Disponível em: http://www.clubeinvest.com/bolsa/show_futures_technical_a nalysis.php?id=669 A Grande Inflação dos anos 70 22.06.2004 | 16:22:20 | João Henriques Vamos começar do princípio e analisar as diversas vertentes que caracterizaram o ambiente daquela época.. Partilhar O mais interessante quando se estuda história económica, é que nos periodos áureos da economia, de crescimento económico, facilmente se descobre as causas e os responsáveis por tal periodo de expansão, mas quando o estudo recai sobre épocas conturbadas ou de recessão, surgem as mais diversas teorias explicativas não havendo um consenso geral. Vamos então começar do princípio e analisar as diversas vertentes que caracterizaram o ambiente daquela época, a evolução económica, o fim do acordo de Bretton Woods, o preço do petróleo e a política monetária e fiscal. A economia nos anos 60 e 70 Durante a década de 60 a economia norte-americana viveu um dos mais fortes periodos de expansão de sempre, com 35 trimestres de crescimento positivo consecutivos (contado com o segundo trimestre de 67 que foi de crescimento 0), e que lhe permitiu atingir um crescimento médio anual durante essa década de 4,4%. Como se pode ver pelo gráfico abaixo a economia norte-americana registou dois trimestres de crescimento negativo logo no início dos anos 60 e só voltou a registar tal evolução no final da década, exactamente no último trimestre de 69 e primeiro de 70. Esta ligeira recessão deu início a um periodo conturbado da economia, com vários trimestres de crescimento negativo e fortes recessões, nomeadamente em finais de 74 e princípios de 80. O crescimento médio anual decaiu fortemente e se nos anos 60 tinha sido de 4,4%, nos anos 70 apenas atingiu os 3,3%. A forte expansão vivida nos anos 60 contribuiu naturalmente para uma forte diminuição da taxa de desemprego, caindo de cerca de 6% no início da década para baixo dos 4% no final da mesma. Pelo lado oposto, o conturbado periodo vivido nos anos 70 teve como consequência um crescimento muito elevado do desemprego chegando a atingir mais de 8% a meio da década. Mas a década de 70 ficou foi realmente famosa por ter sido vivida num ambiente de elevada inflação. Comparando as duas décadas aqui analisadas facilmente se nota uma mudança drástica relativamente à evolução geral dos preços e enquanto que na década de 60 a inflação média anual foi de 2,4% na de 70 foi de 7,1%, com o seu pico a ser atingido já em 1980 quando a inflação era mais de 13%. Mas importa aqui salientar um outro ponto. Se olharmos para o gráfico, facilmente percebemos que o aumento da inflação se deu ainda em meados da década de 60, e assim, se em 1965 a subida média anual dos preços foi de 1,6%, já em 1969 esse valor atingiu os 5,5%. Este ponto é muito importante e indica que algo já não estava bem quando entrámos nos anos 70. Politicamente a década de 60 ficou marcada pelo assassínio de Kennedy em finais 1963, e pela posterior presidência de Lyndon Johnson, que pôs em marcha o programa Grande Sociedade, que tinha como objectivo melhorar a vida das pessoas, investindo-se na educação, no auxílio médico, desenvolvimento das regiões menos favorecidas, etc. Além deste programa, os Estados Unidos mantinham-se envolvidos numa controversa e dispendiosa guerra, Vietname, e empenhados na conquista do espaço, gastando milhões para se manterem à frente dos russos e porem um Homem na lua até 1969. Todos estes programas e gastos governamentais contribuiram para o periodo de expansão vivido, mas também tiveram como consequência a degradação das contas do Estado. Assim, podemos verificar que se em 1960 houve um excedente de 0,1% do PIB, os oitos anos seguintes foram de défices, e nomeadamente a partir da segunda metade da década houve um forte agravamento atingindo-se um máximo de 2,9% em 1968, o mais elevado valor desde final da segunda guerra mundial. A década de 70 continuou a ver as contas públicas a agravarem-se chegando mesmo a atingir-se um défice superior a 4% em 1976. O fim do Acordo de Bretton Woods Bretton Woods foi o nome dado a um acordo de 1944 no qual estiveram presentes 45 países aliados e que tinha como objectivo reger a política económica mundial. As moedas dos países membros passariam a estar ligadas ao dólar variando numa estreita banda de +/- 1%, e a moeda norte-americana estaria ligada ao Ouro a 35 dólares. Para que tudo funcionasse sem grandes sobressaltos foram criadas duas entidades de supervisão, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial. O dólar passou assim a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial e os países membros utilizavam-na para financiar os seus desequilíbrios comerciais, minimizando custos de detenção de diversas moedas estrangeiras. Durante vinte anos o sistema funcionou como era previsto, mas chegando-se à segunda metade da década de 60 começaram a surgir problemas derivados da degradação das finanças norte-americanas. Para se financiar o défice orçamental houve um aumento da emissão de dólares* que, por um lado, começou a criar problemas aos restantes países membros do acordo, porque os obrigava a emitir das suas próprias moedas para manterem o cambio “fixo”, criando pressões inflacionistas na sua economia, e por outro, associado a uma degradação da conta corrente norte-americana, com as importações a crescerem mais rápido que as exportações (a balança comercial passou de um excedente de 6,8 mil milhões em 64 para um défice de 2,9 mil milhões em 71, sendo também um dos culpados a sobrevalorização do dólar, que mantinha o preço dos produtos norte-americanos muito elevados face aos europeus), a quantidade de dólares passou a exceder o stock de ouro diminuindo a vontade dos outros países de deter dólares. (em 1971 o passivo norte-americano era de 70 mil milhões de dólares e o stock de ouro de apenas 12 mil milhões) A pressão foi aumentando e durante o primeiro semestre de 1971 já se notava alguma valorização das moedas mais importantes face ao dólar, apesar de serem tomadas algumas medidas para contrariar essa tendência. Mas, a 15 de Agosto, Nixon, que era presidente desde 1969, pôs fim ao acordo de Bretton Woods e à convertabilidade do dólar em ouro, anunciando a sua vontade de realinhar as taxas de paridade. Após o anúncio, os mercados estiveram fechados durante uma semana e quando abriram o dólar foi desvalorizando, com os Bancos Centrais a intervir e a controlar a situação. Perto do final do ano, a 18 de Dezembro, foi elaborado um novo acordo, o Smithsonian Agreement, que fixou os novos câmbios (em 31 de Dezembro o US Dolar Index registava uma desvalorização de 9%) e uma banda de negociação de 2,25%, além de uma desvalorização de 8,57% do dólar face ao ouro Mas a pressão sobre desvalorização do dólar continuou durante os dois meses seguintes e em Fevereiro de 1972 os mercados foram encerrados reabrindo apenas em Março de 1973, já com taxas de cambio livres. O Dólar, o Ouro e o Petróleo A pressão sobre desvalorização do dólar manteve-se entretanto após a abertura dos mercados cambiais e aí nasce um problema que até então não existia e que implicava a mais importante matéria-prima a nível mundial, o petróleo. Embora o petróleo fosse cotado em dólares, o ouro tinha uma elevada importância na região Arábica, servindo de moeda de transferência entre países árabes, asiáticos e povos da região. Ao deixar-se o dólar cotar livremente, e mantendo ele uma forte tendência de desvalorização (a 6 de Julho o US Dolar Index já tinha desvalorizado 21%), o preço do petróleo passava a valer muito menos em ouro e os países produtores sentiam-se a perder poder de compra. Entre a Segunda Guerra Mundial e até finais dos anos 60, com o ouro a valer 35 dólares, o preço do petróleo subiu menos de 2% em média anual, de 2 para 3 dólares, fazendo com que no final de 1970 fossem preciso 12 barris de petróleo para comprar uma onça de ouro. Com a ligeira desvalorização do dólar em 71, o declínio do preço “real” do petróleo não passou despercebido aos produtores de petróleo e logo em 1971, a OPEC inseriu um factor de 2,5% anual no preço do petróleo para compensar a queda do dólar. Durante 1972 e após o Smithsonian Agreement, que trouxe uma nova desvalorização do dólar face ao ouro, o factor foi revisto e obrigou a um aumento de 8,49% no preço do petróleo. Mas em meados de 73 o ouro chegou a valer 120 dólares, e como o preço do petróleo em dólares se manteve implicou uma desvalorização do mesmo face ao ouro, passando a serem precisos 34 barris por onça, ou uma desvalorização de 70%. Esta perca de poder de compra por parte dos países da OPEC, levou-os a marcar uma reunião para dia 8 de Outubro de 1973 com as companhias petrolíferas, na qual o preço do petróleo seria revisto em alta. Mas dois dias antes da reunião se realizar estalou a 4ª guerra Israelo-Árabe, que durou menos de um mês, mas que alterou radicalmente o contexto político e económico. O Rei Faisal da Arábia Saudita, tinha durante todo o ano de 73 avisado os Estados Unidos que caso a política para o Médio Oriente não fosse alterada o petróleo seria utilizado como arma. Assim, em 1 de Janeiro de 1974 a OPEC impôs um aumento do preço do petróleo de 4,31 para 10,11 dólares. Na altura os Estados Unidos dependiam apenas em pouco mais de 6% do petróleo árabe, mas as consequências foram nefastas para a economia norte-americana. Mas o mais interessante na subida do preço do petróleo, é que devido à forte desvalorização que o dólar tinha sofrido durante 73, o seu preço em ouro após o aumento passou a ser de 12,8 barris por onça. Ou seja, no fundo a guerra serviu como desculpa para a subida do preço do petróleo, mas é inegável que o aumento do preço apenas trouxe o valor do petróleo em termos de ouro para os valores normais do início da década. As sanções foram retiradas em Julho de 74 e nos anos seguintes o preço do petróleo esteve mais estável, mas sempre a subir. Em 1977/78 o dólar começou novamente a perder valor e o ouro, naturalmente a subir, criando pressão sobre o preço do petróleo. Em Janeiro de 79 deu-se a Revolução Iraniana. O Xá do Irão foi obrigado a sair do país depois de um ano de intensa oposição, e em Fevereiro Ayatola Komeni tomou o poder, sendo confirmado num referendo em Abril desse ano e criando no Irão uma República Islâmica. As relações com os Estados Unidos agudizaram-se e em Novembro, quinhentos estudantes extremistas tomaram a embaixada norteamericana em Teerão e fizeram 66 reféns durante 444 dias. O Irão produzia mais de 5 milhões de barris por dia tendo uma posição relevante no conjunto dos países da OPEC na produção de petróleo, com um peso de 18%. Com a revolução, a sua produção baixou para 3 milhões de barris e o seu peso baixou para 10% em 79 e para 1,5 milhões de barris e 6% nos dois anos seguintes, vindo posteriormente a nivelar nos 13%. A Revolução Iraniana fez disparar novamente o preço do petróleo e este atingiu um novo máximo acima dos 35 dólares no início de 1981. A política monetária e o não combate à inflação Após a ligeira recessão de 69/70 a economia sofreu mais um trimestre negativo de crescimento, no último trimestre de 70, mas posteriormente entrou em expansão. A inflação parecia estar controlada e começou a diminuir atingindo em 1972 o valor de 3,2%. Richard Nixon era na altura presidente dos Estados Unidos, cargo que ocupou até 1974, e Arthur Burns presidente da Reserva Federal, lugar que ocupava desde Fevereiro de 1970, e no qual havia sucedido a William McChesney que o tinha ocupado durante 19 anos. Burns tinha anteriormente liderado o NBER (National Bureau of Economic Research) e tinha ganho reputação de mestre do ciclo económico, opondo-se sempre à inflação, já que considerava que esta dava início às forças que causavam recessão. Mas então, com alguém com esta convicção a liderar o Fed, como foi possível que a década de 70 se tornasse um periodo conhecido como a “Grande Inflação”? A verdade é que durante toda a década de 70 acreditou-se que a política monetária não era a arma capaz de controlar a inflação, atirando-se essa responsabilidade para as políticas salariais. Acreditava-se que a inflação surtia de um efeito de “costpush”, responsabilizando-se os monopólios de sindicatos e grandes empresas pela pressão salarial. Nixon chegou mesmo a impor um controlo de salários em Agosto de 1971, medida essa que durou até Abril de 74. Mas apesar disso o presidente dos Estados Unidos não acreditava em políticas económicas que prometiam combater a inflação aumentando o desemprego, porque ele atribuía a derrota nas eleições de 1960 ao facto de Eisenhower não ter querido estimular a economia e o emprego devido ao risco de causar inflação. (Nixon foi vice presidente quando Eisenhower era presidente e candidatou-se ao cargo de presidente pela primeira vez em 1960) Na procura de um elevado crescimento económico, o défice orçamental aumentou fortemente em 71 e 72 e novamente em 75 e 76 (já com Gerald Ford na presidência), e a política monetária esteve muito expansiva como se pode verificar pelo gráfico das taxas de juro reais (txs juro nominais – inflação) e pelo crescimento da massa monetária. Apesar das taxas de juro nominais terem estado em tendência de subida durante toda a década, desde meados de 1974 até início de 1980 as taxas reais foram negativas, estimulando um ambiente inflacionista. A adicionar a este facto verificamos também que fortes crescimentos da massa monetária antecederam os anos mais fortes de inflação, em 1971 e 72 a massa monetária cresceu cerca de 13% e novamente esse valores foram atingidos em 75 e 76. Na altura havia grande debate sobre a política monetária e seus efeitos (tal como actualmente e sempre) e quando a inflação começou a subir novamente o presidente do Fed responsabilizou os mais diversos factores, como o aumento do preço do petróleo, as más colheitas e o mau tempo. Havia quem dissesse ironicamente que a política monetária estava a fazer o seu papel, já que era menos restritiva do que os monetaristas desejavam e mais do que os keynesistas pediam. Além do mais, nunca foi tão expansionista como o Congresso queria e até 1972 foi mais restritiva do que Nixon desejava. O presidente do Fed afirmava na altura que a política monetária era a correcta e que se fosse mais restritiva teria tido custos reais na economia sem limitar a inflação. Milton Friedman o “senhor monetarista”, afirmou em 72 que a massa monetária estava mais elevada do que ele favorecia, mas para o periodo em questão, não estava perigosamente elevada. A adicionar a todos estes factores acredita-se actualmente que houve erros na estimativa do potencial de crescimento da economia e no cálculo da produtividade. A produtividade dos Estados Unidos cresceu a uma média anual de 2,25% entre 1890 e 1970, o que fez com que a produção por trabalhador dobrasse em cada trinta anos. Apesar de não se encontrar as razões específicas para uma mudança, os estudos indicam que nos anos 70 o crescimento da produtividade diminuiu para cerca de 1,5%. Só no princípio dos anos 80 e já sobre a liderança de Paul Volcker no Fed e de Jimmy Carter na presidência dos Estados Unidos é que houve uma luta feroz contra a inflação, subindo-se as taxas de juro drasticamente com o objectivo primordial de controlar os preços. A partir daí entrou-se num ciclo de diminuição progressiva da inflação que durou até aos tempo actuais. Conclusão Como conclusão podemos então salientar três tópicos. - o fim do acordo de Bretton Woods trouxe uma nova situação financeira, com as moedas a cotarem livremente e que teve como consequência uma forte desvalorização do dólar (em 1973 e 77/78). Apesar das crises nas Arábias terem criado pressão de subida do preço do petróleo, é inevitável uma relação entre a desvalorização do dólar e uma subida dos preços dos produtos importados, nomeadamente o petróleo - não existiu durante toda a década a “real” vontade de controlar a inflação. Alguns economistas afirmam que se vivia ainda um pouco na sombra da Grande Depressão dos anos 30, e que por isso, havia uma vontade de estimular a economia para manter o desemprego a um nível reduzido - a manutenção de uma política monetária muito expansiva, contribui também para um descontrolo cambial, o que implica que se tenha entrado num ciclo vicioso que só foi estancando nos anos 80 com a forte subida das taxas de juro. Como é natural num periodo conturbado como este o mercado accionista caiu fortemente, e ajustado à inflação e não incluindo dividendos, perdeu perto de 40%. A lição dos anos 70 é a de que a elevada inflação é algo a combater e acredito que a Reserva Federal continuará a ter essa medida como objectivo, mantendo tanto a inflação actual como as expectativas de longo prazo controladas, de modo a que elas não interfiram negativamente na actividade económica. Por outro lado, sabemos actualmente que provavelmente uma das causas da entrada em deflação do Japão nos anos 90 foi ter tido um política monetária demasiado restritiva no ciclo de crescimento que se seguiu ao rebentamento da bolha financeira de finais de 80. ( ver artigo ) É um assunto a continuar a estudar, nomeadamente a comparação entre os anos 70 e os dias que correm, ao nível da política monetária e fiscal e ao nível da evolução do preço do petróleo.. * Quando o governo gasta mais do que recebe em impostos, o Departamento do Tesouro tem de se financiar no mercado, vendendo obrigações e títulos do Tesouro. O aumento da procura de crédito no mercado financeiro, se não for compensado por uma redução de procura de crédito por outros agentes, pressiona para cima as taxas de juro, porque existem mais títulos a concorrerem entre si e para serem aceites têm de oferecer melhores taxas de retorno, ou seja, um juro mais elevado. A Reserva Federal se quiser limitar a subida das taxas de juro comprará títulos do Governo, e para o fazer tem de emitir moeda e pô-la em circulação, ou seja, um aumento da massa monetária, que por sua vez vai criar inflação.