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Uma Mente Brilhante. John Forbes Nash Jr.*
Ubiratan D’Ambrosio
O filme ”Uma Mente Brilhante”, produzido pela Universal Pictures,
em 2001, é um dos grandes sucessos de público e de crítica.
O filme,
uma história de ficção e de amor, gira em torno da doença mental de
Nash. É apoiado nas figuras reais de John Forbes Nash Jr e de sua esposa
Alicia Larde e na luta de ambos para superar, na verdade conviver com,
uma doença incurável, que é a esquizofrenia paranóica.1
O roteiro do filme é baseado no premiadíssimo livro publicado em
1998, A Beautiful Mind. A Biography of John F. Nash, de Sylvia Nasar,
atualmente Professora Titular de Jornalismo da Columbia University, em
New York, e publicado no Brasil como Uma Mente Brilhante. É importante
notar que Sylvia Nasar dedica seu livro a Alicia Esther Larde Nash.
De
fato, John Nash sobreviveu à doença graças à dedicação de sua esposa.
O foco deste capítulo é dar um exemplo de um filme que é motivado
pelas ciências e de como uma leitura dos fatos, científicos ou ficcionais,
apresentados no filme, pode ser aproveitada para entender esses fatos e
para sugerir uma reflexão sobre eles e mesmo sugerir outros temas de
pesquisa. Usarei o filme “Uma Mente Brilhante” como exemplo. No curso
do trabalho chamarei atenção e darei referências, nas Notas, para temas
de pesquisa em História das Ciências, que são sugeridos pelo filme.
Neste trabalho, que é uma narrativa não-linear, farei breves
comentários sobre a importância e o significado da ficção na História das
Ciências, sobre o roteiro e a produção do filme, e sobre a figura central,
que é o notável matemático e extraordinário ser humano, John Forbes
Nash Jr. É interessante notar que o título em inglês é A Beautiful Mind. Na
verdade, uma mente bonita pelas suas brilhantes capacidades intelectuais
História da Ciência no Cinema, Bernardo Jefferson de Oliveira
(organizador), Argumentum, Belo Horizonte, 2005; pp. 111-130 (ISBN
85-98885-04-5).
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e pela sua grandeza de humanidade e de coragem para superar os
problemas colossais causados pela terrível doença que o acometeu.Antes
de passar ao foco deste capítulo, que é a matemática praticada por Nash e
sua inserção na segunda metade do século 20, quero tecer umas
considerações sobre a utilização da ficção e do cinema na História das
Ciências.
A primeira reflexão que devemos fazer é sobre a natureza da
História. O que é História? Definir História como uma disciplina é muito
difícil. Podemos considerar o objeto da História como entender a aventura
da espécie humana na sua busca de sobrevivência e de transcendência.
Em função dessa busca se dá a geração de estratégias para explicar,
apreender, conhecer e lidar com o ambiente
natural, social, cultural e
imaginário, a organização intelectual e social dessas estratégias, e difusão
das mesmas. Não há uma linearidade nesse processo, é um ciclo: ... ↔
geração ↔ organização intelectual e social ↔ difusão ↔ .... As estratégias
são organizadas por afinidade de estilos, de objetos focalizados e de
métodos. Os conjuntos dessas estratégias, organizados por afinidade
quanto aos objetos visados e aos métodos, constituem os sistemas de
conhecimento. Dentre esses destacam-se as artes e as técnicas, as
religiões e as ciências, os modos e estilos de comportamento, e os
sistemas de valores. Assim, o objeto da História é o ciclo: ... ↔ geração ↔
organização intelectual e social ↔ difusão ↔ ...
De um complexo de informações, muitas truncadas, geralmente
isoladas umas das outras, o historiador tenta construir uma narrativa
histórica, que é um discurso organizado e coerente, com objetivos
comunicativos
específicos,
incorporando
elementos
sintáticos
e
semânticos. O historiador não pode deixar de recorrer a redundâncias, a
metáforas e à ficção, tentando suprir as deficiências, inevitáveis, de
informações.É importante esclarecer o que entendo por metáforas e
ficção. Metáfora é uma transposição do sentido figurado, que evoca
comparações e analogias e relaciona identidades. A ficção é uma narrativa
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que usa a linguagem para designar objetos e/ou o estado das coisas que
não existem ou não precisam existir no mundo real. A ficção geralmente
utiliza metáforas e é uma crônica do presente, freqüentemente recorrendo
à história e a incursões no futuro.
A história, como discurso sobre o passado, revela interesses,
imaginação e fantasias, e conseqüentemente, recorre a metáforas e à
ficção e a redundâncias. A História das Ciências não escapa a essas
características e a ficção tem sido um recurso freqüente na História das
Ciências. Particularmente ao se lembrar os grandes vultos das ciências. A
fascinação pelas biografias e autobiografias e pela chamada História Oral
implica a necessidade de uma multiplicidade de fontes, incompletas,
muitas vezes não confiáveis e, geralmente, intencionadas. O grande
desafio do historiador das ciências é harmonizar o rigor acadêmico e a
narrativa ficcional.
Voltemos a considerações sobre o conhecimento e seu ciclo, que é
sua geração, sua organização intelectual e social e sua difusão.
Vamos tecer algumas considerações sobre a difusão, lembrando que
o cinema é uma forma de difusão. A difusão se dá, basicamente, em três
modalidades: acadêmica, particularmente na escola, em todos os níveis, e
na transmissão institucionalizada; dinâmica ou osmose cultural, mediante
a qual o conhecimento flui, por uma complexidade de meios de
comunicação, entre indivíduos de uma família, de comunidades, de grupos
sociais e através das gerações; narrativa ficcional, utilizando meios de
comunicação que podem ser acessados fora do ambiente especializado,
assim evitando ou ao menos amenizando, o jargão formal que caracteriza
a modalidade acadêmica.
A narrativa ficcional é muitas vezes acusada de vulgarizar e
banalizar o conhecimento. Eu vejo as três modalidades de difusão como
complementares e, na verdade, mutuamente essenciais. A mistificação do
conhecimento, sob os mais variados argumentos, tem sido uma poderosa
arma de opressão. Lembro que David Hilbert (1862-1943), um dos mais
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conceituados matemáticos na transição do século 19 para o século 20, e
considerado o mais importante representante da chamada corrente
formalista da matemática, afirmou, numa célebre conferência, em 1900:
“Uma teoria matemática não está visível antes da perfeição até que você a
faça tão clara que seja possível explicá-la para a primeira pessoa que você
encontra na rua”.2
Como
já
dito,
a
narrativa
ficcional
utiliza
vários
meios
de
comunicação. A escrita tem sido a mais utilizada. Desde os livros sagrados
das
várias
tradições,
passando
por
Homero,
Virgílio,
pelas
sagas
arturianas e pelos épicos, como Luiz de Camões e William Shakespeare,
chegamos a Francis Bacon, ao Padre Antonio Vieira e a Mary Shelley,
Bram Stocker, Victor Hugo e Umberto Eco. A narrativa ficcional recorre a
documentação, de fontes primárias, com interpretações que incorporam
personagens, fatos e lugares fictícios e metáforas. Em algumas obras,
geralmente romanceadas, personagens historicamente aceitos relacionamse com personagens ficcionais, em cenários nos quais os fatos históricos
estão inseridos.3
Mas o livro A Beautiful Mind é uma biografia sem
recursos ficcionais.
Assim como o recurso ao teatro e à música tiveram grande
intensidade nos século 16 a 19, no século 20 foi o cinema que possibilitou
um grande veículo para a difusão de conhecimento para um público muito
numeroso. Algumas obras, antes disponíveis somente como livros, como,
por exemplo, Frankenstein e Drácula, ganharam outro público, graças a
inúmeras versões que recriam as obras originais com novos elementos
históricos e ficcionais, possíveis graças à riqueza comunicativa do cinema.
4
Vamos, então, voltar ao foco deste capítulo, que é a matemática
praticada por John Nash e sua inserção na segunda metade do século 20,
a partir do roteiro do filme, destacando as cenas mais interessantes do
ponto de vista acadêmico e, muitas vezes, recorrendo ao livro de Nasar e
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aos próprios escritos de Nash e de seus colegas. Como já disse, minha
narrativa será não-linear.
Quero insistir no fato de que a versão cinematográfica se desvia
muito da biografia feita por Sylvia Nasar, que se insere nos padrões das
boas biografias de cientistas. A autora documentou amplamente sua
narrativa, tendo recorrido a fontes primárias e a entrevistas com inúmeros
indivíduos que se relacionaram com Nash e que conhecem sua obra e os
detalhes de sua doença. Obteve, também, depoimentos do próprio Nash e
de sua esposa, Alicia. Já a versão cinematográfica recorreu a inúmeras
liberdades. O diretor Ron Howard e o roteirista Akiva Goldsman tomaram
liberdades perfeitamente justificáveis para que o filme tivesse o alcance e
o sucesso que teve. A mais clara é o recrutamento de Nash pelo
Pentágono e o Departamento de Defesa e a figura sinistra do agente
Parcher. O código dos soviéticos, que os conspiradores publicavam em
jornais e revistas, e que foi quebrado por Nash, é inteiramente ficcional.
Mas, como geralmente acontece quando se toma liberdades num processo
criativo, como é produzir uma obra cinematográfica, é possível haver um
vínculo com algo que efetivamente se passou. Esse é o caso, como
veremos mais adiante.
Com excelentes interpretações e um roteiro muito bem equilibrado
entre fato e ficção, o filme, dirigido por Ron Howard, é uma recriação da
vida atribulada de um dos mais brilhantes matemáticos do século 20, John
Forbes Nash Jr.
O filme foi um grande sucesso em todo o mundo. Nos Estados
Unidos, foi indicado para 8 prêmios da Academy of Motion Pictures Arts
and Sciences (“Oscar”), tendo recebido quatro estatuetas: Melhor Atriz
Coadjuvante (Jennifer Connelly, como Alicia Nash), Melhor Diretor (Ron
Howard), Melhor Filme (Brian Grazer e Ron Howard, Produtores), Melhor
Roteiro (Akiva Goldsman). O neozelandês Russell Crowe, que no ano
anterior havia recebido o Oscar de Melhor Ator, pelo seu desempenho em
“O Gladiador”, foi sério candidato a uma segunda estatueta por seu
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desempenho como John Nash. Mas não recebeu o Oscar por razões outras
que a qualidade da sua impecável interpretação. Recebeu, porém, o Gold
Globe Award de Melhor Ator. Durante a produção, o próprio John Nash,
então com 72 anos, visitou o local da filmagem, em Princeton, e esteve
com Crowe. Gostou da maneira como o ator o representou e deu-se então
uma relação de empatia entre ambos. Tudo indica que Crowe observou o
jogo de mãos de Nash, quando ambos tomavam chá num intervalo de
filmagem, e incorporou a gesticulação peculiar de Nash à sua atuação.
O fato de uma personalidade tão complexa, como é o caso de John
Nash, ter ficado satisfeito com a atuação de um ator profissional que o
representa, é um indicativo da qualidade da produção e da interpretação.
Os inúmeros elementos ficcionais inseridos no filme foram considerados
adequados e aprovados por Nash.
Não menos importante foi o desempenho de Jennifer Connelly como
Alicia. Nascida em El Salvador, Alicia Larde emigrou para os Estados
Unidos ainda criança, junto com sua família. Seu pai era um eminente
médico salvadorenho. Como aluna de Física no Massachussets Institute of
Technology, Alicia apaixonou-se pelo jovem e garboso professor de
Cálculo. Jennifer Connely trocou idéias, durante a filmagem, com Alicia
Larde, procurando aprimorar seu desempenho. No filme, uma declaração
de amor inusitada leva os dois ao casamento em 1956, ao nascimento do
filho John Charles Martin em 1959, e mostra o agravamento da doença de
Nash e a tensão crescente entre ambos. Na vida real, entretanto,
divorciaram-se em 1963, por iniciativa de John, mas Alicia jamais se
afastou dele, dando-lhe assistência e apoio para sua recuperação.
Voltaram a se casar em junho de 2001. O filme omite o fato que antes de
se casar com Alicia, John havia tido uma relação com a enfermeira Eleanor
Stier, da qual nasceu o filho, John David Stier, em 1953. Nash não deu
apoio material à mãe e nem deu seu nome ao filho. O filme omite,
também, um relacionamento, com características de homossexualismo, de
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Nash com o aluno de pós-graduação Jack Bricker, conforme narrado na
biografia por Sylvia Nasar.
Os ambientes acadêmicos nos quais foi feita a filmagem, Princeton
University, Manhattan College, em Riverdale, e Fordham University, em
New York, foram convenientemente arranjados para parecerem ambientes
reais. Por exemplo, a sala do Pentágono, na qual Nash tem sua primeira
decifração de códigos, é um ambiente da Fordham University. Todos os
personagens, com exceção de John, Alicia e o pequeno bebê John, são
ficcionais. Embora ficcionais, os colegas e professores do filme, tem
algumas características de personagens reais. No filme, o Nash-ficção tem
manifestações de insanidade diferentes daquelas do Nash-real.
O ponto central da trama, que é puramente ficcional, é o trabalho de
Nash decifrando códigos que revelam a preparação de um ataque nuclear
soviético aos Estados Unidos. De fato, havia uma paranóia coletiva nos
Estados Unidos, sobre um possível ataque nuclear soviético. O trabalho do
Nash-ficção para o Departamento de Defesa, supervisionado pelo sinistro
agente Parcher, aparece como uma conseqüência da doença. Nada é real.
O Nash-real jamais trabalhou como decifrador de códigos para o
Departamento de Defesa. De fato, Nash preocupou-se com decifração de
códigos, procurando descobrir comunicação de extra-terrestres que
estariam preparando uma invasão da Terra. Mas foi uma ação isolada de
Nash e sem continuidade. Outros também se preocupavam, e ainda se
preocupam, com discos-voadores e coisas do gênero.5 O envolvimento do
Nash-real com as forças armadas foi durante um período de consultoria na
RAND Corporation, que comentarei mais adiante. A discussão dessa trama
ficcional, a paranóia coletiva que dominava os Estados Unidos e o trabalho
do Nash-real são temas muito importantes para a História das Ciências.6
O roteiro exagera no comportamento de Nash ao entrar, como
estudante, na pós-graduação em Princeton, e também no seu retorno à
mesma universidade como visitante e, posteriormente, como professor.
Os depoimentos, de colegas reais, falam de sua personalidade, um tanto
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excêntrica, mas não como sugerida no filme. As suas manifestações de
esquizofrenia só vão aparecer muito mais tarde. Mas o que vem a ser a
doença
diagnosticada,
pelo
fictício
Dr.
Rosen,
como
esquizofrenia
paranóica? Esse é mais um tema para a História das Ciências, da maior
importância na transição do século 19 para o século 20, com a importante
contribuição do eminente psicólogo P.E.Bleuler e das suas discordâncias
com Sigmund Freud e a emergente psicanálise. A descrição e a
identificação da terrível doença e seu reconhecimento, pelo próprio Freud,
como não sendo um distúrbio psíquico, mas sim fisiológico, que justificam
o tratamento quimioterápico, é muito interessante.7 O próprio John Nash é
quem melhor descreve a personalidade e o comportamento de uma
pessoa afetada pela doença, na sua Autobiografia, publicada em 1994, por
ocasião do Prêmio Nobel8:
“Assim, nos tempos atuais parece que eu estou pensando
racionalmente novamente, no estilo que é característico de
cientistas. Contudo esta não é uma questão de alegria como se
alguém retornasse de uma desabilidade física para uma boa saúde
física. Um aspecto é que a racionalidade do pensamento impõe
limites para a concepção das relações de uma pessoa com o
cosmos. Por exemplo, um não-Zoroastrista poderia pensar de
Zoroastro como simplesmente um maluco que conduziu milhões de
seguidores ingênuos a adotar um culto ou ritual de adoração do
fogo. Mas sem sua “loucura”, Zoroastro teria sido necessariamente
apenas um outro entre milhões ou bilhões de indivíduos humanos
que teriam vivido e então sido esquecidos”. ( pg?)
Essa afirmação pode ser resumida em “Eu sou o que sou e como
sou”. O tom dessa afirmação reflete muito fortemente o caráter de Nash,
ambicioso e consciente do valor de sua mente matemática. Sempre quis
ser o melhor, ser reconhecido e premiado. Isso é bem captado pelo
roteirista, ao mostrar sua apresentação na festa de recepção aos novos
alunos. O filme mostra também seu interesse por jogos, assim como seu
inconformismo com perder. É notável a cena de sua disputa numa partida
do tradicional jogo japonês, chamado Go, muito comum nos ambientes
matemáticos do pós-guerra, inclusive no Brasil. De fato, o jogo era um
concorrente do xadrez, ingenuamente apontado por muitos como jogo de
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matemáticos. Na verdade, o xadrez é um jogo de computadores, como
bem mostra o sucesso do supercomputador Deep Blue, da IBM. O filme
não deixa claro o fato de Nash ter inventado um variante do Go,
denominado Hex, que foi posteriormente comercializado. O tema do lúdico
é muito importante na História das Ciências.9
Nash dava pouca importância aos aspectos mais formais do fazer e
escrever matemática. Seus principais escritos sempre tiveram que passar
por muitas revisões. Mas ele sempre procurava resolver problemas muito
difíceis. Isso aparece muito claramente no filme, em pelo menos duas
ocasiões. Uma, quando em seu retorno a Princeton, um jovem o aborda
na Biblioteca e ele diz estar trabalhando na Hipótese de Riemann; outra,
na cena fictícia de sua palestra em Harvard. Um auditório cheio, para
ouvir um jovem matemático, só pode ser justificado se o tema da palestra
for muitíssimo atrativo. De fato, no filme aparece que a conferência seria
sobre a Hipótese de Riemann. No curso de sua exposição, o Nash-ficção
entra na grande crise que o levou à hospitalização. A Hipótese de
Riemann, que trata da distribuição de números primos, foi proposta pelo
grande matemático alemão Bernhard Riemann, em 1859, e ainda, até
hoje, não foi resolvida.10 A solução fará jus a um prêmio no valor de 1
milhão de dólares, oferecido pelo Clay Institute.11
Um
dos
problemas
preferidos
por
Nash
trata
de
equações
diferenciais parciais, especificamente a continuidade das soluções de
equações elíticas e parabólicas. Nash resolveu o problema, que foi
publicado,
em
1958,
na
importante
revista
American
Journal
of
Mathematics. Mas Nash não sabia que o mesmo problema já havia sido
solucionado pelo jovem e brilhante matemático italiano Ennio de Giorgi,
em 1956. Se apenas um tivesse logrado a solução deste importante
problema, seja Nash ou De Giorgi, esse teria recebido a cobiçada Medalha
Fields, que é considerada equivalente a um Prêmio Nobel de Matemática.12
Mas o fato de um mesmo problema ter sido resolvido por dois
matemáticos, independentemente e com técnicas diferentes, enfraqueceu
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o caráter de extrema dificuldade do problema. Essa observação é devida
ao próprio Nash, na sua Autobiografia, mencionada acima.
Embora Nash tenha recebido, em 1994, o Prêmio Nobel em
Economia, por um outro resultado, a grande ambição Nash era receber a
Medalha Fields. Curiosamente, ao instituir seu importante prêmio, em
1901, Alfred Nobel deixou explícito, no seu testamento, que jamais
deveria haver um Prêmio Nobel de Matemática. Em 1924, durante o
Congresso Internacional de Matemáticos, em Toronto, o matemático
canadense J. C. Fields, institui uma premiação para matemáticos,
equivalente ao Prêmio Nobel, a chamada Medalha Fields. Entretanto, esse
prêmio só pode ser concedido a matemáticos até atingirem 40 anos. A não
obtenção da Medalha Fields parece ter sido uma enorme frustração para
Nash
e
um
dos
responsáveis
pela
precipitação
de
sua
crise
de
esquizofrenia. Esse mal, embora já viesse se agravando, não havia sido
identificado em Nash, e seu comportamento era tido como próprio de sua
personalidade, reconhecidamente excêntrica e confusa, ou como resultado
de estresse. A crise de 1958 permitiu diagnosticar a esquizofrenia
paranóica.
Quero destacar um importante detalhe de técnica cinematográfica,
peculiar a essa produção. Nash era, e continua sendo, um matemático que
não prima por ser organizado, tanto em seus escritos como em suas aulas
e conferências. Na verdade, até mesmo entender o encadeamento de suas
idéias é difícil. Seu brilhantismo é confuso e, naturalmente, representar
essa forma de ser é muitíssimo difícil. Por exemplo, todos estão lembrados
que, numa cena do filme, o quarto de Nash, quando fazia o doutorado em
Princeton, mostrava anotações dispersas nos vidros das janelas. Também,
devem se lembrar que em outra cena, sua aula mostrava um quadronegro confuso. A filmagem dessas cenas deveria, necessariamente,
mostrar como Nash era confuso e, ao mesmo tempo, revelar a coerência
característica
de
um
matemático
brilhante.
Esses
são
problemas
cinematográficos de grande dificuldade. Inclusive, é muito importante que
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os gestos do ator revelem uma maneira de ser muito própria aos
matemáticos, principalmente numa sala de aula. Conseguir isso de um
ator profissional e do pessoal de apoio na filmagem foi uma verdadeira
proeza.
O que ocorreu ao diretor Howard, considerando que o próprio Nash
aprovou a produção, foi pedir ajuda técnica a ele. Howard diz “Eu tentei
conseguir que Nash nos desse umas aulas e explicasse alguns de seus
importantes avanços
matemáticos... o
que foi absolutamente sem
esperança. Mas... nós copiamos muito do que ele escreveu no quadro
negro” O desafio do diretor passou a ser dar sentido ao que eles haviam
copiado, e para isso foi necessário que a produção contasse com uma
assessoria criativa e competente. Contrataram, então, como consultor,
Dave Bayer, Professor de Matemática do prestigioso Barnard College, da
cidade de New York. Foi uma ótima escolha e Bayer integrou-se à
produção. Para Bayer, o maior desafio de sua atuação como consultor foi
o problema que Crowe, interpretando Nash, propõe aos alunos, e que
Alicia tenta resolver. Diz ele que um matemático genial como Nash teria
que propor um problema aberto, possivelmente algo que o estivesse
desafiando. Mas ao mesmo tempo, que desse oportunidade aos alunos de
tentar resolvê-lo, como se passou com Alicia do filme. Construir tal
problema, para ser apresentado rapidamente, foi um desafio para o
matemático Bayer. Obviamente, Bayer estava preocupado com a reação
de seus colegas matemáticos, geralmente muito críticos. Ficou aliviado
com a reação muito positiva dos matemáticos à maneira como a
matemática foi apresentada no filme. Mas a maior recompensa de Bayer
foi quando o próprio John Nash, que assistiu ao filme várias vezes,
escreveu a ele dizendo que gostou muito do tratamento dado por Bayer à
matemática. Mas Nash não deixou de comentar que, no final, Bayer passa
a impressão que o Nash-ficção sabia certas coisas que o Nash-real nunca
soube.
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Bayer teve, como um bônus pelo seu excelente trabalho, um convite
do diretor para aparecer em uma cena. Bayer representou um dos colegas
que, no final, ao recepcionar Nash na sala dos professores de Princeton,
põe a caneta sobre a mesa. Essa cena, embora muito emocionante, é
inteiramente ficcional, pois não existe essa cerimônia da caneta, conforme
foi mostrada no filme.
Nascido em 13 de junho de 1928, na cidade de Bluefield, em West
Virginia, a vida de John Forbes Nash Jr. foi marcada por uma alternância
entre períodos de lucidez e espantosa criatividade, e momentos de crise
de esquizofrenia paranóica. Desde 1990, ele é membro do Instituto de
Estudos Avançados, de Princeton, Nova Jersey, nos Estados Unidos, uma
das mais prestigiosas instituições acadêmicas do mundo. Em 1994, Nash
foi agraciado com o Premio Nobel de Economia, principalmente pela
originalidade da sua tese de doutorado, intitulada Non-Cooperative Games
[Jogos Não-Cooperativos], defendida em 1950 na Princeton University. Na
tese, de apenas 27 páginas, Nash introduziu um conceito de equilíbrio
entre partes em conflito, que se tornou a estrutura analítica por excelência
para estudar todas as situações de conflito e cooperação.
John Nash teve infância e adolescência tranqüilas. Seu pai era
Engenheiro e sua mãe Professora, ambos graduados em universidades.
John foi muito bom aluno em Matemática e Ciências na escola secundária
e foi estudar no Carnegie Institute of Technology, uma instituição de
Pittsburgh academicamente modesta, mas que estava lutando para
melhorar seu padrão de ensino. Posteriormente, transformou-se na
prestigiosa Carnegie-Mellon University. John recebeu uma bolsa de
estudos, a George Westinghouse Fellowship. Foi excelente aluno e ao se
graduar recebeu, além do título de Bacharel, também o de Mestre em
Ciências. Durante seus estudos cursou uma disciplina de “Economia
Internacional” e escreveu um trabalho sobre The Bargaining Problem, que
foi publicado na importante revista Econometrica. Ali estavam as primeiras
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idéias que se transformariam na sua tese de doutorado e que lhe valeram
o Prêmio Nobel de Economia.
Antes mesmo de terminar a graduação, Nash já havia sido aceito
para fazer seu doutorado em Harvard, Princeton, Chicago e Michigan,
considerados os melhores programas de doutoramento em Matemática
dos Estados Unidos. Optou pela Princeton University por lhe ter sido
oferecida uma bolsa de estudos maior, por ser mais próximo à residência
da família e pelo fato do Professor A.W.Tucker, um matemático de muito
prestígio, ter se interessado pela sua ida para Princeton.
Princeton era, então, um dos lugares de maior prestígio em ciências
e matemática dos Estados Unidos. Ali se desenvolvia o novo. Era possível
conviver com cientistas do porte de Albert Einstein, Richard Openheimer,
Kurt Gödel, John von Neumann (um dos fundadores da Teoria dos Jogos)
e tantos outros. Claro, como conseqüência, os jovens mais brilhantes dos
Estados Unidos e de outros países viam, em Princeton, o lugar ideal para
seu doutoramento. Ali, Nash teve excelentes colegas que influenciaram
muito na sua carreira.
Tucker
assumiu
a
orientação
do
doutorado
de
Nash.
Nas
universidades americanas era, e ainda é, fundamental, para a admissão
de um aluno no doutorado, que um professor se interesse em orientá-lo.
Diferentemente do que hoje se pratica no Brasil, com admissões
“despersonalizadas” no doutorado, nos Estados Unidos o interesse de um
orientador é o ponto decisivo na admissão de um aluno, e a sua
orientação, sobre o que ele considera importantes para a pesquisa do
orientando, é o que determina a escolha de disciplinas e atividades.
Pensar em grade curricular na pós-graduação é incompatível com o
objetivo de formar mestres e doutores criativos. Essa prática aberta, de
personalizar a admissão e a condução do programa de pós-graduação é,
em grande parte, responsável pela vitalidade de pesquisa científica nos
Estados Unidos. O mesmo se dá na Europa. Infelizmente, esses bons
exemplos não impressionam os responsáveis para a pesquisa científica no
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Brasil, que parecem mais preocupados com aspectos contabilizáveis da
criatividade científica. Um importante tema para a História das Ciências é
a política de formação de cientistas. Particularmente, entender as
circunstâncias e o contexto responsáveis pela emergência do quantitativo
na
avaliação
dos
avanços
científicos,
a
chamada
cientometria
[scientometrics].
Em Princeton, onde ingressou em Setembro de 1948, Nash
aprofundou seu interesse e deu andamento aos seus estudos sobre jogos,
iniciados no seu curso de graduação. A idéia principal de sua tese, que são
as estratégias adotadas por um grupo de pessoas interessadas em obter
certos resultados, foi muito bem representada no filme, no episódio do
bar, em que os colegas estão interessados num grupo de moças. John
propõe uma abordagem para conseguir a mais atraente. Aí, então, surge a
idéia central para sua tese. Ao ter claro o seu projeto, Nash vai mostrá-lo
para John von Neumann, o grande papa da teoria dos jogos, como já
havia feito com Albert Einstein e outros professores.
John von Neumann (1903-1957) é considerado, por muitos, o mais
brilhante cientista da sua época.13 Reconhecido por sua importantíssima
contribuição à matemática tradicional no mundo acadêmico da época,
particularmente em Análise Funcional e na matemática da Mecânica
Quântica, von Neumann surpreendia pelo seu profundo envolvimento com
as ciências humanas. A Teoria dos Jogos é apontada como uma Ciência do
Comportamento Humano. Mas o radicalismo de seu posicionamento
político tornou-o uma figura controvertida no ambiente acadêmico. Sua
fobia anti-nazista, que era justificada e aceita na época, levou-o a uma
posição
de
liderança
na
construção
da
bomba
atômica
e
no
desenvolvimento dos computadores. Porém, sua paranóia com o poderio
nuclear soviético foi muito controvertida. Von Neumann é creditado como
um grande estímulo à Guerra Fria, que afetou profundamente o ambiente
intelectual, particularmente acadêmico, dos Estados Unidos e está
associada à Era McCarthy, um processo de repressão ideológica liderado
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pelo Senador Republicano Joseph R. McCarthy, em meados de 1950. Os
reflexos dessa repressão trouxeram conseqüências traumatizantes para a
Ciência, para a Arte e para a intelectualidade, em geral, principalmente
nos Estados Unidos. O estudo dessa era é um importante tema de
pesquisa em História das Ciências.
John von Neumann serviu de modelo, segundo alguns, ao Dr.
Strangelove, figura central do filme clássico de Stanley Kubrik, de 1963
(que no Brasil, recebeu o título de Dr. Fantástico). Uma piada circulava em
Princeton, dizendo que von Neumann era um Extra Terrestre que
aprendeu perfeitamente a imitar um ser humano. Não obstante sua
postura ideológica, John von Neumann era charmoso, vestia-se com
roupas caras, gostava de carros velozes, de bebida forte e de piadas
sujas. Morreu em 1957, aos 53 anos. Talvez tenho sido o matemático que
mais influenciou a geração de jovens matemáticos e cientistas de outras
áreas do conhecimento, inclusive John Nash. Quando morreu estava
trabalhando numa área pioneira, que é a estrutura do cérebro humano.
Quando John Nash foi mostrar a sua proposta de tese para von
Neumann, sua reação foi fria. Embora pouco ligado aos alunos, dando
apenas uma ou outra aula durante todo o semestre, von Neumann
recebeu-o bem, mas reagiu com frieza ao que Nash lhe explicou. Afirmou
tratar-se de um resultado trivial, apenas um teorema de ponto fixo. A
reação chocou Nash. Na verdade, esse diálogo representa o conflito entre
dois gênios, que seguiam caminhos distintos na satisfação de sua
genialidade. O grande reconhecimento da genialidade da idéia de Nash
veio de um seu colega, David Gale. Por sua sugestão, que via a
importância de estabelecer prioridade de idéias – um tipo de patente
acadêmica - Nash publicou uma nota de duas páginas no Proceedings of
the National Academy of Sciences, em 1949. A nota foi apresentada por
Solomon Lefschetz, que havia sido professor de Nash e um dos grandes
matemáticos da época.
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Solomon Lefschetz (1884-1972) era um imigrante europeu, que
ingressou em Princeton University na década de 1920, então uma
universidade de menor importância.14 Atribui-se a ele a transformação do
Departamento de Matemática de Princeton em um dos melhores do
mundo em Matemática e Física Teórica. Em 1948, Lefschetz havia
recepcionado os novos alunos do doutorado, causando grande impressão
em Nash. No filme, o discurso de recepção pelo Chefe do Departamento e
seus encontros posteriores com Nash, são um misto do pensamento de
von Neumann e de Lefschetz. A idéia de Lefschetz como educador e como
formador de futuros cientistas, no que teve enorme sucesso, era dar
menor importância aos cursos e grande ênfase no estímulo à criatividade
dos alunos. Segundo ele, mais que repetir conhecimentos de outros, as
idéias novas é que fazem um cientista. Isso está refletido, no filme, na
cena de Nash observando as pombas. Sua busca do novo é explicitada, no
filme, na cena da pomba e na sua pouca freqüência às classes, rejeitando
ser um mero repetidor de idéias e teorias de outros. Lefschetz era
especialista em Topologia e influente na fundamentação de uma nova área
de pesquisa, chamada Topologia Algébrica. Suas idéias atraíram a atenção
de Nash. De fato, Nash teve um importante trabalho matemático,
publicado após seu doutorado, que reflete a influência de Lefschetz.
A admiração de Nash pela matemática praticada pelas duas grandes
estrelas de Princeton, John von Neumann e Solomon Lefschetz, manifestase na sua oscilação entre a teoria dos jogos e a matemática pura. De
algum modo, dava a entender que o trabalho em teoria dos jogos era
mais simples. Fez sua tese com relativa facilidade, como se pode perceber
no filme, o que também é fato na vida real. Quando o filme mostra Nash
nos seus momentos de genialidade, seus escritos confusos em janelas e
quadro-negro, revelam sua maior atração pela matemática pura. Na vida
real também havia, na época, um certo menosprezo dos matemáticos
pelas questões de matemática aplicada, como a teoria dos jogos.
Naturalmente, John von Neumann não era atingido por isso, pois havia
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confirmado sua genialidade como matemático “de verdade”, como se dizia
– e alguns ainda ousam dizer! O filme dá a entender isso quando Nash
leva ao Chefe de Departamento, fictício, o exemplar de sua tese. O
professor lê, hesita quanto à aceitação na academia tradicional, mas não
tem dúvida quanto ao brilhantismo de Nash e da importância do resultado
da tese, a ponto de recomendá-lo para a posição no M.I.T. Essa hesitação,
sobre se a tese seria suficiente para obter o doutorado, é lembrada por
Nash na sua Autobiografia. Assim ele se refere ao momento de apresentar
sua tese de doutorado:
“Eu estava, portanto, verdadeiramente preparado para a
possibilidade que o trabalho de teoria dos jogos poderia não ser
considerado aceitável como uma tese no Departamento de
Matemática e então eu poderia cumprir o requerimento de uma tese
de doutorado com [meus] outros resultados [variedades e
variedades algébricas reais]”.(pg.?)
Não sem razão a preocupação de John Nash. A teoria dos jogos
ganhou evidência com a publicação, em 1944, da obra seminal de John
von Neumann e Oskar Morgentern: Theory of Games and Economic
Behavior, na qual os autores deixavam bem claro que poderiam
fundamentar uma nova ciência matemática, cujo alvo era o mercado,
assim como o alvo do cálculo de Newton era a física. Uma aproximação
com as ciências sociais não era, e continua não sendo, vista com bons
olhos por muitos matemáticos tradicionais.
O pós-guerra foi profundamente marcado pelo que se chamou a
Guerra Fria, uma desenfreada corrida armamentista liderada pelas duas
grandes potências que emergiram da Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos da América e a URSS, e envolvendo seus respectivos satélites. Foi
um momento de cooperação e integração da matemática e das ciências, e
os recursos financeiros fluíam, com abundância e generosidade, para o
desenvolvimento científico e tecnológico. Era comum que cientistas e
laboratórios
acadêmicos
fossem,
praticamente,
mantidos
mediante
contratos com o US Office of Naval Research, com o US Army Reserarch
Office, com a US Air Force, com a National Administration of Space and
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Astronautics, com a US Atomic Energy Commision, com a North Atlantic
Treaty Organization. Era comum falar-se em “classified research”. Países
satélites, que começavam a construir seus quadros científicos, inclusive o
Brasil, beneficiaram-se desses fundos. A crítica, por ingenuidade, por
conveniência ou por temor, era muito fraca. Embora essa época esteja
sendo bem estudada, as suas repercussões no Brasil e na América Latina
merecem maior atenção dos pesquisadores em História das Ciências.
Não nos esqueçamos que 1950, o ano em que Nash defendeu sua
tese, era plena Guerra Fria. As forças armadas eram a grande fonte de
apoio para a pesquisa científica. Tanto que na sua tese, Nash agradece o
apoio financeiro, o que hoje chamamos bolsa, recebido da Atomic Energy
Commission. Uma conseqüência foi sua ida para um trabalho de
consultoria na RAND Corporation, uma instituição de pesquisas suigeneris, resultado da Guerra Fria, que reunia cientistas brilhantes para
apresentar soluções a problemas propostos pela Forças Armadas.15 A
RAND, protótipo dos chamados think-tank, era formada por uma equipe
permanente de cientistas residentes e por consultores contratados nas
melhores universidades do país. Jovens estudantes eram freqüentemente
convidados, quase recrutados para consultoria na RAND.
Ao terminar seu doutorado, Nash foi recomendado para um
prestigioso C.L.E.Moore Instructorship, uma posição de pesquisa e algum
ensino, no Massachusetts Institute of Technology, em Cambridge, um dos
mais importantes centros de pesquisa matemática do país.
Em julho de 1950 as primeiras tropas americanas desembarcaram
na Coréia. Pouco depois, o Presidente Harry S. Truman ordenou a
convocação para a Guerra da Coréia, que se iniciava após cinco anos do
fim da Segunda Guerra Mundial. Nash evitou seu alistamento militar
graças a uma consultoria, na RAND Corporation, em Santa Mônica,
Califórnia, que foi considerada equivalente ao serviço militar. Ali trabalhou
em problemas ligados não só a teoria dos jogos, mas também a outros
ramos da matemática, inclusive pura. Ele era notado, na RAND, pelo seu
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comportamento excêntrico. Mas conseguiu credenciamento para acesso a
“classified research”. No filme, numa situação puramente ficcional, é dada
ênfase ao fato de Nash ser credenciado [com uma marca no braço, o que
é um modelo puramente fictício] para acesso a pesquisas “classified”,
palavra que aparece nos envelopes que ele enviava ao que acreditava ser
a sede do projeto de decifração de códigos. Na vida real, enquanto
trabalhava na RAND Corporation, Nash foi preso sob acusação de
aliciamento homossexual num banheiro público de Santa Mônica. Esse fato
levou à sua demissão, em 1954, da RAND Corporation.
Havia, e ainda há, uma reação extremante rigorosa à suspeita de
homossexualidade de cientistas e administradores credenciados para
classified research. Sabe-se de um colega de John Nash na RAND
Corporation, o brilhante matemático J.C.C.McKinsey, também especialista
em
Teoria
dos
Jogos,
que,
pressionado
pela
acusação
de
homossexualismo, suicidou-se em 1953. E o caso mais conhecido é o do
brilhante lógico inglês, Alan Turing, condecorado por haver decifrado o
código utilizado pelos submarinos nazistas na Segunda Guerra Mundial,
que se suicidou em 1954 (um fato discutível, pois há uma suspeita de ele
ter sido assassinado pelo Serviço Secreto Britânico).
John Nash tem uma mente privilegiada. É considerado, por muitos,
o matemático mais notável da segunda metade do século 20. Como
pesquisador matemático, teve uma vida produtiva muito curta. Tem um
número muito reduzido de publicações, menos de uma dezena. As
palavras finais de Nash, na sua Autobiografia, são reveladoras da visão
que ele tem de si próprio:
“Estatisticamente, pareceria improvável que qualquer matemático
ou cientista, na idade de 66, seria capaz de, por meio de esforços
contínuos de pesquisa, acrescentar muito às suas realizações
anteriores. Contudo, eu ainda estou me esforçando e é possível que
na minha situação, atípica, o intervalo de cerca de 25 anos de
pensamento deludido tenha sido uma espécie de férias. Assim, eu
tenho esperança de, pelos meus estudos atuais ou por alguma idéia
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nova que possa ocorrer no futuro, ser capaz de conseguir algo muito
valioso”. (pg?)
Sugestões de pesquisa e leituras.
As principais fontes que utilizei foram a biografia de Sylvia Nasar: A
Beautiful Mind. A Biography of John F. Nash, Simon & Schuster, New York,
1998, publicado no Brasil em 2002 como Uma Mente Brilhante, em
tradução de Sergio Moraes Rego, pela Editora Record, Rio de Janeiro, e
um livro que traz todos os trabalhos científicos de Nash e alguns
comentários de colegas e do próprio Nash. O livro é Harold W.Kuhn and
Sylvia Nasar: The Essential John Nash, Princeton University Press,
Princeton, 2002.
Outras sugestões de leitura e temas de pesquisa estão nas Notas.
É possível ver o próprio John Nash em uma entrevista, feita em 2004, no
site
http://nobelprize.org/economics/laureates/1994/nash-interview.ram
2 David Hilbert: Problemas Matemáticos (trad.do orig. de 1900 por Sergio
R. Nobre) Revista Brasileira de História da Matemática, vol.3, nº5, 2003,
pp.5-12; p.5.
3 Particularmente notáveis, na História das Ciências, são o livro de
Federico Andahazi: O Anatomista, Relume–Dumará, Rio de Janeiro, 1997,
baseado na vida e na obra de Mateo Realdo Colombo, que publicou De Re
Anatomica, em Veneza, em 1559, e o livro do famoso palentólogo George
G. Simpson: A Descronização de Sam Magruder, Editora Petrópolis, São
Paulo, 1996, no qual o personagem, Sam Magruder, um especialista em
dinossauros, convive com os mesmos numa excursão a 100 milhões de
anos no passado.
4 Lembro obras clássicas do cinema, como Metropolis, de Fritz Lang,
1927; 2001. Uma Odisséia no Espaço, de Arthur C. Clarke/Stanley
Kubrick, 1968; O Homem Bicentenário, de Isaac Asimov/Chris Columbus,
1976/1999; Caçador de Andróides, de Ridley Scott, 1982; Kenoma, de
Eliana Caffé, 1998; Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, 2001; e
Uma Mente Brilhante, de Ron Howard, 2001.
5 O tema invasão da Terra por extra-terrestres aparece no romance do
escritor-cientista H.G.Wells (1866-1946), A Guerra dos Mundos (1898),
celebrizado pela difusão, pela rádio, da invasão da Terra por marcianos,
feita, em 1938, por Orson Welles (1915-1985), e que causou pânico e
comoção nos Estados Unidos. No ambiente acadêmico, há importantes
projetos de lógicos, procurando uma linguagem verdadeiramente
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universal, que seria compreendida por qualquer extra-terrestre. Um
candidato a ser essa linguagem universal era a Geometria Abstrata dos
gregos, como se lê no clássico Vitrúvio: Da Arquitetura (séc. 1 a.C.), intr.
Júlio R. Katinsky, trad.Marco Aurélio Lagonegro, Hucitec, São Paulo, 1999.
6 A RAND Corporation é uma criação da Segunda Guerra Mundial,
reforçada na Guerra Fria, exemplificando a convocação dos cientistas para
um serviço equivalente ao serviço militar e sujeitá-los ao que se chama
classified research. Sempre tem havido esforços para subordinar os
cientistas a interesses dos estados. Um tema interessantíssimo na História
das Ciências é o estudo desse relacionamento ao longo da história.
Arquimedes, Viète, Tartaglia, Galileo, para citar apenas alguns, têm sido
estudados sob esse aspecto. Nos tempos atuais, o que se passou na
Alemanha durante o nazismo, na URSS, no Japão, nos Estados Unidos,
enfim em todos os países beligerantes e envolvidos na Guerra Fria, é um
tema importante de pesquisa atual. No Brasil, praticamente tudo está para
ser pesquisado sobre esse tema.
7 Para uma boa síntese, ver o verbete ESQUIZOFRENIA no Dicionário
Enciclopédico de Psicanálise. O Legado de Reud e Lacan, ed. Pierre
Kaufmann (1993) trad. Vera Ribeiro e Maria Luíza X. de A. Borges, Jorge
Zahar Editor, 1996.
8 http://nobelprize.org/economics/laureates/1994/nash-autobio.html
9 Jogos têm sido motivação para as ciências, particularmente para a
matemática. É, portanto, um importante tema de pesquisa histórica. A
obra clássica é de Johan Huizinga: Homo Ludens. O Jogo como Elemento
de Cultura, Editora Perspectiva, São Paulo, 1999. Mais focalizado em
ciências e matemática é o longo estudo, precedendo a tradução de The
Most Noble, Ancient and Learned Playe (Rithmomachia), por 1563, de
Ann. E. Moyer: The Philosopher’s Game, The University of Michigan Press,
Ann Arbor, 2001.
10 Ver Karl Sabbagh: The Riemann Hypothesis. The Greatest Unsolved
Problem in Mathematics, Farrar Straus & Giroux, New York, 2003.
11 A premiação de cientistas é um fenômeno que surge com a Ciência
Moderna. Um estudo da história das premiações para cientistas é um
promissor tema de pesquisa em História das Ciências. Ver o site
http://www.claymath.org/millennium/
12 Ver o site http://www.mathunion.org/General/Prizes/Fields/index.html
13 Ver biografia no site http://www-groups.dcs.stand.ac.uk/~history/Mathematicians/Von_Neumann.html
14 Ver biografia no site http://www-groups.dcs.stand.ac.uk/~history/Mathematicians/Lefschetz.html
15 Ver o site http://www.rand.org/about/history/#origins
Ubiratan D’Ambrosio
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