o poder judiciário e as políticas públicas sociais

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1
TEÓFILO AMORIM CHAGAS DE OLIVEIRA
O PODER JUDICIÁRIO E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS
A INTERVENÇÃO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA
Dissertação apresentada para obtenção de
título de Mestre em Direito e Políticas
Públicas pelo programa de Mestrado do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB).
Orientadora: Prof. Dra. Samantha Meyer.
BRASÍLIA
2009
2
TEÓFILO AMORIM CHAGAS DE OLIVEIRA
O PODER JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS:
A INTERVENÇÃO EM BUSCA DA EFICIÊNCIA
Dissertação apresentada para obtenção de
título de Mestre em Direito e Políticas
Públicas pelo programa de Mestrado do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB).
Orientadora: Prof. Dra. Samantha Meyer.
Brasília, 08 de maio de 2009.
Banca Examinadora
___________________________________
Prof. Samantha Meyer (Orientadora)
____________________________________
Prof. Marcelo Dias Varella
_____________________________________
Prof. Frederico Barbosa
_____________________________________
Prof. Alexandre Pagliarini
3
A meus pais, modelos de retidão, compreensão
e amor, preocupando-se desde minha origem
em proporcionar-me sempre o melhor,
incondicionalmente.
4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus, por tudo.
A meu pai, pelo apoio financeiro e moral, sem o
qual este estudo não se concretizaria.
À professora Samantha Meyer, pela sabedoria em
orientar com motivação, clareza e simpatia,
aceitando o encargo em fase turbulenta.
Ao professor Marcelo, detentor de brilhante mente,
sempre disposto em incentivar a pesquisa e
solucionar minhas dificuldades.
Ao Doutor Camargo Neto, mais que um chefe, um
amigo e exemplo de magistrado, pela convivência e
flexibilidade no horário em prol do mestrado.
À Zélia, verdadeira governanta, pela preocupação e
cuidado todo especial com os mantimentos nas
viagens semanais até a Capital Federal.
À Gi, simpatia em pessoa, acessível e disposta em
facilitar
meus
contatos
com
a
Secretaria,
encurtando a distância com todos os professores.
À querida tia Mânia e afilhado Francisco, pelos
“pousos” e tolerância de minha presença.
Ao amigo Fabrício Mota, pela orientação e auxílio
desde a formulação do projeto de pesquisa.
Ao
primo
José,
simplicidade
e
inteligência
admiráveis, pelo incentivo ao ingresso no curso.
Aos colegas de mestrado, pelos debates ao longo de
todo o curso, resultando em idéias aqui utilizadas.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
1. O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO
ESTADO SOCIAL
2. EFICIÊNCIA
12
23
2.1. EFICIÊNCIA E EFICÁCIA
30
2.2. EFICIÊNCIA E LEGALIDADE
32
2.3. EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO
38
2.4. EFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA
48
2.5. EFICIÊNCIA E DISCRICIONARIEDADE
52
3. A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
61
a)
A formulação das políticas públicas
63
b)
Serviços públicos
73
3.1. EFICIÊNCIA COMO PARÂMETRO DE CONTROLE
DE POLÍTICAS PÚBLICAS
a) Indicadores sociais como parâmetros objetivos
4. O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
77
98
104
4.1.
INTERVENÇÃO:
POSSIBILIDADE
LEGITIMIDADE
4.2. PARÂMETROS DE CONTROLE
E
105
116
a)
Mínimo existencial e direitos fundamentais
119
b)
Reserva do possível
139
c)
Princípios
da
proporcionalidade
e
da
142
dignidade da pessoa
d)
Lei de Responsabilidade Fiscal
4.3. INSTRUMENTOS JUDICIAIS MANEJÁVEIS PARA
O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
4.4. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA?
CONCLUSÕES
148
150
163
171
6
RESUMO
O modelo de uma Administração Pública eficiente é medida que
se impõe na atual conjuntura social, exigindo-se postura ativa e comprometida com o bemestar coletivo. Neste cenário, modelos estruturais vêm sendo apresentados para a otimização
da prestação estatal, visando dar cumprimento aos novos anseios e expectativas no campo
social.
Para tanto, a eficiência tem sido o paradigma focado pelas
administrações modernas, estas exibindo-se como entes preparados cujos agentes se mostram
qualificados em diversas áreas sociais e técnicas, um conglomerado de profissionais no qual
se constata uma perfeita transdepartamentalidade, a fim de solucionar questões de todas as
ordens que afetam a sociedade.
Como recurso indispensável para este intento, o planejamento
estratégico vem se mostrando uma saída viável e eficaz na formulação de políticas públicas,
trazendo métodos não só científicos, mas também éticos e de natureza subjetiva. Com esta
mesma finalidade, o Judiciário vem se apresentando como um aliado em busca da efetividade
social, imiscuindo em setores e questões antes não adentrados, mas justificada sua atuação em
virtude da inoperância governamental, sem comprometer, contudo, a independência e a
separação de poderes.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas; eficiência; efetividade social; planejamento;
Administração Pública gerencial; Poder Judiciário; separação de poderes; judicialização.
7
ABSTRACT
An efficient Public Administration model is been required in
current social crises, demanding positive and committed instance to common welfare. In that
setting, structural models have been offered to make better the results of state installment, to
search and fulfill the social expectations.
In this way, the efficiency have been the paradigm which modern
public administrations are looking for, presenting as entity whose agents are qualified in many
grounds, working together to solve the mainly social matters.
As a necessary resource to this goal, strategy planning is viable on
policy making, using not only scientific methods, but even subjectivism and ethic ones. With
the same aim, the support by the Judiciary, judging policy and unusual cases, can help to
reach the attainment for this important question, without contradiction to independence or
separation of powers principles.
8
INTRODUÇÃO
Num período marcado pela valorização de uma administração
estatal eficiente, modelos de organização são trazidos por cientistas políticos, sociólogos e
profissionais da área, visando atender essa exigência moderna. Métodos que revelam adoção
de princípios específicos do setor privado são gradativamente absorvidos pelo complexo
aparelho estatal, sobretudo em busca de redução de custos e otimização de resultados.
As questões inerentes à Administração Pública e sua finalidade
precípua reivindicam tratamento diferenciado quanto a sua atuação, mormente quando se
discutem matérias afetas a políticas públicas, tendo como objeto prestações estatais positivas,
estando em jogo interesses indisponíveis e tendo, como destinatárias, pessoas com
necessidades prementes.
Nesta linha, a formulação de políticas públicas passa a ser uma
tarefa composta de várias etapas e com a participação de agentes ativos e comprometidos com
a satisfação da massa, a fim de proporcionar o bem-estar almejado por toda sociedade
democrática, tendo-se em conta valores e princípios igualitários.
A alta relevância das políticas públicas no cenário mundial
transmite uma tendência de socialização – não em seu aspecto ideológico, mas
especificamente social – com grande preocupação dos Estados em gerir seu gigantesco
sistema, ao prestarem serviços públicos de qualidade e atingindo um grau de excelência que
atenda satisfatoriamente aos anseios dos destinatários, principalmente naqueles setores de
necessidades mais urgentes, cuja intervenção se exige em maior intensidade. Afasta-se, desta
9
forma, do antigo ranço de governos patrimonialistas, cujos adágios capitalistas e liberais eram
tidos e aceitos de forma absoluta.
Isso também porque a distância entre os continentes parece
diminuir à medida não só do avanço da tecnologia, mas, sobretudo, da interdependência
econômica entre as nações, vindo a espelhar verdadeira corrente, teia umbilicalmente
engrenada que resulta na preocupação do avanço e êxito de cada um indistintamente, sob pena
de comprometer todo o processo.
Exemplo disso é a crise econômica mundial, fruto de pequenas
manobras de dimensões microeconômicas que vieram repercutir em todos os lugares e áreas
do planeta, comprovando a existência dessa cadeia interdependente que há entre os Estados. A
fim de se evitar consequências ainda maiores, governos mostram-se solícitos e aliados uns dos
outros, inovando com pacotes econômicos e execução de políticas públicas em searas antes
reservadas somente ao capital privado.
Assim, a busca pela eficiência na prestação de políticas públicas
tem sido a preocupação encontrada frequentemente, enfrentando pontos de confluência e, ao
mesmo tempo, de conflito. Vários institutos e princípios do campo jurídico e também social
apresentam-se em constantes tensões, exigindo-se uma análise e ponderação para a escolha
dos mais convenientes em cada situação, visando uma solução coerente e eficaz, fruto de uma
estratégia devidamente planejada por profissionais que detêm o arcabouço técnico apto para o
mister.
10
Neste particular, o planejamento e a implementação dessas
políticas são tarefas imprescindíveis, mas que nem sempre se resumem a um processo lógico
ou de cunho eminentemente racional. Pelo contrário, antes de tudo se trata, na maioria das
vezes, de questão política, havendo decisões que podem ser tomadas longe de critérios
técnicos, mas cercadas de alta carga de subjetividade, cujos prognósticos não ficam a
depender somente das ciências aplicadas, com seus métodos empíricos e racionais.
Nesta tipologia moderna, o campo das políticas públicas não se
dirige ao imediatismo pragmático como sempre acostumou a se apresentar. Mostra-se, na
atualidade, estruturado estrategicamente, com uma complexidade que exige uma
transdepartamentalidade. Surgem, daí, programas de governo que traduzem legitimamente o
preenchimento das lacunas deixadas pela inoperância do modelo estatal anterior, mas que
agora se apresenta como um desenho político de macroestruturas.
Para a aferição da qualidade destas políticas públicas, a eficiência
vem se mostrando como instrumento seguro e razoável de análise, corroborando com normas
principiológicas já consagradas no ordenamento jurídico vigente. Aliado a este parâmetro,
outros podem se apresentar também de forma complementar, como são os índices sociais,
apurando-se neste processo vários aspectos simultaneamente e tendo a eficiência como
regente.
Entretanto, a eficiência não pode ser vista sempre como
paradigma atrelado à economicidade ou a situações desta seara, ainda que de forma relativa.
Exige-se, na realidade, estudo pormenorizado focado em problematizações sociais, devendo
11
ser articulada com o substrato próprio das políticas públicas, sendo recebida sob o prisma da
eficácia social.
Com este objetivo, a Administração Pública vem se aderindo
gradativamente a estudos voltados à eficiência de suas atividades, adotando uma marca
eminentemente gerencial, otimizando seus métodos e racionalizando suas atuações. A antiga
máquina estatal desprovida de interesses macroeconômicos ou de preocupações que
transcendiam sua intervenção imediata não mais perdura.
Busca-se, pois, uma atuação voltada para o desenvolvimento
como um todo, não limitado a áreas de infraestrutura, mas com um campo de atuação mais
abrangente, presenciando-se um acionismo estatal desde o setor social básico até aquele
técnico e político na longa cadeia e organograma governamental.
Visto como um forte aliado, o Judiciário é requisitado para a
consecução desta tarefa de atingimento da eficiência estatal e eficácia social na realização de
políticas públicas. Exige-se, assim, uma postura mais ativa e dinâmica de seus agentes, antes
tidos como inertes e imparciais. Vislumbra-se a participação constante das instâncias
jurisdicionais visando coibir atuações ineficientes, ímprobas e carregadas de desperdícios,
criando-se, para isto, instrumentos jurídicos de intervenção. Identifica-se, na realidade, a
posição dos magistrados no mais ativo campo político, fazendo parte dos agentes legitimados
e co-responsáveis pela consecução e atingimento de políticas públicas eficientes.
12
1. O PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO SOCIAL
Considerado como ente maior e responsável pela vida pacífica em
sociedade, teorias explicam o surgimento do Estado a partir de três situações: familiar
(patriarcal ou matriarcal), patrimonial ou pela força. Esta última teoria, a mais aceita, foi
defendida principalmente por Thomas Hobbes, discípulo de Bacon. Segundo ele, os homens,
no estado de natureza, eram inimigos uns dos outros e viviam em guerras permanentes,
surgindo o Estado como organização do grupo dominante para manter o poder de domínio
sobre os vencidos1.
A organização do Estado por órgãos divididos por funções marca
a essência do sistema constitucional, guiado pelo princípio da divisão funcional do poder de
soberania, embora esta permaneça una. Esse modelo de separação de poderes (em Legislativo,
Executivo e Judiciário) foi proposto por Montesquieu no século XVIII, sendo adotado pela
quase totalidade dos Estados atuais2.
No que tange à proteção das liberdades individuais, começando
pelo Estado grego antigo, este a desconhecia, embora não ficasse a vida privada imune às
ingerências do governo. O direito que se tutelava estava sempre vinculado à polis, sendo o
indivíduo visto como filho e parte componente das cidades-estados. Na Idade Média do
século XV, a idéia de Administração Pública contemplava todas as atividades estatais,
excluindo-se, apenas, as eclesiásticas e morais, vindo a separar a polícia e a Justiça apenas no
1
HOBBES, Thomas. Leviatã. Ou Matéria, Forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de
João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2 ed., São Paulo: Abril, 1979 (Os pensadores).
13
século XVII, quando a primeira se limitava às matérias de administração e, portanto, fora da
atuação judicial. Já no início do século XVIII, o Estado Absoluto foi marcado pela monarquia
déspota, na qual justificava o poder supremo do rei como divino e escolhido por Deus,
atribuindo ao monarca plena liberdade de escolha para a consecução dos fins que entendia
necessários, não se preocupando com direitos individuais dos cidadãos. Essa ausência de
limitação de poder fragilizou o modelo em momento histórico que se valorizava o uso da
razão, aspirando-se uma limitação legal do poder e proteção de direitos individuais e
igualdade social3.
A adoção do sistema de separação de poderes apresentado por
Locke4 e posteriormente por Montesquieu5 veio nesse intuito, encontrando terreno fértil para
o êxito de seus ideais limitadores do poder estatal e libertários de direitos individuais,
trazendo atividades do Estado bem definidas, embora seu poder continuasse a ser apresentado
como uno e indivisível.
Com
uma
carga
eminentemente
contratualista,
Locke
desenvolveu seu trabalho defendendo que
“A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à
liberdade natural e se submete às restrições da sociedade civil consiste em
concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para
viverem com conforto, segurança de suas propriedades e paz umas com as
outras e desfrutando com maior proteção contra quem não toma parte de
dita comunidade (...). Quando qualquer número de homens decide constituir
2
Idem, ps. 209-211.
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Belo
Horizonte, Mandamentos, 2004, p. 37.
4
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro. Vozes. Rio de Janeiro, 1999,
p. 68.
5
MONTESQUIEU. O espírito das leis. Trad. Fernando Henrique Cadroso e Leôncio Martins Rodrigues.
2ª ed. Brasília, UnB, 1995, p. 187-189.
3
14
uma comunidade ou um governo, isto os associa e eles formam um corpo
político em que a maioria tem o direito de agir e decidir pelo restante”6 .
Apesar de ter separado as funções estatais (Legislativo, Executivo
e Federativo), Locke acreditava ser um deles supremo, ao afirmar que “não há poder mais alto
que o de ditar as leis”, já que “É o poder supremo porque atende ao maior objetivo da vida
social que é ‘gozar dos próprios bens em paz e segurança’, o que só se pode lograr por
intermédio de leis” 7.
Montesquieu também se revela grande defensor da liberdade pela
separação dos poderes (agora Legislativo, Executivo e Judiciário), temendo a tirania, ao
aventar que
“A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que
provém da opinião que cada um possui de sua segurança; e, para que se
tenha esta liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um
cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no
mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder
executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca
ou mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las
tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não
estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao
poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder
executivo poderia ter a força de um opressor”8.
Pretendia-se, pois, elaborar um mecanismo organizacional estatal
que consistiria em impedir que o poder fosse concentrado em uma única função, servindo
como um sistema de freios e contrapesos, permitindo que o poder controlasse seu próprio
poder.
6
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 468.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro. . Vozes. Rio de Janeiro,
1999, p. 42.
7
15
Esta separação foi vital para o surgimento de acepções ligadas à
democracia, ainda que timidamente, equilibrando-se as forças do Estado e distribuindo o
poder entre suas entidades, sendo suficiente para acabar com o Estado Absolutista, no qual o
poder centralizado do monarca sufocava os direitos dos cidadãos.
Grosso modo, ao Poder Executivo foi incumbida, então, a função
de obediência e execução das leis, em auxílio ao Legislativo, cabendo ao Judiciário a tarefa de
solucionar questões e conflitos sociais pontuais, além de apurar a legitimidade da lei, dizendo
a quem cabe o direito, de acordo com ela.
Para Medauar, a formulação clássica da separação de poderes
acarretou algumas consequências jurídicas, como atribuição da atividade executiva a um
grupo determinado de órgãos, em virtude da concepção de Estado de Direito, provocando um
isolamento dos órgãos e entre administração e política, além de uma supremacia do
Legislativo e da lei em virtude do princípio da legalidade9.
Nesse cenário surge o Estado liberal do século XIX, permeando
um Estado de Direito e buscando a limitação do poder do príncipe pela própria lei, abrindo
espaço para o princípio da legalidade. Privilegiaram-se, pois, os direitos individuais antes não
protegidos, além de restringir a atuação estatal à manutenção da ordem pública, assegurando a
8
MONTESQUIEU. O espírito das leis. Trad. Fernando Henrique Cadroso e Leôncio Martins Rodrigues.
2ª ed. Brasília, UnB, 1995, p. 119.
9
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 123/124.
16
pacificação social e a fruição dos direitos de cada um, inclusive os de ordem privada, em
atendimento aos anseios da classe burguesa10.
O próprio Estado é visto - ainda nesta época - como instrumento
de garantia dos direitos individuais, principalmente no que tange à segurança nas relações do
particular com o Estado, iniciando um período de constitucionalização dos direitos
individuais, a fim de eliminar o abuso pelos detentores do poder11.
A Administração, por sua vez, como o próprio nome já adianta,
apresenta-se como instrumento institucional do qual se serve o Estado para, por meio de
órgãos e agentes, gerir a coisa pública, gerenciar as funções estatais e os deveres
normativamente previstos. Ressalta-se que a Administração não é poder, mas apenas meio de
atuação do Estado, funcionando como utensílio de execução para o cumprimento material das
ordens emanadas pelos ditos Poderes estatais12.
O modelo de Estado atual, entretanto, não deixa clara a
denominação de “Administração Pública”, parecendo ter sido ela introduzida no âmago do
Poder Executivo, (...) sem vontade própria, não se mostrando, portanto, um sujeito ativo e
marcante no cenário político neste particular.
Não bastassem as divergências e dificuldades em se definir
propriamente a Administração Pública, consenso também inexiste com referência às suas
atividades e funções.
10
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 42.
11
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 80.
17
Nas palavras de Marçal Justen Filho,
“A grande dificuldade em definir o que é função administrativa reside na
extensão e heterogeneidade do conceito. A função administrativa
compreende atividades de fornecimento de utilidades materiais de interesse
coletivo (...). Mas também abrange atuação de cunho jurídico, imaterial”13.
Em geral, o termo Administração Pública é utilizado para se
referir ao conjunto de entes e organizações que velam pela função administrativa, mas ela
deve ser interpretada sob diversos sentidos, principalmente em suas acepções subjetiva e
objetiva.
Subjetivamente, ela é tida como o conjunto de agentes, pessoas
jurídicas e de órgãos que exercitam atividade administrativa. Objetivamente, passa a ser o
conjunto dos bens e direitos necessários ao desempenho da função administrativa, bem como
a própria atividade de gerir os interesses públicos, a res publica14.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro restringe ainda com mais rigor o
conceito, definindo a Administração Pública, em sentido estrito, como sendo “sob o aspecto
subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função
administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a
função política”15.
12
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo, Atlas, 2000, p. 61.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 29.
14
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro,
Lúmen Júris, 2005, p. 9.
15
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo, Atlas, 2000, p. 54.
13
18
O Estado possui, assim, funções bem definidas, restando
delineadas no próprio corpo de seu instrumento jurídico maior, a Constituição, reservando a
cada ente o poder suas devidas competências e atribuições, servindo como meio de garantir a
ordem institucional e instrumento de exigir pelos cidadãos os deveres estatais nela previstos.
O século XX foi marcado por um Estado mais voltado para
preocupações de cunho social, em virtude de crises econômicas e sociais resultantes do abuso
do poder econômico da burguesia, vindo a surgir o chamado Estado Social, exigindo-se deste
atuação antes não imposta (...), mas que a partir de então, se buscou para consecução de
finalidades sociais em diversos campos.
Odete Medauar aponta como possíveis causas para essa mudança
o fortalecimento e pressão dos sindicatos, edição de leis de proteção social na Europa, crises
sociais (como a de 1929 e a do pós-guerra), êxodo rural e aglomeração de populações,
surgindo grandes metrópoles e surgindo problemas de convivência da massa urbana16.
Esta é a idéia transmitida por Alexandre Pizzorusso, ao se referir
ao Estado Social como o provedor de um mínimo de bem-estar aos cidadãos, resguardando-os
do desemprego, de enfermidades e, em geral, da miséria17.
A exigência exagerada do Estado, responsabilizando-o pelo
insucesso em várias searas, agigantou a máquina estatal e a sobrecarregou, levando-a a sua
própria decadência, em razão dos sentimentos de desconfiança e insatisfação (...). A partir do
16
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 83/84.
19
século XX, o agravamento do déficit dos orçamentos públicos, em decorrência do
financiamento dos programas assistenciais mediante empréstimos públicos, veio a desenhar
uma crise do Estado Social.
No Brasil, o Estado passou por três fases razoavelmente bem
delimitadas. Até 1934, presenciou-se um aparato estatal precário e amador, baseado em uma
Administração patrimonialista e ociosa, marcada pelo apadrinhamento e sem grandes
preocupações com a implementação de programas de governo.
Em busca da eficiência o Estado adotou um modelo burocrático,
fundando-se em normas racionais de procedimento, de maneira que este esteja previamente
estabelecido18, visando a uma maior organização e, em consequência, melhor otimização.
Em que pese a boa intenção do Estado burocrático, o apego
exacerbado ao princípio da hierarquia e à rotina procedimental parece ter engessando a
criatividade e a motivação da Administração, contribuindo para levá-la a resultados
ineficientes, não acompanhando a crescente complexidade da tecnologia moderna. Para
Batista Júnior, todavia, as razões da ineficiência da máquina pública brasileira são múltiplas e
de diversas naturezas, e seria por demais ingênuo atribuir às disfunções do modelo
burocrático todas as causas pela sua ineficiência19.
17
PIZZORUSSO, Alessandro. Lezioni di diritto constituzionale. 3ª ed. Il Foro Italiano. Roma, 1984.
Trad. Javier Jimenez Campo in Lecciones de derecho constitucional,Centro de Estudios Constitucionales.
Madrid, 1984, p. 25.
18
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 69.
19
Idem, p. 71.
20
Na vigência da Constituição de 1934, foi trazida a Reforma
Administrativa de 1936, visando um avanço na modernização e aperfeiçoamento do serviço
público brasileiro, destinada, ainda, a regular a área administrativa federal e realizar a
descentralização, apesar de ter, na realidade, agigantado a burocracia e propiciado a
proliferação de empresas públicas e autarquias20.
Com os indesejados resultados, criou o governo de João Goulart,
em 1967, o Ministério Extraordinário da Desburocratização, passando a carregar a bandeira
da eficiência dos serviços públicos. Desencadeou, assim, a Reforma Administrativa da Nova
República até o Governo de José Sarney, não atingindo, todavia, as finalidades inicialmente
pretendidas21.
A partir desse período, passou-se a conviver com a fase de uma
Administração Pública gerencial, com critérios semelhantes da chamada burocrática, embora
de maneira mais flexível, visando o atingimento de eficiência máxima do Poder Público, com
estratégias bem planejadas e busca de seus resultados, adotando-se critérios de mérito para o
ingresso na carreira pública e avaliação de desempenho, tendo, ainda, no cidadão, a figura de
um contribuinte de seus tributos e cliente de seus serviços, criando-se, inclusive, as chamadas
agências reguladoras e executivas para a fiscalização e fomento do serviço público, visando a
esta desejada eficiência, a marca deste período22.
20
SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo,
2003, p. 160.
21
MARCELINO, Gileno Fernandes. Apud SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da
administração pública. LTr, São Paulo, 2003, p. 161.
22
SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo,
2003, p. 168.
21
Odete Medauar traz várias expressões para intitular esse modelo
de Estado, como Estado providência, Welfare State, Estado distribuidor, Estado manager,
Estado assistencial e outras designações do gênero, todas tentando transmitir sua idéia
principal, que é a atuação mais presente do Estado em áreas antes reservadas apenas à
iniciativa particular, tanto na seara social como na econômica, abrindo-se, inclusive, barreiras
alfandegárias, buscando atender às necessidades da população, exprimindo a idéia de
substituir a incerteza da providência religiosa pela certeza da providência estatal,
completando, assim, sua secularização23.
Com esse cenário de descrédito, foi necessária a implementação
de um novo sistema modificado, com alterações marcantes na estruturação da Administração
Pública do Estado, movimento conhecido por Reformismo, pretendendo uma maior eficiência
da máquina pública, com adoção de mecanismos de modernização, descentralização e maior
tecnicismo.
A Constituição de nossa República de 1988, sob inspiração
democrática, foi um marco inicial de fácil visualização deste período, vindo a se tornar mais
claro com a reforma trazida pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, buscando um maior
equilíbrio na distribuição dos benefícios sociais, maior justiça e mais liberdade para formação
e exercício de uma consciência política de nacionalidade, além de uma melhor prestação de
serviços públicos aos administrados.
Nessa problemática se encontra a Administração Pública do atual
século XXI, num Estado atingido pelos efeitos da globalização, idéias neoliberais e incentivo
23
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, ps. 86/88.
22
às privatizações, com o fim de, ao mesmo tempo, gerir a coisa pública com eficiência sem se
esquivar de atender aos novos anseios da comunidade, garantindo seus direitos
constitucionalmente previstos. Recebe, assim, várias outras designações, como Estadoregulador, controlador, mediador, negociador, subsidiário.
23
2.
EFICIÊNCIA
Quando se refere ao termo “eficiência”, tem-se em mente uma
ação bastante e suficiente para atingir determinado resultado com o menor tempo e/ou custo
possível. No vernáculo, eficiência transmite a idéia de ação capaz de gerar efeitos e atingir um
resultado eficaz24 ou, ainda, a virtude de conseguir o melhor rendimento com o mínimo de
erros e/ou tempo ou dinheiro para determinada operação25.
No mundo jurídico, o termo não é tratado com grandes distorções.
Não obstante, as idéias trazidas pelo estudo da língua portuguesa e seus instrumentos não são
capazes de traduzir todo o seu significado, exigindo-se análise mais técnica e aprofundada
para se aproximar de seu sentido no Direito e em outras Ciências.
Hely Lopes Meirelles trazia a eficiência como sendo um dos
deveres da Administração que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com
presteza, perfeição e rendimento funcional, relembrando ser o mais moderno princípio da
função administrativa, não se contentando em ser esta desempenhada apenas com legalidade,
mas exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das
necessidades da comunidade e de seus membros26.
24
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1986, p. 620.
25
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. Rio de Janeiro, 2001, p.
1102.
26
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996, pp. 90-91.
24
Maria Sylvia Zanella Di Pietro enfoca o princípio sob dois
aspectos. Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se
espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados;
e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também
com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público27.
José dos Santos Carvalho Filho ressalta a correlação do princípio
da continuidade com o da eficiência, este reclamando que o Poder Público se atualize com os
novos processos tecnológicos, de modo que a execução seja a mais proveitosa com o menor
dispêndio. E enfatiza que a necessidade de a Administração atuar com eficiência, curvando-se
aos modernos processos tecnológicos e de otimização de suas funções, tendo a Emenda
Constitucional nº 19/98 incluído no caput do artigo 37 da Constituição da República o
princípio da eficiência entre os postulados principiológicos que devem guiar os objetivos
administrativos28.
Já Marçal Justen Filho aborda o princípio como sendo orientado
pela vedação ao desperdício ou má utilização dos recursos destinados à satisfação de
necessidades coletivas, obtendo o máximo de resultados com a menor quantidade possível de
desembolsos, otimizando, pois, os recursos disponíveis29.
Entendendo não se tratar de um conceito jurídico, mas
econômico, José Afonso da Silva destaca que a eficiência não qualifica normas, mas qualifica
atividade. Aponta, assim, a dificuldade em transpor para a atividade administrativa uma noção
27
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. Atlas. São Paulo, 2000, p. 83.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14ª ed. Lúmen Juris. Rio de
Janeiro, 2005, p. 271.
28
25
típica da atividade econômica, que leva em conta a relação input/output (insumo/produto)
que, na maioria das vezes, não pode ser aferida na prestação do serviço público, onde nem
sempre há um produto identificável e onde nem existe um input no sentido econômico30.
Paulo Modesto encara a eficiência em seus fins jurídicos, não
significando apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis
em função dos fins prezados – como é corrente entre os economistas e os administradores.
Enquanto para estes profissionais, é um simples problema de otimização de meios; para o
jurista, diz respeito tanto a otimização dos meios quanto à qualidade do agir final. Em linhas
simplificadas, a obrigação de atuação eficiente, portanto, impõe: a) ação idônea (eficaz); b)
ação econômica (otimizada); c) ação satisfatória (dotada de qualidade)31.
Eficiência pode ser vista, ainda, como um método no qual se
racionaliza a ação, ou seja, tendo-se um ponto de partida e guiando-se através da razão para se
atingir um determinado objetivo com o menor número de erros possíveis32. Neste mesmo
sentido, Odete Medauar ensina, declarando ser uma das idéias-força das reformas
administrativas realizadas em inúmeros países a partir da década de 90 do século XX, ligando
seu significado com a de resultados de um programa de modo rápido e preciso, obtendo a
maior produtividade possível, atendendo às necessidades da população33.
29
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Saraiva. São Paulo, 2006, p. 85.
Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001. QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da
eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de improbidade administrativa, p. 1335.
31
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www. direitopublico.com.br /pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08.
32
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo,
2002, p. 27.
33
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 242.
30
26
Contextualizando a eficiência à atual época, Sandra Barbosa a
entende como palavra de ordem no mundo globalizado, significando produção de bens e
serviços de maior qualidade, com rapidez e em maior número34. Trata-se, segundo Paulo
Modesto, de exigência jurídica imposta aos exercentes de função administrativa, ou
simplesmente aos que manipulam recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de
atuação idônea, econômica e satisfatória na realização de finalidades públicas assinaladas por
lei, ato ou contrato de direito público35.
O postulado da eficiência deve ser compreendido, para Nobre
Júnior, como o dever administrativo de melhor atender à consecução dos fins, de interesse
público, a que está vinculada a Administração, laborando, para tanto, com o menor custo,
crendo estar o preceito vinculado à economicidade referida no artigo 70 da Carta Maior36.
Vejamos o teor dos dispositivos constitucionais referentes a este particular:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte”. (sem grifo no original)
“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder”. (sem grifo no original)
34
Revista de Direito Administrativo. Volume 224, abr/jun 2001. BARBOSA, Sandra Pires. Impacto da
globalização sobre o princípio da eficiência, p. 198, Renovar, Rio de Janeiro, 2001.
35
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08.
36
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Administração pública e o princípio
constitucional da eficiência. NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira, Caruaru, p. 210.
27
Essas novas regras de Direito Administrativo envolvendo
eficiência, trazidas pela Reforma de 1998, vêm no intuito de se evitar desperdícios,
incompetências e leviandades na gerência da res publicae, assentando-se em dois grandes
pilares: a probidade e transparência na gerência pública, e eficiência na prestação dos serviços
públicos37.
Em seu sentido estrito e econômico, eficiência está ligada à
melhor utilização dos recursos disponíveis, analisando os meios empregados e os fins
alcançados, ponderando essa relação para se avaliar a produtividade do método utilizado, a
própria eficiência do processo.
Parece, assim, não haver consenso em sua conceituação no ponto
de vista jurídico, sendo qualquer definição carregada de subjetivismo, em razão do conceito
vago, fluído, impreciso e indeterminado do termo38.
Com tantos significados (embora aproximados), a eficiência deve
assumir aquele que melhor se compatibilize com a norma constitucional, de acordo com a
intenção do constituinte, quando da elaboração da reforma de 1998. Neste sentido é a lição de
Chicóski, ao vincular sua interpretação segundo o sistema jurídico erigido sob os princípios
constitucionais do Estado social, democrático e de Direito, a fim de que lhe extraiam, mesmo
37
Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e
polêmicas/organizadores Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002. MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência, p. 50.
38
Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001. QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da
eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de improbidade administrativa, p.1335.
28
numa perspectiva de discricionariedade, benefícios concretos à sociedade, e não apenas às
classes econômico-sociais dominantes39.
Tudo indica ter vindo a eficiência como marco normativoconstitucional para servir de critério a fim de possibilitar maior controle das atividades
estatais com base nesse parâmetro, buscando uma maior otimização no funcionamento da
máquina institucional e afastando as arraigadas manchas da antiga imagem burocrática e
morosa do Estado.
A eficiência veio, então, introduzida explicitamente no seio na
Carta de 1988, transmitindo um objetivo a ser alcançado pelo Estado em sua atividade não só
administrativa em sentido estrito, mas a abranger toda a sua atuação, vislumbrando-se um
fazer com objetividade, economicidade e eficácia social.
Quanto a suas características básicas, Alexandre de Moraes atrela
ao princípio da eficiência o direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade
do bem comum, a imparcialidade, a neutralidade, a transparência, a participação e
aproximação dos serviços públicos à população, a eficácia, a desburocratização e a busca da
qualidade40.
Como
princípio,
a
eficiência
carrega
consigo
referidas
peculiaridades que a faz distinguir de outras normas, como as regras. Isso em razão de se
39
A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 3, n. 11, jan/mar 2003. CHICÓSKI,
Davi. O princípio da eficiência e o procedimento administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 178.
40
Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e
polêmicas/organizadores Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002. MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência, p. 39.
29
optar, nessa adoção, por conceitos jusnaturalistas ou por acepções trazidas pelo positivismo.
Na visão jusnaturalista, os princípios encontram-se em posição hierarquicamente superior às
normas, possuindo, ainda, força normativa quanto à sua aplicação e efetividade. Por sua vez,
para os positivistas, as normas são gênero, no qual se encontram os princípios e as regras,
estando estes em mesmo grau hierárquico, porém, se distinguindo no que se refere ao seu grau
de generalidade e abstração. Na lição de Robert Alexy, pode-se notar que:
Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo
que debe ser. Ambos pueden ser formulados com la ajuda de las
expressiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición.
Los principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos
de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente. La
distinción entre reglas y principios es pues uma distinción entre dos tipos
de normas.41
Neste mesmo sentido, nas palavras de Luís Roberto Barroso,
“Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e
aplicáveis a um conjunto delimitado de situações” enquanto que “Princípios, por sua vez,
contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se
aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações”.42
Ana Paula de Barcellos prefere, ainda, concentrar-se no ponto
relativo à eficácia dos princípios, os quais teriam três modalidades: a interpretativa, a negativa
e a vedativa do retrocesso. A autora explica que, “ao contrário do que acontece com as regras,
a eficácia interpretativa tem aplicação bastante ampla no caso dos princípios, exatamente em
41
ALEXY, Robert. Teoria de os Derechos Fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid,
1993, p. 83
42
BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos
princípios no direito brasileiro, p. 293.
30
decorrência da indeterminação de seus efeitos e da multiplicidade de situações às quais ele
poderá aplicar-se”43.
Quanto à denominada eficácia negativa elucida a autora que “essa
modalidade de eficácia funciona como uma espécie de barreira de contenção, impedindo que
sejam praticados atos ou editadas normas que se oponham aos propósitos do princípio”. Por
fim, arremata que na vedação ao retrocesso (modalidade ainda não incorporada
definitivamente na doutrina, segundo a autora), o propósito “é evitar que o legislador vá
tirando as tábuas e destrua o caminho porventura já existente, sem criar qualquer alternativa
que conduza ao objetivo em questão” 44.
No mesmo diapasão, os princípios são considerados vigas-mestre
do sistema jurídico, ou na definição clássica do ilustre jurista Celso Antônio Bandeira de
Melo, o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade de
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico45.
2.1. EFICIÊNCIA E EFICÁCIA
43
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da
dignidade da pessoa humana. Renovar. Rio de Janeiro, 2002, p. 80.
44
Idem
45
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo, Malheiros,
2005, p. 43.
31
Muito se tem usado equivocadamente o termo eficácia como
sinônimo de eficiência, trazendo inexatidões em contextos técnicos e causando confusões
semânticas que podem comprometer o trabalho no qual se encontram inseridos os vocábulos.
Quando se trata de eficácia, o objeto em foco se encontra mais
restrito em comparação à eficiência. Tem-se em conta, aqui, unicamente o resultado a ser
atingido, o objetivo a ser alcançado, entendendo alguns autores estar relacionada a eficácia
com a eficiência em sentido amplo, mas não em sentido estrito. Isso porque, na eficácia, se
desconsideram os meios utilizados para determinado processo, somente importando o efeito
resultante da ação empregada, analisando se o alvo pretendido foi atingido ou não.
Em termos gramaticais e isentos de influências de outras áreas,
eficácia expressa a idéia de aptidão para produzir determinado efeito, segurança de um bom
resultado, infalibilidade, efeito útil, chegando-se a determinado resultado46.
Fazendo distinção entre os dois institutos, Paulo Modesto traz os
significados atrelados ao tema do Direito Administrativo, afirmando que o princípio da
eficiência diz mais do que a simples exigência de economicidade ou mesmo de eficácia no
comportamento estatal. Entende eficácia como a aptidão do comportamento administrativo
para desencadear os resultados pretendidos. A eficácia relaciona, de uma parte, resultados
possíveis ou reais da atividade e, de outra, os objetivos pretendidos. A eficiência pressupõe a
eficácia do agir administrativo, mas não se limita a isto. A eficácia é, juridicamente, um prius
da eficiência. Assim a imposição de atuação eficiente, do ponto de vista jurídico, refere a duas
dimensões da atividade administrativa indissociáveis e conjugadas ideologicamente: a) a
32
dimensão da racionalidade e otimização no uso dos meios; b) a dimensão da satisfatoriedade
dos resultados da atividade administrativa47.
A eficiência, no campo jurídico, pode significar eficácia jurídica
(aptidão para produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos), eficácia social ou
efetividade (efetiva conduta acorde com a prevista pela norma) ou ter um conceito próprio,
referente ao sucesso da norma na obtenção dos resultados48.
2.2. EFICIÊNCIA E LEGALIDADE
A legalidade é reconhecida principalmente nos Direitos Tributário
e Penal, tendo raízes históricas e políticas no regime democrático, prendendo-se à atuação dos
parlamentos e ao chamado “tributo consentido” através da lei votada pelos representantes do
povo, desde a luta das Câmaras inglesas para a efetivação da aspiração contida na fórmula no
taxation without representation49.
Essa técnica da legalidade avança como princípio jurídico geral
para a Administração no século XIX, quando se firmou o Estado de Direito, principalmente o
Estado Liberal, tendo como objetivo neutralizar o executivo monárquico, vindo atualmente a
orientar toda a Administração Pública, que se vê sempre atrelada à previsão contida na norma,
46
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva. Rio de Janeiro, 2001, p.
1102.
47
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08.
48
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo,
2002, p. 30.
33
tendo a função de delinear os contornos das atividades estatais, principalmente no que tange à
limitação de seu poder.
Entretanto, no Estado Social percebe-se uma perda de eficácia do
princípio da legalidade, que não consegue mais regulamentar toda ação da complexa
Administração, atingida pelos avanços tecnológicos e descentralização em busca da
eficiência. Como bem ressalta Batista Júnior, o princípio da legalidade, ainda que observado
na íntegra, não é suficeinte, sempre, para garantir situações jurídicas subjetivas de maior
vantagem para o cidadão50.
Diante da realidade burocrática dinâmica desse século o princípio
da eficiência vem atenuar o formalismo exacerbado e a rigidez da procedimentalização,
ganhando força autônoma principalmente após sua previsão constitucional, contrapondo-se,
muitas vezes, à legalidade.
Com a pretensão de eficiência da máquina pública, depara-se o
administrador entre a aplicação dos dois princípios constitucionais e, às vezes,
diametralmente opostos, indagando-se sobre a obediência à ordem rígida da norma ou
norteando-se pelo aberto significado do termo “eficiência”.
Exigiu-se,
pois,
não
só
uma
conduta
dos
executores
administrativos de acordo com a norma, mas um comportamento profissional que retire da
norma seu significado mais alinhado com os seus objetivos sociais com a maior eficiência
49
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos.
Belo Horizonte, 2004, ps. 344-345
50
Idem, p. 349.
34
possível, sendo necessária, assim, uma exegese antes não cobrada, diferenciando-se da
anterior atuação cerradamente enquadrada pela lei.
Ressalta-se que a eficiência é cobrada e presumida do próprio
corpo da lei, merecendo e necessitando de interpretação de seus executores para tirar dela sua
maior efetividade em prol do princípio. A interpretação correta da norma é expediente que se
exige, sendo norteada pelo seu elemento finalístico, auxiliada pela eficiência e pelos
princípios reitores das atividades estatais.
Quando houver aparente colisão entre princípios, como o da
eficiência e da legalidade, deve-se realizar uma ponderação de valores, bem como indagar se
a norma considerada ineficiente foi propositalmente posta em vigor, visando a um outro
objetivo. Em caso afirmativo, deve-se prelvalecer a norma, ainda que resulte em ineficiência.
Sendo a norma aparentemente eficiente, deve-se preservá-la, ainda que dela advenha resultado
inexitoso.
Neste sentido se filia Onofre Alves Batista Júnior, ressaltando que
se uma lei abstratamente descreve o procedimento e propicia, em tese, a eficiência, mas, no
caso concreto dá ensejo a flagrante ineficiência, deve-se preservar a solução legal, sob pena
de afronta ao princípio da legalidade e ofensa ao Estado de Direito. Entende que até uma
solução legal ineficiente deve prevalecer se (e somente se) servir para preservar outros valores
constitucionalmente consagrados. Isso porque o próprio legislador preocupou-se em fazer
35
essa ponderação de valores, sacrificando, neste caso pontual, a eficiência em prol de outro
vetor constitucional relevante51.
Note-se que ao legislador também é imposta a observância ao
princípio da eficiência, presumindo-o no próprio teor das normas postas em vigência,
permitindo a substituição por outro princípio apenas em casos excepcionais. Como esclarece
Celso Antônio Bandeira de Mello, não teria sentido que a lei, podendo fixar uma solução por
ela reputada ótima para atender o interesse público, e uma solução apenas sofrível ou
relativamente ruim, fosse indiferente perante estas alternativas. É de presumir que, não sendo
a lei um ato meramente aleatório, só pode pretender que a conduta do administrador atenda
excelentemente à perfeição, a finalidade que a animou52.
Também nesse dever de eficiência legislativa, Ruy Samuel
Espíndola esclarece que as leis que criem entraves à eficiência, que burocratizem
desmedidamente o serviço público, desatendendo à racionalidade necessária à boa consecução
do serviço, poderão ser invalidadas nas vias do controle de constitucionalidade, por
malferimento ao princípio constitucional da eficiência53.
Com entendimento semelhante, Chicóski ressalta que o princípio
da eficiência, se por um lado não deve sobrepor-se aos ditames da legalidade, também não
pode ser desacreditado, pois a atuação estatal eficiente, além de também contribuir para a
legitimação do poder, acaba sendo um aspecto da própria legalidade, quando observada de um
51
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 315.
52
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem.
Malheiros, São Paulo, 2007, p. 33.
36
ângulo material, corroborando para a manutenção do Estado Social e Democrático de
Direito54.
Nesta mesma vertente, Edilson Pereira Nobre Júnior ensina que a
atual convivência entre a Administração e o sistema jurídico não se faz unicamente na forma
de uma vinculação positiva diante da lei que, durante largo espaço de tempo, predominou
entre nós com base em ensinamento de Hely Lopes Meirelles. Pelo contrário, a submissão da
Administração à lei ora se dá como fundamento prévio e necessário de determinada ação
(vinculação positiva), ora como um mero limite externo à livre ação (vinculação negativa),
com a única condição de que não contradigam proibições estabelecidas na Constituição e em
sede legal55, fugindo-se do anterior e já arraigado paradigma no qual enuncia que a
Administração só pode fazer o que a lei expressamente permite.
Neste sentindo já se pronunciou nosso Pretório Excelso, em
julgamento do Recurso Extraordinário nº 253.885-MG que, considerando que a Lei nº
9.784/99 não prevê competências para a celebração de acordos, com vistas à extinção dos
procedimentos administrativos no âmbito federal, tal é plenamente admissível nos limites
expostos pelo Supremo Tribunal Federal, não se podendo falar em nenhum momento em
ofensa ao princípio da legalidade (indisponibilidade do interesse/bem público), atenuando-se
este princípio56.
53
Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões
contemporâneas. In: LEITE, George Salomão (Coord.) Dos princípios constitucionais – considerações em torno
das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 284.
54
A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Ano 3, n. 11, jan/mar 2003. CHICÓSKI,
Davi. O princípio da eficiência e o procedimento administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 177.
55
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência.
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 227.
56
“Ementa: Poder público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são
indisponíveis, porque pertencem à coletividade. E, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não
tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o
37
O princípio da eficiência pode ser percebido como componente da
própria legalidade, percebida sob um ângulo material e não apenas formal, referindo à
legalidade material explorada excelentemente por Celso Antônio Bandeira de Mello,
nomeadamente, quando trata do “dever de atuação ótima ou excelente do administrador nas
hipóteses de discricionariedade”, compondo uma das faces materiais da Administração
Pública, e destacado pela Constituição por razões pragmáticas e políticas57.
Não parece, todavia, haver incompatibilidade entre eficiência e
legalidade, mas sim harmonia. Isso porque a eficiência, ao invés de rejeitar a adstrição do
administrador à juridicidade, incorpora a esta um novo sentido, de cunho substancial, de
maneira que, além da mera observância à formalidade, se busque o interesse público pelo
alcance de determinados resultados quando da realização de atos administrativos58.
A busca da eficiência da Administração não pode significar, pois,
o abandono dos outros princípios constitucionais, como o democrático e o da legalidade,
devendo ser observada a melhor forma de interpretar a Constituição. Por isso, defende a idéia
de desnecessidade de desregulamentação da Administração Pública, inexistindo qualquer
conflito entre os princípios59.
princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a
solução adotada pela Administração pública é a que melhor atenderá a ultimação deste interesse” (STF RE
253.885 – MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie. DJ, 21.06.02).
57
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08.
58
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência.
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 230.
59
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública.
Fórum, Belo Horizonte, 2007, pp. 195 e 213.
38
Ademais, a legalidade deve ser vista sob o seu sentido mais amplo
possível, a ponto de enxergar a eficiência em seu bojo, eis que se trata de norma explícita e
constitucionalmente prevista, dando mais um motivo pela co-integração e compatibilidade
entre elas.
2.3. EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO
Dúvidas não restam mais acerca da natureza jurídica do princípio
da eficiência, tratando-se de norma prevista expressamente em nosso ordenamento jurídico,
ao menos após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, embora já houvesse
previsões no próprio texto constitucional de forma explícita (artigos 74 e 144) e implícita
(artigos 70 e 71), além de outras leis, como o Código de Defesa do Consumidor (de 1990),
que dispõe, em seu art. 4º, sobre a Política Nacional das Relações de Consumo, ressaltando a
eficiência no controle da qualidade e segurança em produtos e serviços em seus incisos V,
bem como repressão eficiente no combate aos abusos nas práticas comerciais, em seu inciso
VI, sem contar disposição específica aos serviços públicos, exigindo sua prestação de forma
eficaz e adequada (art. 6º, X).
Do mesmo modo, a Lei Federal nº 8.987/95 previa a exigência da
eficiência como atributo do serviço adequado, no que tange ao regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos (art. 6º, § 1º). Também a lei 9.074/95 determina
ao poder concedente a observância do aumento da eficiência das empresas concessionárias,
visando à elevação da competitividade global da economia nacional (art. 3º, III).
39
A doutrina também já se pronunciava sobre o princípio da
eficiência antes mesmo da reforma de 1998. Hely Lopes, por exemplo, se dirigia ao assunto
enfatizando o dever de eficiência imposto ao agente público para que este realize suas
atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional60.
A sua vez, a jurisprudência emanava sua posição quanto ao
princípio da eficiência na administração pública antes da expressa previsão constitucional,
entendendo a impossibilidade de o juiz substituir a Administração Pública determinando que
obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional, por exemplo,
determinando que se desfizesse construções já realizadas para atender projetos de proteção ao
parcelamento do solo urbano. Ao Poder Executivo caberia, pois, a conveniência e a
oportunidade de realizar atos físicos de administração (construção de conjuntos habitacionais
etc.). O Judiciário não poderia, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos,
ordenar que tais realizações sejam consumadas. O controle dos atos administrativos pelo
Poder Judiciário estaria vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de
obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da
finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito. As atividades de realização dos
fatos concretos pela administração dependeriam apenas de dotações orçamentárias prévias e
do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não caberia ao Poder Judiciário,
portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio
ambiente61.
60
61
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996, p. 90
STJ, RESP 169876/SP ; RECURSO ESPECIAL (98/0023955-3); fonte: DJ; data: 21/09/1998; pg: 00070, Relator:
Ministro JOSÉ DELGADO, data da decisão: 16/06/1998, órgão julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA, decisão por
unanimidade.
40
Foi preciso, pois, a previsão constitucional do aludido princípio
para se poder cobrar do Estado uma atuação mais rígida no que tange aos efeitos direcionados
de suas ações. A eficiência mostra-se, assim, como princípio jurídico que provoca um dever
positivo de atuação otimizada do Estado, considerando-se os resultados da atividade exercida,
relacionando os meios empregados e os fins aos quais se pretendem alcançar.
Houve verdadeira euforia entre os administrativistas com a
promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, como se a simples inclusão expressa do
princípio da eficiência no texto constitucional fosse capaz de solucionar todos os problemas
de ineficácia da Administração Pública.
Entendendo inquestionável o reconhecimento pela doutrina da
presença de princípios que informam a função administrativa - em razão, por exemplo, da
necessidade da vida social - situa-se nesta classe de princípios o da eficiência, que permeia o
modo de gestão do Estado atual, não decorrendo de ideais de justiça consagrados
imemorialmente, mas de reclamos impostos pela vida gregária, com vistas a uma melhor
satisfação do bem-estar geral62.
Ainda assim, parte da doutrina manifestou seu ceticismo quanto à
efetividade do princípio em estudo. É o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, que
afirmou ser juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais
parece um simples adorno agregado ao artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos
que buliram no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (...
nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois
41
jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever
administrativo por excelência63.
Neste mesmo pessimismo, Ribeiro Lopes opõe-se ao caráter
principiológico da eficiência, se expressando que jamais será princípio da Administração
Pública, mas sempre terá sido finalidade da mesma, eis que nada é eficiente por princípio,
mas por consequência64.
Mais sensato parece ser o entendimento de Paulo Modesto,
ensinando que o princípio da eficiência, como todo princípio, não possui caráter absoluto, mas
irradia efeitos em quatro dimensões: cumpre uma função ordenadora, uma função
hermenêutica, uma função limitativa e função diretiva65.
Na mesma linha, Maria Paula Dallari não demonstrou crer na
reforma administrativa, entendendo ter sido um exemplo negativo de como a ignorância do
direito administrativo pelos gestores públicos e como o desconhecimento da Administração
Pública enquanto organização, pelos juristas, produziram desperdício de energia humana,
numa Emenda Constitucional que dificilmente chegará à aplicação, tal como aprovada66.
62
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Administração pública e o princípio
constitucional da eficiência. NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira, Caruaru, pp. 200/201.
63
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Malheiros. 19ª ed. São Paulo,
2005, p. 109.
64
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à reforma administrativa. De acordo com as EC 18 e
19 de 1998. São Paulo, RT, 1998, pp. 108/109.
65
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. Acessado em 23.10.08.
66
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. XXXVII.
42
Em que pese a carga semântica e jurídica representada pelos
doutrinadores aludidos, não parece merecer todo o crédito e concordância, eis que se mostra
uma inovação útil e necessária para exigir das normas sua maior eficiência, expurgando
eventuais argumentos contrários, em razão da anterior ausência expressa do termo no texto
constitucional.
Robert Alexy ensina que os princípios podem ser caracterizados
como mandados de otimização, verificando que podem ser implementados segundo várias
escalas de concretização, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas que envolvam o
caso concreto67.
A importância desse moderno pensamento principiológico no
Direito é de suma relevância, posto que possibilita ao aplicador da norma seu grau de
concretude e realização – a partir de sua interpretação – ante as peculiaridades do caso,
valendo-se da preponderância axiológica dos princípios reconhecidos pela Constituição da
República, dentre eles o da eficiência.
Deve, pois, o vocábulo “eficiência” ser interpretado com base
também no seu sentido comum, alinhando-se ao princípio da máxima efetividade da norma
constitucional, nos respectivos aspectos teleológico e sistemático e no princípio da
indisponibilidade do interesse público.
Neste mesmo posicionamento é a lição de Alexandre de Moraes,
entendendo a eficiência como princípio, vista como uma imposição à Administração Pública
43
direta e indireta e a seus agentes a busca do bem comum, como meio de exercício de suas
atribuições, de forma imparcial e transparente, participativa e eficaz, sem burocracia e
primando sempre pela qualidade dentro dos critérios legais e morais, a fim de se evitarem
desperdícios e garantir maior rentabilidade. Acredita, ainda, estar a eficiência ligada a
eventual responsabilidade do agente em suas funções públicas, pautadas estas sempre pelo
referido princípio, sob pena de se configurar conduta tipificada como improbidade
administrativa, em uma de suas modalidades encontradiças nos artigos 9º, 10 ou 11, todos da
Lei nº 8.429/9268.
O princípio da eficiência, enquanto norma constitucional, se
apresenta como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos e condutas positivas
ou omissivas do Poder Público, servindo de fonte para a declaração de inconstitucionalidade
de qualquer manifestação da Administração contrária a sua plena e total aplicabilidade69.
Com um entendimento mais pragmático-social, Giuliano Toniolo
e Luciano Timm asseveram ser nesse sentido que a melhor literatura jurídica se refere ao
princípio da eficiência no âmbito do Direito Administrativo. O Estado deve abster-se de fazer
opções de gastos que não tragam benefício à maioria da coletividade. Isso aconteceria ainda
que não houvesse um serviço público de qualidade. Qualidade e eficiência são conceitos
67
ALEXY, Robert. Teoria de os Derechos Fundamentales, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid,
1993, p. 81.
68
MORAES, Alexandre de. Administração Pública. Artigo: Constitucionalização do direito e princípio
da eficiência. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo, 2002, pp. 36, 45/47.
69
MORAES, Alexandre de. Constitucionalização do direito e princípio da eficiência. Administração
pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e polêmicas. Org. Carlos
Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 42.
44
distintos na Economia e, consequentemente, no Direito, quando importa estas categorias
econômico-gerenciais e dota-os de caráter normativo70.
Com a Emenda Constitucional nº 19/98 a eficiência passou a ser
cobrada não só na atividade estatal em si, mas do próprio pessoal da Administração Pública,
exigindo-se dele avaliação periódica de desempenho como condicionante para a sua situação
de estabilidade e de manutenção nos quadros do serviço público, conforme expõe o inciso III
do artigo 41.
Humberto Ávila, entretanto, explicita que a eficiência se adentra
nas espécies de normas de cunho imediatamente finalística, isto é, que impões a realização de
um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos
são havidos como necessários àquela realização. Discorda, assim, da denominação ‘princípio’
para o termo eficiência, entendendo sê-la postulado, na medida em que não se impõe a
realização de fins, mas estrutura a realização dos fins cuja realização é imposta pelos
princípios71.
Para a análise do postulado normativo, o mesmo autor lança
passos de sua investigação e aplicação. Em primeiro lugar, é preciso encontrar casos cuja
solução tenha sido tomada com base em algum postulado normativo, como a eficiência, neste
caso. Em segundo, necessário analisar a fundamentação das decisões para verificar quais
elementos foram ordenados e como foram relacionados entre si. Em terceiro lugar, deve-se
70
TIMM, Luciano Benetti; TONIOLO, Giuliano. A aplicação do princípio da eficiência na
administração pública: levantamento bibliográfico e estudo sobre a jurisprudência do TJRS. Prismas: Dir., Pol.
Públ. e Mundial., Brasília, v. 4, n. 2, p. 347-365, jul./dez. 2007.
71
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista
brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 107.
45
investigar quais normas foram objeto de aplicação e os fundamentos utilizados para a escolha
de determinada aplicação72.
Apesar da aparente coerência em suas explicações, Ávila parece
ter restringido em muito o alcance de um princípio, expondo uma análise reducionista de sua
dimensão. Também refutando o entendimento acima, Tavares de Oliveira assevera ser
princípio porque é norma jurídica, assim considerada na base do texto constitucional; além de
constituir-se em cunho programático do Direito Administrativo. Indica aos agentes públicos
de que forma devem pautar-se na condução da máquina pública, primando sempre pela ação
mais compatível com a técnica, a evolução tecnológica (modus operandi) e com os resultados
esperados73.
Essa grande preocupação com os princípios surgiu após a tragédia
do massacre dos judeus, na 2ª Guerra Mundial, vindo a nascer uma forte concepção que
passou a rejeitar a idéia de um ordenamento jurídico que tivesse como única fonte de validade
uma norma de maior hierarquia, pressupostamente elaborada pelo Estado74, justamente para
evitar situações tão grotescas, embora legais, passando-se a aceitar, a partir de então, a
interpretação da norma sob a égide de juízos de valor.
Para se ter uma idéia, na Constituição italiana já se previa desde
1947 a idéia de eficiência no âmbito da Administração Pública, consagrando o princípio do
“buon andamento” na seara administrativa, trazendo em seu artigo 97.1 que “Os órgãos
72
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista
brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 116.
73
OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração
brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br.
46
públicos são organizados segundo disposições de lei, de modo que sejam assegurados o bom
andamento e a imparcialidade da administração”75.
Da mesma forma a Declaração de Independência dos EUA de
1776 continha em seu bojo traços de eficiência, ao prever aspectos de desburocratização,
evitando-se o inchaço da Administração Pública:
“The Declaration of Independence, Philadelphia, Pennsylvania, 1776, [...]
He has erected a multitude of New Offices, and sent hither swarms of
Officers to harass our People, and eat out their substance”76.
Outros Estados ocidentais, como a Dinamarca (1953), Noruega
(1814), Suécia (1975), Croácia (1990) e Finlândia (1999), apesar de não consagrarem
expressamente o princípio da eficiência, previram a figura do Ombudsman, como ouvidor e
eventual fiscalizador da atividade administrativa estatal, visando evitar condutas e
comportamentos inapropriados da Administração Pública77 e, com isso, alcançar a desejada
eficiência, evitando abusos e desperdícios advindos de condutas administrativas com o uso de
verba do erário.
Já países com Constituições mais recentes tiveram a preocupação
de inserirem em seus textos constitucionais expressamente o instituto da eficiência, como é o
caso de Portugal (1982). Já a Espanha prevê desde 1958 a eficiência como princípio da
atuação administrativa em seu artigo 29, ao dispor que “la actuación administrativa se
74
Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002. MORAIS, Dalton Santos. A eficiência
administrativa como princípio do direito administrativo brasileiro, p. 176.
75
“I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo chesiano assicurati il buon
andamento e l’imparzialitá dell’amministrazione” - Disponível em: www.constitution.org. Acesso em
30/10/2008.
76
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos. Belo
Horizonte, 2004, p. 153.
47
desarrollará côn arreglo a lãs normas de economia, celeridad y eficacia”78 mantendo-o em sua
Carta atual de 1978 (art. 103, I). Nas novas constituições da China (1982), Áustria (1983),
Filipinas (1986), Suriname (1987), África do Sul (1996), Tailândia (1997), Polônia (1997) e
Suíça (1998) demonstraram ser um objetivo comum dos Estados.
A eficiência pode ser vista, assim, como princípio explicitamente
insculpido no ordenamento jurídico, servindo, inclusive, de parâmetro legal de controle
administrativo. Neste particular, Onofre Alves Batista Júnior entende ser a eficiência não só
um critério de controle, mas um valor em si, podendo aferi-la tanto a priori como a
posteriori, se tratando seus referenciais, na realidade, de regras de boa administração. Sendo
um valor em si, deve ser visto como critério flexível de aferição da conduta administrativa,
sem perder, contudo, seu aspecto objetivo de avaliação, servindo como vetor potencializador
instrumental dessa atuação estatal79.
Admitindo a imperfeição das normas jurídicas de cunho
valorativo, Tavares de Oliveira adverte que o seu operador necessita integrá-las com a
realidade através da interpretação, que reside no trabalho de adaptar o texto da norma à
evolução e às mudanças da vida social. É, afinal, o processo que se afigura indispensável ao
contexto do princípio da eficiência, porquanto, por meio dos vários critérios de interpretação,
pode-se integrar a atuação eficiente da Administração Pública dentro do seu “habitat”
valorativo80.
77
Idem, os. 157-159.
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 182.
79
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Mandamentos.
Belo Horizonte, 2004, ps. 407/408.
80
OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração
brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br. Acessado em 23.10.2008.
78
48
A alta carga axiológica do princípio da eficiência resulta em
dificuldades de interpretar as relações do fenômeno jurídico às quais estão jungidas a ele,
podendo resultar em sentidos diversos. Isso decorre porque o próprio intérprete influencia e é
influenciado pelo objeto a ser interpretado, porque ele também faz parte do mesmo mundo de
onde o objeto fora subtraído.
Neste sentido, o administrado deve pautar-se pelos valores e
finalidades constitucionalmente traçados, servindo eles de norte aos quais a máquina estatal se
dirige e busca alcançar, sem descurar da intenção precípua do constituinte ao editar a norma,
bem como adequando-a ao cenário social atual. Os métodos clássicos de interpretação são
instrumentos que auxiliam nesta tarefa, como o gramatical, o racional, o histórico, o
sistemático.
Esse processo de busca pela finalidade precípua da administração
não pode ser visto, todavia, de forma absoluta. Ao contrário, todo processo decisório com essa
visão teleológica exige momentos de ponderação de valores em seu trâmite, não se
descurando de ideais democráticos de gradação constitucional no iter processual para se
chegar ao seu fim último. Ou seja, os fins não podem justificar os meios, quando estes não se
compatibilizarem com os valores defendidos em um Estado Democrático de Direito.
2.4. EFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA
A Constituição da República do Brasil de 1988 previu em seu
artigo 70, caput, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial
49
da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação de subvenções e renúncia, devendo ser exercida pelo seu controle
interno e também pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas. Percebe-se,
assim, uma preocupação do próprio constituinte em consolidar o entendimento de haver
controle contábil com o parâmetro da economicidade, entendida esta como eficiência
contábil-orçamentária81.
O princípio da eficiência não se limita, pois, ao campo da ação
administrativa do Estado, alcançando também o orçamento, projetando-se diretamente para a
temática da gestão orçamentária, que também se deixa influenciar pelas novas técnicas
gerenciais. Deste modo, ressalta-se a importância da estreita ligação entre o princípio da
eficiência e o da economicidade, permitindo, ambos, que se proceda à abertura do controle
orçamentário aos demais poderes82.
Denota-se, desta forma, a legitimação de um novo instrumento de
controle da atividade administrativa estatal por meio do princípio da eficiência e
economicidade, levando-se em conta os aspectos contábeis das instituições públicas,
possibilitando a mensuração dos gastos públicos e sua relação com a lei e com a previsão
orçamentária nela contida.
Neste condão, os orçamentos se mostram como instrumento que
facilita a análise da eficiência da atuação administrativa, principalmente por um controle a
81
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 135.
82
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; e MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. O princípio da
eficiência e a gestão empresarial na prestação de serviços públicos: a exploração econômica das margens de
rodovias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE – ano 5, n. 17. Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 16.
50
priori, devendo haver uma cadeia lógica do processo de sua elaboração. Sylvie Trosa aponta
quatro etapas para esse desenvolvimento, exigindo-se (1) prioridades em nível do governo, e
não por ministérios; (2) devendo essas prioridades serem claras por avaliações de resultados
verdadeiras; (3) determinando as grandes opções orçamentárias por setor; (4) devendo estas
macro-escolhas esclarecer, por mecanismos de análise de desempenho, o que é válido e o que
não é83. A partir desses dados, deve o orçamento ser direcionado pelo desempenho, com
prioridades claramente fixadas.
Sendo a eficiência um dos princípios traçados pela Carta
Constitucional para a atuação da máquina administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), Lei Complementar nº 101/2000, traçou limites claros e critérios objetivos que retratam
a busca deste intento.
Consubstanciada na experiência da Nova Zelândia, onde houve
edição de lei que supervalorizava o princípio da transparência sobre as próprias regras, a LRF
veio também adotar instrumentos de controle de gastos públicos, como relatórios contábeis
periódicos e respectivas responsabilidades dos gestores84.
No entendimento de Márcio Cavalcanti, essa norma tem o
objetivo de corrigir o desperdício e o comportamento imoral dos governantes, habituados em
receber transferências fiscais que pagavam a conta de suas irresponsabilidades. Agora, estão
83
TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Revan, Brasília,
2001, p. 227.
84
NUNES, Selene Peres Peres. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o
bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo,
2002, p. 339.
51
obrigados a arrecadar antes de autorizar o gasto e somente conceder benefícios fiscais se
possuírem recursos suficientes para fazer frente a estas despesas85.
Para o mesmo autor, houve grande modificação no regime
econômico, criando um novo modelo de Estado, ao fazer eficiente o sistema constitucional de
transferências de recursos fiscais e instituir a figura do gestor responsável, estabelecendo
limites para o endividamento público, representando claro sinal ao mercado e obedecendo a
parâmetros prudenciais que transmitam segurança na gestão orçamentária pública e garantam
o planejamento equilibrado86.
Com esta restrição orçamentária, espera-se prevenir a geração de
déficits imoderados e reiterados, traduzindo em política tributária previsível e estável,
mantendo a dívida pública em nível prudente e compatível com receita e patrimônio
público87.
Denota-se, assim, uma maior amplitude da natureza semântica da
eficiência, englobando a economicidade contábil, esta atrelada à utilização adequada de
recursos, enquanto aquela se preocupa pelo balanço de custo/benefício alcançado, visando
saldo favorável das vantagens88.
85
CAVALCANTI, Márcio. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o
bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo,
2002, p. 303.
86
Idem, p. 303.
87
NUNES, Selene Peres Peres. Investimentos e a lei de responsabilidade fiscal, o estado responsável e o
bem-estar social. Administração Pública. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São Paulo,
2002, p. 340.
52
2.5. EFICIÊNCIA E DISCRICIONARIEDADE
Assim como nos demais Poderes, o Executivo, em sua função
típica e preponderantemente administrativa, edita e executa atos desta natureza, podendo eles
ser enquadrados na clássica classificação trazida pela doutrina, intitulando-os vinculados ou
discricionário, de acordo com a liberdade que a própria lei concede ao seu titular.
Os
atos
administrativos
vinculados,
primeiramente,
se
caracterizam por serem descritos pela norma de maneira exaustiva, ou seja, tendo a própria lei
descido a detalhes a forma como deverão ser executados, não deixando margem de liberdade
ao administrador, que poderia realizá-los de outro modo.
Exemplificando, quando o legislador indica que a verba
depositada em determinado fundo tem destinação específica, como merenda escolar nos
estabelecimentos educacionais da cidade “X”, não poderá o administrador autorizar despesa
estranha a esta finalidade – como dirigida à publicidade/propaganda de governo -, sob pena de
eivar de vício o seu ato, por patente desvio de finalidade e, portanto, ilegalidade.
Com efeito, há no bojo da Constituição Federal, dispositivo que
prevê expressamente esta situação, estabelecendo o quantum percentual ou em espécie a ser
destinado a setor específico, determinando a medida mínima de política pública a ser
cumprida89.
88
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência.
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 209.
89
Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da
educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (Vide Medida Provisória nº 339, de 2006).
53
Os atos administrativos discricionários, como já estudados,
embora legalmente vinculados, permitem ao administrador certo grau de liberdade dentre as
escolhas possíveis, desde que justificado pela busca do melhor interesse público.
Na lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, o ato administrativo
discricionário se constata quando o regramento não atinge todos os aspectos da atuação
administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de
tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas
válidas perante o direito90.
Também nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello,
a discricionariedade se constata quando a Administração pratica com certa margem de
liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade
formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles. Entretanto,
I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada
mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
II - os Fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se
referem os incisos I, II e III do art. 155; o inciso II do caput do art. 157; os incisos II, III e IV do caput do art. 158; e as alíneas a e b do
inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios,
proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas
redes, nos respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
III - observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição Federal e as metas de
universalização da educação básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, a lei disporá sobre: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006).
(...)
VII - a complementação da União de que trata o inciso V do caput deste artigo será de, no mínimo: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006).
a) R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), no primeiro ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 53, de 2006).
b) R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no segundo ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006).
c) R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e quinhentos milhões de reais), no terceiro ano de vigência dos Fundos; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
d) 10% (dez por cento) do total dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, a partir do quarto ano de vigência
dos Fundos; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
(...)
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar, no financiamento da educação básica, a
melhoria da qualidade de ensino, de forma a garantir padrão mínimo definido nacionalmente. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 53, de 2006).
54
o autor dá enfoque ao cerne dos atos desta espécie, valorizando seu conteúdo adstrito à lei,
destacando não se tratar, tecnicamente, de “ato discricionário”, mas praticado no exercício de
uma “apreciação discricionária” em relação a algum ou alguns dos aspectos que o compõem
(possibilidade de praticar ou não o ato; possibilidade de praticar o ato tal ou qual;
possibilidade de usar a forma tal ou qual; possibilidade de se decidir quanto ao momento da
prática do ato)91.
Esse poder discricionário, como explica Mauro Roberto Mattos, é
excepcional e está vinculado à lei que, por não ter condição de prever todas as situações com
alguma objetividade e em tese, delega ao administrador público a competência de promover
um juízo particular de escolha sobre determinado assunto. A insuficiência da lei em relação ao
caso concreto é que cria a necessidade excepcional do ato administrativo discricionário92.
Na visão deste mesmo autor, a diferença do ato administrativo
vinculado para o discricionário é o grau de liberdade de decisão concedida pelo legislador,
que este último possui. Sendo certo que esta liberdade é quantitativa, mas não qualitativa, pois
o ente público na atual fase do direito administrativo vincula-se às normas e princípios da
boa-administração, o que significa dizer que não existe mais ato imune ao controle judicial,
pouco importando se ele é discricionário ou vinculado93.
Os conceitos jurídicos indeterminados, como nesses casos, se
constituem em instrumentos através dos quais o legislador atribui à Administração Pública um
90
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 12ª ed. Atlas. São Paulo, 2000, p. 196.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem.
Malheiros, São Paulo, 2007, p. 18.
91
55
poder de conformação do sentido da norma, o que, segundo Apio, não pode ser confundido de
forma alguma com a autorização para a prática de um ato administrativo discricionário94.
A existência do poder discricionário – sempre excepcional já que
a regra é a estrita vinculação da Administração à lei – decorre da incapacidade de se prever,
com alguma objetividade e em tese, a solução mais adequada, mais justa, mas correta para
determinadas situações. A discricionariedade, portanto, deve servir ao interesse público,
sendo um instrumento para melhor atender à finalidade pública pretendida pela lei.
Essa margem de liberdade - embora restrita - ao administrador
resulta da norma jurídica sob vários aspectos, segundo Antônio Carlos Moraes: 1) a lei
expressamente a confere à Administração; 2) a lei é insuficiente para prever todas as situações
supervenientes ao momento de sua promulgação; 3) a lei prevê determinada competência, mas
não estabelece a conduta a ser adotada; 4) a lei usa certos conceitos indeterminados; 5) a
norma abre para o agente público alternativas para agir95.
Cuida-se, pois, de uma justificativa da existência dessa
discricionariedade, que é a impossibilidade de a norma prever exaustiva e exatamente todas as
situações fáticas possíveis, abrindo o legislador um caminho mais largo para que o executor
92
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de
mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum
administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, pp. 5952 e 5956, ago. 2005.
93
Idem, p. 5955.
94
APIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no brasil. Curitiba, Juruá, 2005, pp. 124-125.
95
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública.
Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 198.
56
cumpra a mens legis, que é o melhor interesse público, permitindo-se, assim, que o
administrador adote as medidas mais adequadas a este atendimento96.
Neste particular, ganha relevo o estudo de hermenêutica, na
medida em que parece ser a interpretação o primeiro limite imposto à atividade
discricionária. Isso porque o texto constitucional merece tradução maximizada, a fim de se
concretizar suas normas e seu espírito.
Imperioso ressaltar que essa discricionariedade possibilitada pelo
próprio legislador é justificada pela busca da eficiência na finalidade buscada pela norma.
Vislumbra-se, pois, a perfeita consonância entre discricionariedade e eficiência, parecendo a
primeira tirar sua razão de ser da possibilidade de se alcançar segunda.
Diante dessa natureza excepcional do ato administrativo
discricionário, vislumbram-se três principais situações em que sua existência se justifica.
Primeiramente, quando a lei expressamente dá à autoridade este poder, se tratando de ato
personalíssimo e de interesse peculiar ligado à função do próprio administrador, como é o
caso de atos de livre nomeação e exoneração, cabendo ao titular deste ‘direito’ utilizar desta
prerrogativa para fazer integrar nos quadros da Administração o indivíduo que melhor lhe
aprouver.
Uma segunda situação imaginada seria quando a lei for omissa
para regular determinado ato. Neste caso, o administrador utilizará a margem conferida pela
96
p. 195.
Neste sentido, MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003,
57
própria lei, sem contudo, abdicar de cumprir os mandamentos constitucionais supremos,
garantindo, ainda, os direitos fundamentais dos administrados.
Uma última hipótese é vislumbrada quando a lei estabelecer
determinada competência sem determinar especificamente a conduta a ser adotada. Aqui se
imaginam usualmente os atos envolvendo o poder de polícia da Administração, devendo os
seus agentes se pautar também por princípios constitucionais a fim de nortearem suas
condutas, principalmente os da proporcionalidade e razoabilidade.
Imprescindível relembrar mais uma vez a lição de Celso Antônio
Bandeira de Mello, quando analisa a discricionariedade dos atos administrativos e enfatiza o
dever do gestor e a necessidade de se realizar uma interpretação da norma que contém essa
peculiaridade quanto à fluidez das expressões nela contidas. Isso porque discricionariedade se
traduz, segundo o professor, na margem de liberdade que remanesça ao administrador para
eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois
comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a
solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das
expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair
objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente97.
Essa discrionariedade, todavia, não pode ser considerada uma
espécie de casulo intransponível, no qual se encontra o mérito do ato administrativo,
intangível por qualquer controle externo. Tavares Oliveira entende que o princípio da
eficiência veio desmitificar esse entendimento retrógrado, permitindo que o Judiciário, por
58
exemplo, retome as rédeas da discricionariedade e adentre nestas questões sob a égide do
vetor principiológico da eficiência98.
Com efeito, esse atributo de discricionariedade dirigido ao
administrador o dever de pautar-se pelo interesse público e orientar-se pela eficiência de seu
ato, sob pena de incorrer em desvio de poder, afastando-se do objetivo da lei. Para Celso
Antônio Bandeira de Mello, existem duas espécies de desvio de poder: a) quando o agente age
com a finalidade de atender a um interesse alheio diverso do interesse público, seja por
motivo pessoal, seja por paixão política ou ideológica; b) quando o agente age com o fim de
atender a uma finalidade pública, porém diversa daquela relacionada à competência outorgada
em lei99.
Antônio Carlos Moraes entende que nos últimos tempos tem-se
constatado uma tentativa de aumentar a discricionariedade do administrador que, sob a
justificativa de estar à procura da eficiência administrativa, tem procurado trazer para o
Estado as técnicas administrativas da empresa privada e fugir das normas do Direito
administrativo para às do Direito privado, vislumbrando uma desregulamentação ou fuga do
Direito Público. Afirma, todavia que a dúvida, a insegurança e o completo desconhecimento
das técnicas administrativas são os principais motivos da lentidão dos processos e da gestão
incorreta e ineficaz do orçamento, trazendo suspeitas de que essa desregulamentação possa
97
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem.
Malheiros, São Paulo, 2007, p. 48.
98
OLIVEIRA, Marcos José Tavares de. O princípio da eficiência e os novos rumos da administração
brasileira. Disponível em http//www.bdjurstj.gov.br; Acessado em 23.10.2008.
99
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 19ª ed. São Paulo, Malheiros,
2005, p. 372.
59
trazer insegurança na seara jurídica ao administrado, posto que o princípio da legalidade é
justamente o elemento legitimador da decisão administrativa100.
A discricionariedade também encontra limites no próprio corpo
constitucional, ao trazer, ainda, o princípio da moralidade. A partir de então, não se legitima
mais o princípio da legalidade (ainda que indiretamente, como na discricionariedade
permitida pela norma) por estar simplesmente positivado no ordenamento jurídico. Daí a
necessidade de os atos administrativos estarem de acordo com os princípios éticos e morais
norteadores da Adminstração Pública, sendo insuficiente que ostentem aparência de
legalidade, mas que destoam dos valores éticos previstos e respeitados em determinada
comunidade101.
Celso Antônio Bandeira de Mello elenca ainda a razoabilidade e a
proporcionalidade como limitadores da atuação discricionária do administrador, entendendo
que esta última não pode ser considerada um salvo-conduto para ele, bem como não se
poderiam admitir medidas desproporcionadas em relação às circunstâncias que suscitaram o
ato – e, portanto, assintônicas com o fim legal – não apenas porque conduta desproporcional
é, em si mesma, comportamento desarrazoado, mas também porque representaria um
extravasamento da competência, fugindo da intelecção razoável que se espera do gestor
público102.
100
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública.
Fórum, Belo Horizonte, 2007, pp. 204/207.
101
PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os
princípios da constituição de 1988, 2ª ed. Rio de Janeiro, Lúmen Iuris, 2006, p. 532.
102
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. 8ª tiragem.
Malheiros, São Paulo, 2007, p. 43.
60
Diferentemente do princípio da legalidade, a discricionariedade,
para aos olhos de Maria Paula Dallari, detém uma natureza eminentemente negativa,
informando ao administrador público o que não pode ser feito, estando a ênfase na limitação
do seu poder, restando a discricionariedade em seu âmbito material e dirigido ao próprio
gestor público, por omissão eloquente do legislador103.
103
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
61
3.
A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A eficiência na atuação estatal – como transmite a mens do
vocábulo introduzido pela Emenda Constitucional de 1998 – remonta uma maior exigência na
condução de seus processos, especialmente em suas atividades primordiais.
Nesta análise, políticas públicas podem ser positivadas em
disposições constitucionais, leis ou outro ato normativo infralegal, contendo em seu bojo um
programa de ação voltado ao interesse público, a fim de implementar um plano de governo
anteriormente traçado.
Apesar da parca regulamentação específica sobre a eficiência,
mostra-se ela como uma orientação à própria Administração, além de uma evidente evolução
principiológica no ordenamento jurídico. Como bem ressalta Santos Morais, se por um lado a
normatização da eficiência administrativa ainda gera desconfiança em vários atores do cenário
jurídico brasileiro, por outro representa um grande passo no longo caminho a ser percorrido
pela Administração brasileira, no sentido da racionalização de sua atuação que, priorizando as
funções públicas essenciais estatuídas pela Constituição, deve ater-se às limitações impostas
pela finidade dos recursos públicos, orçamentários e financeiros disponibilizados104.
Numa abordagem mais técnica, John Kingdon as define como
sendo o programa de ação governamental que resulta de um processo ou de um conjunto de
processos juridicamente regulados visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
Saraiva, 2006, p. 16.
104
MORAIS, Dalton Santos. A eficiência administrativa como principio do direito administrativo
brasileiro. Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002., p. 175.
62
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados105.
Marcelo Figueiredo as conceitua como um programa de ação que
tem por objetivo realizar um fim constitucionalmente determinado, sendo mecanismos
imprescindíveis à fruição dos direitos fundamentais, inclusive sociais e culturais. O autor
explica ser um conjunto heterogêneo de medidas e decisões tomadas por todos aqueles
obrigados pelo Direito a atender ou realizar um fim ou uma meta consoante com o interesse
público106.
As políticas públicas podem, assim, ser definidas como
programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados. São, pois, metas coletivas conscientes e, por assim ser, um problema de direito
público, em sentido lato107.
Analisadas isoladamente, não seriam elas, à primeira vista, objeto
de análise do Direito, mas, numa época em que o universo jurídico se alarga – principalmente
pela proteção dos direitos sociais – não poderiam deixar de serem absorvidas pelo campo
jurídico. Percebe-se, assim, a dificuldade de se separar as matérias, havendo um hiato e uma
interpenetração de campos entre questões de natureza política e de cunho eminentemente
jurídico.
105
KINGDON, John. Apud BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas. Reflexos sobre o conceito
jurídico. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 39.
106
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 38.
63
Como cunhado por Maria Paula Dallari Bucci, o próprio
fundamento das políticas públicas é a existência dos direitos sociais, que se concretizam
através de prestações positivas do Estado, e o conceito de desenvolvimento nacional, que é a
principal política pública, deve conformar e harmonizar todas as demais108.
a) A formulação das políticas públicas
A preparação de um ambiente destinado a elaborar políticas
públicas é de fundamental relevância para seu êxito, eis que dele advirão decisões pelas quais
serão fixadas diretrizes e organizada sua implementação. Aliás, fazer políticas públicas é
“decidir”; é estudar como, onde e quando serão aplicados os recursos públicos; é reconhecer
as necessidades que afligem a população e escolher as questões prioritárias; é identificar o
interesse público ao qual se busca; é fomentar o desenvolvimento de toda a coletividade, em
suas diversas searas.
Nas palavras de Maria Paula Dallari, as decisões e ações a
propósito do objeto das políticas públicas constituem um conjunto extremamente heteróclito,
no qual se envolvem atores sociais pertencentes a organizações múltiplas, públicas e privadas,
e que intervêm em diversos níveis. Seu terreno se mostra como o espaço institucional para a
explicitação dos “fatores reais de poder” – na expressão de Lassalle – ativos na sociedade em
determinado momento histórico, em relação a um objeto de interesse público. Nesse processo,
107
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 241.
108
Idem, p. 135.
64
ao administrador cabe a discricionariedade de escolha da medida e das condições materiais
que informam a sua decisão, mediante a qual desencadeia a ação administrativa. Assim, as
políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio desta
discricionariedade, a fim de se apurar os pressupostos que informam a decisão tomada109.
Ronald Dworkin explica que se trata de espécie de padrão de
conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma
característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam
negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra
uma mudança hostil110.
Analiticamente, políticas públicas não se confundem com a
expressão “políticas”, sendo entidades bem diferentes, embora ambas sejam instrumentos
buscados pelo sistema político. Para Eugênio Lahera, a política (idéias) pode ser encarada
como a busca de se estabelecer políticas públicas (ações concretas) sobre determinados temas,
ou de influir nelas111. A política tenderia, pois, a se adaptar tanto às propostas de políticas
públicas como àquelas que se concretizam, sendo os governos os instrumentos para a
realização de políticas públicas. Elas devem, assim, andar em conjunto. Isso porque uma
política sem políticas públicas é demagógica, e políticas públicas sem uma política é um
problema de dissenso ou até de governabilidade 112.
109
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 242.
110
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Harvard University Press (1978 paperback
edition) (first printed in 1977).
111
LAHERA, Eugênio. Políticas y Políticas Públicas. Série Políticas Sociais. CEPAL. Santiago-Chile,
2004, pp. 08-09.
112
Idem
65
Devem, pois, as políticas públicas estar fundadas em princípios
democráticos, como o da igualdade – um dos pontos centrais do movimento constitucionalista
pós-guerras – permitindo a todos os indivíduos o direito de concorrer (em igualdade de
condições) às políticas públicas, recebendo as mesmas prestações do Estado, não podendo
este escolher quais seriam os grupos destinatários beneficiados pela implementação de suas
políticas sem haver motivos que justifiquem esta opção113.
Nessa linha, entende Benício Schmidt que a falta de uma
estratégia reconhecida e aceita por todos, a baixa qualificação dos atores políticos, a falta de
equipamento analítico acessório por parte da reforma do Estado justificam o demorado
período de transição brasileiro, comparando-o como um parto longo e de muitas sombras
quanto ao futuro da democracia114.
Também diante da realidade de baixa capacidade do Estado para
atendimento às demandas sociais, acredita Milton Coelho Neto ser imperativo o
estabelecimento de estratégias específicas para a reestruturação e modernização da máquina
estatal115, em busca de sua eficiência.
Diante do que vem sendo dito, Paulo Modesto relaciona o
princípio da eficiência com a Administração Pública, impondo a esta e àqueles que lhe fazem
as vezes (ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento)
113
FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. RT, São Paulo, 2005, p.
83.
114
SCHMIDT, Benicio Viero. Política social e transição democrática. O Estado e as Políticas Públicas.
Org. Alexandrina Sobreira de Moura. São Paulo, Vértice, 1989, p. 153.
115
COELHO NETO, Milton. Transparência e o controle social como paradigmas para gestão pública no
estado moderno. Administração pública: direitos administrativo, financeiro e gestão pública: prática, inovações e
polêmicas. Org. Carlos Maurício Figueiredo, Marcos Nóbrega. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002,
p. 316.
66
atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem
confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público116.
Essa preocupação quanto à eficiência da atividade estatal se
revela ainda mais acentuada quando se trata de Estado pouco abastado, cujas verbas
destinadas às necessidades públicas se mostram bastante escassas, ficando o administrador
limitado pela baixa previsão orçamentária dirigida às políticas públicas. A eficiência de uma
política pública está diretamente dependente do grau de articulação entre os poderes e agentes
públicos envolvidos. Isso em razão da complexidade e inter-relação entre diversas áreas
técnicas e científicas, havendo verdadeira transdepartamentalidade, envolvendo um sistema
extremamente complexo de estruturas organizacionais, recursos financeiros e figuras
jurídicas.
Assim, conhecer os princípios jurídicos da Administração
Pública, os condicionamentos legais à contratação de servidores ou serviços, as formas de
organização jurídica direta e indireta, além dos dados materiais geridos pela Administração,
são operações que necessariamente fazem parte do processo de formulação das políticas
públicas117.
Eficiente seria, assim, e segundo Humberto Ávila, a atuação
administrativa que promova de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos
e probalísticos, não bastando escolher meios adequados para promover seus fins, mas
116
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08.
117
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 250.
67
exigindo satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração. Em contrapartida,
escolher um meio adequado para promover um fim, mas de forma insignificante, além de
resultar em muitos efeitos negativos ou com pouca certeza, é violar o dever de eficiência
administrativa118.
Comungando desse mesmo posicionamento, embora mais
aproximado ao significado de eficácia, Vladimir França assevera haver respeito à eficiência
quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e por vias lícita. O
princípio da eficiência administrativa estabelece, segundo ele, que toda a ação deve estar
orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os
cânones do regime jurídico-administrativo119.
Na elaboração dessas políticas sociais, conforme as palavras de
Ernesto Cohen e Orlando Franco, prima-se principalmente pelo princípio da equidade e, em
segundo plano, a eficiência. Assim, sua implementação deve procurar sempre a eficiência
quando se quer alcançar a equidade120.
Concentrando na questão de escolha das decisões políticas em
busca de sua eficiência, Walters e Sudweeks se filiam à Escola Pública do Discurso de
Políticas, parecendo adotar, nesse particular, teoria muito semelhante à de Jurgen Habermas,
descrevendo método instrumental com espeque num discurso argumentativo e democrático,
em reação ao fracasso do paradigma tradicional – que detinha uma visão simplista sobre a
118
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista
brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 132.
119
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa na constituição federal. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. n. 35, ano 9, abr/jun 2001. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2001.
68
natureza humana, definindo suas ações como regras única e universalmente aplicáveis para o
estabelecimento de relacionamentos causais, sem levar em conta valores e o microssistema no
qual as decisões são elaboradas, nem o pluralismo que circunda a sociedade, rejeitando a
racionalidade instrumental e, portanto, sendo incapaz de lidar com a "complexidade,
incerteza, instabilidade e conflitos de valores que existem (Schon, 1983, Comportamento
Humano, p. 50)” 121.
Nesta mesma linha democrática, José Reinaldo Lopes descreve
agrupamentos das políticas públicas em gêneros diversos: 1) políticas sociais, de prestação de
serviços essenciais e públicos (tais como saúde, educação, segurança e justiça, etc.); 2)
políticas sociais compensatórias (tais como a previdência e assistência sociais, seguro
desemprego, etc.); 3) políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos,
desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.); 4) reformas de base (reforma urbana,
agrária, etc.); 5) políticas de estabilização monetária; e outras mais específicas ou genéricas.
Em todas elas colocam-se diversas questões relativas aos princípios democráticos, chegandose a indagar sobre eventual responsabilidade do Estado pela não implementação das políticas
públicas ou sua implementação ineficaz122.
Embora os instrumentos sociais de cunho democrático tenham
sua relevância na construção político-ideológica de determinado local, referidos movimentos
não têm demonstrado, per se, capazes de determinar mudanças substanciais nas decisões e nas
ações do Estado. As esferas de poder responsáveis pelas tomadas de decisões políticas
120
COHEN, Ernesto; FRANCO, Orlando. Avaliação de projetos sociais. 6ª ed. Petrópolis-RJ, Vozes,
1993, p. 27.
121
Idem.
69
relevantes se encontram distantes e com dificuldades de acesso para a maior parte da
população. No entanto, certo que nesta complexa relação com o Estado, algumas conquistas
são identificadas, representando avanços sociais. Esses avanços são apontados como sendo: 1)
o reconhecimento das lideranças e organizações populares; 2) a criação de certas formas de
representação em nível local, como os conselhos comunitários e administrações regionais; 3)
certo espaço para os movimentos influenciarem a definição de algumas prioridades e
orientações, em termos das intervenções estatais, no âmbito mencionado123.
Patrícia Varela entende que o processo de mudança da
Administração Pública brasileira envolve diversos aspectos, merecendo destaque dois deles: a
integração entre planejamento, orçamento e gestão, e a expansão do uso de informações e
indicadores sociais. Neste processo, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei
Orçamentária Anual) servem de instrumento para o planejamento e orçamento, e sendo o
programa o elo entre eles124.
Em busca da eficiência das políticas sociais e do papel do Estado,
Lenhardt e Offe tecem críticas e ressaltam a necessidade intelectual de uma definição
funcional de conteúdo do Estado ou de áreas específicas da atividade estatal (em busca do
bem-estar social), certamente não percebida pelos cientistas sociais marxistas125.
122
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo:
Malheiros Editora, 1994, p. 133.
123
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; LANIADO, Ruthy Nádia. Transição democrática, políticas
públicas e movimentos sociais. O Estado e as Políticas Públicas. Org. Alexandrina Sobreira de Moura. São
Paulo, Vértice, 1989, p. 123.
124
VARELA, Patrícia Siqueira. Indicadores sociais no processo orçamentário do setor público municipal
de saúde: um estudo de caso. São Paulo, 2004, p. 06.
125
LENGARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e
política social, p. 12.
70
Paulo Modesto aponta a utilidade da exploração do termo
“eficiência” neste contexto de políticas públicas, entendendo que abusos administrativos
fiquem melhor evidenciados e possam ser banidos da vida brasileira. Segundo ele, exemplos
práticos não faltam: compras de remédios específicos em excesso, com subsequente
vencimento do prazo de validade; construções iniciadas ao lado de obras inacabadas de
mesma finalidade; compras superfaturadas; construções nababescas; subsídios injustificáveis
a setores econômicos específicos, sem contrapartidas sociais; compras de produtos
tecnologicamente defasados126.
Consagrou-se o princípio da eficiência da administração de
acordo com a racionalidade finalística do ato administrativo (responsabilidade pelo êxito em
produzir os resultados almejados pelo interesse público) e não somente condicional
(responsabilidade pelo cumprimento dos requisitos para emissão do ato) traduzido no
princípio de legalidade estrita, arraigado na tradição da teoria do direito administrativo127.
Medidas político-estruturais se mostraram necessárias na máquina
estatal, sob pena de se atingir a sua legitimidade e mesmo a governabilidade, que se
mostravam ameaçadas com a ineficiente prestação dos serviços afetos ao Estado até a
Constituição de 1988. Sob forte inspiração democrática, a nova Carta foi considerada um
marco de fácil visualização, vindo a se tornar mais claro com a reforma trazida pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998.
126
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08.
71
Indo diretamente à fonte, confere-se a própria justificativa para a
modificação do texto constitucional, conforme constava na Mensagem Presidencial nº 886/95,
convertida na Proposta de Emenda Constitucional nº 173/95, que deu origem à Emenda
Constitucional nº 19/98, ocasião em que se expôs que para
incorporar a dimensão de eficiência na administração pública; o
aparelho do Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na
forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos
disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte”, bem como para
enfatizar a qualidade e o desempenho nos serviços públicos: a
assimilação, pelo serviço público, da centralidade no cidadão e da
importância da contínua superação de metas desempenhadas,
conjugada com a retirada de controles e obstruções legais
desnecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos.
Ressalte-se aqui que a previsão inicial do princípio da eficiência
na Constituição de 1988 era dirigida ao artigo 173, referindo-se aos serviços públicos. Paulo
Modesto assevera que participou dos esforços para fazer constar em dispositivo mais genérico
da atividade administrativa, e não apenas no que tange aos serviços públicos, o que, aliás, foi
atendido pelo constituinte128.
Com essa inovação constitucional, inaugura-se um novo
parâmetro jurídico para a interpretação das normas constitucionais e as dirigidas à própria
Administração Pública. Dalton Morais aponta novos setores e objetivos perseguidos pelo
princípio, como o desenvolvimento da necessária elevação do desempenho apresentado pelos
servidores públicos, condicionando a estabilidade a mecanismos de avaliação; expansão da
127
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; e MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. O princípio da
eficiência e a gestão empresarial na prestação de serviços públicos: a exploração econômica das margens de
rodovias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE – ano 5, n. 17. Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 191.
128
MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público.
Ano 51, n. 2, abr/jun 2000. Disponível em http//www.direitopublico.com.br/ pdf_2/dialogo-juridico-02-maio2001-paulo-modesto.pdf. 23.10.08.
72
atuação estatal para a sociedade civil organizada, com controle e prestação de contas do
dinheiro público; instituição de nova modalidade de licitação, com o pregão, visando
propiciar a eficiência e economicidade à Administração Pública; e promoção do equilíbrio das
finanças públicas governamentais, vindo a ser complementada pela edição da Lei
Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal)129.
Entretanto, os objetivos dessas reformas estruturais não foram
atingidos como inicialmente se pretendeu. Cinco razões são apontadas para esse insucesso: 1)
supervalorização do elemento institucional; 2) mentalidade dos destinatários diretos e
indiretos dos preceitos constitucionais reformados; 3) suposição de que as reformas
constitucionais constituem o remédio para todos os males da Administração; 4) deficiente
conhecimento do aparelho administrativo e de seus vícios de organização e funcionamento; 5)
falta de continuidade administrativa130.
Em que pese a inevitável relação com os custos, Emerson
Gabardo também adverte que a eficiência, mais que um princípio de Direito Administrativo, é
um princípio de Direito Constitucional, condicionante de toda a atividade administrativa do
Estado, inclusive a enquadrada como da ordem econômica (constitucional ou não). Todavia,
isso não implica que tal condicionamento se refira à imposição de meros critérios
econômicos, pois é muito mais larga sua natureza e abrangência131.
129
MORAIS, Dalton Santos. A eficiência administrativa como principio do direito administrativo
brasileiro. Boletim de Direito Administrativo. Ano 2, fev/2002., p. 182.
130
Idem, p. 79.
131
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo,
2002, p. 18.
73
Busca-se, assim, proporcionar com os recursos relativamente
escassos uma ação otimizada para os fins almejados, tentando satisfazer as expectativas
perseguidas, maximizando os resultados e a produtividade. Vê-se, pois, que aqui há uma visão
relativizada da eficiência, tendo elementos que são aferidos entre si para, aí sim, se concluir
pela eventual eficiência ou ineficiência da ação.
Nesta mesma linha, Humberto Ávila adverte do equívoco que se
pode chegar ao adotar a interpretação da eficiência da administração em termos absolutos,
entendidos como a opção menos dispendiosa de realizar uma determinada política pública.
Para o autor, o modo relativo se apresenta mais adequado, ressaltando que a opção menos
custosa somente pode prevalecer se superar o benefício das vantagens trazidas pela escolha
mais custosa, sendo imperioso, pois, ponderar os custos e os benefícios a serem colhidos, em
seus aspectos qualitativos132.
A atividade inerente ao poder de polícia, mais recentemente
denominada de administração ordenadora, também não poderá dissociar-se da eficiência. Isso
porque a limitação de direitos e atividades não poderá ser tão intensa que venha a eliminar a
essência da liberdade individual, devendo, ao revés, restringir-se ao estritamente necessário à
garantia do bem-estar geral133.
b) Serviços públicos
132
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa Revista
brasileira de direito público. – RBDP – Ano 1, n º 1, abr/jun 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 127.
74
A partir da intitulação do Estado como Social, reservam-se a ele
os ônus de bem servir a coletividade de modo universal, assumindo papéis nem sempre
próprios da Administração, como a execução de serviços eminentemente necessários ao bemestar social. Esses serviços, entendidos como públicos, servem como instrumentos pelos quais
podem ser implementadas as políticas públicas e levadas a cabo diretamente até o
administrado.
Entende Diogo Figueiredo serem os serviços públicos “as
atividades pelas quais o Estado, direta ou indiretamente, promove ou assegura a satisfação de
interesses públicos, assim por lei considerados, sob regime jurídico próprio a elas aplicável,
ainda que não necessariamente de direito público”134.
Neste aspecto, a Emenda Constitucional nº 19/98 criou
instrumentos jurídicos necessários para que o administrador brasileiro pudesse atender aos
interesses gerais da população, estabelecendo contrato de gestão dos órgãos e entidades da
adminsitração direta e indireta e permitindo também a gestão conjunta entre os entes
federados de serviços públicos135.
No campo dos serviços públicos, a eficiência deve ser analisada a
partir do que dispõe a lei e as normas que regulam o serviço. O desrespeito à norma
configuraria ineficiência, resolvendo-se em violação ao princípio da legalidade136.
133
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração pública e o princípio constitucional da eficiência.
Revista da Faculdade de Direito de Caruaru. v. 36, n. 1, out. 2005, Caruaru, p. 221.
134
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro, Renovar,
2000, p. 126.
135
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública.
Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 213.
136
QUEIROZ, Maria Regina Ferro. O princípio da eficiência na prestação dos serviços públicos e a lei de
improbidade administrativa. Revista de Direitos Difusos. V. 10, dez/2001, p. 1336.
75
Interessante, assim, buscar os limites de eficiência nas políticas
públicas. Imprescindível para esse êxito seria uma efetiva articulação da vontade geral na
formulação de programas (claros e consistentes) de políticas públicas de alta qualidade
técnica e política, com o máximo de apoio político para assegurar uma gestão mais eficiente e
certamente mais eficaz.
Quando terceirizada a execução de obras e serviços públicos, a
eficiência deve ser buscada desde as fases preliminares de uma política pública, no
procedimento anterior a sua implementação, como, por exemplo, nas licitações, garantindose, de antemão, a igualdade como o acesso a todos os que possuam condições de atender às
necessidades públicas, apresentando o objeto do certame de maneira eficiente, vindo a
Administração a escolher aquela proposta que se apresente com as melhores condições para a
satisfação do interesse público. Assim também, essa exigência se faz presente na fase de
execução do contrato de serviço, guardando o vencedor fidelidade às cláusulas estipuladas,
cabendo ao poder público a fiscalização e acompanhamento para esse mister.
A jurisprudência, como se verá adiante, também parece ter se
firmado no sentido mais jurídico sobre eficiência, mormente quando é posta em análise a
própria Administração Pública e seus serviços, diferenciando do seu mero conceito
econômico, relacionando custo/benefício.
Nesta linha de entendimento, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento à apelação nº 70014119440 do
Departamento Estadual de Estradas de Rodagem – DAER numa ação anulatória de penalidade
76
por infração de trânsito interposta pelo proprietário do veículo na comarca de Espumoso. O
julgador a quo já havia decidido pela procedência da ação, anulando tanto o auto de infração
quanto a multa aplicada e condenando o DAER ao pagamento de indenização por danos
morais, no valor de 5 (cinco) salários mínimos. A autarquia estadual recorreu, aduzindo que o
veículo do demandante fora multado por engano, em razão da existência de problemas
técnicos no controlador eletrônico de velocidade, que já tinham sido corrigidos de imediato,
caracterizando a carência de ação do autor por ausência de pretensão resistida. No
entendimento da Desembargadora, relatora Matilde Chabar Maia, a conduta administrativa
mostrou-se equivocada desde o início, ao identificar, erroneamente, a placa do veículo, fato
que caracterizou falta de ineficiência. O vocábulo eficiência foi utilizado novamente como
sinônimo de boa administração ou de prestação do serviço público com qualidade, se
pronunciando, inclusive, sobre a legalidade da cobrança de assinatura básica mensal,
conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, além de ser legal e
contratual, justifica-se pela necessidade de a concessionária manter disponibilizado, de modo
contínuo e ininterrupto, o serviço de telefonia ao assinante, em razão dos dispêndios
financeiros exigidos para garantir sua eficiência137.
Com enfoque nesse mesmo princípio, foi o fundamento de
decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, entendendo que um dos princípios
basilares da Administração Pública seja a supremacia do interesse público sobre o interesse
individual, não é este o único aspecto que deve ser considerado por ela no cumprimento de
sua atividade, principalmente no que concerne ao exercício de sua competência tributária138.
137
Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Processo
20071110083725ACJ - DF. Relator : Sandoval Oliveira. Publicação no DJU: 09/12/2008.
138
Primeira Câmara Cível. Rel.: Fabian Schweitzer. Processo 0541295-5, 17.11.2008.
77
A partir da última década, a eficiência vem se consagrando como
um dos princípios mais visados pela Administração Pública, servindo de fundamento para
várias das decisões judiciais que envolvem o tema, merecendo a devida atenção e relevância
para o atingimento das metas sociais do Estado.
3.1.
EFICIÊNCIA
COMO
PARÂMETRO
DE
CONTROLE
DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS
O Estado atual gerencial vem se mostrando em contínuo
desprendimento das antigas práticas meramente burocráticas e suas amarras para assumir um
papel de instituição eficiente, com políticas públicas alinhadas aos anseios sociais,
correspondendo às expectativas e necessidades mais prementes da comunidade.
Verifica-se, desta feita, que o Estado passou a exercer uma maior
atuação direta na ordem social e econômica, adentrando em campos antes não penetrados, seja
diretamente, seja indiretamente, ocasião na qual concede seu exercício temporariamente a
terceiros. Essa presença estatal vem a confirmar seu papel assumido como um Estado de bemestar social, visando à integração da sociedade.
Em que pese essa pretensão, o Estado tem se mostrado ineficiente
para atender a todas as exigências e necessidades populares. Isso por diversos fatores. Maria
Paula Dallari identifica cinco pontos de tensão (de contradição) responsáveis por esta
ineficiência. O primeiro deles é aquele existente entre a função do Direito Administrativo de
78
organizar a estrutura administrativa, ao mesmo tempo em que é o instrumento jurídico de
contenção do poder dentro dessa mesma estrutura. Seria difícil, pois, identificar a função
garantística do Estado - contendo seu próprio poder em face do cidadão - simultaneamente a
sua autoridade burocrática e poder de polícia. A autora entende que a matriz intelectual da
reforma administrativa brasileira se baseou nas experiências norte-americanas e de
gerenciamento empresarial do setor privado, motivo pelo qual apresentou incompatibilidades
e dificuldades em se adaptar ao direito público brasileiro, cuja base é a tradição burocrática
francesa.
O segundo diz respeito à estruturação do Direito Administrativo
como um Direito estatutário da Administração Pública, baseado na existência de prerrogativas
especiais, integrantes do “poder de império” da Administração. Estes poderes se mostram
exorbitantes aos conferidos no Direito privado, entendendo desnecessários atualmente,
consistindo em uma fissura em um dos pilares do Estado de Direito, visto como resquício do
sistema de jurisdição administrativa francesa, adotado em outras épocas no Direito brasileiro.
O terceiro ponto contraditório é a aplicação do princípio da
legalidade estrita – enquanto aos particulares é permitido fazer tudo o que não fosse proibido,
à Administração é facultado fazer apenas aquilo que a lei expressamente autoriza. A crítica se
faz não só com referência à exigência de obediência somente à lei, em sentido estrito, mas
também pelo fato de haver leis sem eficácia jurídica, falecendo sua finalidade prática.
Ademais, os próprios atos com carga discricionária se esvaziariam nesta obediência regrada à
lei.
79
O quarto ponto baseia-se no sistema de quase irresponsabilidade
dos servidores públicos, fundando-se em uma responsabilidade objetiva da própria
Administração – e de forma banalizada -, dificultando a busca pela sua eficiência. Sustenta
que a responsabilização subjetiva do servidor, quando possível determiná-la, não resulta em
incentivo à eficiência da máquina pública ou reprime outras condutas que resultem em dano à
sociedade, vindo o Estado sempre a responder objetivamente por ele.
Por fim, o quinto último refere-se à inexistência de um núcleo
orgânico responsável na seara administrativa, apesar de não se ter adotado um contencioso
administrativo como no Direito francês. Entende que as matérias administrativas deveriam ser
julgadas pela própria administração, se houvesse todo o aparato técnico e prerrogativas
funcionais para esta finalidade. Entretanto, o que ocorre é a possibilidade de revisão judicial
acerca do conteúdo de suas decisões, embora seus limites ainda se mostrem obscuros,
enfraquecendo, assim, sua imagem institucional e pondo em xeque sua finalidade e existência
prática139.
A busca da eficiência no campo das políticas públicas é um
processo adotado pelo Estado de bem-estar social, com sua Administração gerencial, com
critérios semelhantes aos da burocrática original, embora de maneira mais flexível, visando o
atingimento de eficiência máxima do Poder Público, com estratégias bem planejadas e busca
de seus resultados, adotando-se parâmetros de mérito para o ingresso na carreira pública e
139
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, ps. 96/237.
80
avaliação de desempenho, criando-se, inclusive, as chamadas agências reguladoras e
executivas para a fiscalização e fomento do serviço público140.
Assim, deve-se ter em mente que, quando se fala em
Administração Pública (e suas metas), vislumbram-se todos os poderes estatais que exercem
atividade administrativa, tendo, todavia, o Poder Executivo essa função de forma
preponderante e institucional, mormente por desenvolver ações de maior concretude e
executoriedade, em comparação às funções legislativa e judicante.
Nesse contexto, a tarefa do analista de políticas públicas é a de
escolher as medidas mais benéficas para uma maior quantidade de destinatários possíveis,
sem deixar, contudo, de respeitar direitos ou situações de quem não é, diretamente,
beneficiado por aquele programa. O conceito de avaliação refere-se, aqui, à análise de
processos de formulação e desenvolvimento, bem como de exame comparativo entre o
proposto e o a ser alcançado, de acordo com o grau de consecução dos objetivos e metas prédefinidos.
140
SANTOS, Alvacir Correa dos. O princípio da eficiência da administração pública. LTr, São Paulo,
2003, p. 168.
81
O princípio da eficiência, nesse particular, não pode assumir
figura meramente decorativa. Ademais, vale notar que toda a atividade administrativa, ainda
que imbuída de discricionariedade, exige, per se, o controle de eficiência da atividade
administrativa, visto aquele sob a ótica do termo de “dever de boa administração”, como
cunhada ineditamente por Frederico Telho e Tiago Caetano141.
Nesta mesma abordagem, vincula Emerson Gabardo à necessária
imbricação entre eficiência, legalidade e finalidade142, como forma de esclarecer a real
possibilidade de controle do ato discricionário – como geralmente consideradas as decisões
envolvendo políticas públicas – pelo princípio da eficiência. No ordenamento jurídico, de uma
forma geral, está grafada a finalidade pública a ser perseguida, sendo certo que o seu
descumprimento afiança, indubitavelmente, a ineficiência do agir administrativo.
Aparentando estar em alinhamento a este entendimento, José
Joaquim Gomes Canotilho admite a dificuldade em se realizar o controle das políticas
públicas, mas vislumbra sua possibilidade no que tange à compatibilidade (formal e material)
de determinada política pública com os princípios e dispositivos da Constituição143, dentre os
quais se encontra a eficiência na Carta brasileira de 1988.
As políticas públicas podem ser controladas, assim, não apenas
em seus aspectos de legalidade formal, mas, também, no tocante à sua adequação ao conteúdo
141
TELHO, Frederico Leonardo Mendonça, CAETANO, Tiago Lemanczuk Fraga. Controle jurisdicional
de eficiência da atuação administrativa discricionária. In: Fórum de Contratação e Gestão
Pública, v.3, n.25, p.3176-3184, jan., 2004.
142
GABARDO, Emerson, Princípio constitucional da eficiência administrativa. Dialética, São Paulo,
2002, p. 130.
143
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra,
Portugal. Almedina, 1998, pp. 832-833.
82
e aos fins da Constituição, que são aqueles fixados em seu artigo 3º144 e nos princípio nela
trazidos em outros dispositivos de seu corpo.
Necessária, pois, uma análise metodológica e pragmática dos
programas de políticas públicas para se realizar uma avaliação sistemática de desempenho e
de resultados em seus mecanismos de execução, buscando a melhoria de seu quadro de
funcionamento.
Daí, Maria Paula Dallari esclarece a distinção entre a eficiência
econômica e a eficiência administrativa, destacando que a primeira se refere à alocação de
recursos em que o valor é maximizado, não sendo o único nem o mais importante critério no
processo de escolha das prioridades administrativas. Eficiência, no segundo sentido, não seria
apenas gastar pouco ou gastar bem, mas sim gerir com equilíbrio e ponderação a coisa
pública145.
Belloni entende que a avaliação da eficiência no âmbito das
políticas públicas está na sua análise institucional, abrangendo o processo de formulação e
implementação não somente sobre impactos, mas também de ações e os seus resultados para o
aperfeiçoamento e reformulações das ações desenvolvidas, com uma necessária elaboração de
metodologias que possibilitem a aferição da eficiência, da eficácia e de sua efetividade social.
Ademais, deve se apresentar como um método sistemático, envolvendo múltiplas
144
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura da Constituição de
1988. São Paulo. Malheiros, 2005, p. 112.
145
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 182.
83
observações, e não com base em um único instrumento de avaliação ou marco temporal
isolado146.
A contrario sensu, visando identificar a ineficiência de uma
política pública, Ana Paula de Barcellos aponta cinco objetos que podem auxiliar o controle
dessa eficiência. São eles: 1) a fixação de metas e prioridades por parte do Poder Público em
matéria de direitos fundamentais; 2) o resultado final esperado das políticas públicas; 3) a
quantidade de recursos a ser investida em políticas publicas vinculada à realização de direitos
fundamentais, em termos absolutos ou relativos; 4) o alcance ou não das metas fixadas pelo
próprio Poder Público; e 5) a eficiência mínima (entendida como economicidade) na
aplicação dos recursos públicos destinados a determinada finalidade147.
Como exemplo, traz: imagine-se que um Município hipotético X
declara, em seu relatório de execução orçamentária, haver investido R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) em saúde no ano de 2005. As questões que surgem aqui são duas. Em
primeiro lugar: o que se fez especificamente com R$ 1.000.000,00? Que resultado se produziu
com tais recursos? Em segundo lugar, e tendo em conta essa informação, será o momento de
se apurar se existe uma relação de eficiência mínima entre os recursos investidos e o resultado
produzido (seja ele qual for). Teria havido desperdício, ineficiência ou desvio? O resultado
produzido concretamente pelo investimento de tais recursos custa razoavelmente 1 milhão de
reais?
146
BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em
políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, ps. 09 e 25/26.
147
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do
Estado. Rio de Janeiro: Renovar, Ano 1, n. 3, p. 35 e ss, 2006.
84
Consoante o seu pensamento, o controle da eficiência
eventualmente poderá submeter o recurso a parâmetros externos, obtidos junto ao mercado,
para que seja possível aferir qual o custo real, ainda que aproximado, dos bens e serviços
produzidos afinal pelo Poder Público. Suponha-se que, com R$ 1.000.000,00 (um milhão) o
Município X afirme ter construído a escola Y e incrementado a qualidade da merenda escolar
das cinco escolas já existentes na região, atendendo a um total de 800 crianças. Pois bem:
quanto deveria custar, em geral, uma edificação do porte da escola Y e quanto custa, também
em média, a melhoria introduzida na merenda escolar?
A segunda observação envolve a noção de eficiência, visualizada
como um dever geral de a Administração otimizar o emprego dos meios disponíveis para,
com eles, obter os melhores resultados possíveis relevantes para o interesse público. Nada
obstante, a economicidade – isto é: a relação custo/benefício sob uma perspectiva financeira –
será sempre um aspecto importantíssimo a ser examinado no contexto da propria eficiência.
Ainda sobre a noção de eficiência, também certo que a avaliação
acerca do que é – ou, mais precisamente, do que foi eficiente ou não – muitas vezes produzirá
zonas de certeza negativa, zonas de certeza positiva e também as chamadas “zonas de
penumbra”. Dito de outro modo, algumas opções dos Poderes Públicos poderão facilmente ser
descritas como ineficientes (zona de certeza negativa), outras como eficientes (zonas de
certeza positiva), ao passo que em relação a outras haverá dúvida fundada sobre seu status,
sobretudo tendo em conta as circunstâncias que cercavam e pressionavam o administrador no
momento em que tomou a decisão148.
148
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos
fundamentais: o controle político social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do
Estado. Rio de Janeiro: Renovar, Ano 1, n. 3, p. 35 e ss, 2006.
85
A eficiência mostra-se, pois, como um princípio fundamental de
elaboração de uma política pública, tratando-se de critério analítico básico de sua avaliação,
funcionando como indicador geral das ações de planejamento e execução, além dos resultados
alcançados pelo programa social analisado. Ela é alançada através de procedimentos adotados
no desenvolvimento de uma ação ou na resolução de um problema, tendo em perspectiva o
objeto focalizado e os objetivos e finalidades a serem atingidos149.
Percebe-se, também, a utilização de instrumentos técnicocontábeis de natureza objetiva para se apurar a eficiência (baseada na economicidade) de
determinada política pública, podendo, desta forma, verificar o emprego adequado dos
recursos alocados para aquela finalidade pública, tendo como objetivo eliminar as zonas de
certeza negativa na matéria e autorizar a intervenção judicial nesses casos, aplicando as
penalidades aos responsáveis e, se possível, revendo a decisão administrativa, adequando-a à
norma constitucional quanto à sua eficiência e à efetividade dos direitos fundamentais a serem
alcançados pela política pública em apreço.
Diante da busca de identificação dessas áreas nebulosas, Celso
Antônio Bandeira de Mello assevera que zona de certeza positiva é aquela na qual ninguém
duvida do cabimento da aplicação positiva da medida, restando clara a situação de certeza
pela qual se mostra. Já na zona de certeza negativa seria certa a inaplicabilidade da medida,
situando-se em pólo oposto da positiva. As dúvidas somente têm lugar entre esses dois
extremos. Isso significa que em inúmeros casos será induvidoso que uma situação é, exempli
149
BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em
políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, ps. 61/63.
86
gratia, urgente, ou que seguramente não o é; que há um interesse público relevante ou que
certamente não há; que dado cidadão tem reputação ilibada ou que não a detém150.
Também nesta linha é a observação de Sylvie Trosa, ao apontar
instrumentos de controle que visam identificar essa eficiência, como os de qualidade,
indicadores e procedimentos de alerta, mecanismos de auditoria interna e análise dos
resultados obtidos151.
Para Etzoni e Lawrence, o meio disponível para fazer tal
acomodação são métodos sociais tradicionais de ciência, com uma lista de variáveis
justificadoras, adotando uma "plataforma mínima" para uma promoção sócio-econômica
geral, devendo nela incluir, ao menos, uma variável não-econômica e uma econômica"152.
Certo que a eficiência não pode ser entendida apenas como
maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo
que incumbe ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do
ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado,
especialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos.
Para se ter idéia, a Ciência da Administração desenvolve seus
estudos a partir de três perspectivas de eficiência: a individual, a grupal e a organizacional,
entendendo que o desenho federativo brasileiro identifica a eficiência em quatro planos:
150
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed. São Paulo,
Malheiros, 2007, p. 20.
151
TROSA, Sylvie. Gestão Pública por resultados: quando o Estado se compromete. Revan, Brasília,
2001, p. 97.
87
individual; organizacional; de determinada pessoa política; e um global, nacional. No
primeiro plano, ressalta a importância de avaliações periódicas individuais para se aferir e
incentivar o potencial de eficiência dos servidores públicos. No segundo plano, a questão diz
respeito à otimização das performances do órgão, analisando os objetivos e resultados
obtidos. O terceiro e quarto planos (referentes às unidades federativas: municípios/estadosmembros e União, respectivamente) devem ser avaliados em seu conjunto mais global, de
acordo com a noção da boa administração, levando-se em conta as metas políticas traçadas e o
crescimento (econômico e social) eventualmente constatado153.
O mesmo autor assevera ser o planejamento dos entes políticos
um instrumento útil e necessário para a busca da eficiência, entendendo que as
Administrações Públicas devam atuar em cooperação e harmonia, integrando suas
planificações estratégicas, a fim de se alcançar um desenvolvimento conjunto154.
Com esta mesma visão, Eduardo Marino afirma que o
planejamento se faz por meio de um projeto, sendo este um empreendimento planejado que
consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas, com o fim de alçancar
objetivos específicos dentro dos limites de orçamento e de tempo155.
Nesse intuito, as políticas públicas exigem um plano de ação, um
programa governamental que as exteriorizem. Assim, eles são institutos que não se
152
- WALTERS, Lawrence C., SUDWEEKS, Ray R. Public policy analysis: The next generation of
theory., Journal of Socio-Economics, 10535357, 1996, Vol. 25, Número 4. Base de dados: Academic Search
Complete (Fonte: EBSCO).
153
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O principio da eficiência. Revista de Dir. Pub. RBDP, Belo
Horizonte, ano 2, n. 4, jan/mar 2004, p. 75.
154
Idem, ps. 276/277.
155
MARINO, Eduardo. Manual de avaliação de projetos sociais. 2ª ed. São Paulo. Saraiva: Instituto
Ayrton Senna, 2003, p. 20.
88
confundem. As políticas são mais amplas que o próprio plano, transcendendo-o, havendo,
todavia, um paralelo evidente entre o processo de formulação de política e a atividade de
planejamento. Este último, diferentemente da visão tecnocrata dos anos 70, não é mais uma
atividade vazia de conteúdo político, mas sim uma função eminentemente técnica, voltada à
realização de valores sociais156.
Mister esclarecer que o planejamento ou plano de governo não
pode ser visto sob o enfoque jurídico de norma, eis que não vincula judicialmente o Estado,
servindo o instrumento como simples projeto de implementação de políticas públicas e mera
expectativa de “direito” aos seus eventuais beneficiários. Neste sentido, o posicionamento de
Maria Paula Dallari, ao considerar o caráter “programático” (que se entendia como sinônimo
de não-vinculante) das normas do plano, revelando essa não integração157.
Reconhecendo a relevância do tema, Jan Tinbergen propõe um
procedimento de planejamento, a fim de elaborar um método com referência à natureza e à
sequência de contatos que o órgão de planejamento econômico estabelece externamente.
Assim, antes de tudo as instituições ou pessoas devem estabelecer o contato e o grau da
decisão conjunta. O contato se refere ao conhecimento colhido de pessoas que estão
diretamente ligadas ao programa, seja restando atingidas por ele (aspecto democrático), seja
mostrando-se especializadas no assunto (aspecto técnico). A partir de então as decisões são
tomadas de forma conjunta. Internamente, o autor também faz menção ao elemento
organizacional, esclarecendo os departamentos e hierarquia dos agentes envolvidos158.
156
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 259.
157
Idem, p. 262.
158
TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso
Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, ps. 44/45.
89
Desta feita, uma das alternativas para esse objetivo é a consulta
do maior interessado, ou seja, a própria população destinatária das políticas públicas, através
de participação popular, audiências públicas e discussão sobre tomadas de decisões políticas
respectivas. A partir daí, a administração deve analisar a razoabilidade das necessidades
apresentadas e a possibilidade da implementação das medidas que as atendem. Comungando
desse entendimento – embora um pouco determinista - Robert Walker destaca a importância
da avaliação dos destinatários nesse planejamento, entendendo se tratar de único remédio
eficaz e sustentável a permitir às próprias massas a particiação e o acesso a informações sobre
a situação e os resultados das medidas que serão tomadas159.
Um ambiente de deliberações majoritárias sem esse controle
social, segundo Ana Paula de Barcellos, tende a ser marcado pela corrupção, pela ineficiência
e pelo clientelismo, frequentemente norteada pela troca de favores. Nesse contexto o povo
acaba por perder a autonomia crítica em face de seus representantes, minando, também, a
capacidade das políticas públicas atingirem sua finalidade: garantir e promover os direitos
fundamentais160.
Neste mesmo trilhar, Maria Paula Dallari – embora reconheça a
tecnicidade na elaboração das políticas públicas - assevera a importância da participação dos
interessados em sua processualidade em três momentos: o da formação (apresentação dos
pressupostos técnicos e materiais trazidos não só pela Administração, mas pelos interessados);
159
WALKER, Robert K. Produzindo impacto social: elaborando e avaliando projetos de
desenvolvimento. Editora pedagógica e universitária. São Paulo, 2002, p. 07.
160
BARCELLOS, Ana Paula de. Direito Constitucional. Constitucionalização das Políticas Públicas em
matéria de direitos fundamentais o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista
de Direito do Estado. Ano 1 nº 3: jul/set 2006, p. 27.
90
o da execução (compreendendo as medidas administrativas, financeiras e legais de
implementação); e o da avaliação (apreciação dos efeitos sociais e jurídicos, também sob o
crivo do contraditório)161.
Para um plano de desenvolvimento, por exemplo, num aspecto
macroeconômico, Jan Tinbergen aponta a necessidade de um trabalho de pesquisa
preparatório e estudos de pré-investimento, com formulação de projetos em campos técnicos
específicos e estabelecimento de regras e padrões que devem ser observados na execução
daquele162, visando a alcançar essa eficiência.
Nos ensinamentos de Medauar, a eficiência tornou-se uma das
idéias-força das reformas administrativas realizadas em inúmeros países, a partir da década de
90 do século XX. O vocábulo eficiência liga-se à idéia de ação que leve à ocorrência de
resultados de modo rápido e preciso; significa obter o máximo de resultado de um programa a
ser realizado, como expressão de produtividade no exercício de atribuições163.
Em busca de uma ordem social ótima, Jan Tinbergen demonstra a
necessidade de reformas fundamentais no que tange a países em desenvolvimento, como o
Brasil, principalmente em razão da discrepância constatada entre as classes nos níveis sócioeconômicos. Daí, aponta reformas de infra-estruturas como imprescindíveis nesse
planejamento, como a reforma agrária. Por sua vez, a eficiência da máquina administrativa
estatal exige reformulações também em seus procedimentos internos, a fim de desburocratizar
161
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo,
Saraiva, 2006, p. 267.
162
TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso
Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, ps. 50/55.
163
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed. RT, São Paulo, 2003, p. 242.
91
o que não se apresenta útil ou racional, principalmente no que tange à forma de tributação e a
respectiva aplicação dos recursos por ela obtidos. Assim, o planejamento de uma política
econômica requer investimento público em atividades e setores estratégicos, como educação e
mercado, direcionando linhas de crédito para financiamento facilitado e em regiões menos
favorecidas, em prol dessa finalidade última164.
Na elaboração e avaliação de projetos, Robert Walker destrincha
os dezesseis passos trazidos pelo manual do PROPOSAL (Programa Conjunto sobre Políticas
Sociales para América Latina), quanto à “Formulação e Avaliação de Projetos Sociais”. São
separados em três fases: formulação, avaliação ex ante, e programação e avaliação ex post. Na
formulação são encontrados as seguintes orientações: 1) identificar o problema; 2) realizar o
estudo de mercado (oferta/demanda); 3) estabelecer o objetivo de impacto; 4) selecionar as
alternativas de projeto (aspectos legais, localização); 5) Estabelecer os objetivos do produto
(resultado); 6) selecionar os indicadores; 7) estabelecer as metas; 8) especificar as premissas;
9) elaborar as matrizes de alternativas (marco lógico). Na avaliação ex ante, se encontram: 1)
calcular os custos de cada alternativa; 2) realizar a análise de impacto de cada alternativa; 3)
calacular a relação custo/impacto. E na programação e avaliação ex post: 1) construir a matriz
de programação; 2) realizar o plano de operação (atividades, recursos humanos); 3) realizar a
avaliação ex post (relação custo/impacto)165.
Numa visão estrutural, Lenhardt e Offe entendem que o Estado
deve, primeiramente, identificar seus problemas sociais e isso se faria por meio da sociologia,
esclarecendo quais as medidas de integração seriam capazes de resolver essas questões
164
TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso
Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, pp. 150-157.
92
específicas. Defendem a necessidade de uma análise social partir da construção hipotética de
pontos de referência funcionais, servindo de instrumento para explicar empiricamente os
processos políticos, aventando que o processo de industrialização capitalista é acompanhado
de processos de desorganização e mobilização da força de trabalho, fenômeno que não limita
à fase inicial do capitalismo, mas que nela pode ser observado com especial clareza166.
Os dois autores apresentam uma solução de cunho normativo para
o problema de opressão e dominação entre as classes, defendendo uma política social não
como mera “reação” do Estado aos “problemas” da classe operária, mas como contribuição
indispensável para a constituição dessa classe. A função mais importante da política social
consistiria, assim, em regulamentar o processo de proletarização, evitando os impactos
inerentes ao modelo capitalista, principalmente por instrumentos estatais que assegurem a
manutenção do poder aquisitivo do proletariado, ainda que afastado compulsoriamente de
suas atividades, caso em que restariam presentes remédios previdenciários de salvaguardas
legalmente previstos. A finalidade legal, neste particular, siginifica que o administrador deve
exercer sua atividade com economicidade, eficácia, eficiência e efetividade, além de zelar
pela moral administrativa. As decisões também devem ser razoáveis e proporcionais entre os
meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem de alcançar167.
Ainda em busca de estratégias de racionalização administrativa e
implementação de inovações sócio-políticas, os mesmos autores bem ressaltam a necessidade
de um maior interesse sociológico nas inovações políticas normativas, confrontadas com os
165
WALKER, Robert K. Produzindo impacto social: elaborando e avaliando projetos de
desenvolvimento. Editora pedagógica e universitária. São Paulo, 2002, pp. 106-107.
166
LENHARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e
política social, pp. 14-15.
167
Idem, p. 22.
93
jogos de interesses de grupos organizados politicamente, deliberando as formas em que as
medidas e as instituições de política social podem ser efetivamente aproveitadas, entendendo
que não devem elas ser formuladas como prescritivas de metas ou de resultados, mas na
investigação social específica (com profissionais especializados, cientificamente) para a
elucidação descritiva das condições sociais de implementação da regulamentação política,
ponderando, por fim, os efeitos externos de tais estratégias168.
Nesse particular, Aparecido Jubran objetiva revisar os conceitos de
produtividade e eficiência desses processos produtivos abordando técnicas de mensuração
oferecidas no âmbito da Pesquisa Operacional (PO), abrangendo os desenvolvimentos
teóricos e metodológicos da Programação Linear (PL) e Análise por Envoltória de Dados
(AED). A mensuração da eficiência da produtividade é elaborada, segundo ele, a partir da
relação existente entre produto e insumo dentro de um determinado processo produtivo. Uma
unidade produtiva é considerada eficiente quando é obtida a máxima produção ao aplicar um
conjunto de insumos e tecnologia. A eficiência alocativa consiste, assim, na melhor escolha
entre um conjunto adequado de recursos para a produção de um conjunto adequado de
produtos. Em Economia, a eficiência produtiva é normalmente calculada pelo emprego de
técnicas de regressão por mínimos quadrados, que é uma função de médias, considerando
uma tendência central da produtividade169.
A Programação Linear (PL) procura a minimização dos custos ou
a maximização dos lucros do processo, entre os fatores produtivos empregados. É a disciplina
168
Idem, pp. 39-40.
JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo
aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Teese de doutorado defendida em
19.09.06. Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, pp. 93-94.
169
94
mais aplicada na Pesquisa Operacional (PO), tendo por objetivo a otimização dos problemas
existentes nas escolhas de decisões, apoiada nas ciências afetas à Economia, Matemática e
Informática, levando-se em conta as restrições contidas em cada situação, bem como nas
variáveis
que
possam
surgir
contingencialmente,
adquirindo
característica
de
proporcionalidade170.
Já a Análise Envoltória de Dados (DEA - Data Envelopment
Analysis), desenvolvida por Charnes, Cooper e Rhodes, é uma abordagem da Programação
Linear que generaliza as medidas de Fahel, buscando medir a eficiência produtiva de unidades
de produção com múltiplos produtos e múltiplos insumos. Baseia-se na capacidade de,
simultaneamente, identificar a fronteira da eficiência de um grupo de organizações que
possuem as mesmas características; e elaborar comparações entre os recursos obtidos por cada
uma das organizações avaliadas. Para esse sistema, analisam-se os recursos (input) e seus
respectivos resultados/produtos (output)171.
Já para Carlos Matus, qualquer problema social, por sua própria
natureza, tem um conteúdo transdepartamental, não reconhecido pelas faculdades ou
departamentos universitários e pelas especialidades científicas172. Imprescindível, assim, que
houvesse profissionais com formação necessária para exercer a prática social horizontal,
tendo ciência e conhecimento em várias searas, e não somente intradepartamental, como
usualmente ocorre. Isso porque a prática social é horizontal, eis que os problemas são os
mesmos e atingem a todos de igual forma, embora com consequências diferentes.
170
171
Idem, p. 96.
Ibidem, p. 97,
95
Ainda na visão de Carlos Matus, é hora de se reconhecer a
limitação da interdisciplinaridade, sendo um diálogo entre especialistas em diferentes
departamentos, sem teoria transdepartamental e sem teoria sobre a prática, sendo necessária a
ampliação do campo do juízo analítico dos responsáveis, através de uma nova disciplina
horizontal que a intitula de ciências e técnicas de governo, com uma visão global dos
problemas sociais, por meio de um método denominado PES (Planejamento Estratégico
Situacional), no qual superaria o planejamento tradicional, ultrapassando os limites da esfera
econômica e constituindo-se um planejamento para a ação, construindo, assim, as ciências e
técnicas de governo173.
Assim, com o PES os autores sociais poderiam conduzir o “jogo”
como sendo planejamento de situações para orientar o processo com de forma eficiente a
partir da intervenção estatal movida por uma intencionalidade coletiva, analisando o
intercâmbio de três principais problemas sociais: a gestão pública, a gestão macroeconômica e
referentes aos problemas da vida cotidiana.
Cabe ressaltar a similitude entre a análise de Calros Matus com a
de Bourdieu, quanto à finalidade de suas teorias, quando este último autor analisa o objeto
social a partir de um campo cognitivo, de acordo com o ambiente e convivência, criando-se
hábitos que, por sua vez, serão analisados a partir de duas grandes correntes: a
fenomenológica, como sendo fruto da experiência comum atualizada, imaginada pelos atores
172
MATUS, Carlos. Teoria do jogo social. Cap. 1: há ciências para governar? Trad. Luís Felipe
Rodriguez Del Riego. p. 22.
173
Idem, p. 37.
96
com familiaridade e experiência com o mundo; e a objetivista, como sendo estruturas
analisadas em sua objetividade, sem a intenção dos sujeitos174.
Para Bourdieu, deve-se haver uma preocupação mais imparcial na
análise do objeto social, uma vez que a subjetividade faz parte da ação, mas aquela deve ser
explicada e não pressuposta, sendo justificável por meio de uma estrutura que possa explicar
ou até prever o comportamento do sujeito, de acordo como sua posição estrutural. Ele analisa
o campo de acordo com o ambiente em que o sujeito convive, os hábitos por ele absorvidos,
gerando estruturas de campos sociais mais densos e sedimentados. De acordo com esses
hábitos e jogos entre os atores, se preocupa com uma verdadeira teoria da prática, visando um
método neutro e campo autônomo para as possibilidades da ação – aqui onde ele se aproxima
de Matos.
Em busca dessa objetividade, imperioso o afastamento de valores
subjetivos que visam a atender a interesses pessoais. A preocupação sobre aspectos sócioeconômicos de uma sociedade deve-se fundar na rejeição desses interesses pessoais como o
motivador único de natureza humana, sem desconsiderar, evidentemente, essa influência nas
decisões políticas, mas pretendendo empiricamente demonstrar a importância de seus efeitos e
a valorização de sua "dimensão moral". Como ressalta, este componente moral emerge de um
sentido de preocupar-se com os outros e com a comunidade geral, em razão do argumento no
qual as pessoas sempre estão situadas num contexto social carregado por laços de
comunidade175.
174
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. Org. Renato Ortz. Ática, São Paulo, p. 53.
Apud WALTERS, Lawrence C., SUDWEEKS, Ray R. Public policy analysis: The next generation of
theory, Journal of Socio-Economics, 10535357, 1996, Vol. 25, Número 4. Base de dados: Academic Search
Complete (Fonte: EBSCO).
175
97
Em situações nas quais se mostra clara a ineficiência da política
pública, merece, pois, a devida intervenção por outros órgãos ou Poderes, a fim de regularizar
e restabelecer a ordem prática e teleológica. Infelizmente, esse controle se mostra mais
perceptível e evidente quando se realiza a posteriori, quando já houve o desperdício (ao
menos parcial) dos recursos públicos antes destinados àquela determinada política pública.
Para evitar essas consequências, Batista Júnior cita normas de
organização e de boa administração como referenciais de eficiência, desde regras de
comportamentos pessoais até adoção de técnicas internas e específicas de administração,
como ruptura do princípio da hierarquia e apego a um modelo de responsabilização do
agente176.
Como se verá adiante, esse controle do ato administrativo tem
sido exercido mais intensamente pelo Poder Judiciário, que cada vez amplia a sua
interpretação acerca das normas que regulam a matéria. Mas não se pode deixar de ser
lembrado o controle exercido pelos Tribunais de Contas, que modernizaram a sua forma de
controle e, sem abandonar o exame da legalidade do ato, devem ir mais além para examinar,
em especial, a eficácia, efetividade, eficiência e economicidade dos gastos públicos. Isso
porque a própria Carta Constitucional já previa em seu texto de 1988 a possibilidade da
fiscalização não apenas em seu aspecto contábil, mas também operacional, examinando os
gastos da administração direta e indireta com base na economicidade177.
176
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 428-430.
98
Este controle externo pelos Tribunais de Contas engloba, dentre
outras ações, a realização de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos demais Poderes,
como reza o artigo 71 da Constituição de 1988.
Ilustrando o conteúdo desses instrumentos, Antônio Carlos
Moraes esclarece que a Auditoria de Natureza Operacional (Anop), como gênero, é o
processo de coleta e de análise sistemáticas de informações sobre características,
procedimentos e resultados de um programa, atividade ou organização, com base em critérios
fundamentais, com objetivo de subsidiar os mecanismos de responsabilização por
desempenho e contribuir para aperfeiçoar a gestão pública178.
a) Indicadores sociais como parâmetros objetivos
Em que pese haver pressupostos já bem aceitos quanto à eventual
possibilidade de êxito de uma política pública, indispensável, ainda, avaliar sua eficiência por
critérios técnicos e objetivos, quando possível. Resta claro, pois, que o sucesso das políticas
públicas não depende somente da Administração, mas também da própria sociedade, com
instrumentos que possam aferir sua real vontade e assentimento, legitimando as decisões
políticas e reforçando o vínculo entre estes setores. Uma política pública de excelência seria
177
MORAES, Antônio Carlos Flores de. Legalidade, eficiência e controle da administração pública.
Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 227.
178
Idem, p. 229.
99
aquela que tem um objetivo político definido de forma democrática e com previsão de seus
resultados, com estimação de gastos e clareza de objetivos e de indicadores179.
Isaura Belloni traz essa efetividade social como um critério de
avaliação capaz de traduzir os resultados tanto econômicos quanto sociais de uma política
pública. Este indicador está ligado à adequação da educação profissional às necessidades
técnicas e sociais do mundo do trabalho, dentro do contexto das transformações sociais e
tecnológicas e de suas implicações (inclusão e exclusão sociais)180.
Parâmetros mais objetivos são trazidos por Aparecido Jubran,
apontando indicadores sociais de acordo com critérios de avaliação, relacionando eficiência
no uso dos recursos públicos, eficácia no atingimento de metas e efetividade social da política
pública. Os indicadores de eficiência são aplicados na avaliação dos meios e dos recursos
empregados. Os indicadores de eficácia avaliam o cumprimento das metas estabelecidas. Os
indicadores de efetividade avaliam os efeitos do programa em termos de bem-estar para a
sociedade. Assim, os indicadores podem ser classificados sob diversas formas, sendo as mais
comuns: a classificação segundo a área temática da realidade social a que se referem; e os
indicadores mais agregados, como os sócio-econômicos, de qualidade de vida e
desenvolvimento humano ou ambiental. Podem ainda ser classificados como quantitativos –
quando revestidos de objetividade – e qualitativos – quando caracterizados pela subjetividade.
Eles podem, outrossim, ser tidos como simples – quando são elaborados a partir de uma única
dimensão social, como saúde, educação – e compostos – quando se reúne mais de uma
179
PEREZ, Marcos Augusto. In Políticas Públicas. Reflexos sobre o conceito jurídico. Org. Maria Paula
Dallari Bucci. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 166.
180
BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em
políticas públicas. 3ª ed. São Paulo. Cortez, 2003, p. 67.
100
dimensão em sua elaboração, como é o caso do IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano).181.
Esses indicadores sociais são formulados a partir de elementos
específicos, conhecidos como input, output e throughput. O primeiro indica os recursos e
insumos, estando relacionado com medidas de disponibilidade de recursos humanos,
financeiros e materiais. O output se refere ao produto e resultados obtidos e analisados, tendo
ligação com processos sociais complexos, com o resultado efetivo das políticas empregadas.
Já o throughput se relaciona com os meios encontrados entre os dois anteriores, tendo por
objetivo transformar em medidas quantitativas o esforço operacional de alocação de recursos,
traduzindo-se em processos de acompanhamento e fiscalização182. Esse método matemático
foi construído por Leontief, sendo conhecido na União Soviética como o método balanço. É
frequentemente aplicado no planejamento econômico, juntamente com os cálculos de
diferencial e de integral183.
Aparecido Jubran adota em seu método os resultados específicos
segundo os indicadores colhidos pelo Plano de Qualidade no Serviço Público (PQSP) cujo
objetivo é avaliar o grau de alinhamento das estratégias dos planos e resultados da
organização com os macro-objetivos e planos de governo; medir a qualidade de gestão e a
melhoria dos resultados; incentivar a implantação da gestão por resultados; e auxiliar as
organizações públicas a se transformarem em organizações “de classe mundial”. Outro item
adotado é o Índice Social Municipal (ISM), que é formado por dezesseis indicadores sociais
181
JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo
aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. 2006. Disponível no endereço
eletrônico www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde- 13122006 - 180402. Acessado em 03.12.08.
182
Idem, p. 12.
101
agrupados em seis índices sintéticos relacionados à qualidade de vida dos municípios e às
ações de outras esferas do governo184.
Voltado para a avaliação da eficiência do setor público, o PQSP
adota um esquema composto por sete módulos, com as respectivas pontuações, representando
um Modelo de Excelência na Gestão Pública, baseado em resultados e permitindo avaliação
comparativa do desempenho das organizações públicas. Quanto à participação da população
nas tomadas de decisões para a administração pública, o autor afirma que o resultado não é
conclusivo, segundo estudos do Centro Latino Americano de Administração para
Desenvolvimento (CLAD), que propõe um modelo de descentralização e desburocratização
da Administração, flexibilizando a gestão e diminuindo os níveis hierárquicos185.
Esse modelo busca levar as políticas públicas a uma excelência de
desempenho, de acordo com a averiguação de pontos e critérios que são previamente
valorados, consoante uma tabela desenvolvida pelo Ministério da Defesa. Aparecido Jubran
ensina como é feita a elaboração de alguns índices sociais. Começa com os demográficos de
saúde, analisando a taxa de natalidade para informar o crescimento populacional, sendo
representada pelo quociente entre os nascidos vivos ocorridos em uma determinada localidade
e período de tempo, e a população estimada na metade do período, que pode ser multiplicada
por 1000 (mil) para facilitar a leitura e permitir uma comparação internacional. Assim, temse:
183
TINBERGEN, Jan. Desenvolvimento planejado. Trad. Heitor Pinto de Moura Filho e Norma Paraíso
Nogueira. Zahar, Rio de Janeiro, 1975, p. 43.
184
JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo aplicado
às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Tese de doutorado defendida em 19.09.06.
102
TN = (NVA) X 1000
(PEMA)
onde NVA = nascidos vivos no ano
e PEMA = população estimada no meio do ano
Outro indicador interessante e que pode estar relacionado com a
eficiência da administração pública é a Taxa de Urbanização, tratando-se de índice
demogeográfico que dimensiona a parcela da população residente em áreas urbanas e que
potencialmente estão recebendo serviços públicos básicos de infra-estrutura. Corresponde ao
percentual da população urbana em relação à rural e pode ser calculada pela fórmula:
TU = PU x 100
PT
onde PU = população residente em áreas urbanas
e PT = população total
A mortalidade infantil também é um dado que pode sinalizar a
ineficiência das políticas públicas na área de saúde e saneamento básico, e representa a
relação entre o número de crianças mortas no primeiro ano de vida e o de crianças nascidas
vivas, tendo por base 1000 (mil). É calculada pela razão entre o número de óbitos entre
Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, p. 22.
185
Idem, p. 38.
103
crianças de até 01 (um) ano e o número total de crianças nascidas vivas durante 01 (um) ano,
nos termos seguintes:
TM = ObC x 1000
NVA
onde ObC = óbitos de crianças de até 01 (um) ano
e
NVA = nascidos vivos no ano
Também traz outros indicadores, como de natureza cultural, de
mercado de trabalho, educacionais e de desenvolvimento, se destacando dentre estes o IDH,
adotado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O IDH é
formado pela composição do Índice de Esperança de Vida, do Produto Interno Bruto per
capita e pelo indicador composto pelas taxas de alfabetização e escolarização. Consideram-se
analfabetas as pessoas maiores de 15 (quinze) anos incapazes de ler um bilhete simples.
Embora pareça ser um instrumento seguro e eficaz no controle e
apuração da efetividade das políticas públicas, Jan Tinbergen deixa esta parte de seu estudo
em aberto, entendendo que o planejamento do desenvolvimento econômico, por exemplo, está
voltado para o problema de se resumir este enorme complexo de dados, revelando a relação
científica entre as quantidades de fatores de produção utilizadas e o volume do produto a ser
obtido. Isso porque na literatura de Economia, este problema é conhecido como o das funções
de produção e tem sido assunto de pesquisa intensiva nos últimos vinte anos186.
186
JUBRAN, Aparecido Jorge. Modelo de análise de eficiência na administração pública: estudo
aplicado às prefeituras brasileiras usando a análise envoltória de dados. Tese de doutorado defendida em
104
4. O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
O Poder Judiciário já foi visto como estanque e neutro perante as
situações sociais de natureza política, não se pronunciando até que seja devidamente
provocado (aliás, a jurisdição é inerte) e, ainda assim, em se tratando de matéria referente à
legalidade. Essa postura adveio do modelo de tripartição de Poderes de Locke e Montesquieu,
como já ventilado, se referindo a Poderes constituídos isolados, mas dependentes um do outro
para o andamento político estatal.
Visava-se, pois, a limitação do poder pelo próprio poder,
favorecendo um exercício independente e harmônico entre eles, sob pena de, inexistindo
limites, um Poder se sobrepor ao outro, inviabilizando suas atuações “em concerto”. Por isso
mesmo, enquanto se mantiver o princípio da separação de poderes como base do esquema de
organização de Poderes num Estado determinado, impõe-se manter a delimitação de zonas de
atuação independente e harmônica dos poderes políticos187.
Os artigos de “Os Federalistas” (periódico que influenciou
sobremaneira o federalismo estadunidense e, por consequência, o brasileiro), contagiados pelo
modelo clássico de separação de Poderes, já traziam em seus discursos essa imagem do Poder
Judiciário, aventando não ter “nenhuma influência nem sobre a espada nem sobre a bolsa;
nenhum controle nem sobre a força nem sobre a riqueza da sociedade, e não pode tomar
nenhuma resolução ativa. Pode-se dizer que não tem, estritamente, força nem vontade, mas
19.09.06. Biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3142/tde-13122006-180402/, p. 191.
187
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: O poder congressual de sustar atos
normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 14.
105
tão somente julgamento, estando em última instância na dependência do auxílio do braço
executivo até para a eficácia de seus julgamentos”188.
Entretanto,
esse
modelo
clássico
não
mais
persiste.
Hodiernamente, o Judiciário é tido como um Poder inerente ao Estado de Direito, auxiliando,
inclusive, as ações de governo propriamente ditas, servindo-se como um parceiro na busca da
justiça social, concretamente referida. Nos dizeres de Ferreira Filho, seu poder de
interferência na órbita político-administrativa o tornou co-responsável dos insucessos ou
frustrações que para a opinião pública decorrem da má atuação do Poder. Mais, veio ele a ser
visto como um colaborador do Governo189.
4.1. INTERVENÇÃO: POSSIBILIDADE E LEGITIMIDADE
Como visto, a exigência de políticas públicas que satisfaçam
efetivamente as necessidades sociais se mostra presente nas sociedades modernas,
apresentando-se estas cada vez mais maduras politicamente, se organizando e muitas vezes
pressionando seus governantes e representantes a condutas dignas de sua função pública.
Neste cenário publicista, busca-se nos órgãos e Poderes estatais
um canal e instrumento concretizador dos anseios sociais. O Judiciário, especialmente, vem
sendo
188
paulatinamente
cobrado
neste
particular,
esperando-se
do
magistrado
um
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas: 1787-1788. Edição
Integral. Trad. Maria Luíza X. de A. Borges. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 479.
189
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. Poder
Judiciário na Constituição de 1988 – Judicialização da política e politização da Justiça. São Paulo, Saraiva,
2003, p. 215.
106
comportamento permanentemente atento, a ponto de coibir condutas que venham a invadir
direitos fundamentais dos cidadãos, ainda que sejam aquelas situações resultantes de atos de
outros agentes públicos. Verificados estes quadros situacionais tidos como ilegais, o juiz
deverá estar autorizado a determinar a cessação dos efeitos do ato, bem como desconstituí-lo,
quando eivado de ilegalidade. Primeiramente, todavia, mister se ter em mente o que vem a ser
um ato administrativo ilegal, a fim de se identificar o seu descompasso e autorizar o controle
jurisdicional.
Cediço que o ato administrativo possui elementos190, requisitos191
ou aspectos192 sem os quais ele se esvaziaria, padecendo de existência. Entende a doutrina que
a ausência de qualquer desses elementos resultaria na ilegalidade do ato. Na realidade, a falta
desses requisitos tornaria o ato administrativo incompleto e, portanto, insuscetível de produzir
efeitos. Isso porque o termo “ilegal” deve se referir a uma contrariedade à norma específica, à
lei ao menos em sentido amplo, e não quando o ato vai de encontro ao entendimento
doutrinário majoritário, por lhe faltar algum conteúdo que se entenda ser imprescindível.
Daí, quando se fala em ilegalidade do ato administrativo,
vislumbra-se a ausência de um de seus cinco elementos, quais sejam: sujeito, objeto, forma,
motivo e finalidade193, ou mesmo quando se mostrar em desalinho com alguma norma
específica (ilegalidade em termos técnico-jurídicos).
Desta feita, quando se constatar a ocorrência destas ilegalidades
apontadas, autorizado está o Poder Judiciário a emitir seu provimento quando provocado,
190
191
192
Termo utilizado por Zanella di Pietro in idem nota 8, p. 195-204.
Por MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996.
Por Marçal Justen Filho in idem nota 4, p. 198.
107
invalidando o ato administrativo, seja este vinculado ou discricionário, e ainda que seja
instrumento específico de políticas públicas adstritas ao Poder Executivo.
Neste sentido, tem se pronunciado nossa instância jurisdicional
máxima:
“Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos
indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do Poder
Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os
elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da
Administração”194.
Da mesma forma, a jurisprudência inicial de nossa organização
jurídica tem entendido que um ato administrativo legal em sua essência, mas anulado
indevidamente pela própria Administração Pública, poderá ser restabelecido se a questão for
levada ao Judiciário.
O próprio Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula na
organização do Poder Judiciário brasileiro, já se pronunciou sobre a possibilidade de anulação
do ato administrativo pelo próprio Governo. Isso porque é facultado à Administração anular
os seus próprios atos, quando praticados com infração da lei, pois só na hipótese de ter sido
esta obedecida e que deles poderia haver nascido um direito público subjetivo. Ao pronunciarse o Judiciário, se provocado, sobre a legalidade do ato anulador, dirá sempre a palavra final e
estendera o seu exame ao ato anulado. Se este era legal, gerando direito subjetivo, o Judiciário
o restabelecerá. Se, porém, era ilegal, mantê-lo, apesar disso, só porque a Administração o
193
Idem nota 8, p. 105-204.
STF. RMS 24699 / DF - Distrito Federal. Recurso em Mandado de Segurança. Relator(a): Min. Eros
Grau. Julgamento: 30/11/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação DJ 01-07-2005 PP-00056.
194
108
rescindira, seria falhar o Judiciário à sua missão de controle da legalidade dos atos
administrativos195.
Para sedimentar esse entendimento (embora jurisprudencial,
apenas), o próprio Supremo editou súmula, esclarecendo que A administração pode anular
seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os
direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial196.
Não bastasse essa hipótese de ilegalidade formal do ato
administrativo, este pode também ser atingido pela revisão judicial quando constatadas duas
situações: pelo fato de atingir negativamente direitos fundamentais garantidos pela norma –
principalmente a constitucional – ou quando se mostrar a atuação estatal ineficiente, contrária,
portanto aos princípios inerentes à própria Administração. Daí, percebe-se que o ato
administrativo, embora presuma sê-lo legal, pode ser demonstrado de outra forma.
À guisa de argumentação, arremata Marçal Justen Filho que a
presunção de legitimidade do ato administrativo vincula a todos os particulares. Não os
vincula, todavia, de modo definitivo e absoluto, o que corresponderia à supressão da função
jurisdicional 197.
Tecendo comentários sobre essa possibilidade, esclarece Bandeira
de Mello que enquanto o agente se mantiver confinado no interior do campo intelectivo ou
195
STF. RE 55833 / RN - Rio Grande do Norte. Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Luiz Gallotti.
Julgamento: 27/04/1965. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação. DJ 05-06-1965 PP-01864.
196
Súmula n º 473 do STF.
109
decisório que a norma lhe atribuiu para que identifique e assuma a conduta capaz de atender
com precisão absoluta a finalidade da lei, não cabe revisão judicial. Toda vez que o
ultrapassar há de caber essa revisão. Além disto, comportará sempre apreciação judicial para
verificar se o agente se manteve no interior deste campo198.
Como visto, as situações anteriormente ressaltadas não deixam
grandes dúvidas quanto à atuação do Judiciário, servindo, pois, de fiscal da própria lei, que dá
sentido e fundamento para seu pronunciamento e autoriza os efeitos de seus provimentos.
Entretanto, outros casos mais melindrosos são levados à apreciação jurisdicional, não se
tratando de mera análise de compatibilidade da lei com a decisão emanada do poder público,
mas de outros aspectos que possam macular o ato administrativo, ainda que haja previsão
legal que o sustente.
Isso porque mesmo que a atividade judicial vise a assegurar a
interpretação e concretude dos direitos (sociais, principalmente), ela poderá se deparar com
situações de origem discricionária da Administração Pública que se contraponha a este
sentido. Nestes casos, principalmente, as decisões judiciais que venham a revisar os atos
administrativos devem ser pautadas e fundamentadas em regras e princípios do próprio
sistema, não perdendo, por isso, sua identidade ou legitimidade.
O ato administrativo discricionário, particularmente, era tido
como intocável pelos demais órgãos, principalmente pelo Poder Judiciário, entendendo que o
seu mérito (conveniência e oportunidade, especialmente) era considerado insindicável e,
197
Idem nota 4, p. 211.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Entrevista disponível no endereço eletrônico www.juspodivm.
com.br/entrevistas/entrevistas_101.htm.
198
110
portanto, imutável por outros canais dentro do ordenamento jurídico, servindo-se um divisor
de águas para definir o ato controlado e o ato que ficava fora do alcance do Poder Judiciário,
quando instado a se pronunciar199.
Esse entendimento parece não mais perdurar atualmente, sendo
que o controle do ato administrativo – ainda que discricionário e referente ao seu mérito de
conveniência e oportunidade – pode ser feito pelo Judiciário no que tange aos contornos
constitucionais, orientadores de toda manifestação estatal, não estando este Poder judicante
exercendo função meramente política, mas eminentemente jurisdicional, permitindo-se maior
segurança e controle de objetividade.
Neste mesmo diapasão Batista Júnior firma seu posicionameto,
enfatizando que a discricionariedade do administrador não é totalmente livre e aberta ao
subjetivismo, mas guiada pelos referenciais de eficiência e outros preceitos constitucionais,
não autorizando que o juiz substitua sua função política, mas permitindo que haja o devido
controle de compatibilidade de sua conduta com os valores e normas vigentes da Carta
Maior200.
Também nessa linha encontra-se Mauro Mattos, ao considerar
esse dogma de intangibilidade do ato administrativo discricionário como resquício do Estado
Absolutista, aventando que a primeira fase do Direito Administrativo - dos primórdios da
Revolução Francesa - fixou a noção de ato administrativo para delimitar as ações da
199
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de
mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum
administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5955, ago. 2005.
200
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 514.
111
Administração Pública, “excluídas” por lei da fiscalização dos tribunais judiciais, formalizada
pela Lei de 16 Fructidor do Ano II (1795) que, em consonância com o princípio da separação
dos poderes, houve a subtração dos atos administrativos da jurisdição dos tribunais201.
Realmente parece haver lógica em assim entender o autor acima
referido, tendo em vista que ainda hoje o Estado francês permanece com sua dupla jurisdição,
a judicial e a administrativa, esta última intangível aos efeitos das decisões dos juízes, não
podendo eles apreciar sua matéria, eis que a decisão administrativa tem natureza de coisa
julgada material (administrativa e judicialmente), insuscetível, pois, de ser revista em outra
seara.
Mauro Mattos também ressalta que um dos traços do
constitucionalismo moderno é o rompimento de fronteiras anteriores marcadas pelo antigo
regime deposto pela Revolução Francesa. Ou seja, foi criada uma justiça administrativa como
fruto das idéias liberais que despontavam. Contudo, ainda prevaleciam os velhos conceitos do
regime anterior. Daí a necessidade de uma separação de poderes, que culminou na criação do
contencioso administrativo, tendo como objetivo a proteção do Estado com a “proibição dos
Tribunais judiciais conhecerem dos litígios, como reação ao modo de atuação dos
parlamentos do Antigo Regime”202.
Isso também porque o juiz, atualmente, não é mais visto como
simples aplicador do direito, mas verdadeiro agente político que interfere diretamente nas
políticas públicas. Este papel se faz sentir em todas as oportunidades em que o magistrado é
201
Idem, p. 5957, ago. 2005.
112
levado a julgar, mormente quando se refere a decisões envolvendo conveniência e
oportunidade de políticas públicas.
Nesta ótica, passa a ser obrigatório o firme controle do ato
administrativo, em especial do ato discricionário, sob pena de se autorizar ao gestor público
uma atuação ampla e sem limites definidos, o que se destoaria dos lineamentos trazidos pela
Constituição da República, mormente com a reforma originadas pela Emenda nº 19 de 1998.
A propósito, a lição de Paulo Magalhães ao ressaltar que a existência de várias opções de
natureza discricionária não torna imune a atividade administrativa do controle jurisdicional,
uma vez que essa atribuição do administrador público não tem o valor de um ‘cheque em
branco’ ou a possibilidade de opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e,
sobretudo, ofensivas aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico203.
Comungando desse mesmo entendimento, Fábio Franco e
Antônio Martins trazem que a escola de administrativistas franceses construiu o arcabouço
doutrinário e principiológico sobre o qual hoje se trabalha, estruturando o conceito de
discricionariedade administrativa em torno da idéia de “poder”, colocando-a como atributo
imprescindível ao seu exercício204.
Com efeito, e por estes motivos – quiçá – parte da doutrina
nacional parece não ter se desprendido totalmente da primeira fase do Estado, entendendo que
202
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de
mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum
administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5960, ago. 2005.
203
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 49.
204
FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento
de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 49.
113
o efetivo controle do ato administrativo discricionário resultaria uma intromissão indesejada e
contrária ao modelo clássico de separação dos poderes, vedando-se a fiscalização
constitucional pelo Judiciário.
Essa posição restou bem esquadrinhada por Germana Moraes, ao
anotar que a discricionariedade nunca deixou de ser vista, por alguns, como a barreira para a
sindicabilidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, estigma que ainda acompanha,
inclusive,
modernas
compreensões
teóricas
da
categoria,
as
quais
definem
a
discricionariedade como o âmbito no qual a Administração pode decidir autonomamente sem
vincular-se a parâmetros jurídicos205.
Assim, a tarefa do julgador torna-se árdua, chegando-se a indagar
acerca de sua legitimidade para imiscuir-se na análise de decisões discricionárias
(principalmente de políticas públicas) que, por sua vez, se mostram em perfeita consonância
com a lei, não tendo, à primeira vista, nenhuma razão para serem alteradas.
Neste sentido, e como já dito, ganha relevo o estudo da
hermenêutica, na medida em que parece ser a interpretação o primeiro limite imposto à
atividade discricionária. Isso porque o texto constitucional merece tradução maximizada, a
fim de se atribuir concretude a suas normas e a seu espírito.
Parece não haver, pois, como a Administração se caracterizar
como detentora de uma ampla escolha discricionária, uma vez que ela é sempre condicionada
205
MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo:
Dialética, 1999, p. 28.
114
pelos pressupostos fixados pela própria norma, cercada, ainda, dos princípios jurídicos gerais
da atividade administrativa, sempre reguladores de seu exercício discricionário.
A discricionariedade administrativa se faz presente quando, por
exemplo, se depara com recursos escassos, tendo que escolher em quais necessidades sociais
utilizará os parcos recursos, abrindo-se margem para a eleição da medida mais adequada,
segundo seus critérios.
Essa discricionariedade deve ser encarada, pois, não como poder,
mas como o dever que tem a Administração em exercer suas atividades dentro de
determinados limites que a própria lei lhe impõe, não se constituindo em opção arbitrária para
o gestor público, mas obrigação que lhe advém com o encargo, exigindo-se que sua opção
preencha as necessidades do melhor interesse público, segundo motivos razoáveis e
devidamente fundamentados.
Neste exato diapasão posiciona-se Batista Júnior, possibilitando a
sindicabilidade do ato administrativo discricionário, ainda que se refira ao seu mérito,
ensinando que não existem comportamentos estatais invulneráveis ao controle da juridicidade
no moderno Estado Social de Direito, ainda que se trate de conveniência ou oportunidade da
Administração Pública. O que não há possibilidade é de se substituir a função administrativa
pela judicial, pela força da decisão desta última. Isso não significa ser o ato administrativo
imune ao controle jurisdicional206.
206
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 301-302.
115
Entretanto, essa abertura de margem discricionária pressupõe,
segundo Batista Júnior, a busca da melhor solução para o bem comum, à consecução do
melhor interesse público, exigindo-se da Administração a atuação eficiente para atuar no
espaço não coberto pela rigidez das normas jurídicas, alinhando-se ao cumprimento dos
preceitos constitucionais207.
Neste
tear,
e
com
uma
definição
mais
precisa
de
discricionariedade administrativa, Fábio Franco e Antônio Martins a narram como sendo o
dever de o Administrador Público, ante o grau de imprecisão existente na norma, optar pela
solução mais razoável, proporcional e dentro dos limites da norma, que mais se compatibilize
com o interesse público, ou seja, com a eficiente realização do objetivo colimado, tudo ditado
pela Constituição Federal, pelas normas de inferior hierarquia e pelos valores dominantes ao
tempo da consecução do ato208.
Bandeira de Mello parece dividir o mesmo posicionamento
quanto ao mérito do ato administrativo, aventando que ele não pode ser mais que o círculo de
liberdade indispensável para avaliar no caso concreto, o que é conveniente e oportuno à luz do
escopo da lei. Nunca será liberdade para decidir em dissonância com este escopo209.
Nesta mesma senda, José Reinaldo de Lima ressalta a importância
da realização de uma justiça distributiva pelo Judiciário em busca de tornar políticas públicas
mais eficientes. Segundo ele, trata-se de garantir condições de exercício de direitos sociais e
207
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 309-310.
208
FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento
de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2006, p. 47,
116
de gozo de bens não submetidos ao regime da propriedade, da disponibilidade do consumo, da
mercadoria, vindo o Estado, por meio de seus órgãos jurisdicionais, evitar o avanço dessa
mentalidade privatista na área de serviços públicos, interferindo na distribuição desigual dos
benefícios sociais210.
Arrematando, João Batista Marques reforça a importância da
credibilidade popular para o êxito das políticas públicas, entendendo que a eficiência desta
última está intimamente ligada ao apoio da sociedade, proporcionando um feedback ao gestor
público e participando das decisões em busca do sucesso das políticas públicas211.
Com efeito, a concepção puramente positivista do papel do juiz –
que se limitava em aplicar a lei como ela friamente se apresenta – parece estar superada,
restando sua legitimidade justificada pela busca do conceito de justo ou mesmo de
interpretação, adequando a lei ao caso concreto.
4.2. PARÂMETROS PARA A INTERVENÇÃO JUDICIAL
Eventual controle ou fiscalização do Poder Judiciário sobre
políticas públicas exige parâmetros identificáveis para sua realização. Isso se faz, por
exemplo, analisando as metas prioritárias fixadas pelo Poder Público, tendo-se, aí critérios
possíveis para essa intervenção jurisdicional, levando-se em conta, ainda, os preceitos
209
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle judicial. 2a ed. Malheiros, São
Paulo, 1993, pp. 82-83.
210
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais. p. 135.
211
MARQUES, João Batista. A gestão pública moderna e a credibilidade nas políticas públicas. Revista
de informação legislativa. Brasília, a. 40, n. 158, abr/jun 2003.
117
consubstanciados constitucionalmente, tanto em matéria de políticas públicas em sentido mais
concreto, como também abstratamente, em termos de princípios consagrados na mesma Carta.
Ana Paula de Barcellos traz – ainda que de forma mais genérica
– três diferentes tipos de parâmetros identificáveis para se justificar essa interferência judicial.
Em primeiro lugar, cita uma categoria puramente objetiva para se realizar esse controle,
baseado essencialmente na quantidade de recursos, em termos absolutos ou relativos, que
deverá ser aplicada em políticas públicas destinadas a implementar determinadas finalidades
constitucionais, transcrevendo, inclusive, trecho da Constituição Federal que exemplifica
norma que permite essa ocorrência (Art. 212. “A União aplicará, anualmente, nunca menos
de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte por cento, no mínimo, da
receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na manutenção
e desenvolvimento do ensino”)212.
Um segundo parâmetro de controle que se pode construir a partir
do texto constitucional diz respeito ao resultado final esperado da atuação estatal, tratando-se
de identificar bens mínimos a serem, afinal, ofertados pelo Estado, promovendo direitos
fundamentais e dignidade humana, não sendo plausível prever outras políticas públicas
enquanto aquelas prioritárias não sejam alcançadas213.
212
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas
públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da UniBrasil. V. 5, nº 5 (Jan/Dez, 2005).
Curitiba: UniBrasil, 2005, p. 138.
213
Idem, p. 139.
118
Um terceiro e último parâmetro envolve o controle da própria
definição das políticas públicas fixadas e a serem implementadas, ou seja, os meios
escolhidos pelo Poder Público para realizar as metas constitucionais, tendo como objetivo
assegurar uma eficiência mínima às ações estatais e seu fundamento decorrente de tudo o que
já se expôs sobre a vinculação do Estado às metas constitucionais e sobre as escolhas públicas
em um Estado democrático republicano214.
Ressalta, por fim, a relevância da transparência na gestão pública,
servindo a publicidade de instrumento para o controle jurisdicional das políticas públicas,
bem como dos gastos públicos, tendo as informações orçamentárias papel democrático de
especial atenção, permitindo identificar minimamente quais as políticas públicas que se deseja
implementar, previstas especificamente em procedimento próprio.
Conveniente seria, neste contexto, assegurar a participação
pública, principalmente de entidades ou associações na escolha política de políticas públicas,
bem como na formulação do orçamento, já havendo, inclusive, instrumentos políticodemocráticos com essa finalidade, conhecido como orçamento participativo, este elaborado
geralmente com realização de audiências públicas com as comunidades interessadas, usuárias
ou destinatárias dos serviços públicos a serem prestados.
Como bem ressaltado por Marcelo Figueiredo, desta forma
amplia-se por intermédio da comunidade e também do Poder Judiciário o controle de
legalidade dos atos públicos e a eficiência dos programas governamentais nas várias esferas
214
Idem.
119
da federação brasileira, diminuindo consequentemente em muitos casos a margem de
discricionariedade (e de abuso) do administrador público215.
a) Mínimo existencial e direitos fundamentais
Muito se tem discutido na doutrina sobre o real significado e
alcance dos chamados direitos fundamentais, mormente após a promulgação da Constituição
Federal de 1988. Considera-se que o homem já adquire e possui direitos ou liberdades
decorrentes de sua própria condição de ser humano, ou seja, desde o nascituro (artigos 1º e 2º
do Código Civil Brasileiro). Trata-se, pois, de um direito natural ou, nas palavras de Luis
Fernando Barzotto, os direitos humanos são uma espécie do gênero direito subjetivo: são os
direitos subjetivos que cabem a todo ser humano em virtude de sua humanidade216.
Para tanto, o Estado deve garantir esses direitos, eis que aquele é
consequência da livre adesão dos homens a um acordo que fixa as bases de atuação da
comunidade política, sempre vinculada ao respeito da liberdade individual, remontando-se à
idéia da teoria do contrato social, de Jean Jaques Rousseau.
Fazendo-se uma breve digressão até a Idade Média, quase nada se
falava sobre os direitos fundamentais e garantias que pudessem viabilizar uma condição digna
de vida a todo cidadão, sendo comum a constatação de situações desumanas, sobretudo com a
adoção de sistemas escravocratas e de servidão em vários Estados ou impérios.
215
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 44.
120
Com o decorrer do tempo, vários foram os atos históricos que
influenciaram a consolidação dos direitos fundamentais, começando pela Magna Carta de
1215, de João Sem Terra na Inglaterra. Em seguida, pode-se referir à Petition of Rights de
1628, também na Inglaterra, além do Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights de 1689 e
Declaração de Virgínia de 1776, sem deixar de mencionar a Constituição Francesa de 1789.
Noticia-se que a Constituição da República do Brasil de 1824 foi
a primeira do mundo a expressar, em termos normativos, os direitos do homem217, inovando
no sistema jurídico mundial, com uma visão estatal mais humanista e solidária – ao menos
formalmente –, positivando o dever do Estado na função garantidora desses institutos.
José Carlos Andrade observa que os direitos fundamentais podem
ser analisados sob diversas dimensões, tanto enquanto direitos de todos os homens, em todos
os tempos e em todos os lugares – perspectiva filosófica ou jusnaturalista –; como num certo
tempo – perspectiva universalista ou internacionalista –; como ainda podem ser referidos num
determinado tempo e lugar, isto é, em um Estado concreto – perspectiva estadual ou
constitucional218.
Em sentido estrito, com enfoque no objeto do presente trabalho,
os contornos e importância dos direitos fundamentais foram trazidos efetivamente pelo
Constitucionalismo, um movimento e técnica jurídica de tutela das liberdades surgido nos fins
do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições
216
BARZOTTO, Luís Fernando. A democracia na constituição. São Leopoldo. Unisinos 2003, p. 23.
BULLOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 132.
218
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, Coimbra, Livr.
Almedina, 1987, p. 11.
217
121
escritas, os seus direitos e garantias fundamentais sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo
uso da força e do arbítrio.
A partir de então, adotou-se esse modelo nas constituições mais
democráticas, entendendo que o Estado era quem deveria se submeter aos ditames da
Constituição, e não ao contrário, pugnando-se por uma visão humanista em contrapartida à
frieza do Absolutismo.
Vindo à tona, e em contrapartida aos abusos revelados pelo
Estado Absolutista, o Constitucionalismo tinha como espeque a limitação do poder estatal,
adotando preceitos e teses trazidas por pensadores políticos, como Montesquieu, e eventos
históricos da época, restringindo a atuação soberana do monarca e garantindo liberdades
públicas antes desprezadas.
Os direitos fundamentais são, assim, divididos por fases, pela
doutrina, de acordo com as suas características apontadas em cada uma delas. A primeira fase
ou geração dos direitos humanos fundamentais refere-se às liberdades, com ausência de
atuação do Estado (posição negativa), o qual se obrigava a uma não-intervenção nas questões
sociais e particulares. A segunda geração é marcada pela presença de uma prestação positiva
do Estado (direitos positivos), com uma atuação paternalista estatal, assegurando
principalmente a igualdade entre todos. Já a terceira geração, a sua vez, é regida por um
sentimento de solidariedade e humanismo, tendo o Estado se enveredado a este mister, numa
visão universalista e unitária de mundo, sem diferenciar as pessoas, venham elas do lugar ou
país que for.
122
Há quem se refira, ainda, a uma quarta ou quinta gerações destes
direitos, indicando a globalização, a informática e a cibernética como marcos que as
identificam219. Todavia, em razão da duvidosa aceitação doutrinária, além da pouca relevância
neste trabalho, deixa-se de abordá-las com a profundidade que mereceriam.
Barcellos prefere diagnosticar um novo constitucionalismo
contemporâneo (neoconstitucionalismo), destacando particularidades caracterizadoras desse
novo modelo, sendo identificadas em dois grupos principais: um que congrega elementos
metodológico-formais e outro que reúne elementos materiais. Do ponto de vista
metodológico-formal, o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais: i) a
normatividade da Constituição dotada de imperatividade; ii) a superioridade hierárquica da
Constituição sobre as demais normais; iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos. Do
ponto de vista material, pelo menos dois elementos caracterizam o neoconstitucionalismo: i) a
incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais; ii) a expansão
de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas dentro do próprio
sistema constitucional220.
Como peculiaridades que os distingue dos demais, os direitos
fundamentais detêm suas peculiaridades, havendo, inclusive, princípios de interpretação do
próprio texto constitucional que servem de instrumentos úteis para retirar da Carta Maior o
seu real alcance e exato significado. Como exemplo, ressalta-se o princípio da concordância
219
Fase constatada por André Ramos Tavares, Ingo Sarlet e José Roberto Dromi. Apud LENZA, Pedro.
Direito constitucional esquematizado. 12a ed. Saraiva, São Paulo, 2008, p. 07.
220
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionlismo, direitos fundamentais e controle das políticas
públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 5, n. 5 (Jan/Dez, 2005).
Curitiba, UniBrasil, 2005, ps. 125-128.
123
prática ou da harmonização, da máxima efetividade, como também os métodos finalístico e
sistemático, tendo papéis fundamentais nesse desígnio.
Em primeiro lugar, possuem tais espécies de direitos a qualidade
de serem inalienáveis, ou seja, não podem seus destinatários transferi-los a terceiros, sendo,
portanto, personalíssimos, pertencentes a cada pessoa pelo simples fato de existirem. São
também indisponíveis. Isso significa que ninguém pode renunciar tais direitos, ainda que por
vontade própria, parecendo estarem estas prerrogativas até mesmo acima da vontade humana,
impedindo que sejam dispostos de alguma forma. A imprescritibilidade também é marca
basilar dos direitos fundamentais, significando que o seu não-uso não o fará perecer, podendo,
a qualquer tempo, serem usados pelos seus titulares sem temor de sua decadência pela
inutilidade ou ineficiência.
Neste particular, fenômeno que não se pode deixar de abordar é o
da constitucionalização, advinda do movimento constitucionalista, elevando a previsão de tais
direitos à ordem constitucional, a fim de se assegurar maior validade, eficácia e segurança a
seus detentores, dificultando sua supressão da ordem jurídica vigente por eventual
procedimento legislativo ordinário.
Em se tratando de direitos humanos ou fundamentais, mister
aclarar que se tratam de espécie de direitos subjetivos, cuja especialidade reside exatamente
no fato de ser possível colocar o Estado num dos pólos da relação em questão, a fim de se
exigir a sua observância e cumprimento221.
124
O mesmo se dá quando uma norma criada pelo próprio órgão
legislativo federal prevê direitos a serem garantidos na órbita social, falando-se em direitos
sociais, sendo, na realidade, espécies de direitos subjetivos, só que agora incrementado com
um caráter público imanente, exigindo uma contraprestação do Estado, que é o detentor do
poder para concretizar as realizações nesta seara.
Assim, os direitos subjetivos públicos devem ser conceituados a
partir da especialidade da situação ou relação de natureza pública de onde emanam, e também
tendo em vista o tipo de prestação a ela correlata, afastando, outrossim, o caráter privatístico
daqueles. A partir daí, a verificação empírica permite reconhecer que esses então novos
direitos – ao contrário das liberdades clássicas – dependem da atuação positiva do Estado, no
sentido em que os mesmos somente se efetivam mediante prestação positiva estatal,
intitulando-os direitos fundamentais sociais222.
Importante distinguir os direitos de defesa dos direitos sociais
prestacionais, identificando-se os primeiros por sua natureza preponderantemente negativa,
tendo por objeto abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerências
na sua autonomia pessoal, se aproximando da clássica lição francesa (laissez-faire). Os
segundos, a sua vez, têm por objeto conduta positiva do Estado (ou particulares destinatários
da norma), consistente numa prestação de natureza fática. Enquanto a função precípua dos
direitos de defesa é a de limitar o poder estatal, os direitos sociais (como direitos de
prestações) reclamam uma crescente posição ativa do Estado na esfera econômica e social,
221
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos.
Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 229.
222
Idem, ps. 220 e 236.
125
objetivando a realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do
povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais.
A característica marcante dos direitos prestacionais no ponto de
vista pragmático parece ser, assim, a juridicidade da situação, permitindo ao cidadão (ou ente)
que provoque o Poder Judiciário para obter determinação coercitiva contra o próprio Estado,
no sentido de possibilitar os meios concretos para o gozo dos direitos fundamentais sociais.
José Reinaldo Lopes considera esses direitos sociais tipicamente
novos, estando espalhados por toda a Constituição Federal, diferindo em natureza dos antigos
direitos subjetivos, não apenas por serem coletivos, mas por exigirem remédios distintos.
Mais ainda, têm uma implicação política inovadora na medida em que permitem a discussão
da justiça geral e da justiça distributiva223.
Não há como se descurar, pois, da exigibilidade dos direitos
sociais, sendo normas que definem direitos para o presente e, portanto, deve o Judiciário
interpretá-los de forma a garantir-lhes máxima aplicação e efetivação, e em caso de eventual
conflito, deve ser assegurada a força normativa da Constituição224.
Indagações contidas no cerne deste estudo dizem respeito ao
critério autorizador e ao alcance da decisão judicial para intervir nas políticas públicas que
não respeitem os direitos sociais consagrados na atual Constituição da República. Ou seja,
223
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo:
Malheiros Editora, 1994, p. 127.
126
quais seriam os direitos sociais que autorizariam o Poder Judiciário, em um sentido práticoobjetivo, a se pronunciar e determinar a realização de políticas públicas conforme o seu
entendimento de justiça e razoabilidade?
Segundo Marcelo Figueiredo, pode-se afirmar, em linhas gerais,
que existem três grandes correntes a respeito da exigência dos direitos sociais, a saber: a) a
dos que entendem serem exigíveis todos os direitos classificados pela Constituição como
fundamentais; b) a dos que entendem serem exigíveis apenas os direitos negativos, já que os
positivos, por demandarem recursos, seriam exigíveis sob a cláusula da “reserva do possível”;
c) e a dos que entendem haver um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial
que seria sempre exigível; os demais restariam também na reserva do possível225.
A jurisprudência do Pretório Excelso parece ter se aderido àquela
terceira corrente acima informada, crendo ser dever do Estado garantir condições que entende
serem mínimas para a existência humana com dignidade. Citem-se dois casos levados à
apreciação do Supremo Tribunal Federal, sendo considerados julgados com posições de
grande referência nesse contexto.
Primeiramente, ressalta-se a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) nº 345, na qual figurou como Relator o Ministro Celso de
Mello. Questionava-se, no caso, eventual desrespeito quanto ao veto presidencial no
orçamento de determinado ano, configurando – em tese - desrespeito ao preceito fundamental
224
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. O papel ativo do poder judiciário enquanto efetivador dos
direitos sociais da constituição federal de 1988. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da
Unibrasil. V. 6, n. 6 (Jan/Dez, 2006). Curitiba, UniBrasil, 2006, p. 76.
225
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p.43.
127
decorrente da Emenda Constitucional nº 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos
financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.
Primeiramente, o Ministro Celso de Mello destacou a idoneidade e aptidão do instrumento
para viabilizar e concretizar políticas públicas, quando estas estejam previstas no texto da
Constituição e venham a ser descumpridas pelas instâncias governamentais. Admitiu, assim, o
Relator a atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal em pôr em evidência, de modo
particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional, não podendo a
Corte demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e
culturais, que se identificam enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades
positivas, reais ou concretas, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa
da constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem
constitucional. Pronunciou-se, ainda, o Relator que não se inclui ordinariamente nas funções
institucionais do Judiciário a formulação e implementação de políticas públicas, mas poderá
ele intervir nas atribuições dos órgãos dos demais poderes quando estes descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, comprometendo a eficácia e a integridade
dos direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estrutura constitucional, ainda que
derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Por fim, reconheceu que há
limitações orçamentárias que impedem a ampla realização de políticas públicas, mas ressaltou
que não pode a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível – ser invocada pelo Estado para exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, mormente quando se tratar de direitos impregnados de um sentido
de essencial fundamentalidade, atrelado às condições da própria dignidade humana, sendo
esse mínimo existencial um alvo prioritário dos gastos públicos226.
226
Julgado disponível na página eletrônica do STF na internet: www.stf.gov.br.
128
Percebe-se, assim, que não há uma discricionariedade absoluta
nas decisões políticas do legislador ou do próprio administrador para conformar os direitos
sociais na implementação de políticas públicas, eis que há um núcleo considerado intangível
na própria Carta Constitucional que os impede de reduzir aquelas condições ou direitos ali
consignados, sob pena de se legitimar o Judiciário a determinar a concretização da prestação
constitucional injustamente negada pelo Estado. Ou, nos dizeres de Marcelo Figueiredo, “é a
Constituição e na Constituição que a resposta a essa questão (da extensão e limite do controle)
deve ser encontrada”227.
Fábio Comparato, analisando estas questões dentro das políticas
públicas, defendendo a idéia de haver um juízo de constitucionalidade dentro delas mesmas,
esclarecendo sobre a apreciação judicial, tanto da lei que a autoriza como de sua própria
execução, nos seguintes termos:
É irrecusável, em primeiro lugar, reconhecer que o juízo de
inconstitucionalidade atingiria todas as leis e atos normativos
executórios envolvidos no programa de ação governamental. Não se
pode, porém, deixar de admitir que esse efeito invalidante há de
produzir-se tão-só ex nunc, ou seja, com a preservação de todos os
atos ou contratos concluídos antes do trânsito em julgado da decisão,
pois, de outra sorte, poder-se-ia instituir o caos na Administração
Pública e nos negócios privados228.
Situações mais graves se verificam quando se exige a
implementação de medidas e execução de atos administrativos discricionários inerentes às
políticas públicas, vindo estas ações a atingir, em tese, direitos sociais legalmente previstos,
indagando se se trata de direitos subjetivos ou de mera expectativa aos cidadãos destinatários.
227
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas.
Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998, p. 47.
228
Idem, p. 47.
129
Oportuna a observação de Galdino quando atenta sobre a ênfase
privatística que fazem nossos juristas quanto aos direitos subjetivos, aduzindo ser produto do
individualismo que forma a Pandectística (de origem no Direito Romano), utilizados pelos
autores brasileiros e desenvolvidos sobre o direito privado, tendo como pressuposto (ou
protótipo) uma relação jurídica típica entre dois indivíduos singularmente considerados, via
de regra de conteúdo obrigacional229.
Ainda tendo sob análise o cenário político encontrado no final do
século XX, cercado por ideais do neoliberalismo, assaz a lição de Marcelo Figueiredo ao
ressaltar que referido modelo pretendia não só diminuir a presença do Estado como produtor e
empresário, mas também relativizar a importância dos chamados “direitos sociais”.
Entretanto, esse movimento, nesse aspecto, não teve força suficiente para obrigar o Estado a
cumprir os objetivos solidários da justiça social e a melhoria das condições de sua vida230,
principalmente no Brasil, em razão das condições sociais precárias encontradas em vários
locais de seu extenso território, tendo o neoliberalismo influenciado de forma mais evidente
no mercado e na seara econômica. E mais, arremata o autor enfatizando o papel do Judiciário
neste particular, entendendo que as reformas liberalizantes por que passou o país na década
passada, ainda remanesce um Estado Social e Democrático de Direito, sendo obrigação
constitucional a realização dos objetivos constantes de seu artigo 3º, a partir de suas políticas
púbicas, tendo o Poder Judiciário, nesse contexto, importante parcela de responsabilidade
social231.
229
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos.
Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 219.
230
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, pp. 36-37.
231
Idem, p. 37.
130
No sentido de ser uma norma cogente, José Reinaldo salienta que
o direito subjetivo nada mais é do que o reflexo de deveres impostos a outrem por meio de
sanções, por um sistema de responsabilidade. A essência do direito subjetivo, que é mais do
que simples reflexo de um dever jurídico, reside em que uma norma confere a um indivíduo o
poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento de um dever jurídico,
entendendo que o Judiciário pode ser um poderoso instrumento de formação de políticas
públicas quando provocado adequadamente, eis que as garantias dos direitos sociais podem
ser efetivadas, hoje, por alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito
público subjetivo, o cidadão está habilitado a exigi-lo do Estado, seja pela prestação direta,
seja pela indenização232.
Convém trazer à baila o esboço teórico esquematizado pelo
mesmo autor, aventando que: 1) as regras do jogo democrático são apenas o mínimo, sem as
quais não pode haver democracia, mas que por si sós não asseguram a existência da
democracia. Em outras palavras, são condições necessárias, mas não suficientes, da via
democrática (Bobbio); 2) a democracia está num processo de expansão, que almeja mais
liberdade em mais lugares; 3) os novos direitos sociais são representativos dessa realidade e
por isso são constitucionais, sendo elementos essenciais da democracia; 4) a negativa dos
direitos sociais, ou seja, a negativa das condições de possibilidade de vida digna garantida sob
o nome de direitos sociais é negativa da democracia; 5) os direitos sociais, em regra,
dependem, para sua eficácia, de atuação do Executivo e do Legislativo por terem o caráter de
232
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo:
Malheiros Editora, 1994, pp.114/115; 136/137.
131
generalidade e publicidade. Por fim, assegura a legitimidade jurisdicional para a efetivação
desses direitos, eis que garantidos pela própria Constituição233.
Oportuno ressaltar as diferentes repercussões e efeitos práticos
em relação ao Estado, quando se analisam os direitos sociais garantidos pela norma
(geralmente pela Constituição), sendo imprescindível que se identifique se se tratam de
direitos positivos ou negativos. Como traz Flávio Galdino, existem direitos subjetivos que
independem de qualquer prestação pública, daí serem chamados negativos (integrando na
célebre classificação de Georg Gellinek, um status negativo do indivíduo sobre o Estado)234.
Assim, necessária a identificação do Estado para que se possa
analisar a efetivação de suas medidas de governo, suas políticas públicas, dependendo do
caráter liberal ou social que se apresenta o ente estatal. Na lição de Flávio Galdino, enquanto
o Estado do tipo ‘liberal’ é referido como aquele cuja instituição reconhece apenas direitos
negativos (liberdades), o Estado social e sua constituição reconhecem os direitos positivos,
consubstanciados na exigibilidade jurídica (justicialidade ou sindicabilidade) de prestações
estatais positivas235.
Tomando esses mesmos direitos como parâmetro para a
intervenção judicial, Luís Roberto Barroso entende que modernamente já não cabe indagar o
caráter jurídico e, pois, a exigibilidade e acionabilidade dos direitos fundamentais, na sua
tríplice tipologia. A afirmação dos direitos fundamentais como um todo, na sua
233
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 42.
234
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos.
Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 244.
235
Idem. p. 226.
132
exequibilidade plena, vem sendo positivada nas Cartas Políticas mais recentes, destinadas a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais 236.
Ora, em uma análise um tanto quanto lógica, chega-se à
conclusão afirmativa quanto a esta possibilidade de intervenção judicial. Se a lei deve retirar
seu fundamento de validade da própria Constituição, e nesta há disposições de cunho
materialmente invioláveis – referentes a direitos fundamentais – evidente que a norma
infraconstitucional não poderá violar estes preceitos de nível normativo superior, sob pena de
se macular de vício, autorizando (e exigindo, numa visão publicista), pois, a intervenção
judicial para invalidar ou suspender a sua eficácia.
Nessa mesma esteira, Marcelo Figueiredo afirma que a
Constituição é um importante elemento de referência e validade para o desenvolvimento de
inúmeras políticas públicas nos diversos segmentos e atividades por ela regulados, traçando
em maior ou menor grau os próprios elementos da política pública que devem ser
desenvolvidos e concretizados237.
Em busca desses objetivos, parece haver uma aproximação à idéia
de justiça social e distributiva, remontando às idéias de John Rawls, que se preocupa com a
produção das decisões estatais a partir de julgamentos políticos e de forma razoável,
garantindo, desse modo, direitos e liberdades que devem ser protegidos em um Estado,
principalmente em um democrático de Direito, acepção construída a partir de um senso de
justiça equitativa e com legitimidade democrática patente (participação política coletiva).
236
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidade da Constituição brasileira. 4a ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2000, p. 106.
133
Rawls tem o objetivo de construir critérios a partir dos quais seja possível discutir o justo; e a
construção desses critérios pode ser percebida como exercício de uma filosofia crítica,
partindo de situações consideradas imparciais e originais, com procedimentos democráticos.
Adota, assim, um modelo liberal, politicamente, baseado em uma
democracia constitucional, preocupando-se com o contexto de pluralidades das sociedades
democráticas, a fim de se construir uma realidade justa, apesar das divergências de natureza
moral, filosófica e religiosa, buscando um meio de coexistência e tolerância de sujeitos com
diversos interesses, mas que, organizados politicamente, possam chegar a um consenso dito
sobreposto, conciliando problemas de liberdade e igualdade nas sociedades modernas
industriais e capitalistas238.
O filósofo, apesar de se mostrar um liberal político, não o é
socialmente falando, transmitindo estar incumbindo o Estado de funções não meramente
administrativas, mas também econômicas. Não parece, todavia, subordinar a liberdade
política à econômica, mas a considera como expressão da liberdade, cujo controle é feito
pelos princípios da justiça. O Estado teria, assim, relevante papel na busca da igualdade e
justiça sociais, tendo a função de fiscalizar as instituições e o próprio mercado, para que eles
proporcionem condições justas aos cidadãos e acesso aos bens primários fundamentais239.
Parecendo comungar desse entendimento de justiça social e
distributiva, José Reinaldo aborda uma teoria da justiça contemporânea, parafraseando Chaim
237
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário – uma visão geral.
Ver. Interesse Público. Ano IX, nº 44. Fórum, 2007, p. 38.
238
RAWLS, John. 2000. O liberalismo político. Translated by D. A. Azevedo. Edited by F. Paixão. 2a ed.
Série Temas. Filosofia e Política. São Paulo: Editora Ática, p. 232.
239
Idem.
134
Perelman, ao afirmar que a Justiça é um princípio da ação segundo o qual os seres de uma
mesma categoria devem ser tratados da mesma maneira. Essa igualdade, assim, teria dois
momentos: 1) igualdade no que diz respeito à divisão das categorias (a fim de tratar os iguais
de maneira igual e desigualmente os desiguais); 2) igualdade no que diz respeito à submissão
às regras. No primeiro caso significa que as distinções devem ser feitas com critérios
razoáveis e inteligíveis. No segundo caso significa que uma vez estabelecidas as diferenças e
as semelhanças, as disputas serão resolvidas segundo as regras, e estas serão aplicadas
igualmente para os casos iguais240.
Dessa forma, deve haver um consenso ideológico em busca desse
desejo igualitário, evitando-se a repressão de uma classe sobre outra e, eventualmente, a
revolta social ou crise institucional. Nesta linha aparentemente marxista, Nicos Poulantzas
enfatiza que a repressão de classe não poderia, sozinha, garantir a “coesão” da sociedade de
classe, esta pressupõe medidas para assegurar um desenrolar relativamente fluido no processo
de (re)produção econômica, exigindo participação do Estado para a criação desde “condições
materiais gerais da produção” à garantia da reprodução da força de trabalho241.
Para contextualizar outra situação concreta, em junho de 2007
uma nova questão foi dirigida ao Supremo Tribunal Federal, sendo distribuído o processo (SS
3205) à então Presidente Ministra Ellen Gracie, no qual se pleiteava a suspensão da execução
de medida liminar concedida em juízo a quo, determinando o fornecimento do medicamento
Diazóxido (importado) para manutenção de tratamento médico de criança portadora de
240
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo:
Malheiros Editora, 1994, p. 139.
241
POULANTZAS, Nicos (org.). Estado em crise. Trad. Maria Laura Viveiros de Castro. Graal, Rio de
Janeiro, 1977, p. 93.
135
hiperinsulinismo congênito. Embora o governo do Estado tenha se mostrado expressamente
contra a medida, manifestando pelo eventual comprometimento do orçamento e sacrifício nos
tratamentos dos demais pacientes internados, a nobre Ministra entendeu se tratar de medida
imprescindível para a manutenção da vida de ser humano, determinando, assim, a importação
do medicamento até que a menor completasse dois anos de idade, quando teoricamente
poderia o remédio ser gradativamente suspenso ou substituído242.
Outros inúmeros pedidos vêm sendo ajuizados em busca de
efetivação de direitos sociais individuais que levam o juiz a decidir naquele caso concreto, no
qual foi o pleito negado pelo Poder Público. Exemplos típicos são os referentes à saúde,
situações em que o cidadão-paciente não detém condições financeiras para arcar com os
custos do tratamento médico nem disponibiliza o Estado referido serviço gratuitamente.
Caso semelhante ao narrado foi o ajuizamento de ação no Estado do
Rio de Janeiro, na qual visava a autora concessão de medicamento para tratamento de saúde,
quando lhe foi negado o fornecimento pelos órgãos executivos competentes. Neste caso
específico, por decisão judicial lhe foi assegurado o direito de ter acesso ao medicamento
pretendido, com espeque na supremacia do direito à vida e à saúde em detrimento a princípios
orçamentários, determinando ao Estado o seu fornecimento, entendendo que a decisão judicial
que determina ao Poder Público fornecer medicamentos gratuitamente aos necessitados em
razão de doença não ofende o principio do orçamento. Isso em razão da supremacia da vida
humana em detrimento de fato financeiro do Estado, que existe para servir o cidadão e não
para servir-se do mesmo. Toda e qualquer argumentação jurídica cede ante a função social do
direito, que impõe ao julgador atentar para o fim social da norma jurídica ao aplicá-la.
242
Julgado disponível na página eletrônica do STF na internet: www.stf.gov.br.
136
Portadores de doenças graves têm o direito, assim, de receber do Poder Público os
medicamentos que não podem adquirir243.
Decisões como a acima mencionada parecem estar em
consonância com a atual ordem constitucional, vindo o Poder Judiciário a preencher as
lacunas de ineficiência dos demais Poderes, principalmente o Executivo, por suas políticas
públicas incapazes de atender a universalidade, como pretendido pelo texto constitucional.
Entretanto, imperioso não perder de vista as eventuais
consequências que possam advir de decisões judiciais que visem a atender individualmente o
cidadão acometido por alguma moléstia, podendo, neste ato, desencadear um outro problema
que será suportado por uma quantidade muito maior de doentes, podendo comprometer o
tratamento destes últimos.
Com este pensamento, aliás, também tem o Judiciário se
pronunciado, negando a prestação estatal a quem se dirige à Justiça com esse fim individual,
justamente com um fundamento comunitário, preocupando-se com as consequências coletivas
que poderiam surgir daquela ordem judicial244.
243
TJRJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 2000.002.05540 - DES. LUIZ CARLOS GUIMARÃES Julgamento: 23/08/2000 - DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL.
244
“Mandado de segurança - Impetrante portador de distrofia muscular progressiva - Inexistência de
comprovação da indispensabilidade da internação domiciliar, mais custosa ao Município - Perigo de dano
inverso: risco à vida e à saúde de diversos pacientes internados no Hospital Municipal de Itaboraí, que se verão
privados de aparelhos, medicamentos e profissionais de saúde, que passariam a atender o Apelante, com
exclusividade, em sua residência Princípio da reserva do possível - (...). Princípios da razoabilidade,
proporcionalidade, isonomia e reserva do possível, que devem ser observados no caso concreto. Manutenção da
sentença. Improvimento do Recurso TJRJ - 2008.001.22943 - Apelação Cível - Des. Caetano Fonseca Costa –
julgamento: 13/08/2008 - Sétima Câmara Cível.
137
Desta feita, percebe-se que, apesar da previsão e possibilidade de
intervenção judicial em busca da concretude desses direitos, muito se discute acerca das
consequências fáticas de sua imediata aplicação por meio judicial, tendo em vista o interesse
público maior.
Outrossim, se indaga sobre a possibilidade de imediata
aplicabilidade das normas constitucionais que prevêem genericamente os direitos
fundamentais, exigindo-se, em certas situações, regulamentação legislativa para exigir o
imediato e total cumprimento da prestação estatal para a efetivação do direito preceituado na
norma.
O artigo 5º, parágrafo 1º, de atual Constituição da República do
Brasil deixa claro que todos os direitos ali previstos são de aplicabilidade imediata, não
exigindo norma infraconstitucional que deva disciplinar ou permitir, a partir daí, o seu uso.
Apesar da previsão constitucional, nem todas as normas constitucionais são dotadas de
densidade normativa suficiente para permitir sua imediata aplicação a casos concretos.
Para tais omissões que dificultam ou mesmo impedem o exercício
dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à
soberania e à cidadania, a própria Constituição prevê um remédio para sanar esta omissão e
viabilizar a efetivação desses direitos. Esse remédio, que já foi referido anteriormente, é o
mandado de injunção, previsto no artigo 5º, LXXI, da Constituição de 1988, sobre o qual se
discorrerá com maior minudência em momento posterior.
138
Nossa Constituição da República assegura vários direitos
fundamentais no decorrer de seu artigo 5º, garantindo, dentre outros, o direito à vida, à saúde,
à educação e à dignidade humana. Referidos dispositivos são aceitos, majoritariamente, como
sendo normas auto-aplicáveis, prescindindo, pois, de outra que a regulamente para surtirem
efeito, juridicamente. Estes institutos também podem auxiliar no controle de efetividade e
eficiência das políticas públicas.
O conceito de mínimo existencial – termo emprestado da
dogmática constitucional alemã – se baseia justamente nessas normas de direitos
fundamentais contidas na Carta Maior, sendo, pois condições mínimas exigidas ao homem em
sociedade. Daí resulta também o conceito de reserva do possível, cuja abordagem se fará
adiante.
Em que pese a clareza dos significados dos novos termos,
tormentosa se mostra a tarefa de identificá-los e quantificá-los em um caso concreto de
realização de políticas públicas, sendo necessários vários outros dados para uma conclusão
lógica e coerente.
Grandes dificuldades não há, primeiramente, quanto ao
significado do vocábulo mínimo existencial, em razão da evidência das necessidades
humanas, havendo poucos pontos controversos no que tange à sua definição. Remanescem-se,
todavia, obstáculos referentes ao seu alcance e limites, sendo considerado como um núcleo
139
essencial dos direitos fundamentais – expostos na própria Constituição da República –, com a
característica de ser “blindado” da intervenção restritiva estatal245 (“clásulas pétreas”).
Neste aspecto, de bom alvitre enfatizar a ocorrência dos
chamados direitos fundamentais positivos, ou seja, aqueles que requerem prestação ativa do
Estado para sua efetivação, referindo-se principalmente aos direitos sociais.
b) Reserva do possível
Também com origem no Direito germânico, o instituto da reserva
do possível foi incorporado nos fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro, trazendo
consigo questões melindrosas que o permeiam, servindo de espeque para justificar a ausência
ou ineficiência da prestação estatal com referência a determinado serviço público, em razão
principalmente de incapacidade orçamentária para esses fins.
Situam-se, pois, em dois pólos opostos de um mesmo eixo os
institutos da reserva do possível e do mínimo existencial, exigindo-se estudo pormenorizado e
técnico para justificar o afastamento de um deles em detrimento do outro, mormente quando
se pretende demonstrar a impossibilidade de o Estado arcar com suas funções institucionais
(reserva do possível).
Isso porque há outros fatores indispensáveis para se apurar o que
poderá ser possível ou não ao Estado em cada caso, sendo, pois, conceito aberto e variável em
cada situação. Informações de receitas arrecadadas, decisões de alocação de recursos, planos
245
SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner In: www.revistadoutrina.trf4.gov.br/
140
de governo prioritários, bem como a finalidade a ser atingida por determinada política
pública, por exemplo, são questões imprescindíveis para se averiguar o conteúdo da reserva
do possível.
Neste caso, apura-se a possibilidade de o Estado arcar com os
ônus das prestações a ele exigidas, seja administrativa ou judicialmente, levando-se em conta
aspectos materiais e orçamentários principalmente, sob pena de inviabilizar a própria função
administrativa do Estado, comprometendo outras áreas sociais às quais já restariam reservadas
dotações específicas.
Assim, passa-se a admitir a exigibilidade da prestação positiva
estatal somente quando houver a possibilidade material de se cumprir as previsões normativas
afetas aos direitos nelas enunciados. Na visão de Flávio Galdino, a impossibilidade material
faz com que a dicção normativa seja pouco mais que um “nada”, sob o prisma prático, sem
prejuízo de seu caráter programático, fruto de sua inegável dimensão prospectiva, e da
otimização de sua função normativa, impedindo o legislador de adotar medidas contrárias a
determinado programa constitucional, ou reconhecendo sua nulidade acaso adotadas246.
Não podem, pois, estas questões financeiras e orçamentárias
servirem de óbice à não efetivação de direitos subjetivos positivos por parte do Estado,
exigindo-se esses direitos como parcelas de prestações (sociais) positivas consideradas
efetivamente indispensáveis para a vida com a mínima dignidade e, por assim dizer, até pré-
artigos. Acessado em 20.08.08.
246
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Legitimação dos direitos humanos. Ana Paula de Barcelos.
Org. Ricardo Lobo Torres. 2ª ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 244.
141
condições dos direitos de liberdade do cidadão, não parecendo ser razoavelmente oponível
pelo Estado, em razão de sua essencialidade.
Justificando a intervenção judicial com espeque na própria
efetividade das normas constitucionais, sem desconsiderar os gastos necessários para a
implementação das medidas escolhidas pela Administração, Ana Paula de Barcellos ressalta
que as políticas públicas envolvem gastos e, como não há recursos ilimitados, é preciso
priorizar e escolher em que o dinheiro público disponível será investido. Essas escolhas,
segundo ela, recebem a influência direta das opções constitucionais acerca dos fins que devem
ser perseguidos em um tema integralmente reservado à deliberação política, recebendo
importante incidência de normas jurídicas constitucionais247.
Num esboço mais esquemático, a mesma autora conclui i) haver
na Constituição exigência da promoção de direitos fundamentais; ii) sendo as políticas
públicas o meio para esses fins; iii) envolvendo gastos públicos; iv) que, por sua vez, são
limitados; v) fazendo a própria Constituição vinculação das escolhas em matéria de políticas
públicas ao dispêndio de recursos públicos, sem contudo, invadir o espaço da política em uma
versão de substancialismo radical e elitista, o que seria infringir preceitos fundamentais em
um Estado democrático de Direito248.
Exige-se, assim, maior controle, inclusive, dos gastos públicos,
com rígida fiscalização quanto a estas despesas, evitando-se desperdício, ineficiência e
247
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionlismo, direitos fundamentais e controle das políticas
públicas. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. V. 5, n. 5 (Jan/Dez, 2005).
Curitiba, UniBrasil, 2005, p. 133.
248
Idem. p. 134/135.
142
eventual precariedade de serviços indispensáveis à promoção de direitos fundamentais
básicos.
Dessa forma, apesar de perfeitamente sindicável juridicamente a
situação almejada pelo indivíduo, perseguindo eventual direito fundamental social, têm-se as
reservas materiais como limite à sua efetivação – como as de natureza econômica e financeira
– conforme a condição orçamentária em que o Estado se apresente, desde, é claro,
evidentemente demonstrada, e desde que não atinja direitos fundamentais do cidadão, de
cunho indispensável à sua existência com dignidade mínima.
Uma solução secundária e subsidiária – não sendo possível
materialmente arcar com os custos de determinada política pública naquele momento, em
razão de circunstâncias extraordinárias – seria a determinação judicial para alocação de
recursos para aquela específica política pública no próximo orçamento, sem prejuízo de
investigar as razões e responsabilidades sobre a inexistência de dotação orçamentária para a
execução imediata.
c) Princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa
Tendo todos estes dados acessíveis, pode-se avançar ao próximo
passo, que seria justamente aplicar o princípio da proporcionalidade, sendo oportuno ressaltar
o status de normas constitucionais que as detêm, como já enfatizou o Supremo Tribunal
Federal, considerando serem critérios autorizadores para a análise jurisdicional de decisões
políticas.
143
Entendeu este Tribunal situado no ápice da hierarquia do Poder
Judiciário brasileiro que os princípios da proporcionalidade e da moralidade foram
desrespeitados em ato administrativo que instituíra cargos de assessoramento parlamentar.
Sustentava a parte que o Poder Judiciário não poderia examinar o mérito desse ato que criara
cargos em comissão, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes. Entendeu-se,
todavia, que a decisão agravada não merecia reforma. Asseverou-se que, embora não caiba ao
Poder Judiciário apreciar o mérito dos atos administrativos, a análise de sua
discricionariedade seria possível para a verificação de sua regularidade em relação às causas,
aos motivos e à finalidade que ensejam. Salientando a jurisprudência da Corte no sentido da
exigibilidade de realização de concurso público, constituindo-se exceção a criação de cargos
em comissão e confiança, reputou-se desatendido o princípio da proporcionalidade, haja vista
que, dos 67 funcionários da Câmara dos Vereadores, 42 exerceriam cargos de livre nomeação
e apenas 25, cargos de provimento efetivo. Ressaltou-se, ainda, que a proporcionalidade e a
razoabilidade podem ser identificadas como critérios que, essencialmente, devem ser
considerados pela Administração Pública no exercício de suas funções típicas. Por fim,
aduziu-se que, concebida a proporcionalidade como correlação entre meios e fins, dever-se-ia
observar relação de compatibilidade entre os cargos criados para atender às demandas do
citado Município e os cargos efetivos já existentes, o que não ocorrera no caso”249.
Esclarecido o posicionamento jurisprudencial, resta, então, apurar
o que vem a ser razoável ou proporcional, mormente quando se analisa uma situação de
política pública. Entende-se, pois, ser razoável aquilo que se coaduna com a razão, com a
lógica e com o bom senso, justificando-se coerentemente as decisões com base nos resultados
249
Informativo do STF - RE 365368 AgR/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.5.2007.
144
desejados. Juridicamente, o principio da razoabilidade “decorre da tentativa de impor
limitação à discricionariedade do administrador público. Este, ao atuar no exercício da
discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o
senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga
da competência exercida” 250.
O alcance e o significado do princípio da razoabilidade tiveram
contribuição jurisprudencial pelo direito anglo-saxão, especificamente no caso britânico
Wednesbury Corporation, de 1984, a partir do qual se formulou o teste de razoabilidade a ser
aferido judicialmente251. Assim,
O Tribunal pode controlar a ação de uma autoridade local para
examinar se esta tomou em consideração os elementos que deveriam ter
em conta ou, ao contrário, se recusou ou omitiu algum que deveria ter
sido considerado. Desde o momento em que a resposta a esta questão é
favorável à autoridade local de, sem embargo, ser possível dizer que,
ainda que tenha permanecido dentro dos limites de sua competência, a
autoridade local chegou a uma conclusão irrazoável que nenhuma
autoridade razoável teria adotado. E penso que um Tribunal poder
intervir num caso tal252.
No concernente à proporcionalidade, crê-se se tratar de critério
para aplicação de medida justa e suficiente, com o fito de se atingir determinada finalidade,
chegando alguns autores – remontando o desdobramento trazido por Robert Alexy – a
descrever etapas (ou subprincípios) para a aplicação do princípio de maneira sistematizada.
250
MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo, Melheiros,
1994, p. 141.
251
MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética,
São Paulo, 2004, p. 86.
252
Apud MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed.
Dialética, São Paulo, 2004, p. 86. Decisão referente a um conflito entre Associated Pictures House Ltda e
Wednesbury Corporation. Uma autoridade local autorizou os proprietários de uma sala de cinema a abrir aos
domingos à tarde. No entanto, com base em uma antiga lei que permitia condicionar tais autorizações, proibiu a
assistência a essas sessões dominicais dos menores de quinze anos, fossem ou não acompanhados.
145
Em passos seguidos, se afere a adequação (idoneidade) da medida; em seguida sua
necessidade (exigibilidade); e, por fim, a análise de sua proporcionalidade, em sentido estrito
(razoabilidade)253.
Na adequação, cumpre notar se a medida eleita se mostra a mais
eficaz e eficiente, a fim de se atingir a finalidade por ela pretendida, não sendo comportável
substituir o ato por outro mais viável e exitoso. O subprincípio da necessidade traz a idéia de
se averiguar se o meio adotado transmite ser a forma menos onerosa para a consecução do
objetivo pretendido, devendo revelar-se a medida menos gravosa possível. No que concerne à
última etapa, a aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, forçoso
realizar rigorosa ponderação de valores e equilíbrio entre o significado da intervenção e os
objetivos perseguidos, transmitindo tratar-se, ao fundo, de razoabilidade da medida. Quanto
mais intensa revelar-se a intervenção num dado direito fundamental, maiores deverão se
mostrar os fundamentos justificadores dessa intervenção, segundo o postulado da
proporcionalidade em sentido estrito.
Para Juarez Freitas, o princípio da proporcionalidade se mostra
sob duas facetas: a vedação de excesso e vedação de inoperância ou de ação insuficiente.
Significa que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na
consecução dos seus objetivos, mostrando-se especialmente relevante ao limitar e forçar a
revisão do “poder de polícia” e da regulação estatal, de sorte a estabelecer firmes parâmetros
de avaliação e controle254.
253
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. 3a ed. Brasília Jurídica. Brasília-DF, 2003, p. 182/184.
146
Nessa
mesma
linha,
Germana
Moraes
assevera
que
proporcionalidade também pode ser entendida por “proibição de excesso”, e significa que a
intervenção pública tem de ser suscetível de alcançar a finalidade perseguida, necessária ou
imprescindível, quando não houver outra medida menos restritiva da esfera de liberdade dos
cidadãos, quer dizer, pelo meio mais suave e moderado entre todos os meios possíveis –
cuida-se do intervencionismo mínimo255.
No que tange ao princípio da dignidade da pessoa, mister ressaltar
sua incomparável relevância. Apesar de não existir, como já dito, hierarquia entre os
princípios constitucionais, forçoso, contudo, o reconhecimento do princípio da dignidade da
pessoa humana como, senão o mais forte, ao menos o referencial para o surgimento dos
demais. Seria, pois, o “valor nuclear da ordem constitucional que se instaurou”256.
Nesta mesma linha, Daniel Sarmento aduz que o princípio da
dignidade da pessoa representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas
também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e
do mercado257.
A idéia de dignidade humana pressupõe um direito a condições
mínimas de existência, exigindo-se prestações positivas do Estado quando escassos os
254
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3ª ed. Malheiros,
São Paulo, 2004, p. 38-40.
255
MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética,
São Paulo, 2004, p. 85.
256
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Lumen Juris. 1 ed. Rio de
Janeiro, 2002, p. 58.
257
Idem, p. 59/60.
147
recursos, no sentido de a Administração maximizar a sua eficiência, assegurando essas
condições258.
Ponto interessante ressalvado por Ana Paula de Barcellos diz
respeito à fundamentalidade social deste princípio e seus critérios de eficácia para se escolher,
no caso concreto, a exacerbação de um deles em detrimento do outro, quando em conflito,
atendendo, ainda, aos métodos e etapas expostos no tópico anterior. Segundo ela, quanto mais
fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pela norma jurídica – e
consequentemente os efeitos que ela pretende sejam produzidos – mais consistente deverá ser
a modalidade de eficácia jurídica associada: nessa linha, em primeiro lugar, e como regra
geral, deverá vir a eficácia positiva ou simétrica; isso não sendo possível, seguem-se as
demais em sua ordem de consistência259.
Porém, a mesma autora reconhece a subsidiariedade deste último
método apresentado, sendo útil apenas quando o próprio Direito não regula as circunstâncias,
ressaltando que apenas em situações extremas, diante de antinomias, reais ou aparentes, ou no
caso do confronto entre princípios. Quando a ponderação se torna imprescindível, é que será
necessário recorrer à fundamentalidade social. Em regra, o próprio ordenamento já revela o
grau de importância das situações disciplinadas, de modo que, antes de se recorrer à
fundamentalidade social, há o recurso da fundamentalidade jurídica260.
258
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 130.
259
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da
dignidade da pessoa humana. Renovar. Rio de Janeiro, 2002, p. 80.
260
Idem, p. 82.
148
Tendo em vista essa possibilidade de controle com base,
principalmente, em princípios, Germana de Moraes reserva capítulo próprio de seu estudo
para o tema, aduzindo se estar vivenciando uma ruptura e destruição do modelo jurídico
atrelado a regras (em sentido estrito, legalismo), construindo-se um Direito “por princípios”,
consectário do reconhecimento da insuficiência da lei, já que nem sempre capaz de realizar a
justiça261.
Entretanto, mesmo se tratando de princípios, preocupação e
dificuldades há para se averiguar qual deles deve ser adotado em um caso pontual, havendo
situações em que poderá haver, inclusive, aparente conflito entre estas normas de flexível
otimização, cabendo ao julgador a escolha do mais adequado.
d) Lei de Responsabilidade Fiscal
Sendo a eficiência um dos princípios traçados pela Carta
Constitucional para a atuação da máquina administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), Lei Complementar nº 101/2000, traçou limites claros e critérios objetivos que retratam
a busca deste intento.
Consubstanciada na experiência da Nova Zelândia, onde houve
edição de lei que supervalorizava o princípio da transparência sobre as próprias regras, a LRF
261
MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2ª ed. Dialética,
São Paulo, 2004, p. 185.
149
veio também adotar instrumentos de controle de gastos públicos, como relatórios contábeis
periódicos e respectivas responsabilidades dos gestores262.
No entendimento de Márcio Cavalcanti, essa norma tem o
objetivo de corrigir o desperdício e o comportamento imoral dos governantes, habituados em
receber transferências fiscais que pagavam a conta de suas irresponsabilidades. Agora, estão
obrigados a arrecadar antes de autorizar o gasto e somente conceder benefícios fiscais se
possuírem recursos suficientes para fazer frente a estas despesas263.
Houve, assim, grande modificação no regime econômico, criando
um novo modelo de Estado, ao fazer eficiente o sistema constitucional de transferências de
recursos fiscais e instituir a figura do gestor responsável, estabelecendo limites para o
endividamento público, representando claro sinal ao mercado e obedecendo a parâmetros
prudenciais que transmitam segurança na gestão orçamentária pública e garantam o
planejamento equilibrado264.
Com esta restrição orçamentária, espera-se prevenir a geração de
déficits imoderados e reiterados, traduzindo em política tributária previsível e estável,
mantendo a dívida pública em nível prudente e compatível com receita e patrimônio
públicos265.
262
NUNES, Selene Peres Peres. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade
fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São
Paulo, 2002, p. 339.
263
CAVALCANTI, Márcio. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade
fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São
Paulo, 2002, p. 303.
264
Idem, p. 303.
265
NUNES, Selene Peres Peres. Administração Pública. Artigo: Investimentos e a lei de responsabilidade
fiscal, o estado responsável e o bem-estar social. Org. Carlos Maurício Figueiredo e Marcos Nóbrega. RT, São
Paulo, 2002, p. 340.
150
4.3.
INSTRUMENTOS
JUDICIAIS
MANEJÁVEIS
EM
BUSCA
DA
EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Superada a questão da possibilidade da intervenção jurisdicional
nas políticas públicas, conveniente se debruçar sobre os instrumentos judiciais que
possibilitam e são utilizados para provocar essa atuação, embora não se justifique adentrar
com profundidade em todos eles.
A Constituição da República do Brasil de 1988 elenca no título
dos direitos e garantias fundamentais vários instrumentos passíveis de serem utilizados para
essa provocação jurisdicional, com o fito de garantir o exercício dessas prerrogativas e
efetivar tais normas enunciadoras de direitos.
a) Habeas Corpus
Cuida-se de instrumento jurídico-processual de fundamental
relevo em um Estado Democrático de Direito. Circunscrito no inciso LXVIII, do artigo 5º da
Constituição de 1988, talvez possa ser considerado o mais importante dos instrumentos
constitucionais, eis que resguarda o direito de liberdade de locomoção contra ordem arbitrária.
Interessante aventar acerca da ampla legitimidade desta ação
constitucional, podendo qualquer um (inclusive pessoa jurídica) impetrar o mandamus em
favor de outrem, além de poder o juiz, de ofício, dele se instrumentalizar.
151
Quanto à influência do habeas corpus nas políticas públicas,
poderia ser o mandamus manejado quando há, por exemplo, uma política criminal, como as
de tolerância zero, que visam a recolher das ruas qualquer cidadão que seja aparentemente
vadio ou em situação de mendicância. Referido instrumento tem, assim, caráter corretivo de
uma política pública não só ilegal, mas inconstitucional, que leva ao cárcere sumariamente o
indivíduo sem embasamento normativo nem meios de defesa àquele garantidos.
Nestes casos, estaria o Judiciário influenciando políticas públicas
de combate à situação irregular, principalmente quando não se configurar ilícito penal,
situação que caberá aos órgãos jurisdicionais a imediata correção do ato público abusivo ou
ineficiente, restaurando-se a ordem e a liberdade.
b) Mandado(s) de Segurança
Tratando-se de um dos remédios constitucionais mais utilizados,
o mandado de segurança individual, primeiramente, (inciso LXIX), tem o condão de evitar
lesão a direito explícito e legalmente garantido (líquido e certo) do indivíduo, por ato de
autoridade pública ou a ela equiparada.
Tem-se em mente, exempli gratia, uma política de arrecadação de
tributos para realização de obras públicas com alíquota em patamar de tão larga escala que
quase se equipararia a um confisco. Esse remédio constitucional se mostraria o meio mais
adequado - célere, barato e seguro - para fazer cessar a injusta lesão, podendo atalhar o
152
caminho processual para atingir a finalidade pretendida pelo cidadão vitimado pela
ilegalidade.
Trilhado pela Lei nº 1.533/51, o mandado de segurança se
apresenta como instrumento processual de jurisdição contenciosa, ação civil de rito sumário
especial, ajuizada para invalidar atos de autoridade e suprir omissões administrativas,
evitando lesões a direitos líquidos e certos 266.
Quanto ao mandado de segurança coletivo (inciso LXX), o
instituto é de edição inédita, em comparação às Constituições anteriores, e tem o intuito de
assegurar direitos plúrimos, mesmo os de natureza tipicamente social. Para José Reinaldo, os
novos direitos sociais diferem em natureza dos antigos direitos subjetivos, exigindo remédios
distintos, permitindo a discussão entre a justiça geral e a justiça distributiva, para a garantia de
cada um deles e exigindo o respectivo remédio constitucional267. Poderia ser utilizado, por
exemplo, por pessoas de um bairro que exigem vagas em instituições escolares para
matricularem seus filhos, tendo esta pretensão garantia constitucional (artigo 208, parágrafo
1º). Isso significa questionar a eficiência de políticas públicas perante o Judiciário.
Para Uadi Lammêgo, o constituinte não criou um instituto
independente e isolado, tendo apenas ampliado a legitimidade ativa dos impetrantes, não se
tratando de uma figura completamente autônoma, estanque do individual, porque o inciso
266
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5ª ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 343.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de Direito. In Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. José Eduardo Faria (org.). São Paulo:
Malheiros Editora, 1994, p. 127.
267
153
LXX do artigo 5º só pode ter entendimento em íntima conexão com o inciso LXIX do mesmo
dispositivo268.
c) Mandado de Injunção
De bom alvitre destacar aqui o mandado de injunção, em razão de
sua sumária importância, mormente em virtude de omissão legislativa que impeça o exercício
de direitos relativos à nacionalidade, soberania e cidadania, nos termos do artigo 5º, LXXI, da
Constituição da República de 1988. Trata-se também de remédio constitucional introduzido
pelo constituinte da Carta atual, visando a tornar viável o exercício de direitos e liberdades
previstos por normas constitucionais de eficácia limitada, aquelas que exigem, pois, lei
regulamentadora para sua eficácia máxima.
Parece haver certa incompatibilidade do artigo 5º, parágrafo 1º
(que garante aplicação imediata aos direitos ali previstos) com o inciso LXXI, todos da CF,
conforme comentário de Barroso:
Ou bem a norma enuncia um direito fundamental e, portanto, deve ser
interpretada como disposição dotada de alta carga axiológica no sistema
normativo constitucional, por se tratar aí de uma espécie de posição
jurídica de vantagem ou prestação mínima considerada essencial para a
garantia da dignidade da pessoa humana, ou então a norma tem conteúdo
estritamente programático, podendo-se afirmar, de fato, que a sua
aplicabilidade está condicionada a um juízo político a cargo de um órgão
estatal, não havendo prestação imediatamente exigível da parte de quem
quer que seja antes de adequada regulamentação269.
268
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5ª ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p. 364.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidade da Constituição brasileira. 4a ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2000, p. 79.
269
154
Assim, mais uma dúvida emerge: o dispositivo que se refere ao
mandado de injunção garante que os direitos impedidos em razão da ausência de norma
regulamentadora sejam, então, viabilizados pelo mandamus, ou esta garantia também
necessita de norma infraconstitucional para regulamentar o dispositivo e dar aplicabilidade a
ele?
Esta questão foi levantada e levada ao Supremo Tribunal Federal
pelo Mandado de Injunção (Questão de Ordem) nº 107, julgado em 23.11.89, tendo como
Relator o ilustre Ministro Moreira Alves, mostrando-se com o seguinte entendimento:
Assim fixada a natureza desse mandado, e ele, no âmbito da competência
desta corte - que esta devidamente definida pelo artigo 102, i, 'q' -, autoexecutável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica
que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe e
analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber.
Questão de ordem que se resolve no sentido da auto-aplicabilidade do
mandado de injunção, nos termos do voto do relator.
No mesmo voto, o Relator fundamentou seu posicionamento
citando comentário de eminente jurista português:
“Se admitirmos essa dependência, não só deitaremos por terra todo o
avanço da moderna doutrina construída em torno da força vinculante das
Leis Fundamentais, como retornaremos à ultrapassada concepção segundo
a qual a Constituição deve mover-se no âmbito das leis, ao invés de as leis
se moverem no âmbito da Constituição” (Gomes Canotilho, op. Cit. Pág.
266).
Após a fundamentação exposta, e com este entendimento, o voto
do Relator foi acompanhado, por unanimidade pelos demais Ministros CELSO DE MELO,
SEPÚLVEDA PERTENCE, PAULO BROSSARD, CÉLIO BORJA, CARLOS MADEIRA,
155
OCTÁVIO GALLOTI, SIDNEY SANCHES, ALDIR PASSARINHO e NÉRY DA
SILVEIRA, dando fim à celeuma.
Com esse posicionamento, o Ministro MOREIRA ALVES
manifestou não só pela auto-aplicabilidade do mandado de injunção, mas também pela
posição não-concretista, em respeito ao princípio da separação dos Poderes, eis que visa a
obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver
caracterizada a mora em regulamentar por parte do poder, órgão, entidade ou autoridade de
que ela dependa, com a finalidade de que se lhe de ciência dessa declaração, para que adote as
providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, determinando apenas a suspensão dos processos judiciais
ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não
houvesse a omissão inconstitucional (Mandado de Injunção n° 107).
Entretanto, atualmente tudo indica haver tendência já pacificada
no sentido de se acolher a teoria concretista, parecendo permitir ao próprio Supremo
preencher a lacuna da lei, como decidido no Mandado de Injunção nº 758/DF, entendendo que
na linha da nova orientação jurisprudencial fixada no julgamento do MI 721/DF (DJU de
30.11.2007), este Tribunal julgou procedente pedido formulado em mandado de injunção
para, de forma mandamental, assentar o direito do impetrante à contagem diferenciada do
tempo de serviço em decorrência de atividade em trabalho insalubre, após a égide do regime
estatutário, para fins de aposentadoria especial de que cogita o § 4º do art. 40 da CF. Tratavase, na espécie, de writ impetrado por servidor público federal, lotado, na função de
tecnologista, na Fundação Oswaldo Cruz, que pleiteava fosse suprida a lacuna normativa
constante do aludido § 4º do art. 40, assentando-se o seu direito à aposentadoria especial, em
156
razão do trabalho, por 25 anos, em atividade considerada insalubre, ante o contato com
agentes nocivos, portadores de moléstias humanas e com materiais e objetos contaminados.
Determinou-se, por fim, a comunicação ao Congresso Nacional para que supra a omissão
legislativa270.
Recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal tem se firmado
no sentido de uma teoria concretista do Poder Judiciário, transmitindo maior ativismo judicial
em searas antes não exploradas (e não exploráveis). Permitiu-se, inclusive, regulamentar
judicialmente situação lacunosa, cuja falta de previsão legal impede a fruição de direito
garantido constitucionalmente. Trata-se de julgamento de mandado de segurança o referente
ao direito de greve dos servidores públicos Ressaltou a Corte, afastando-se da orientação
inicialmente perfilhada, declarando a existência da mora legislativa para a edição de norma
regulamentadora específica e aceitando a possibilidade de uma regulação provisória pelo
próprio Judiciário como uma "solução constitucionalmente obrigatória". Concluiu-se que, sob
pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal,
estadual e municipal, seria mister que, na decisão do writ, fossem fixados, também, os
parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e
ampliativa, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os
servidores com vínculo estatutário. Dessa forma, no plano procedimental, vislumbrou-se a
possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos
Tribunais do Trabalho em processos coletivos. No MI 712/PA, prevaleceu o voto do Min.
Eros Grau, relator, nessa mesma linha271.
270
MI 758/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1º.7.2008.
STF – Informativo n. 485, de 22 a 26 de outubro de 2007. Disponível pelo site http:// www. stf.
jus.br/arquivo/ informativo/documento/informativo485.htm. Acesso em 27.01.09. (sem grifo no original)
271
157
Entender que o Judiciário não pode efetivar um direito
fundamental social garantido pela Constituição por ausência de norma regulamentadora estando neste caso a se imiscuir nas tarefas do Legislativo, em ofensa ao princípio da
separação de poderes - seria o mesmo que entender que um direito constitucionalmente
garantido é destituído de qualquer garantia, ou de uma subversão da hierarquia das normas, na
qual o legislador ordinário teria o poder de impedir que um direito constitucional emanasse
seus efeitos, o que não é razoável de se admitir em um Estado Constitucional como o
Brasil272.
Como entendido por Carré de Malberg,
“La separación de los poderes, em cuanto a ellas, así como em cuanto a sus
titulares, sólo sería aceptable com la condición de no ser de ningún modo
uma separación. Tal como la entendió Montesquieu, la separación de
poleres es irrealizable, porque, al exigir que cada función material de la
potestad estatal sea concedida em su totalidad a un órgano o a un grupo de
autoridades especial, independiente, que actúe libre y hasta soberanamente
dentro de su propia esfera de competencia, y que constituya así
orgánicamente un poder igual a los otros dos, la teoría de Montesquieu
implica uma división de poderes que no sólo paralizaría la ptestad del
Estado, sino que además arruinaría su unidad”273.
Assim, o modelo de separação de Poderes como proposto por
Montesquieu deve ser visto com ressalvas e recebido com adaptações no Estado moderno,
permitindo-se uma interpenetração entre os Poderes constituídos, e não um isolamento de
cada um deles, a ponto de resultar em um travamento do próprio poder soberano e, por
consequência, sua ineficiência na governabilidade.
272
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. O papel ativo do poder judiciário enquanto efetivador dos
direitos sociais da constituição federal de 1988. Caderno da Escola de Direito e Relações Internacionais da
Unibrasil. V. 6, n. 6 (Jan/Dez, 2006). Curitiba, UniBrasil, 2006, p. 77.
158
d) Ação Popular
A atual Constituição da República também assegura a qualquer
cidadão propor ação popular visando a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade
de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural (inciso LXXIII do artigo 5º).
Esse remédio constitucional é de ampla abrangência democrática
pelo fato de possibilitar a qualquer cidadão a legitimidade de propô-la, entendendo cidadão
como pessoa natural no gozo dos direitos políticos.
Trata-se, pois, de instrumento colocado à disposição de qualquer
nacional, no pleno gozo de seus direitos políticos para defender interesses transindividuais,
em especial os difusos, oriundos de atos de autoridades públicas, principalmente, podendo,
neste aspecto, influir no resultado visado pela Administração, em busca, por exemplo, de
implementação de políticas públicas e sua ineficiência, questionando-as perante o Judiciário.
e) Ação Civil Pública
Por derradeiro - porém não menos importante - convém trazer ao
estudo considerações sobre a ação civil pública, tratando-se de instrumento insitamente ligado
273
MALBERG, R. Carré. Teoría general del estado. Trad. José Lión Depetre. Facultad de
Derecho/UNAM. Fundo de Cultura Económica. México, p. 835.
159
ao tema, apresentando-se como ponto de intersecção – e ao mesmo tempo de conflito - entre o
Poder Judiciário e o Executivo na implementação de políticas públicas.
Cuida-se, pois, de alternativa constitucionalmente prevista (e
regulada pela Lei nº 7.347/85) para defender bens e interesses que dizem respeito à
coletividade, conhecidos como interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Definindo o instituto, entende Diógenes Gasparini ser a ação adequada para reprimir ou
impedir danos a direitos, bens e interesses da coletividade, como o consumidor, o meio
ambiente e afetos a valores artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico274.
Note-se que a legitimidade para propor a presente ação é dirigida
somente a entidades cujos objetivos institucionais sejam coincidentes com o objeto próprio
deste remédio, tendo o Ministério Público atuação muito dependente desta ação,
principalmente quando se trata de intenção de influir nas políticas públicas em busca de
interesses da coletividade e setores menos favorecidos da sociedade, cujo agrupamento não se
mostra organizado legalmente.
Em busca da tutela desses direitos transindividuais, a ação civil
pública se mostra em condições de instrumentalizar o controle de políticas públicas de modo a
garantir a densidade material dos direitos fundamentais previstos na Constituição da
República, dando a eles a devida efetividade, ainda quando se tratar de questão administrativa
de cunho discricionário, permitindo-se essa intervenção e judicialização por provocação
principalmente do Ministério Público. Isso porque, na atualidade, o império da lei e o seu
controle, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador podem ser
274
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11ª ed. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 918.
160
aferidas pelo Judiciário. Quando não se puder fazer, me imediato, concretizar a medida que se
pretende, pode-se pleitear que a tutela específica seja incluída verba no próximo orçamento, a
fim de atender a propostas políticas certas e determinadas275.
Essa também é a opinião de João Batista de Almeida, que acredita
inexistir razões para não prestigiar a tese que admite o uso da ação civil pública quando o
pedido é a implementação de políticas públicas, pois, do contrário, o administrador ficaria
totalmente livre para descumprir normas constitucionais e dispositivos legais, inclusive
orçamentários, sem poder ser compelido na via judicial ao respectivo cumprimento276.
Sem descurar do objetivo e natureza desta ação, pertinente a
ressalva feita por José dos Santos Carvalho Filho, ao alertar que a ação civil pública não é o
instrumento idôneo para criação de normas de direito material, cabendo ao autor pedir
providências concretas à luz do direito material que previamente já ampara os interesses
difusos e coletivos, objeto do pleito277.
f) Controle de constitucionalidade
Não há como negar a existência de controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário quando se trata de aferição da compatibilidade da
conduta estatal, em sua função administrativa, com a Constituição da República, sendo papel
afeto à atividade judicante.
275
STJ - REsp 493811/SP. RECURSO ESPECIAL 2002/0169619. Ministra ELIANA CALMON. DJ
15.03.2004 p. 236 RDDP vol. 14 p. 120.
276
Apud FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como
instrumento de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 43.
277
Idem.
161
A adoção de um sistema principiológico na Constituição não
impede o controle com base em referidas normas abertas e de alto grau de abstração. Ao
contrário, permite um controle mais amplo dos atos estatais, caso transmita haver
incompatibilidade com algum dos princípios anunciados na Carta. Nos dizeres de Canotilho,
deve sempre haver a adequação teleológica, ou seja, a conformidade das leis e atos do Poder
Público com os fins expressos na Constituição: o legislador e o administrador continuam com
sua liberdade de elaborar as normas e definir as políticas públicas, mas não podem
menosprezar, contrariar ou substituir os fins expressos no texto constitucional278.
Ações específicas podem ser ajuizadas com a finalidade de
averiguar o alinhamento de atos normativos estatais com a Constituição Federal, como são os
casos da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e da ADC (Ação Declaratória de
Constitucionalidade), tratando-se, na realidade, de ações de mesmo caráter e objetivos, porém
com “sinais trocados”.
Assim, uma lei que esteja diretamente ligada a alguma política
pública, prevendo, por exemplo, criação de cargos na área de saúde, está sob a égide do
controle judicial, podendo ser declarada inválida até por defeitos formais, em que pese sua
premente utilidade e necessidade. Essa invalidação pode se dar não só em sede direta (com o
ajuizamento da ADI e da ADC), mas incidentalmente no processo, no qual o próprio julgador
assim declare, repercutindo seus efeitos para as partes envolvidas (inter partes).
278
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra,
Portugal. Almedina, 1998, p. 261-266
162
Atos concretos da Administração Pública também estão sujeitos
ao controle jurisdicional, embora mais raros os casos. Isso porque a Lei 9.882/99
regulamentou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevendo a invalidade de
atos administrativos concretos pelo Poder Judiciário, podendo atingir até aqueles realizados e
emanados por ente municipal.
Como bem ressalta Barbosa Júnior, qualquer espécie de ato
praticado nas funções jurídico-públicas do Estado (sejam elas políticas, administrativas,
legislativas ou jurisdicionais) que infrinja uma norma constitucional diretamente é um
comportamento inconstitucional e, por isso, deve ser exaurido do ordenamento jurídicoadministrativo do Estado. Assim, quando se verifica judicialmente que determinado ato
administrativo concreto não se coaduna com o princípio da eficiência, por exemplo, o caráter
principiológico
tendencial
da
vinculação
só
pode
redundar
em
hipótese
de
inconstitucionalidade material279.
O mesmo autor entende ser possível que um ato vinculado
estritamente nos termos da lei possa ser invalidado não por ilegalidade, mas por
inconstitucionalidade da própria lei, com base em sua ineficiência, provando-se que aquele
ato se encontra situado na zona de certeza negativa, ou seja, patentemente ineficiente. Assim,
os tribunais têm legitimidade para aplicar o controle de atos públicos (até os legislativos)
quando contrários a alguma norma constitucional, ainda que importe em uma reavaliação280.
279
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, pp. 549/551.
280
Idem, p. 315.
163
Na realidade, o princípio da eficiência é expressão juridicizada,
devendo o administrador escolher a melhor opção, seja no sentido político, técnico ou
financeiro, sendo seu ato passível de contestação judicial quando houver situado no juízo de
zona de certeza negativa, isto é, patente ineficiência de sua ação, levando-o à consequente
invalidação281.
4.4. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA?
O termo judicialização é utilizado para designar a abordagem da
dimensão política do papel dos juízes e dos tribunais constitucionais no sistema político
democrático. Nas palavras de Ariosto Teixeira, trata-se de fenômeno de comportamento
institucional registrado pela pesquisa em Ciência Política em diferentes sociedades
contemporâneas, cuja característica central é a expansão do papel do Judiciário no sistema de
poder282.
Tate e Vallinder tecem comentários sobre essa situação especial
do Poder Judiciário num sistema de separação de poderes de pesos e contrapesos, asseverando
que esse modelo assegura na esfera constitucional não apenas direitos políticos amplos, mas
também liberdades civis classicamente encontradas nas democracias consolidadas, e que
integram também a dinâmica da judicialização da política em diversas sociedades283.
281
Idem, p. 317.
TEIXEIRA, Ariosto. Decisão liminar: a judicialização da política no Brasil. Editora Plano. Brasília,
2001, p. 121.
283
TATE e VALLINDER, C. Neal e Torbjörn. The global expansion of judicial power. New York
University, 1995, p. 23.
282
164
A busca pela efetivação dos direitos sociais pressupõe a
implementação de políticas legislativas e de políticas públicas dirigidas ao bem comum, ao
bem-estar social. A partir de então, o Poder Judiciário passa a contribuir ativamente para a
concretização dos direitos sociais, restando alterada a posição inerte e função clássica dos
juízes, se conscientizando de seu papel social e mostrando-se, na visão de Bistra Apostolova,
co-responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais284.
Lenhardt e Offe, todavia, apontam críticas sobre o Estado alemão
nos anos 60 na tentativa de superar uma determinação formalística do objeto da política
social, entendendo que com o monopólio teórico das ciências econômicas e jurídicas, a
política social naquela República era vista como um sistema de reivindicações jurídicas
quanto a alocações financeiras distribuídas pelo Estado e de que tal “juridificação” e
“economização” da política social redundava da “miopia” da teoria e da prática político-social
face aos indivíduos ou pequenas comunidades285.
Em geral, nos países ocidentais exigiu-se, pois, uma “reforma do
Estado”, visando a uma democratização social, o desaparecimento de restrições e o acesso aos
tribunais e juízes, além de seu afastamento inerente àquela tradição paralisante, adotada a
partir do modelo de Montesquieu. Devem os juízes, para Dalmo Dallari, assumir sua
politicidade no âmbito de sua relevante função estatal, sob pena de tornar seu papel inócuo e
sua legitimidade contestada286.
284
APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: do moderno ao Contemporâneo. Artigo: A
função social dos juízes no Estado Moderno e no Estado Contemporâneo. Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto
Alegre, 1998, p. 78.
285
LENGARDT, Gero e OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Teoria do estado e
política social, p. 12.
165
Nesse contexto de modificações nas funções precípuas do Estado,
o Judiciário passou a ser encarado como o escudo da sociedade, o protetor dos direitos
individuais contra os avanços do Estado em ‘domínios alheios’, assumindo, em certas
ocasiões, papéis políticos estranhos à concepção doutrinária clássica. Visto sob esse enfoque,
o Poder Judiciário passou por mudanças de duas ordens: internas ou funcionais e externas ou
institucionais. Tais mudanças, de certo modo, permitiram uma maior ingerência dos órgãos
jurisdicionais, dando causa ao que se poderia chamar de “judicialização da política”287.
O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho dirige esta postura
institucional à própria Constituição Brasileira de 1988, a qual atribuiu ao Judiciário, ao lado
de seu papel tradicional de fiscal da legalidade, um novo, o de guardião da legitimidade. Fêlo para aprimorar o controle judicial da atuação dos demais Poderes públicos. Acarretou,
porém, um efeito perverso, segundo o autor, o de judicializar o tratamento de questões
políticas ou político-administrativas e, consequentemente, de dar uma dimensão política à
atuação desse poder, até então visto como “neutro”288.
Para os adeptos desta intervenção, o que se pretende não é uma
ditadura de juízes nem fundada nos interesses da maioria, mas uma garantia de obediência e
prevalência dos direitos fundamentais, já que estes nunca devem ser sacrificados em favor
daqueles, devendo a atuação do juiz se basear na efetivação das normas constitucionais de
direitos fundamentais, mesmo que isso implique em desagradar maiorias ocasionais289.
286
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. Saraiva, São Paulo, 2002.
LEAL, Roger Stiefelmann, A Judicialização da Política. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência
Política. São Paulo, v. 29, p. 232, 1999.
288
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. Poder
Judiciário na Constituição de 1988 – Judicialização da política e politização da Justiça. São Paulo, Saraiva,
2003, p. 190.
289
FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. RT, São Paulo, 2005, p.
60.
287
166
É também a conclusão que chegou Mauro Roberto Mattos em seu
estudo sobre o tema, admitindo o pleno caráter de penetrabilidade do ato administrativo
discricionário, não podendo ficar imune ao controle judicial, ainda que envolva matérias de
conveniência e de oportunidade, pois a verdadeira liberdade consiste em fazer tudo aquilo que
a Constituição estabelece. Com este eficaz controle do mérito do ato administrativo, não se
estaria cerceando a Administração Pública, apenas mantendo ao Poder Judiciário a efetiva
unidade da Constituição, em atenção ao cumprimento dos princípios e respectivas normas da
Carta290.
Talvez em razão de ser a Constituição brasileira prolixa e
dirigente, na qual estão inseridas matérias fora da seara constitucional – materialmente
falando -, permitiu-se maior atuação jurisdicional no controle das políticas públicas, permeada
nos programas já consignados na própria Lei Suprema, servindo de parâmetro para eventual
aferimento quanto à compatibilidade das normas infraconstitucionais com a Constituição,
além de impossibilitar que grupos políticos pudessem travar a batalha segundo as regras do
jogo democrático e de seus interesses em cada época respectiva.
Nesse mesmo trilhar, esclarece Roger Stiefelmann que as medidas
de governo vêm tomando a forma de emendas constitucionais, assumindo tarefas e funções
que, tradicionalmente, eram confiadas à legislação ordinária. A instituição e a reformulação
de políticas públicas passariam, assim, a encontrar sede própria no texto constitucional, não
bastando que sua definição se limite ao nível da legislação. E arremata com críticas,
290
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de
mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum
administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, pp. 5974-5975, ago. 2005.
167
asseverando que o texto da Constituição de 1988 – como se viu – estabelece imposições
normativo-programáticas que direcionam a atuação do Estado, tornando obrigatória a adoção
de determinado modelo – no caso, intervencionista – de política social para diversos setores.
Tem como decorrência lógica, a limitação das alternativas político-administrativas a serem
implementadas em tais áreas, reduzindo o debate político ordinário sobre o tema.
Parafraseando Peter Schneider, a qualidade de uma Constituição se mede em função da
suficiência do espaço que deixa às forças políticas que configuram o futuro de um povo para
que possam realizar seus objetivos291.
Com efeito, não há que se falar em uma judicialização da política
como um termo genérico e simplista, nem em desobediência ao modelo de separação dos
poderes estatais, posto que a atuação jurisdicional nesse controle de políticas públicas é
plenamente permitido pela própria Constituição, quando assevera que não se excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV), inexistindo
preceito que impeça os órgãos jurisdicionais de apreciar atos administrativos, ainda que
discricionários e de políticas públicas.
Nesta mesma esteira, Fábio Franco e Antônio Martins criticam a
visão arcaica da intangibilidade das decisões administrativas discricionárias, aventando que
essa teoria, a par de seu arrigorismo técnico, também não mais encontra respaldo na doutrina
hodierna, que vem, paulatinamente, admitindo serem todos os atos administrativos, mesmo os
de cunho discricionário, sujeitos ao crivo do Poder Judiciário. Lamentam que ainda haja na
jurisprudência algum receio de invasão na esfera de atuação do Poder Executivo, a despeito
291
LEAL, Roger Stiefelmann. Pluralismo, políticas públicas e a constituição de 1988: considerações
sobre a práxis constitucional brasileira 20 anos depois, p. 16.
168
de ter a Carta Magna vigente ampliado a noção de universalidade da jurisdição, aderindo a
uma verdadeira tendência mundial de abertura do Poder Judiciário292.
Com um raciocínio lógico, vislumbra-se que a intenção do
constituinte de 1988 não foi a de excluir do Poder Judiciário a apreciação de questões
políticas ou puramente administrativas, como havia nas Constituições pretéritas. Na de 1934,
por exemplo, em seu artigo 68 era “vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões
exclusivamente políticas”. Na de 1937 (art. 94) e na de 1967 (art. 173 e art. 181 da EC 1/69),
restariam “aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando
Supremo da Revolução de 31 de março de 1964”.
Ademais, como já ressaltado por diversas vezes, o Judiciário
retira o fundamento de validade de sua intervenção da própria Constituição da República,
atuando como guardião dos direitos fundamentais nela consubstanciados, bem como
fiscalizando os demais órgãos para que aqueles não sejam feridos.
Ora, o próprio princípio de separação de poderes também não
pode ser visto de maneira estanque e absoluta, devendo ser interpretado teleologicamente e
historicamente, sendo, pois, um modelo que defende o controle do poder pelo próprio poder.
Caso contrário, a máquina estatal resultaria em um travamento inevitável. Nas palavras de
Fábio Franco e Antônio Martins, a tripartição só pode ser vista em relação à função de cada
ente e assim mesmo, é de se admitir uma interferência relativa293.
292
FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. A ação civil pública como instrumento
de controle das políticas públicas. Revista de Processo nº 135, ano 31, maio de 2006, p. 51.
293
Idem, p. 40.
169
Também neste linear, Batista Júnior aventa que o princípio da
separação dos Poderes não pode hoje ser entendido como uma rígida e preconceituosamente
proibição absoluta do juiz de condenar ou impor comportamentos à Administração Pública,
não podendo somente se fazer substituir o cerne de escolha dos atos discricionários por mera
discordância sem embasamento lógico ou jurídico294.
Esta visão parece ter sido adotada pela Carta Constitucional de
1988, não tratando da separação das funções estatais de maneira intangível e absoluta, mas de
uma cooperação entre seus órgãos, ‘substituindo o bloco unitário do Estado’, nas palavras de
Mauro Roberto Mattos, que traz à baila exemplos dessa relativização quando, por exemplo, a
Constituição autoriza o Legislativo a intervir de forma determinante nos atos do Executivo,
como quando o Presidente da República depende da autorização do Congresso para declarar
guerra e celebrar a paz; dispor sobre tratados e convenções com países estrangeiros; por
maioria absoluta o Congresso derruba o veto presidencial; ou aprova o Estado de defesa e
autoriza o Presidente a decretar estado de sítio; aprova indicação de ministros do STF e STJ;
dentre outras interferências295.
E arremata mais adiante, aduzindo que não há intromissão
indevida de um Poder sobre o outro, quando o Judiciário intervém para assegurar os
princípios constitucionais, mesmo que o ato seja grafado como discricionário e que haja a
necessidade de análise de mérito, pois o regime democrático exige esta conduta. A escolha
294
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa.
Mandamentos. Belo Horizonte, 2004, p. 512.
295
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. A constitucionalização do direito administrativo e o controle de
mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário. Fórum
administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. 54, p. 5961, ago. 2005.
170
discricionária não é, assim, indiferente ao direito. O ideal do Estado não é o extermínio da
discricionariedade, mas a sua juridicidade, entendida como modo de realização do direito296.
A independência entre os poderes mostra-se, pois, não ser
absoluta. Há interferências que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e
contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e
indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro. Assim,
percebe-se que a discricionariedade administrativa no cenário moderno se mostra cada vez
mais reduzida ante aos princípios constitucionais que esvaziam a grande opção do gestor
público, mormente quando se tem uma Constituição analítica e dirigente, como é a da
República do Brasil, servindo, inclusive, de principal parâmetro para o próprio controle
jurisdicional.
296
Idem, p. 5962.
171
CONCLUSÕES
Verifica-se, por todo o exposto, uma tendência já em voga, de um
Poder Judiciário mais atuante, efetivo e poderoso, utilizando-se de critérios mais objetivos e
razoáveis para interferir em decisões políticas antes intocadas, ao menos não por critérios tão
palpáveis, sobretudo no que tange ao mérito do ato administrativo discricionário.
Com isso, pode-se vislumbrar uma via de mão dupla em
consequência dessa atuação do Judiciário. Por um lado, pode-se imaginar uma função estatal
co-responsável pelas políticas públicas, de tal forma que visa sua implementação
instrumentalizada pelas decisões judiciais, garantindo direitos subjetivos que ainda não
puderam ser concretizados a determinados cidadãos.
Para isso, mister que se tenha parâmetros fixos e concretos para
servirem de base na aferição da eficiência de uma política pública, não deixando margem a
dúvidas sobre o mal uso do dinheiro público. Daí, alguns instrumentos se mostram úteis neste
particular, destacando-se entre eles os direitos subjetivos do cidadão em um Estado
democrático de Direito. Indicadores sociais também podem servir de auxílio neste processo,
fundamentando a conclusão a que chegar o julgador.
De outro turno, teme-se este super-ativismo do Judiciário e suas
consequências, sob pena de se chegar ao que Loewenstein intitulou de judiciocracia,
indagando-se a legitimidade de o Judiciário imiscuir-se em searas outras de funções estatais
próprias para tais tarefas, cujos agentes são eleitos democraticamente.
172
Ainda assim, dúvidas parecem não mais subsistir quanto à
intervenção jurisdicional na seara de políticas públicas, já que este Poder se mostra cada vez
mais atuante até mesmo na área privada, entre lides envolvendo bens e direitos disponíveis,
demonstrando uma tendência publicista do próprio Direito Civil, passando por um processo
conhecido por despatrimonialização, como intitulado por Pedro Lenza297.
Certo que admitir-se um Judiciário discricionário e abusivo nas
decisões de políticas públicas seria não só contrariar a teoria de separação de poderes de
Montesquieu, mas, sobretudo, criar um Poder hegemônico e perigoso no cenário políticoorganizacional, podendo-se, como consequência, ferir de morte o próprio princípio
democrático, pelo qual tanto se sangrou em toda a História para conquistar.
Entretanto, não se pode impedir o acesso judicial de pleitos que
envolvam implementação de políticas públicas, sob pena de se infringir – em primeiro lugar –
o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, conscrito no artigo 5º,
XXXV. De outro turno, não se estaria afrontando o sistema de separação de poderes, adotado
pela Carta República Federativa do Brasil. Isso porque sua dimensão contemporânea é
mitigada em razão da pretendida efetividade dos direitos fundamentais garantidos pela Lei
Constitucional, primando-se mais aos valores democráticos do que aos dogmas formais
clássicos.
A fim de se chegar a um meio-termo conciliador, poder-se-ia
permitir uma atuação mais efetiva do Poder Judiciário quanto às decisões políticas,
297
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12a ed. Saraiva, São Paulo, 2008, p. 03.
173
principalmente as afetas ao Poder Executivo, buscando critérios menos subjetivos, mas préestabelecidos e bem delineados, servindo-se de um auxílio ao controle da discricionariedade
administrativa, e não a substituindo.
Conveniente, assim, a intervenção jurisdicional apenas quando se
pretender resgatar os valores democráticos e constitucionalmente garantidos, levando-se em
conta, ainda, a possibilidade orçamentária do ente responsável pela implementação daquela
obra ou serviço público, sem que possa essa “reserva do possível” servir de óbice à
consecução da finalidade social e do maior interesse público, devendo, pois, haver critérios
técnico-objetivos para que possa o Judiciário reverter a situação negada pelo Executivo ou
não alcançada pela norma vigente.
Essa atividade jurisdicional deve, num Estado Democrático de
Direito, se fulcrar na interpretação da norma (principalmente a constitucional), de maneira
que as proclamadoras de direitos fundamentais tenham seu maior alcance possível, servindo o
Judiciário como intérprete e aplicador do direito em sua maior efetividade quando se tratar de
normas que declarem direitos humanos e sociais, sendo a própria Constituição o fundamento
de validade para essa interpretação, de acordo com o parágrafo 1º de seu artigo 5º, bem como
nos fundamentos por ela almejados, circunscritos nos incisos de seu artigo primeiro.
De um ponto de vista mais normativo-formal, negar ao Judiciário
a apreciação de demandas que envolvam atos administrativos discricionários referentes a
políticas públicas seria negar também aplicabilidade e eficácia ao artigo 5º, XXXV, da
Constituição da República, no qual não há nenhuma ressalva quanto a estas espécies de
174
matéria, como ocorre nas questões disciplinares aplicadas pelas Forças Militares, envolvendo
habeas corpus, por exemplo, insculpido no artigo 142, § 2º.
Certo é, todavia, que não há uma “receita” com critérios objetivos
que legitimam e justificam a intervenção judicial nas políticas públicas, devendo casa caso ser
analisado isoladamente e de acordo com as circunstâncias que o envolvem.
Imprescindível, assim, que o Judiciário se apresente maduro,
democraticamente, a ponto de reconhecer os limites e avanços legais no que diz respeito aos
direitos subjetivos e à distribuição e alocação de recursos sociais, se investindo em uma
função atuante e socialmente ativa, visando dar concretude a uma justiça proporcional e
distributiva, de acordo com a eficiência administrativa, consubstanciada nos critérios e
parâmetros esposados neste estudo.
175
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