O Presidente da República deverá sancionar, até o dia 04 de ago

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A NOVA LEI DE DROGAS E SUA APLICAÇÃO PROCESSUAL
E REFLEXÕES SOBRE A LEI Nº 11.343/2006.
ELIANE ALFRADIQUE
Juíza de Direito no Rio de Janeiro
Mestre em Direito Constitucional
Doutorada em Direito Penal e Processual Penal UGF/RJ
A lei ora em comento revogou as Leis Antitóxicos nº 6.368/76 bem como a Lei nº
10.409 de 2002, sendo esta produtora de várias dissenções doutrinárias e
jurisprudenciais, trazendo a meu ver melhor acerto nas definições e evitando-se,
aplicação de pedaços de lei e “brechas” legais para os interessados. Portanto, chega
a nós a lei em comento, com a intenção de unir o melhor das duas leis, e de pôr fim
a inúmeras dissensões que pairavam sobre o tema e a dubiedade e conflitância em
inúmeros casos, de qual a lei a ser aplicada.
No âmbito da sematologia jurídico-penal, merece ser relevada a opção da nova lei
pelo termo drogas, em vez da expressão substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica. Assim, no prefácio, estão definidos os
seus objetivos maiores e o abandono dessa expressão, já ultrapassada na
exposição médico-científica e jurídico. Ficou instituido o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescrever medidas para prevenção do
uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelecer normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas.
A utilização da expressão “drogas”, ao invés da anterior “substância entorpecente”,
atende a uma antiga orientação da Organização Mundial de Saúde (Rogério
Sanches Cunha, “Nova Lei de Drogas Comentada”, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006, p. 304)1.
No parágrafo único do art. 1º, após reiterar os termos implementados previstos na
ementa prefacial, a nova lei estabelece textualmente:
Para fins desta Lei, consideram-se como
drogas as substâncias ou os produtos capazes de
causar dependência, assim especificados em lei ou
1
Rogério Sanches Cunha, “Nova Lei de Drogas Comentada”, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006, p. 304.
relacionados em listas atualizadas periodicamente
pelo Poder Executivo da União.
2
Temos, a partir de agora, um conceito legal desta categoria jurídica chamada
drogas, que não ficou restrito à categoria dos entorpecentes, nem das substâncias
causadoras de dependência física ou psíquica. Drogas serão todas as substâncias ou
produtos com potencial de causar dependência, com a condição de que estejam
relacionadas em dispositivo legal competente.
O fundamental problema de repressão a drogas tem como alicerce primário, a
saúde pública. As infrações à lei sobre drogas são consideradas de perigo comum e
não de dano pessoal, muito embora esse dano possa coexistir eventualmente com à
violação à lei. Assim, no descortino jurídico desse tema, em singularissimo plano
está a saúde pública como um bem da coletividade. Ninguém refuta que o dano
individual à saúde é também protegido, indiretamente. A proteção direta tem um
destinatário que é o meio coletivo, a sociedade. Está fora de dúvida que o agente,
usuário, dependente, como consumidor da droga, está se autodestruindo, pois que
prejudicando a própria saúde. Essa autodestruição ofende a ética e o direito natural
na medida em que como lembra Thiago Sinibaldi, não temos domínio de nosso
corpo e de nossa vida, mas apenas a liberdade de agir dentro dos padrões que não
ofendam o direito natural que se interpõe entre a ética e o direito positivo.
Uma das questões mais importantes na escala dos crimes relacionados a drogas é o
aspecto do tráfico. Embora respeitando posições contrárias, entendo que a Lei nº
11.343/2006 andou bem a incriminar de forma mais severa o financiamento e a o
custeio da prática do crime de tráfico, consignado no artigo 36 da Lei nº
11.343/2006. A traficância é a mola propulsora da repressão. É o mercado
fornecedor diante de um mercado consumidor, constituidos aqueles financiadores e
mantenedores do mercado de drogas verdadeiros propagadores da miséria alheia.
São esses financiadores que investe grandes somas em dinheiro para alimentar o
tráfico. Os chamados “gerentes” são traficantes, são aqueles que recebem a soma
em dinheiro para adquirir a ‘mercadoria’. Justo, que a penalização dos finaciadores
seja mais gravosa e qualificada. Não se pode colocar no mesmo patamar, a ação de
financiar e a ação de adquirir com o dinheiro do financiador. Aqueles ferem toda
ética e figura no cenário social como grandes personagens. O filólogo Aurélio
Buarque de Holanda2 define tráfico como negócio indecoroso, operações
fraudulentas. O Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro3 in Dicionário de Direito Penal,
ed. José Bushatsky, SP, 1974) definia tráfico como o ato de comerciar, dedicar-se a
um comércio proibido. Assim, entendo que os grandes traficantes são aqueles que
lançam dinheiro no mercado de droga para que a mesma seja adquirida e
consumida. Nesse caso, o financiador não é o fornecedor ou passador da
mercadoria clandestina. Surge a figura do traficante que vende, fornece ao usuário,
dependente, experimentador da droga. Esses dois personagens entram na órbita
gravitacional de leis de oferta e de procura, que dimensiona a valoração mercantil
do produto traficado ou consumido nos ambientes clandestinos.
Dicionário Aurélio Século XXI.
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, in Dicionário de Direito Penal, ed. José
Bushatsky, SP, 1974.
2
3
3
Os dois núcleos do tipo "financiar" e "custear" são condutas nítidas de
traficantes, na literal expressão do termo, o que já bastaria para que a pena do art.
36 fosse majorada para indicar a maior potencialidade de dano nos atos de
‘financiar’ e ‘custear’. Embora a teoria adotada pelo Código Penal, no seu art. 29,
adota a teoria monista ou unitária. Mesmo adotando essa teoria, a teoria do
domínio do fato, ainda assim, teríamos de adotar penas diferentes para atividades
criminosas desiguais para as duas condutas, pois, para essa teoria, o financiador ou
quem custeia também seria autor, e, por simples lógica, há sentido em se apenar
mais severamente um agente do que o outro. Entendemos que agiu com verdadeira
eqüidade o legislador. É de sabença geral, que o verdadeiro traficante é quem
financia e custeia a aquisição da droga. Sobra aos “gerentes”, distribuirem a droga
e auferir seus lucros. No caso, é um tipo autônomo, que não possibilitaria aplicar a
norma de aplicação extensiva, como a do artigo 29 do CP. Há neste caso, a
interposição econômica determinada pela especulação, ou como ensina ROCCO4, “é
todo o ato que realiza ou facilita a interposição na troca” (apud Walter T. Álvares).
São como dois polos atrativos, posto que um não existe sem o outro, vivem numa
simbiose deletéria, contaminando o meio social pela difusão que espelha uma
mercancia nociva e ilícita. O tipo encontrado no artigo 36 da lei 11.343/06, ostenta
uma maior potencialidade ofensiva. Quem financia, ‘banca’ o negócio, o comércio
ilícito.
O art. 33 da mencionada lei trata do tráfico de drogas definindo como
condutas delituosas o ato de importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar,
entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.
A referência ao comportamento típico que revela a expressividade do tráfico de
drogas, a Lei 11.343/2006, exasperou não somente a pena corporal, mas também
a pena pecuniária, vindo de encontro aos anseios da sociedade que sempre clamou
por penas mais exasperadas. Entendo que a exasperação da pena não traz consigo
o condão de diminuir a incidência da prática desses delitos, é mais um atendimento
aos reclamos da coletividade, traduzindo-se por si só, um paradoxo, em que se
percebe apenas de maneira velada, o enrijecimento do controle social da questão
pelo direito penal, com projeção de aumento de penas. Com certeza, o art. 33 e
seu § 1º ao efetivarem a presciência que se assemelha ao antigo art. 12, Lei
6.368/76 exasperou com as penas, tanto no que concerne à pena corporal, quanto
à pecuniária, oscilando no contorno de 05 a 15 anos de reclusão e 500 a 1.500
dias-multa. A indução, instigação e o auxílio ao uso indevido de drogas também são
4
Rocco, apud Walter T. Tavares.
recepcionados como crimes, com reprimenda de 01 a 03 anos de detenção
4
e multa de 100 a 300 dias-multa (art. 33, § 2º, Lei 11.343/2006).
O
crime
de
consumo
consensual,
que
entendo
como
ação
“mui
amiga,”
compartilhado, surge para atenuar possível excesso do art. 12 da lei antiga, sendo
uma nova figura penal, com penas previstas entre 06 meses a 01 ano de detenção
e 700 a 1.500 dias-multa (art. 33, § 3º, Lei 11.343/2006). Ainda, o crime de
associação para o tráfico, em comparação com o padrão da lei anterior (art. 14, Lei
6.368/76) também teve a pena exasperada, conforme previsão do art. 35, Lei
11.343/2006, criando a previsão abstrata de 03 a 10 anos de reclusão e 700 a
1.200 dias-multa.
O chamado consumo consensual previsto no § 3°, quando prescreve: “Oferecer
droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento,
para juntos consumirem”, é de fato um espécie velada de tráfico, que o
legislador houve por bem amenizar. Mas, por esse viés, muitas situações serão
criadas e se constituirão óbices à aplicação da lei penal. Vejo nessa situação a
ocorrência de tráfico e no mínimo, uma ação de até possível induzimento à
experimentação da droga. Um caminho aberto foi deixado pelo legislador para que
encontro de acontecimentos; conjunto de circunstâncias; lance, conjuntura, levem
a se resvalar na intenção legislativa.(grifo nosso)
Parece-nos que o legislador errou ao colocar esse parágrafo junto às condutas de
tráfico. O Professor Luiz Flávio Gomes5 denominou esse parágrafo em seu artigo
intitulado "Nova lei de tóxicos: qual procedimento deve ser adotado?" de
"tráfico privilegiado". Aqui, entendemos que quis o legislador beneficiar o traficante,
conclusão a que se chega pela simples leitura do parágrafo. Se o crime é contra a
saúde pública, não há que se falar em tráfico privilegiado e sim, em delito, punível,
sim, como a quem ofereceu a droga. Não importa se o foi sem objetivo de lucro,
porque esssa verdade jamais aparecerá. O que tem importância é a conduta que
fere o núcleo base da repressão, que é a saúde pública. O tráfico existe de qualquer
forma neste tipo penal.
Professor Luiz Flávio Gomes, Nova lei de tóxicos: qual procedimento deve ser
adotado?
5
6
A propósito o ilustre Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE , na Rcl 1719 MC / MG
5
- MINAS GERAIS, profere brilhante voto, numa preciosa advertência: “cinge-se a
notar que, sobre ser usuário de maconha, o paciente "não se contentou em
desgraçar somente a sua vida, fazendo uso de drogas, mas, para manter seu vício
expunha a ganhar a vida de uma forma mais fácil, passou também a revendê-la,
colocando o risco toda uma sociedade...". O discurso parece chocar-se com a
mesquinha dimensão do fato, no qual o paciente e um outro são acusados de haver
adquirido, pouco antes, do terceiro condenado e de um menor, nada mais que 68
gramas de maconha: ainda que se aceite, à luz das circunstâncias, que a erva se
destinasse a revenda - o que, é certo, basta à configuração do crime formal - de
venda não se tem notícia, até porque, do pequeno lote recém-comprado, a prisão a
teria impossibilitado”.
Em relação ao usuário e/ou dependente a nova lei antidrogas (Lei 11.343/2006)
não mais prevê a pena de prisão (art. 28). Isso significa descriminalização,
legalização e despenalização da posse de droga para consumo pessoal. Penso que
nesses casos, a mens legis deverá se investigar no momento oportuno do caso
concreto. De qualquer forma, o entendimento que a mim parece bastante eficaz é
o momento da detenção e apreensão. Existe agora a completa despenalização e
descriminalização da conduta do usuário ou dependente. Essa aferição, se uso
pessoal ou não, há que ser realizada em torno das circunstâncias que envolvem o
fato.
O professor Luiz Flávio Gomes7, que defende, ou seja, afirma ter ocorrido a total
descriminalização da conduta de usuário no nosso ordenamento pátrio. É o que
expõe o professor em seu artigo "Nova lei de tóxicos: descriminalização de
posse de drogas para consumo pessoal"(Revista Juristas – João Pessoa,
ano III, 2006). Segundo ele, tal conduta seria um fato ilícito, porém não penal, e
sim "sui generis", concluindo, então, o autor com a afirmação de que não é ilícito
penal nem administrativo; é apenas um ilícito "sui generis.
O art. 16 da Lei 6.368/76 deu lugar ao art. 28 da Lei 11.343/06 e seus parágrafos.
Á primeira vista, nota-se modificação da expressão do art. 16, que era "para uso
próprio", e, no atual art. 28, temos "para consumo pessoal", que, em nosso
entendimento, não inovou a conduta típica; bem como a introdução de mais um
núcleo no tipo, que diz: "tiver em depósito", aqui sim uma mudança substancial,
pois, no passado, essa conduta de ‘ter em depósito’ era exclusiva da conduta de
tráfico, e não de usuário. A última alteração foi a introdução de mais um núcleo no
tipo do art. 28, qual seja, "transportar", que não existia no art. 16 da antiga lei. O
verbo transportar também era exclusivo da conduta de traficantes. Em suma, o fato
delituoso deduzido na acusatória inicial é que define a imputação a ser julgada, não
6
Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, na Rcl 1719 MC / MG.
Luiz Flávio Gomes, Nova lei de tóxicos: descriminalização de posse de drogas para consumo
pessoal"(Revista Juristas – João Pessoa, ano III, 2006).
7
6
obrigando o juiz à classificação jurídica que lhe atribua o Ministério Público.
E, se é verdade que, via de regra, o momento adequado para que o Juiz manifeste
sua convicção sobre a correta classificação do fato é aquele previsto nos arts. 383 e
384 do Código de Processo Penal, também é certo que, em circunstâncias
excepcionais, tal exame é possível após o oferecimento da denúncia. No que se
conclui, que cada caso deverá ser profundamente analisado pelo julgador para a
avaliação da conduta do acusado. E no parágrafo 2º , do artigo 28, está inscrito
que “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que
se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e
aos antecedentes do agente”.
Em consideração ao pensamento alusivo à problemática do consumo de drogas,
parece escorreito supor que o sistema penal deixa de ser o instrumental repressivo,
mesmo que ocorram algumas dificuldades conceituais para a apresentação desse
novo caráter, como flexibilização, descriminalização ou despenalização.
Outra mudança significativa foi a introdução do parágrafo 1° do art. 28 da lei
comentada, no qual o legislador criou mais um tipo, que também ao qual, tais
condutas pertenciam exclusivamente para traficantes, que é "semeia", "cultiva" e
"colhe" plantas destinadas a produção de drogas, porém como uma ressalva: "de
pequena quantidade de substância". Essa alteração surgiu sim, para afetar e
comprometer a ação penal, desde que não está estipulado que medida tem “essa
pequena quantidade” e para acirrar discussões sobre agentes que possuíam, nas
suas residências, vasos com plantas capazes de produzir substâncias ilícitas, ou um
pequeno sítio com alguns poucos metros quadrados de plantação dessas
substâncias. O legislador nesse sentido, não imputou uma conduta de traficante ao
tipo comentado. Tudo é variável, na medida em que não se tem a literalidade da
lei, cabendo ao intérprete reconhecer ou não, o que seja pequena quantidade, o
que na prática virá a ser complexo para o julgador reconhecer em muitas situações,
qual a medida de pequena quantidade? .
Há, pois, que interpretar-se a norma de conduta punível no tipo em comento, no
exato sentido proibitivo. Assim, a lei de prevenção e repressão a drogas não quer
que se semeie, que se plante ou cultive planta alucinógena. Mas, acima dessa
definição está a vedação geral que proíbe a traficância ou seja a comercialização de
drogas, ou a posse para uso próprio. No meu entendimento este tipo legal do § 1º,
do art. 28, deixa ensanchas e, também aqui, cabe ao julgador e o membro do
Ministério Público verificar a realidade factual e não deixar de buscar sempre a
verdade real, que predomina no processo penal.
O caráter de maior rigorismo veio amenizado pela causa especial de diminuição de
pena prevista no art. 33, § 4º, Lei 11.343/2006, que sustenta a redução da sanção
no caso concreto, frente aos ilícitos do art. 33, caput e seus §§, nas variantes de
1/6 a 2/3, se o acusado for primário, tiver bons antecedentes, não se dedicar às
atividades criminosas e não integrar organização criminosa. Importante ressair que
a expressão contida no dispositivo referente ao poder do magistrado em realizar a
matemática da redução, consiste em um poder-dever, cujo sujeito ativo do
7
benefício é o acusado, e estando presentes os critérios perfilados na norma jurídica,
não pode haver resistência no seu reconhecimento e aplicação.
Ao revelar o alcance desse preceito, Celso Delmanto8 expressa a dimensão para o
seu reconhecimento: “A redação do parágrafo único deixa incontestável que a
retroatividade benéfica não sofre limitação alguma e alcança sua completa
extensão, sem dependência do trânsito em julgado da condenação. Basta,
apenas, que a lei posterior favoreça o agente de qualquer modo, para
retroagir em seu benefício”. (sem grifos no original)
O princípio da retroatividade da lex mitior, exceção ao princípio da irretroatividade
da lei penal, não impede mesmo em havendo coisa julgada. Ainda que se esteja
procedendo à execução penal que se refiram à pena e à medida de segurança, a
aplicação da lei nova mais benigna ao fato anterior é obrigatória, cabendo esta ao
juiz encarregado da execução quando a sentença tiver transitado em julgado (art.
60, I, da Lei de Execução Penal e Súmula 6119 do STF)”. Enuncia a súmula:
“TRANSITADA EM JULGADO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, COMPETE AO JUÍZO
DAS EXECUÇÕES A APLICAÇÃO DE LEI MAIS BENIGNA”.
O legislador procurou, nessa lei, separar em capítulos o tráfico do uso. Com relação
à tipificação do tráfico, a única mudança significativa foi a mudança da pena, que
era, no seu art. 12 da lei 6.368/76, de reclusão de 3 (três) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, sendo agora
alterado pela lei nova, no art. 33 e seus incisos, para reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) diasmulta.
A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente "crime", mas
não perdeu seu conteúdo de infração (de ilícito). A conduta descrita no antigo art.
16 e, agora, no atual art. 28 continua sendo ilícita, mas, como veremos, cuida-se
de uma ilicitude inteiramente sui generis. Houve descriminalização "formal", ou
seja, a infração já não pode ser considerada "crime", mas não aconteceu
concomitantemente a legalização da droga. De outro lado, paralelamente também
se pode afirmar que o art. 28 retrata uma hipótese de despenalização.
Descriminalização "formal" e despenalização (ao mesmo tempo) são os processos
Celso Delmanto, Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1982.
Súmula 611 do STF, “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo
das Execuções a aplicação da lei mais benigna”>
8
9
que explicam o novo art. 28 da lei de drogas (houve um processo misto mencionado por Davi A. Costa Silva)10.
8
O termo descriminalizar ou descriminar significa excluir a criminalidade ou
antijuridicidade de (um fato). O fato descrito na lei penal deixa de ser crime. Na
lição do Prof. Luiz Flávio Gomes11 há três espécies de descriminalização: (a) a que
retira o caráter criminoso do fato mas não o retira do âmbito do Direito penal (essa
é a descriminalização puramente formal); (b) a que elimina o caráter criminoso no
fato e o proscreve do Direito penal, transferindo-o para outros ramos do Direito
(essa é a descriminalização penal, que transforma um crime em infração
administrativa, v.g.) e (c) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza
totalmente (nisso consiste a chamada descriminalização substancial ou total).
Na primeira hipótese (descriminalização formal) o fato continua sendo ilícito
(proibido), não se afasta do Direito penal, porém, deixa de ser considerado
formalmente "crime". Passa a ser um ilícito sui generis (como é o caso do art. 28).
Retira-se da conduta o rótulo de "crime" (embora permaneça a ilicitude penal).
Descriminalização
formal,
assim,
não
se
confunde
com
as
demais
descriminalizações acima descritas, que legaliza o fato ou o transforma em ilícito de
outra natureza (administrativo, v.g.). (Luiz Flávio Gomes, in Nova lei de tóxicos)
O conceito despenalizar é outra coisa: significa amenizar
a resposta penal,
evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se incólume o
caráter ilícito do fato (o fato continua sendo uma infração penal ou infração) O
caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas
alternativas para a infração. A lei dos juizados criminais (Lei 9.099/1995), por
exemplo, não descriminalizou nenhuma conduta, apenas introduziu no Brasil quatro
medidas despenalizadoras (processos que procuram evitar ou suavizar a pena de
prisão).
A Lei 11.343/2006 (art. 28) aboliu o caráter "criminoso" da posse de drogas para
consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado "crime" (embora
continue sendo um ilícito, um ato contrário ao Direito). Houve, portanto,
descriminalização "formal", mas não legalização da droga (ou descriminalização
substancial). Cuida-se, ademais, de fato que não foi retirado do âmbito do Direito
penal. Penso que o legislador não quis o enfrentamento da questão da legalização
da posse de drogas para consumo próprio e timidamente deixou esse tipo penal,
que de nada vale, posto que as medidas sócio-educativas depende de políticas
nacionais gestoras desses procedimentos não são e sequer serão implementadas
pelo sistema penal, deixando vazio, oco, o texto penal, sem qualquer significação
prática.
O fundamento do que acaba de ser dito é o seguinte: por força da Lei de
Introdução ao Código Penal (art. 1º), "Considera-se crime a infração penal a que a
lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei
comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
10
Davi A. Costa Silva, apud Luiz Flávio Gomes.
Luiz Flávio Gomes, Nova lei de tóxicos: descriminalização de posse de drogas para
consumo pessoal"(Revista Juristas – João Pessoa, ano III, 2006.
11
ou cumulativamente" (cf. Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro Dec.-Lei 3.914/41, art. 1º).
9
Ora, se legalmente (no Brasil) "crime" é a infração penal punida com reclusão ou
detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há
dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser
"crime" do ponto de vista formal porque as sanções impostas para essa conduta
(advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas
educativos - art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão.
O art. 28 da lei 11.343/2006 não admite a pena de prisão para o usuário ou
dependente. Conseqüência natural: o usuário já não pode ser chamado de
"criminoso". Ele é autor de um ilícito (porque a posse da droga não foi legalizada),
mas já não pode ser chamado de criminoso. A não ser assim, se esvai por terra
toda a opinião antecipada de tratamento preventivo e de não haver reprimenda da
lei, em relação ao usuário.
Ainda na lição do Prof. Luiz Flávio Gomes12, resta perguntar: um ilícito sui generis
de caráter "penal" ou "não penal"? A resposta tem que ser no primeiro sentido
(vejo razão na crítica de Davi A. Costa Silva). É um ilícito "penal" sui generis. É
penal porque o art. 28 não foi retirado do mundo do Direito penal. E é sui generis
por várias razões, destacando-se dentre elas as seguintes: as penas cominadas são
claramente alternativas, não se admitindo mais a prisão para o usuário de drogas;
de outro lado, a conduta do usuário de drogas passou a contar com uma disciplina
jurídica totalmente específica (e lei especial, como sabemos, derroga a lei geral).
Em outro artigo vamos cuidar desse regramento específico dedicado ao usuário.
Continua vigorando a defesa preliminar (antes do recebimento da denúncia), o
que já havia na Lei 10.409/02. Porém, somente há interrogatório após o
recebimento da denúncia. Com isso, fica garantido o contraditório no interrogatório,
podendo as partes fazer perguntas e reperguntas. É o que prescreve o art. 55, que
após ser oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para
oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. E no § 1º,
considerada pela lei de regência como defesa preliminar, o acusado poderá argüir
preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e
justificações, especificar as provas que pretende produzir e arrolar até cinco (05)
testemunhas.
Esta resposta preliminar consiste na defesa prévia propriamente dita, bem
como na argüição de exceções. Como ensina José Frederico Marques 13, nesta
hipótese “estabelece-se um contraditório prévio, para que o Juiz profira, com o
despacho liminar, decisão semelhante ao judicium accusationis.” O denunciado
poderá argüir em sua defesa qualquer matéria, seja de natureza estritamente
processual (ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, por
exemplo), como adentrar o próprio mérito da acusação, inclusive postulando a
produção de provas que serão realizadas a critério do Juiz. Evidentemente que deve
ser dada a esta disposição uma correta interpretação, a fim que não se lhe restrinja
12
Luiz Flávio Gomes, ob. Cit.
José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. III, Campinas,
Bookseller, 1998, p. 342.
13
10
o alcance (prejudicando a defesa e o juízo de admissibilidade a ser feito
pelo Magistrado), nem, tampouco, elasteça-se-lhe de tal forma o significado que se
permita uma verdadeira antecipação da instrução criminal, nos moldes do Juizado
de Instrução, preconizado na lei processual penal francesa (sistema bifásico ou
misto) que, segundo Hélie14 (Traité, I, 178, § 539), é “la loi procédure criminelle la moins
imperfaite du mond.”15
É preciso distinguir, prontamente, o usuário do "usuário e dependente de
drogas". Nem sempre o usuário torna-se dependente. Aliás, em regra o
usuário de droga não se converte num dependente. A distinção é muito
importante para o efeito de se descobrir qual medida alternativa será mais
adequada em cada caso concreto.
Para fins penais, entende-se por usuário de drogas quem adquire, guarda,
tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal,
qualquer tipo de droga proibida O usuário não se confunde, de modo algum,
com o traficante, financiador do tráfico etc. Para determinar se a droga
destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade
da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
antecedentes do agente (art. 28, § 2º).
A postura da legislação penal brasileira: a legislação penal brasileira,
tradicionalmente, sempre tratou o simples usuário de droga como criminoso
(quando o certo seria enfocá-lo algumas vezes como vítima - usuário
dependente, que carece de atenção e tratamento -, outras vezes como
simples cidadão que num determinado momento optou dentro do seu livre
arbítrio por fazer uso momentâneo de uma substância entorpecente, sem
prejudicar terceiros - usuário ocasional-).
Com a novel lei de tóxicos, admite-se a impossibilidade da pena de prisão
para o usuário e pretende-se que o assunto nem sequer passe pela polícia.
O infrator da lei será enviado diretamente aos juizados criminais, salvo onde
inexistem tais juizados de plantão (art. 48, § 2º). Não há que se falar, de
outro lado, em inquérito policial, sim em termo circunstanciado. Não é
possível a prisão em flagrante (art. 48, § 2º). A competência para aplicação
de todas as medidas alternativas é dos juizados criminais, salvo onde
existem varas especializadas em drogas (estas varas irão acumular as
funções de juizados). Na audiência preliminar é possível a transação penal,
aplicando-se as penas alternativas do art. 28. Não aceita (pelo agente) a
transação penal, segue-se o rito sumaríssimo da Lei 9.099/95. Mas no final
de modo algum será imposta pena de prisão, sim, somente as medidas
alternativas do art. 28. O art. 48 dispõe que: “O procedimento relativo aos
processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo,
aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei
de Execução Penal.
14
15
Hélie, in Traité, I, 178, § 539.
o
11
O § 1 prescreve que o agente de qualquer das condutas previstas no
art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a
37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei no
9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais
Criminais.
De acordo com o § 2o , em se tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei,
não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente
encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a
ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as
requisições dos exames e perícias necessários.
Em conformidade com o § 4º, concluídos os procedimentos de que trata o § 2 o
deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o
requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em
seguida liberado.
Prevê a lei no art. 41 que se o indiciado colaborar voluntariamente com as
investigações com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos
demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do
produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois
terços, ou a insignificância de sua participação no crime, ou à condição de que o
agente, ao tempo da ação, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de
dependência grave, comprovada por peritos. È a chamada delação premiada.
Observamos que, ao contrário da previsão existente na lei revogada (Lei nº.
10.409/02) a atual não mais permite expressamente o uso dos meios
investigatórios previstos na Lei nº. 9.034/95, razão pela qual não será mais
possível a utilização dos demais atos de investigação disciplinados no art. 2º. da Lei
do “Crime Organizado”, como, por exemplo, a captação e a interceptação
ambiental. Tais “procedimentos de investigação e formação de provas” são
autorizados, apenas e tão-somente, quando se tratar de “ilícitos decorrentes de
ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas
de qualquer tipo.” Como se trata de uma lei especial, bem como de atos
investigatórios que atingem direitos e garantias constitucionais (como a intimidade
e a vida privada), devem ser reservados apenas para a hipótese de quadrilha ou
bando (art. 288, Código Penal), “associações” ou “organizações criminosas”.
Binding16 bem já explicava que “o infrator, a rigor, não viola a lei penal, antes ele
se adequa à norma, violando um preceito proibitivo superior, que precede à lei
penal”. (Apud Damásio E. de Jesus, in Direito Penal, 1º vol., Saraiva, SP, 1980,
p.12)
CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS:
Conclui-se, indubitavelmente, que o escritório do advogado, a exemplo de outros
profissionais liberais, estaria sob a proteção constitucional da inviolabilidade do
domicílio, o que vem a ser confirmado pelo disposto no Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil (Lei N. 8.906/94), que expressamente prevê a inviolabilidade
do escritório ou local de trabalho do advogado (art. 7º).
16
Binding, Apud Damasio E. de Jesus, in Direito Penal, 1º vol., Saraiva, SP, 1980, p.12.
o
12
O § 3º, do art. 48 testifica que “as providências previstas no § 2 deste
artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se
encontrar, vedada a detenção do agente”.
A primeira grande dificuldade que aparece nesse comando legal é a que local se
refere o legislador? “...serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local
em que se encontrar...” . Parece-nos que o local refere-se ao da autoridade –
por axiomática dedução, a delegacia de polícia, e não ao do imputado, quer seja
pela forma com que modelado o próprio comando normativo, seja porque aquele
ambiente público, o da delegacia, certamente é o que reúne, in casu, as condições
necessárias à efetivação das medidas procedimentais prenunciadas, ainda que de
indiscutível simplicidade; e que não se pode dar juízo divergente, deturpando a
sumariedade dos atos e nem criar figuras inexistentes nesse contexto, pois haveria
esbulho das reais atividades da autoridade policial que haverá de prestar o efetivo
exercício público de seu múnus que procede de autoridade pública ou da lei, e
obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem
social.
Nesse viés, ainda convém vir a propósito, que os policiais integram órgão público
voltado à defesa das instituições democráticas (Título V, da CR/88), e a forma
acima nivelada, constitui-se, faticamente, na única possibilidade à preservação dos
bens políticos dispostos pelo art. 5X da CR. (honra e imagem).
INGRESSO NO DOMICÍLIO EM CASO DE USO E POSSE DE DROGA:
A Constituição da República, norma ápice, expressa eem seu art. 5º, XI, que “a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
A respeito desse precioso assunto, é forçoso que se faça remissão ao nosso artigo
publicado na Página Jurídica, www.tex.pro.br, intitulado “Uma Visão geral sobre o
artigo 5º da Constituição da República, onde nos reportamos ao assunto,
dissertando: Esse direito é a consagração de uma das liberdades públicas das mais
antigas e sagradas do homem, reconhecido em quase todos os ordenamentos
jurídicos do mundo. É conhecida a expressão: o lar de um homem é o seu castelo.
Conforme citação de Alexandre de Moraes17, interessante verificar o que disse um
Lorde Inglês no Parlamento britânico,“o homem mais pobre desafia em sua casa
todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o
vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar,
mas o Rei da Inglaterra não pode nela penetrar.”
Conclui-se, indubitavelmente, que o escritório do advogado, a exemplo de outros
profissionais liberais, estaria sob a proteção constitucional da inviolabilidade do
domicílio, o que vem a ser confirmado pelo disposto no Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil (Lei N. 8.906/94), que expressamente prevê a inviolabilidade
do escritório ou local de trabalho do advogado (art. 7º).
Mas, a exceção está prevista, qual seja, caso de flagrante delito, o que terá que
deflagrar a ação policial para cessar a atividade criminosa ou ilícita, sob pena de se
descurar as normas legais impostas de maneira geral, tornando-se vazia de
sentido e impraticável as atribuições da autoridade policial. Atribuições essas,
imbricadas no texto constitucional, portanto norma fundamental, que se verá
17
Alexandre de Moraes, Legislação Penal Especial, ed. Atlas, 9ª ed., p. 243.
descumprida pela ambigüidade do texto legal ou pela interpretação
errônea das autoridades.
13
Com o advento da Lei nº. 11.343/06, surgiu uma questão árdua concernente à
possibilidade de ingresso em residência, sem mandado judicial, em hipótese de
situação flagrancial referente a uso ou posse de entorpecente para uso próprio.
A divergência funda-se no fato de que, em face da nova lei, a conduta de adquirir,
guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal,
drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
prevista no artigo 28 da lei ora considerado, passou a não mais contemplar pena
privativa de liberdade para os tipos penais elencados no art. 28. Além disso, o
parágrafo 2º., do artigo 48 da mesma lei afirma que nas condutas referentes ao
ilícito previsto no artigo 28 não será possível a prisão em flagrante; mais que isso,
o parágrafo 3º. do mesmo artigo 48 afirma que é vedada a detenção do agente.
Ora, em face desses dispositivos, logo alguns operadores levantaram a dúvida se,
nesses novos termos em que a questão é colocada, haveria autorização para
invasão de domicílio com base no permissivo do inciso XI do artigo 5º. da
Constituição da República, uma vez que ali está autorizado que esse ingresso é
facultado nas hipóteses de flagrante delito.
Ressai que, há que se ter em mente que, quando o legislador autoriza o ingresso na
casa de outrem em caso de flagrante delito, não o faz visando basicamente à prisão
do agente, mas também à proteção da prova material eventualmente existente (no
caso a apreensão do entorpecente), bem como à manutenção da ordem pública,
com a interrupção forçada da conduta ilícita ali perpetrada.
Nesse sentido, assevera Guilherme de Souza Nucci18 que
“deve-se ter em vista a natureza da busca, que serve
para a obtenção de provas, inclusive formação do corpo
de delito, bem como para, cautelarmente, apreender
coisas”.
Na mesma linha o pensamento de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo19, para quem,
“a finalidade da busca é encontrar coisas que se
ocultam, ou não, e demais elementos probatórios que
“possam guardar préstimo probatório da verdade
criminal, quer constituam elemento de acusação quer de
defesa”
O direito positivo brasileiro alcança essa significação. O Código de Processo Penal,
no art. 240, § 1º, indica que se realizam as buscas para: (1) “prender criminosos”;
(2) apreender “coisas achadas ou obtidas por meios criminosos”; (3) apreender
“instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou
contrafeitos”; (4) apreender “ armas e munições, instrumentos utilizados na prática
de crime ou destinado a fim delituoso”, (5) “descobrir objetos necessários à prova
da infração ou à defesa do indiciado ou acusado”; (6) apreender “cartas, abertas ou
18
Gulherme de Souza Nucci, Manual de processo e execução penal. São Paulo: RT, 2005, p.
461.
19
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Do seqüestro no processo penal brasileiro. São Paulo:
Bushatsky, p. 66.
14
não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de
que o conhecimento de seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato apreender
“pessoas vítimas de crimes”, e “colher quaisquer elementos de convicção”.
E nesse sentido tem se posiciona-se o saudoso doutrinador Celso Ribeiro Bastos20
“Por flagrante delito deve-se entender a prática atual
de um crime ou contravenção. Se dentro da casa
portanto estiver havendo a prática de um delito, a
invasão se torna lícita. Ela será ainda constitucional
no caso de o autor do crime ou contravenção ter
delinqüido fora da casa mas ter ido nela se refugiar”.
Conclusivamente, com a intenção manifesta de consolidar os doutos
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema em foco, aprovou-se,
finalmente, a Lei nº. 11.313/06, que suprimiu do texto do artigo 61 da Lei nº.
9.099/95 a exceção do procedimento especial, pacificando a criação de uma classe
de infringências criminais completamente distinta das demais, motivada pela
política da intervenção penal mínima, cognominada de infrações de menor
potencial ofensivo.
Desta guisa, os delitos previstos na nova Lei sobre Drogas, em regra, seguirão o
procedimento especial contemplado na mesma lei (art. 50 e segtes.). Não importa
a natureza da pena (reclusão ou detenção), o procedimento sempre será o
especial. As exceções ficam por conta das infrações penais cuja pena máxima não
exceda a dois anos.
Assim, o esquadrinhamento descontextualizado do § 1º, do artigo 48 da nova Lei
sobre Drogas, ora em considerações, propiciaria a conclusão de que o
procedimento dos juizados (art. 60 e segtes. da Lei 9.099/95) somente seria
aplicável para as infrações de menor potencial ofensivo, previstas no art. 28. No
entanto, não nos parece a correta visão do artigos do diploma legal comentado.
Na nova lei, para além das infrações do art. 28, outras existem com sanção
cominada não superior a dois anos. São elas: art. 33, § 3º, o definido como tráfico
privilegiado, e art. 38__ prescrição culposa de drogas. Ou seja: não importa se a
infração (punida até dois anos) conta ou não com procedimento especial:todas
são de menor potencial ofensivo e, portanto, jungidas ao procedimento da Lei nº
9.099/95.
Poder-se ia afirmar que em relação à figura penal do art. 28 da Lei nº 11.343/06,
houve a abolitio criminis?. Com efeito, em trabalho elaborado e publicado nos
Portais Jurídicos www.tex.pro.br, e www.direitonet.com.br, (Eliane Alfradique in
Comentários ao Código Penal Brasileiro, artigos 1º a 10º)21 entendemos que
nesse caso do artigo 28 da lei comentada, há a evidência da abolitio criminis,
como veremos:
“Neste caso, cuida-se de supressão da figura criminosa, por ter o legislador
considerado que a ação, antes prevista como delituosa, não é mais idônea a ferir o
bem jurídico, que pretende tutelar. Com a descriminalização do fato, não teria
sentido nem o prosseguimento da execução da pena, nem a mantença de seqüelas
penais da sentença condenatória”.
20
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional. 19ª. edição. São Paulo: Saraiva,
1998, p.199.
21
Eliane Alfradique, Comentários ao Código Penal Brasileiro, artigos 1º a 10º, publicado em
www.tex.pro.br e www.direitonet.com.br.
15
A abolitio criminis é a hipótese do art. 2º do Código Penal: a lei nova
exclui da órbita do ilícito penal o fato anteriormente incriminado. A abolitio criminis,
desde que a lei nova entra em vigor, é de ser reconhecida e declarada, de plano,
quer na primeira, quer na segunda instância.
A Lex mitior é a hipótese de lei penal mais benigna. Esta deve ser entendida como a
que amplia, de outro modo, o âmbito de licitude penal, quer reduzindo
quantitativamente, ou modificando qualitativamente a pena cominada, quer criando
situações de que favoreçam o direito de liberdade do agente.
O parágrafo único do art. 2º, em perfeito ajuste com o preceito constitucional, que
determina sem qualquer limite ou restrição a retroação da norma penal benéfica, o
novo dispositivo penal pôs termo a distinção, anteriormente estabelecida, entre a
norma penal que beneficiava o agente estatuindo pena menos rigorosa, hipótese em
que teria efeito retroativo, atingindo até a coisa julgada e a norma penal que favorecia o
agente, sem implicar redução de pena, hipótese em que a retroação não alcançaria a
coisa julgada. Agora, a norma penal mais benévola, qualquer que seja o seu conteúdo,
retroage sempre para favorecer o agente, mesmo que tenha sido julgado por sentença
condenatória irrecorrível.
Não é de outro jaez a jurisprudência dos Tribunais. Vejamos:
•
“É garantia constitucional inserida no
art. 5º, inciso XL da Constituição da
República
Federativa
do
Brasil
e
explicitada no art. 2º, § único, do CP,
que a lei posterior mais benéfica ao
acusado aplica-se ao fato praticado sob
a égide da lei anterior, mais severa,
em face do princípio da retroatividade
ali
consagrado,
mesmo
existindo
sentença
condenatória
irrecorrível”.
(TACRIM, SP, HC, Rel. Rocha Lima____RT
501/297 e 521/43422).
Por que assim entendemos? Contrariamente à lei anterior___art. 16 da lei
nº 6.368/76, que considerava crime sujeito à prisão em flagrante 23, na nova lei a
figura do usuário/dependente, será submetido às seguintes penas: advertência
sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser “crime”. Desse modo, a
conduta descrita no art. 28, continua sendo ilícita (uma infração, mas sem
natureza penal). Isso significa que houve tão-somente a descriminalizaçãoe a
despenalização, não a legalização. É uma situação híbrida. Em casos como
esses, se a lei nova descriminalizou e despenalizou o tipo penal do pré-citado
artigo, entendemos que houve o desparecimento da figura legal. No mais, é
22
23
TACRIM, SP, HC, Rel. Rocha Lima____RT 501/297 e 521/434.
Art. 16 da Lei nº 6.368/1976: “Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta)
dias-multa.
16
parêmia legislativa, que não resolverá o problema. Talvez o legislador
quisesse a legalização, o que seria mais salutar e não geraria uma série de
decisões inócuas, até porque, mesmo em se aplicando uma das medidas
“sancionadoras’’, se não cumprida pelo usuário, não poderá haver conversão em
detenção e restará inútil e tão somente emblemático o tipo penal do artigo
considerado. Há que haver a aplicação imediata do comando da nova lei em
todos os processos criminais que tratam da figura do usuário, pela retroatividade
da lex mitior.
BIBLIOGRAFIA:
1.ALFRADIQUE, Eliane, in Comentários ao Código Penal Brasileiro, artigos 1º
a 10º, publicado in www.tex.pro.br, www.direitonet.com.br.
2.- BASTOS, Celso Ribeiro, de Direito Constitucional. 19ª. edição. São Paulo:
Saraiva, 1998, p.199.
3.- CERNICCHIARO, Luiz Vicente, Dicionário de Direito Penal, editora José
Bushatsky, São Paulo, 1974.
4.- CUNHA, Rogério Sanches, Nova Lei de drogas Comentada, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 304.
5.- DELMANTO, Celso, Tóxicos, São Paulo, Saraiva, 1982.
6.- GOMES, Luiz Flávio, Nova Lei de Tóxicos, descriminalização de posse de
drogas para consumo pessoal, in Revista Juristas, João Pessoa, ano III, 2006.
7.- GOMES, Luiz Flávio, Nova Lei de Tóxicos: qual procedimento a ser adotado?
8.- GOMES, Luiz Flávio, ob. cit. Nova Lei de Tóxicos.
9.
GOMES Luiz Flávio, ob. cit.
10.- HÉLIE, in Traité, I, 178 § 539.
11.- MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, vol. III,
Campinas, ed. Bookseller, 1988, p. 342.
12.- NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Processo e Execução Penal, São
Paulo, RT, 2005, p. 461.
13.- PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes, Manual de processo e execução penal.
São Paulo: RT, 2005, p. 461.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.- Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário século XXI.
2.- Ministro Sepúlveda Pertence, Reclamação nº 1719, MC/MG- Minas Gerais.
3.- Súmula 611 so STJ; “Transitada em julgado a sentença condenatória,
compete ao juízo das Execuções a aplicação da lei mais benigna.
4.- Davi A. Costa Silva, apud Luiz Flávio Gomes, ob. Cit.
5.- BINDING, Apud DAMÁSIO E. DE JESUS, in Direito Penal, 1º Vol., Saraiva,
São Paulo, 1980, p. 12.
6.- Artigo 16 da Lei nº 6.368/1976: Art. 16 da Lei nº 6.368/1976: “Adquirir,
guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a
2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.
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