir o ato por outro mais viável e exitoso. O subprincípio da necessidade traz a idéia de se averiguar se o meio adotado transmite ser a forma menos onerosa para a consecução do objetivo pretendido, devendo revelar-se a medida menos gravosa possível. No que concerne à última etapa, a aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, forçoso realizar rigorosa ponderação de valores e equilíbrio entre o significado da intervenção e os objetivos perseguidos, transmitindo tratar-se, ao fundo, de razoabilidade da medida. Quanto mais intensa revelar-se a intervenção num dado direito fundamental, maiores deverão se mostrar os fundamentos justificadores dessa intervenção, segundo o postulado da proporcionalidade em sentido estrito. Para Juarez Freitas, o princípio da proporcionalidade se mostra sob duas facetas: a vedação de excesso e vedação de inoperância ou de ação insuficiente. Significa que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na consecução dos seus objetivos, mostrando-se especialmente relevante ao limitar e forçar a revisão do “poder de polícia” e da regulação estatal, de sorte a estabelecer firmes parâmetros de avaliação e controle254. 253 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3a ed. Brasília Jurídica. Brasília-DF, 2003, p. 182/184. 146 Nessa mesma linha, Germana Moraes assevera que proporcionalidade também pode ser entendida por “proibição de excesso”, e significa que a intervenção pública tem de ser suscetível de alcançar a finalidade perseguida, necessária ou imprescindível, quando não houver outra medida menos restritiva da esfera de liberdade dos cidadãos, quer dizer, pelo meio mais suave e moderado entre todos os meios possíveis – cuida-se do intervencionismo mínimo255. No que tange ao princípio da dignidade da pessoa, mister ressaltar sua incomparável relevância. Apesar de não existir, como já dito, hierarquia entre os princípios constitucionais, forçoso, contudo, o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como, senão o mais forte, ao menos o referencial para o surgimento dos demais. Seria, pois, o “valor nuclear da ordem constitucional que se instaurou”256. Nesta mesma linha, Daniel Sarmento aduz que o princípio da dignidade da pessoa representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado257. A idéia de dignidade humana pressupõe um direito a condições mínimas de existência, exigindo-se prestações positivas do Estado quando escassos os 254 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3ª ed. Malheiros, São Paulo, 2004, p. 38-40. 255 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética, São Paulo, 2004, p. 85. 256 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Lumen Juris. 1 ed. Rio de Janeiro, 2002, p. 58. 257 Idem, p. 59/60. 147 recursos, no sentido de a Administração maximizar a sua eficiência, assegurando essas condições258. Ponto interessante ressalvado por Ana Paula de Barcellos diz respeito à fundamentalidade social deste princípio e seus critérios de eficácia para se escolher, no caso concreto, a exacerbação de um deles em detrimento do outro, quando em conflito, atendendo, ainda, aos métodos e etapas expostos no tópico anterior. Segundo ela, quanto mais fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pela norma jurídica – e consequentemente os efeitos que ela pretende sejam produzidos – mais consistente deverá ser a modalidade de eficácia jurídica associada: nessa linha, em primeiro lugar, e como regra geral, deverá vir a eficácia positiva ou simétrica; isso não sendo possível, seguem-se as demais em sua ordem de consistência259. Porém, a mesma autora reconhece a subsidiariedade deste último método apresentado, sendo útil apenas quando o próprio Direito não regula as circunstâncias, ressaltando que apenas em situações extremas, diante de antinomias, reais ou aparentes, ou no caso do confronto entre princípios. Quando a ponderação se torna imprescindível, é que será necessário recorrer à fundamentalidade social. Em regra, o próprio ordenamento já revela o grau de importância das situações disciplinadas, de modo que, antes de se recorrer à fundamentalidade social, há o recurso da fundamentalidade jurídica260. 258 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 130. 259 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. Renovar. Rio de Janeiro, 2002, p. 80. 260 Idem, p. 82. 148 Tendo em vista essa possibilidade de controle com base, principalmente, em princípios, Germana de Moraes reserva capítulo próprio de seu estudo para o tema, aduzindo se estar vivenciando uma ruptura e destruição do modelo jurídico atrelado a regras (em sentido estrito, legalismo), construindo-se um Direito “por princípios”, consectário do reconhecimento da insuficiência da lei, já que nem sempre capaz de realizar a justiça261. Entretanto, mesmo se tratando de princípios, preocupação e dificuldades há para se averiguar qual deles deve ser adotado em um caso pontual, havendo situações em que poderá haver, inclusive, aparente conflito entre estas normas de flexível otimização, cabendo ao julgador a escolha do mais adequado. d) Lei de Responsabilidade Fiscal Sendo a eficiência um dos princípios traçados pela Carta Constitucional para a atuação da máquina administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar nº 101/2000, traçou limites claros e critérios objetivos que retratam a busca deste intento. Consubstanciada na experiência da Nova Zelândia, onde houve edição de lei que supervalorizava o princípio da transparência sobre as próprias regras, a LRF 261 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética, São Paulo, 2004, p. 185. 149 veio também adotar instrumentos de controle de gastos públicos, como relatórios contábeis periódicos e respectivas responsabilidades dos gestores262. No entendimento de Márcio Cavalcanti, essa norma tem o objetivo de corrigir o desperdício e o comportamento imoral dos governantes, habituados em receber transferências fiscais que pagavam a conta de suas irresponsabilidades. Agora, estão obrigados a arrecadar antes de autorizar o gasto e somente conceder benefícios fiscais se possuírem recursos suficientes para fazer frente a estas despesas263. Houve, assim, grande modificação no regime econômico, criando um novo modelo de Estado, ao fazer eficiente o sistema constitucional de transferências de recursos fiscais e instituir a figura do gestor responsável, estabelecendo limites para o endividamento público, representando claro sinal ao mercado e obedecendo a parâmetros prudenciais que transmitam segurança na gestão orçamentária pública e garantam o planejamento equilibrado264. Com esta restrição orçamentária, espera-se prevenir a geração de déficits imoderados e reiterados, traduzindo em política tributária previsível e estável, mantendo a dívida pública em nível prudente e compatível com receita e patrimônio públicos265. 262 NUNES, Selene Peres Peres. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 339. 263 CAVALCANTI, Márcio. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 303. 264 Idem, p. 303. 265 NUNES, Selene Peres Peres. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, p. 340. 150 4.3. INSTRUMENTOS JUDICIAIS MANEJÁVEIS EM BUSCA DA EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Superada a questão da possibilidade da intervenção jurisdicional nas políticas públicas, conveniente se debruçar sobre os instrumentos judiciais que possibilitam e são utilizados para provocar essa atuação, embora não se justifique adentrar com profundidade em todos eles. A Constituição da República do Brasil de 1988 elenca no título dos direitos e garantias fundamentais vários instrumentos passíveis de serem utilizados para essa provocação jurisdicional, com o fito de garantir o exercício dessas prerrogativas e efetivar tais normas enunciadoras de direitos. a) Habeas Corpus Cuida-se de instrumento jurídico-processual de fundamental relevo em um Estado Democrático de Direito. Circunscrito no inciso LXVIII, do artigo 5º da Constituição de 1988, talvez possa ser considerado o mais importante dos instrumentos constitucionais, eis que resguarda o direito de liberdade de locomoção contra ordem arbitrária. Interessante aventar acerca da ampla legitimidade desta ação constitucional, podendo qualquer um (inclusive pessoa jurídica) impetrar o mandamus em favor de outrem, além de poder o juiz, de ofício, dele se instrumentalizar. 151 Quanto à influência do habeas corpus nas políticas públicas, poderia ser o mandamus manejado quando há, por exemplo, uma política criminal, como as de tolerância zero, que visam a recolher das ruas qualquer cidadão que seja aparentemente vadio ou em situação de mendicância. Referido instrumento tem, assim, caráter corretivo de uma política pública não só ilegal, mas inconstitucional, que leva ao cárcere sumariamente o indivíduo sem embasamento normativo nem meios de defesa àquele garantidos. Nestes casos, estaria o Judiciário influenciando políticas públicas de combate à situação irregular, principalmente quando não se configurar ilícito penal, situação que caberá aos órgãos jurisdicionais a imediata correção do ato público abusivo ou ineficiente, restaurando-se a ordem e a liberdade. b) Mandado(s) de Segurança Tratando-se de um dos remédios constitucionais mais utilizados, o mandado de segurança individual, primeiramente, (inciso LXIX), tem o condão de evitar lesão a direito explícito e legalmente garantido (líquido e certo) do indivíduo, por ato de autoridade pública ou a ela equiparada. Tem-se em mente, exempli gratia, uma política de arrecadação de tributos para realização de obras públicas com alíquota em patamar de tão larga escala que quase se equipararia a um confisco. Esse remédio constitucional se mostraria o meio mais adequado - célere, barato e seguro - para fazer cessar a injusta lesão, podendo atalhar o 152 caminho processual para atingir a finalidade pretendida pelo cidadão vitimado pela ilegalidade. Trilhado pela Lei nº 1.533/51, o mandado de segurança se apresenta como instrumento processual de jurisdição contenciosa, ação civil de rito sumário especial, ajuizada para invalidar atos de autoridade e suprir omissões administrativas, evitando lesões a direitos líquidos e certos 266. Quanto ao mandado de segurança coletivo (inciso LXX), o instituto é de edição inédita, em comparação às Constituições anteriores, e tem o intuito de assegurar direitos plúrimos, mesmo os de natureza tipicamente social. Para José Reinaldo, os novos direitos sociais diferem em natureza dos antigos direitos subjetivos, exigindo remédios distintos, permitindo a discussão entre a justiça geral e a justiça distributiva, para a garantia de cada um deles e exigindo o respectivo remédio constitucional267. Poderia ser utilizado, por exemplo, por pessoas de um bairro que exigem vagas em instituições escolares para matricularem seus filhos, tendo esta pretensão garantia constitucional (artigo 208, parágrafo 1º). Isso significa questionar a eficiência de políticas públicas perante o Judiciário. Para Uadi Lammêgo, o constituinte não criou um instituto independente e isolado, tendo apenas ampliado a legitimidade ativa dos impetrantes, não se tratando de uma figura completamente autônoma, estanque do individual, porque o inciso 266 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5ª ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 343. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo: Malheiros Editora, 1994, p. 127. 267 153 LXX do artigo 5º só pode ter entendimento em íntima conexão com o inciso LXIX do mesmo dispositivo268. c) Mandado de Injunção De bom alvitre destacar aqui o mandado de injunção, em razão de sua sumária importância, mormente em virtude de omissão legislativa que impeça o exercício de direitos relativos à nacionalidade, soberania e cidadania, nos termos do artigo 5º, LXXI, da Constituição da República de 1988. Trata-se também de remédio constitucional introduzido pelo constituinte da Carta atual, visando a tornar viável o exercício de direitos e liberdades previstos por normas constitucionais de eficácia limitada, aquelas que exigem, pois, lei regulamentadora para sua eficácia máxima. Parece haver certa incompatibilidade do artigo 5º, parágrafo 1º (que garante aplicação imediata aos direitos ali previstos) com o inciso LXXI, todos da CF, conforme comentário de Barroso: Ou bem a norma enuncia um direito fundamental e, portanto, deve ser interpretada como disposição dotada de alta carga axiológica no sistema normativo constitucional, por se tratar aí de uma espécie de posição jurídica de vantagem ou prestação mínima considerada essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana, ou então a norma tem conteúdo estritamente programático, podendo-se afirmar, de fato, que a sua aplicabilidade está condicionada a um juízo político a cargo de um órgão estatal, não havendo prestação imediatamente exigível da parte de quem quer que seja antes de adequada regulamentação269. 268 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5ª ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 364. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidade da Constituição brasileira. 4a ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2000, p. 79. 269 154 Assim, mais uma dúvida emerge: o dispositivo que se refere ao mandado de injunção garante que os direitos impedidos em razão da ausência de norma regulamentadora sejam, então, viabilizados pelo mandamus, ou esta garantia também necessita de norma infraconstitucional para regulamentar o dispositivo e dar aplicabilidade a ele? Esta questão foi levantada e levada ao Supremo Tribunal Federal pelo Mandado de Injunção (Questão de Ordem) nº 107, julgado em 23.11.89, tendo como Relator o ilustre Ministro Moreira Alves, mostrando-se com o seguinte entendimento: Assim fixada a natureza desse mandado, e ele, no âmbito da competência desta corte - que esta devidamente definida pelo artigo 102, i, 'q' -, autoexecutável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe e analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve no sentido da auto-aplicabilidade do mandado de injunção, nos termos do voto do relator. No mesmo voto, o Relator fundamentou seu posicionamento citando comentário de eminente jurista português: “Se admitirmos essa dependência, não só deitaremos por terra todo o avanço da moderna doutrina construída em torno da força vinculante das Leis Fundamentais, como retornaremos à ultrapassada concepção segundo a qual a Constituição deve mover-se no âmbito das leis, ao invés de as leis se moverem no âmbito da Constituição” (Gomes Canotilho, op. Cit. Pág. 266). Após a fundamentação exposta, e com este entendimento, o voto do Relator foi acompanhado, por unanimidade pelos demais Ministros CELSO DE MELO, SEPÚLVEDA PERTENCE, PAULO BROSSARD, CÉLIO BORJA, CARLOS MADEIRA, 155 OCTÁVIO GALLOTI, SIDNEY SANCHES, ALDIR PASSARINHO e NÉRY DA SILVEIRA, dando fim à celeuma. Com esse posicionamento, o Ministro MOREIRA ALVES manifestou não só pela auto-aplicabilidade do mandado de injunção, mas também pela posição não-concretista, em respeito ao princípio da separação dos Poderes, eis que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe de ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, determinando apenas a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional (Mandado de Injunção n° 107). Entretanto, atualmente tudo indica haver tendência já pacificada no sentido de se acolher a teoria concretista, parecendo permitir ao próprio Supremo preencher a lacuna da lei, como decidido no Mandado de Injunção nº 758/DF, entendendo que na linha da nova orientação jurisprudencial fixada no julgamento do MI 721/DF (DJU de 30.11.2007), este Tribunal julgou procedente pedido formulado em mandado de injunção para, de forma mandamental, assentar o direito do impetrante à contagem diferenciada do tempo de serviço em decorrência de atividade em trabalho insalubre, após a égide do regime estatutário, para fins de aposentadoria especial de que cogita o § 4º do art. 40 da CF. Tratavase, na espécie, de writ impetrado por servidor público federal, lotado, na função de tecnologista, na Fundação Oswaldo Cruz, que pleiteava fosse suprida a lacuna normativa constante do aludido § 4º do art. 40, assentando-se o seu direito à aposentadoria especial, em 156 razão do trabalho, por 25 anos, em atividade considerada insalubre, ante o contato com agentes nocivos, portadores de moléstias humanas e com materiais e objetos contaminados. Determinou-se, por fim, a comunicação ao Congresso Nacional para que supra a omissão legislativa270. Recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal tem se firmado no sentido de uma teoria concretista do Poder Judiciário, transmitindo maior ativismo judicial em searas antes não exploradas (e não exploráveis). Permitiu-se, inclusive, regulamentar judicialmente situação lacunosa, cuja falta de previsão legal impede a fruição de direito garantido constitucionalmente. Trata-se de julgamento de mandado de segurança o referente ao direito de greve dos servidores públicos Ressaltou a Corte, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada, declarando a existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica e aceitando a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário como uma "solução constitucionalmente obrigatória". Concluiu-se que, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, seria mister que, na decisão do writ, fossem fixados, também, os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário. Dessa forma, no plano procedimental, vislumbrou-se a possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos. No MI 712/PA, prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, relator, nessa mesma linha271. 270 MI 758/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1º.7.2008. STF – Informativo n. 485, de 22 a 26 de outubro de 2007. Disponível pelo site http:// www. stf. jus.br/arquivo/ informativo/documento/informativo485.htm. Acesso em 27.01.09. (sem grifo no original) 271 157 Entender que o Judiciário não pode efetivar um direito fundamental social garantido pela Constituição por ausência de norma regulamentadora estando neste caso a se imiscuir nas tarefas do Legislativo, em ofensa ao princípio da separação de poderes - seria o mesmo que entender que um direito constitucionalmente garantido é destituído de qualquer garantia, ou de uma subversão da hierarquia das normas, na qual o legislador ordinário teria o poder de impedir que um direito constitucional emanasse seus efeitos, o que não é razoável de se admitir em um Estado Constitucional como o Brasil272. Como entendido por Carré de Malberg, “La separación de los poderes, em cuanto a ellas, así como em cuanto a sus titulares, sólo sería aceptable com la condición de no ser de ningún modo uma separación. Tal como la entendió Montesquieu, la separación de poleres es irrealizable, porque, al exigir que cada función material de la potestad estatal sea concedida em su totalidad a un órgano o a un grupo de autoridades especial, independiente, que actúe libre y hasta soberanamente dentro de su propia esfera de competencia, y que constituya así orgánicamente un poder igual a los otros dos, la teoría de Montesquieu implica uma división de poderes que no sólo paralizaría la ptestad del Estado, sino que además arruinaría su unidad”273. Assim, o modelo de separação de Poderes como proposto por Montesquieu deve ser visto com ressalvas e recebido com adaptações no Estado moderno, permitindo-se uma interpenetração entre os Poderes constituídos, e não um isolamento de cada um deles, a ponto de resultar em um travamento do próprio poder soberano e, por consequência, sua ineficiência na governabilidade. 272 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. O papel ativo do poder judiciário enquanto efetivador dos direitos sociais da constituição federal de 1988. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 6, n. 6 (Jan/Dez, 2006). Curitiba, UniBrasil, 2006, p. 77. 158 d) Ação Popular A atual Constituição da República também assegura a qualquer cidadão propor ação popular visando a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (inciso LXXIII do artigo 5º). Esse remédio constitucional é de ampla abrangência democrática pelo fato de possibilitar a qualquer cidadão a legitimidade de propô-la, entendendo cidadão como pessoa natural no gozo dos direitos políticos. Trata-se, pois, de instrumento colocado à disposição de qualquer nacional, no pleno gozo de seus direitos políticos para defender interesses transindividuais, em especial os difusos, oriundos de atos de autoridades públicas, principalmente, podendo, neste aspecto, influir no resultado visado pela Administração, em busca, por exemplo, de implementação de políticas públicas e sua ineficiência, questionando-as perante o Judiciário. e) Ação Civil Pública Por derradeiro - porém não menos importante - convém trazer ao estudo considerações sobre a ação civil pública, tratando-se de instrumento insitamente ligado 273 MALBERG, R. Carré. Teoría general del estado. Trad. José Lión Depetre. Facultad de Derecho/UNAM. Fundo de Cultura Económica. México, p. 835. 159 ao tema, apresentando-se como ponto de intersecção – e ao mesmo tempo de conflito - entre o Poder Judiciário e o Executivo na implementação de políticas públicas. Cuida-se, pois, de alternativa constitucionalmente prevista (e regulada pela Lei nº 7.347/85) para defender bens e interesses que dizem respeito à coletividade, conhecidos como interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Definindo o instituto, entende Diógenes Gasparini ser a ação adequada para reprimir ou impedir danos a direitos, bens e interesses da coletividade, como o consumidor, o meio ambiente e afetos a valores artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico274. Note-se que a legitimidade para propor a presente ação é dirigida somente a entidades cujos objetivos institucionais sejam coincidentes com o objeto próprio deste remédio, tendo o Ministério Público atuação muito dependente desta ação, principalmente quando se trata de intenção de influir nas políticas públicas em busca de interesses da coletividade e setores menos favorecidos da sociedade, cujo agrupamento não se mostra organizado legalmente. Em busca da tutela desses direitos transindividuais, a ação civil pública se mostra em condições de instrumentalizar o controle de políticas públicas de modo a garantir a densidade material dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República, dando a eles a devida efetividade, ainda quando se tratar de questão administrativa de cunho discricionário, permitindo-se essa intervenção e judicialização por provocação principalmente do Ministério Público. Isso porque, na atualidade, o império da lei e o seu controle, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador podem ser 274 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11ª ed. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 918. 160 aferidas pelo Judiciário. Quando não se puder fazer, me imediato, concretizar a medida que se pretende, pode-se pleitear que a tutela específica seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas275. Essa também é a opinião de João Batista de Almeida, que acredita inexistir razões para não prestigiar a tese que admite o uso da ação civil pública quando o pedido é a implementação de políticas públicas, pois, do contrário, o administrador ficaria totalmente livre para descumprir normas constitucionais e dispositivos legais, inclusive orçamentários, sem poder ser compelido na via judicial ao respectivo cumprimento276. Sem descurar do objetivo e natureza desta ação, pertinente a ressalva feita por José dos Santos Carvalho Filho, ao alertar que a ação civil pública não é o instrumento idôneo para criação de normas de direito material, cabendo ao autor pedir providências concretas à luz do direito material que previamente já ampara os interesses difusos e coletivos, objeto do pleito277. f) Controle de constitucionalidade Não há como negar a existência de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário quando se trata de aferição da compatibilidade da conduta estatal, em sua função administrativa, com a Constituição da República, sendo papel afeto à atividade judicante. 275 STJ - REsp 493811/SP. RECURSO ESPECIAL 2002/0169619. Ministra ELIANA CALMON. DJ 15.03.2004 p. 236 RDDP vol. 14 p. 120. 276 Apud FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 43. 277 Idem. 161 A adoção de um sistema principiológico na Constituição não impede o controle com base em referidas normas abertas e de alto grau de abstração. Ao contrário, permite um controle mais amplo dos atos estatais, caso transmita haver incompatibilidade com algum dos princípios anunciados na Carta. Nos dizeres de Canotilho, deve sempre haver a adequação teleológica, ou seja, a conformidade das leis e atos do Poder Público com os fins expressos na Constituição: o legislador e o administrador continuam com sua liberdade de elaborar as normas e definir as políticas públicas, mas não podem menosprezar, contrariar ou substituir os fins expressos no texto constitucional278. Ações específicas podem ser ajuizadas com a finalidade de averiguar o alinhamento de atos normativos estatais com a Constituição Federal, como são os casos da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e da ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade), tratando-se, na realidade, de ações de mesmo caráter e objetivos, porém com “sinais trocados”. Assim, uma lei que esteja diretamente ligada a alguma política pública, prevendo, por exemplo, criação de cargos na área de saúde, está sob a égide do controle judicial, podendo ser declarada inválida até por defeitos formais, em que pese sua premente utilidade e necessidade. Essa invalidação pode se dar não só em sede direta (com o ajuizamento da ADI e da ADC), mas incidentalmente no processo, no qual o próprio julgador assim declare, repercutindo seus efeitos para as partes envolvidas (inter partes). 278 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra, Portugal. Almedina, 1998, p. 261-266 162 Atos concretos da Administração Pública também estão sujeitos ao controle jurisdicional, embora mais raros os casos. Isso porque a Lei 9.882/99 regulamentou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevendo a invalidade de atos administrativos concretos pelo Poder Judiciário, podendo atingir até aqueles realizados e emanados por ente municipal. Como bem ressalta Barbosa Júnior, qualquer espécie de ato praticado nas funções jurídico-públicas do Estado (sejam elas políticas, administrativas, legislativas ou jurisdicionais) que infrinja uma norma constitucional diretamente é um comportamento inconstitucional e, por isso, deve ser exaurido do ordenamento jurídicoadministrativo do Estado. Assim, quando se verifica judicialmente que determinado ato administrativo concreto não se coaduna com o princípio da eficiência, por exemplo, o caráter principiológico tendencial da vinculação só pode redundar em hipótese de inconstitucionalidade material279. O mesmo autor entende ser possível que um ato vinculado estritamente nos termos da lei possa ser invalidado não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade da própria lei, com base em sua ineficiência, provando-se que aquele ato se encontra situado na zona de certeza negativa, ou seja, patentemente ineficiente. Assim, os tribunais têm legitimidade para aplicar o controle de atos públicos (até os legislativos) quando contrários a alguma norma constitucional, ainda que importe em uma reavaliação280. 279 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 549/551. 280 Idem, p. 315. 163 Na realidade, o princípio da eficiência é expressão juridicizada, devendo o administrador escolher a melhor opção, seja no sentido político, técnico ou financeiro, sendo seu ato passível de contestação judicial quando houver situado no juízo de zona de certeza negativa, isto é, patente ineficiência de sua ação, levando-o à consequente invalidação281. 4.4. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA? O termo judicialização é utilizado para designar a abordagem da dimensão política do papel dos juízes e dos tribunais constitucionais no sistema político democrático. Nas palavras de Ariosto Teixeira, trata-se de fenômeno de comportamento institucional registrado pela pesquisa em Ciência Política em diferentes sociedades contemporâneas, cuja característica central é a expansão do papel do Judiciário no sistema de poder282. Tate e Vallinder tecem comentários sobre essa situação especial do Poder Judiciário num sistema de separação de poderes de pesos e contrapesos, asseverando que esse modelo assegura na esfera constitucional não apenas direitos políticos amplos, mas também liberdades civis classicamente encontradas nas democracias consolidadas, e que integram também a dinâmica da judicialização da política em diversas sociedades283. 281 Idem, p. 317. TEIXEIRA, Ariosto. Decisão liminar: a judicialização da política no Brasil. Editora Plano. Brasília, 2001, p. 121. 283 TATE e VALLINDER, C. Neal e Torbjörn. The global expansion of judicial power. New York University, 1995, p. 23. 282 164 A busca pela efetivação dos direitos sociais pressupõe a implementação de políticas legislativas e de políticas públicas dirigidas ao bem comum, ao bem-estar social. A partir de então, o Poder Judiciário passa a contribuir ativamente para a concretização dos direitos sociais, restando alterada a posição inerte e função clássica dos juízes, se conscientizando de seu papel social e mostrando-se, na visão de Bistra Apostolova, co-responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais284. Lenhardt e Offe, todavia, apontam críticas sobre o Estado alemão nos anos 60 na tentativa de superar uma determinação formalística do objeto da política social, entendendo que com o monopólio teórico das ciências econômicas e jurídicas, a política social naquela República era vista como um sistema de reivindicações jurídicas quanto a alocações financeiras distribuídas pelo Estado e de que tal “juridificação” e “economização” da política social redundava da “miopia” da teoria e da prática político-social face aos indivíduos ou pequenas comunidades285. Em geral, nos países ocidentais exigiu-se, pois, uma “reforma do Estado”, visando a uma democratização social, o desaparecimento de restrições e o acesso aos tribunais e juízes, além de seu afastamento inerente àquela tradição paralisante, adotada a partir do modelo de Montesquieu. Devem os juízes, para Dalmo Dallari, assumir sua politicidade no âmbito de sua relevante função estatal, sob pena de tornar seu papel inócuo e sua legitimidade contestada286. 284 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: do moderno ao Contemporâneo. Artigo: A função social dos juízes no Estado Moderno e no Estado Contemporâneo. Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1998, p. 78. 285 LENGARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e política social, p. 12. 165 Nesse contexto de modificações nas funções precípuas do Estado, o Judiciário passou a ser encarado como o escudo da sociedade, o protetor dos direitos individuais contra os avanços do Estado em ‘domínios alheios’, assumindo, em certas ocasiões, papéis políticos estranhos à concepção doutrinária clássica. Visto sob esse enfoque, o Poder Judiciário passou por mudanças de duas ordens: internas ou funcionais e externas ou institucionais. Tais mudanças, de certo modo, permitiram uma maior ingerência dos órgãos jurisdicionais, dando causa ao que se poderia chamar de “judicialização da política”287. O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho dirige esta postura institucional à própria Constituição Brasileira de 1988, a qual atribuiu ao Judiciário, ao lado de seu papel tradicional de fiscal da legalidade, um novo, o de guardião da legitimidade. Fêlo para aprimorar o controle judicial da atuação dos demais Poderes públicos. Acarretou, porém, um efeito perverso, segundo o autor, o de judicializar o tratamento de questões políticas ou político-administrativas e, consequentemente, de dar uma dimensão política à atuação desse poder, até então visto como “neutro”288. Para os adeptos desta intervenção, o que se pretende não é uma ditadura de juízes nem fundada nos interesses da maioria, mas uma garantia de obediência e prevalência dos direitos fundamentais, já que estes nunca devem ser sacrificados em favor daqueles, devendo a atuação do juiz se basear na efetivação das normas constitucionais de direitos fundamentais, mesmo que isso implique em desagradar maiorias ocasionais289. 286 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. Saraiva, São Paulo, 2002. LEAL, Roger Stiefelmann, A Judicialização da Política. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 29, p. 232, 1999. 288 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. Poder Judiciário na Constituição de 1988 – Judicialização da política e politização da Justiça. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 190. 289 FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. RT, São Paulo, 2005, p. 60. 287 166 É também a conclusão que chegou Mauro Roberto Mattos em seu estudo sobre o tema, admitindo o pleno caráter de penetrabilidade do ato administrativo discricionário, não podendo ficar imune ao controle judicial, ainda que envolva matérias de conveniência e de oportunidade, pois a verdadeira liberdade consiste em fazer tudo aquilo que a Constituição estabelece. Com este eficaz controle do mérito do ato administrativo, não se estaria cerceando a Administração Pública, apenas mantendo ao Poder Judiciário a efetiva unidade da Constituição, em atenção ao cumprimento dos princípios e respectivas normas da Carta290. Talvez em razão de ser a Constituição brasileira prolixa e dirigente, na qual estão inseridas matérias fora da seara constitucional – materialmente falando -, permitiu-se maior atuação jurisdicional no controle das políticas públicas, permeada nos programas já consignados na própria Lei Suprema, servindo de parâmetro para eventual aferimento quanto à compatibilidade das normas infraconstitucionais com a Constituição, além de impossibilitar que grupos políticos pudessem travar a batalha segundo as regras do jogo democrático e de seus interesses em cada época respectiva. Nesse mesmo trilhar, esclarece Roger Stiefelmann que as medidas de governo vêm tomando a forma de emendas constitucionais, assumindo tarefas e funções que, tradicionalmente, eram confiadas à legislação ordinária. A instituição e a reformulação de políticas públicas passariam, assim, a encontrar sede própria no texto constitucional, não bastando que sua definição se limite ao nível da legislação. E arremata com críticas, 290 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, pp. 5974-5975, ago. 2005. 167 asseverando que o texto da Constituição de 1988 – como se viu – estabelece imposições normativo-programáticas que direcionam a atuação do Estado, tornando obrigatória a adoção de determinado modelo – no caso, intervencionista – de política social para diversos setores. Tem como decorrência lógica, a limitação das alternativas político-administrativas a serem implementadas em tais áreas, reduzindo o debate político ordinário sobre o tema. Parafraseando Peter Schneider, a qualidade de uma Constituição se mede em função da suficiência do espaço que deixa às forças políticas que configuram o futuro de um povo para que possam realizar seus objetivos291. Com efeito, não há que se falar em uma judicialização da política como um termo genérico e simplista, nem em desobediência ao modelo de separação dos poderes estatais, posto que a atuação jurisdicional nesse controle de políticas públicas é plenamente permitido pela própria Constituição, quando assevera que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV), inexistindo preceito que impeça os órgãos jurisdicionais de apreciar atos administrativos, ainda que discricionários e de políticas públicas. Nesta mesma esteira, Fábio Franco e Antônio Martins criticam a visão arcaica da intangibilidade das decisões administrativas discricionárias, aventando que essa teoria, a par de seu arrigorismo técnico, também não mais encontra respaldo na doutrina hodierna, que vem, paulatinamente, admitindo serem todos os atos administrativos, mesmo os de cunho discricionário, sujeitos ao crivo do Poder Judiciário. Lamentam que ainda haja na jurisprudência algum receio de invasão na esfera de atuação do Poder Executivo, a despeito 291 LEAL, Roger Stiefelmann. Pluralismo, políticas públicas e a constituição de 1988: considerações sobre a práxis constitucional brasileira 20 anos depois, p. 16. 168 de ter a Carta Magna vigente ampliado a noção de universalidade da jurisdição, aderindo a uma verdadeira tendência mundial de abertura do Poder Judiciário292. Com um raciocínio lógico, vislumbra-se que a intenção do constituinte de 1988 não foi a de excluir do Poder Judiciário a apreciação de questões políticas ou puramente administrativas, como havia nas Constituições pretéritas. Na de 1934, por exemplo, em seu artigo 68 era “vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”. Na de 1937 (art. 94) e na de 1967 (art. 173 e art. 181 da EC 1/69), restariam “aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964”. Ademais, como já ressaltado por diversas vezes, o Judiciário retira o fundamento de validade de sua intervenção da própria Constituição da República, atuando como guardião dos direitos fundamentais nela consubstanciados, bem como fiscalizando os demais órgãos para que aqueles não sejam feridos. Ora, o próprio princípio de separação de poderes também não pode ser visto de maneira estanque e absoluta, devendo ser interpretado teleologicamente e historicamente, sendo, pois, um modelo que defende o controle do poder pelo próprio poder. Caso contrário, a máquina estatal resultaria em um travamento inevitável. Nas palavras de Fábio Franco e Antônio Martins, a tripartição só pode ser vista em relação à função de cada ente e assim mesmo, é de se admitir uma interferência relativa293. 292 FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 51. 293 Idem, p. 40. 169 Também neste linear, Batista Júnior aventa que o princípio da separação dos Poderes não pode hoje ser entendido como uma rígida e preconceituosamente proibição absoluta do juiz de condenar ou impor comportamentos à Administração Pública, não podendo somente se fazer substituir o cerne de escolha dos atos discricionários por mera discordância sem embasamento lógico ou jurídico294. Esta visão parece ter sido adotada pela Carta Constitucional de 1988, não tratando da separação das funções estatais de maneira intangível e absoluta, mas de uma cooperação entre seus órgãos, ‘substituindo o bloco unitário do Estado’, nas palavras de Mauro Roberto Mattos, que traz à baila exemplos dessa relativização quando, por exemplo, a Constituição autoriza o Legislativo a intervir de forma determinante nos atos do Executivo, como quando o Presidente da República depende da autorização do Congresso para declarar guerra e celebrar a paz; dispor sobre tratados e convenções com países estrangeiros; por maioria absoluta o Congresso derruba o veto presidencial; ou aprova o Estado de defesa e autoriza o Presidente a decretar estado de sítio; aprova indicação de ministros do STF e STJ; dentre outras interferências295. E arremata mais adiante, aduzindo que não há intromissão indevida de um Poder sobre o outro, quando o Judiciário intervém para assegurar os princípios constitucionais, mesmo que o ato seja grafado como discricionário e que haja a necessidade de análise de mérito, pois o regime democrático exige esta conduta. A escolha 294 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 512. 295 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5961, ago. 2005. 170 discricionária não é, assim, indiferente ao direito. O ideal do Estado não é o extermínio da discricionariedade, mas a sua juridicidade, entendida como modo de realização do direito296. A independência entre os poderes mostra-se, pois, não ser absoluta. Há interferências que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro. Assim, percebe-se que a discricionariedade administrativa no cenário moderno se mostra cada vez mais reduzida ante aos princípios constitucionais que esvaziam a grande opção do gestor público, mormente quando se tem uma Constituição analítica e dirigente, como é a da República do Brasil, servindo, inclusive, de principal parâmetro para o próprio controle jurisdicional. 296 Idem, p. 5962. 171 CONCLUSÕES Verifica-se, por todo o exposto, uma tendência já em voga, de um Poder Judiciário mais atuante, efetivo e poderoso, utilizando-se de critérios mais objetivos e razoáveis para interferir em decisões políticas antes intocadas, ao menos não por critérios tão palpáveis, sobretudo no que tange ao mérito do ato administrativo discricionário. Com isso, pode-se vislumbrar uma via de mão dupla em consequência dessa atuação do Judiciário. Por um lado, pode-se imaginar uma função estatal co-responsável pelas políticas públicas, de tal forma que visa sua implementação instrumentalizada pelas decisões judiciais, garantindo direitos subjetivos que ainda não puderam ser concretizados a determinados cidadãos. Para isso, mister que se tenha parâmetros fixos e concretos para servirem de base na aferição da eficiência de uma política pública, não deixando margem a dúvidas sobre o mal uso do dinheiro público. Daí, alguns instrumentos se mostram úteis neste particular, destacando-se entre eles os direitos subjetivos do cidadão em um Estado democrático de Direito. Indicadores sociais também podem servir de auxílio neste processo, fundamentando a conclusão a que chegar o julgador. De outro turno, teme-se este super-ativismo do Judiciário e suas consequências, sob pena de se chegar ao que Loewenstein intitulou de judiciocracia, indagando-se a legitimidade de o Judiciário imiscuir-se em searas outras de funções estatais próprias para tais tarefas, cujos agentes são eleitos democraticamente. 172 Ainda assim, dúvidas parecem não mais subsistir quanto à intervenção jurisdicional na seara de políticas públicas, já que este Poder se mostra cada vez mais atuante até mesmo na área privada, entre lides envolvendo bens e direitos disponíveis, demonstrando uma tendência publicista do próprio Direito Civil, passando por um processo conhecido por despatrimonialização, como intitulado por Pedro Lenza297. Certo que admitir-se um Judiciário discricionário e abusivo nas decisões de políticas públicas seria não só contrariar a teoria de separação de poderes de Montesquieu, mas, sobretudo, criar um Poder hegemônico e perigoso no cenário políticoorganizacional, podendo-se, como consequência, ferir de morte o próprio princípio democrático, pelo qual tanto se sangrou em toda a História para conquistar. Entretanto, não se pode impedir o acesso judicial de pleitos que envolvam implementação de políticas públicas, sob pena de se infringir – em primeiro lugar – o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, conscrito no artigo 5º, XXXV. De outro turno, não se estaria afrontando o sistema de separação de poderes, adotado pela Carta República Federativa do Brasil. Isso porque sua dimensão contemporânea é mitigada em razão da pretendida efetividade dos direitos fundamentais garantidos pela Lei Constitucional, primando-se mais aos valores democráticos do que aos dogmas formais clássicos. A fim de se chegar a um meio-termo conciliador, poder-se-ia permitir uma atuação mais efetiva do Poder Judiciário quanto às decisões políticas, 297 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12a ed. Saraiva, São Paulo, 2008, p. 03. 173 principalmente as afetas ao Poder Executivo, buscando critérios menos subjetivos, mas préestabelecidos e bem delineados, servindo-se de um auxílio ao controle da discricionariedade administrativa, e não a substituindo. Conveniente, assim, a intervenção jurisdicional apenas quando se pretender resgatar os valores democráticos e constitucionalmente garantidos, levando-se em conta, ainda, a possibilidade orçamentária do ente responsável pela implementação daquela obra ou serviço público, sem que possa essa “reserva do possível” servir de óbice à consecução da finalidade social e do maior interesse público, devendo, pois, haver critérios técnico-objetivos para que possa o Judiciário reverter a situação negada pelo Executivo ou não alcançada pela norma vigente. Essa atividade jurisdicional deve, num Estado Democrático de Direito, se fulcrar na interpretação da norma (principalmente a constitucional), de maneira que as proclamadoras de direitos fundamentais tenham seu maior alcance possível, servindo o Judiciário como intérprete e aplicador do direito em sua maior efetividade quando se tratar de normas que declarem direitos humanos e sociais, sendo a própria Constituição o fundamento de validade para essa interpretação, de acordo com o parágrafo 1º de seu artigo 5º, bem como nos fundamentos por ela almejados, circunscritos nos incisos de seu artigo primeiro. De um ponto de vista mais normativo-formal, negar ao Judiciário a apreciação de demandas que envolvam atos administrativos discricionários referentes a políticas públicas seria negar também aplicabilidade e eficácia ao artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, no qual não há nenhuma ressalva quanto a estas espécies de 174 matéria, como ocorre nas questões disciplinares aplicadas pelas Forças Militares, envolvendo habeas corpus, por exemplo, insculpido no artigo 142, § 2º. Certo é, todavia, que não há uma “receita” com critérios objetivos que legitimam e justificam a intervenção judicial nas políticas públicas, devendo casa caso ser analisado isoladamente e de acordo com as circunstâncias que o envolvem. Imprescindível, assim, que o Judiciário se apresente maduro, democraticamente, a ponto de reconhecer os limites e avanços legais no que diz respeito aos direitos subjetivos e à distribuição e alocação de recursos sociais, se investindo em uma função atuante e socialmente ativa, visando dar concretude a uma justiça proporcional e distributiva, de acordo com a eficiência administrativa, consubstanciada nos critérios e parâmetros esposados neste estudo. 175 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - ALEXY, Robert – Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993; - ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, Coimbra: Livr. Almedina, 1987; - APIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005; - APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: do moderno ao Contemporâneo. Artigo: A função social dos juízes no Estado Moderno e no Estado Contemporâneo. 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