do arquivo - FEAPAES

Propaganda
Ansiedade
Neste momento, uma em cada quatro pessoas no mundo está com uma
sensação de aperto no peito, sentindo o coração bater mais rápido, com as
mãos suando. Na mente, um medo inexplicável ou preocupação obsessiva com
algo que ainda nem aconteceu. Esses são alguns dos sintomas das crises de
ansiedade, um dos transtornos mentais mais incidentes da atualidade e, assim
como os demais, extremamente cruel. Dependendo do grau, tira o sono do
indivíduo, deixa-o mais predisposto a sofrer de enfermidades cardiovasculares
e o priva de sair de casa quando o medo atinge níveis incontroláveis.
Estudos mostram que a ansiedade é mais frequente do que transtornos de
humor como a depressão. E dados divulgados pelo World Health Mental
Survey, ligado à Organização Mundial da Saúde, revelam um triste panorama
para o Brasil: 20% das pessoas que vivem em São Paulo convivem com ou
tiveram algum transtorno ansioso nos últimos 12 meses. “Foram analisadas
cidades de 24 países. Em São Paulo, encontramos o índice mais elevado”, diz
Laura Andrade, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo
(USP). Mas um esforço monumental da medicina para buscar as origens da
doença e criar novas opções de tratamento promete dar alívio a quem sofre
desse pesadelo.
A ansiedade fazia parte das reações que nossos ancestrais manifestavam
diante de ameaças como a possibilidade de um ataque animal ou a morte por
frio extremo. Preocupar-se com esses eventos mantinha o corpo em alerta:
mais tenso, pressão elevada, maior bombeamento de sangue. Se o perigo se
concretizasse, o corpo estava pronto para reagir. Se não, o sistema era
desligado. Esse esquema ficou gravado no cérebro e até hoje entra em ação
diante de situações interpretadas como risco. Essas circunstâncias podem ser
reais ou fictícias, resultado de mecanismos psíquicos não totalmente
esclarecidos. O problema é que, se esse estado de preocupação se torna
crônico, caso da ansiedade generalizada, ou leva a crises espontâneas, como
os ataques de pânico, deixa de ser uma reação natural. Causa prejuízos à
saúde e à vida social, afetiva e profissional. Transforma-se em doença.
TERAPIA - Adriana Mazzagardi tem a ajuda dos cavalos para controlar o
sentimento
Atualmente, há catalogados oito tipos da enfermidade (leia mais detalhes no
quadro à pág.84). Como ocorre com a maioria das enfermidades mentais, há
dificuldade na detecção do problema. “Um estudo feito em Londres, pelo
psiquiatra Paul Bebbington, mostrou que apenas 14% dos pacientes tinham
sido diagnosticados e tratados no ano anterior ao trabalho”, contou Márcio
Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade (Amban) do Instituto de
Psiquiatria da USP. O diagnóstico é feito por psicólogos ou psiquiatras, que
recorrem a perguntas definidas para identificar a alteração, como ela se insere
na vida do indivíduo e sua gravidade. “Uma das primeiras perguntas é se a
pessoa sente que teve prejuízo em algum campo ou momento da vida por
causa da doença”, diz o psiquiatra Bernik.
O tratamento varia de acordo com o transtorno especifico e a intensidade da
enfermidade. Nos casos mais leves, indicam-se apenas medicamentos ou
sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), método cujo objetivo é
modificar padrões de pensamentos e comportamentos associados. Uma
pessoa que tenha receio permanente de perder o emprego, por exemplo, pode
ser treinada para evitar esses pensamentos ou substituí-los por outros, mais
otimistas e calcados na realidade. Nos casos moderados e mais graves, é
recomendada a combinação de remédios com a TCC. Um trabalho da
psicóloga Mariângela Savoia, ligada ao Amban, mostrou que essa associação
foi mais eficaz do que o uso isolado dos métodos.
Os recursos criados recentemente são utilizados para os casos mais severos e
que não respondem ao tratamento padrão. Um dos mais promissores é a
aplicação da realidade virtual. A terapia consiste em expor o paciente – de
modo virtual – às situações que desencadeiam crises para que, aos poucos,
ele aprenda formas de evitar os pensamentos ansiosos. Na Universidade de
Washington (EUA), o método está sendo aplicado para tratar fobias, a
ansiedade gerada pelo estresse pós-traumático e aquela sentida durante a
troca de curativos em pacientes com queimaduras. “Temos bons resultados”,
disse à ISTOÉ Hunter Hoffman, coordenador da equipe que aplica a técnica
Semelhante à realidade virtual, a terapia de modificação cognitiva com auxílio
de computador também desponta como alternativa. Um trabalho da Brown
University (EUA) mostrou que indivíduos com fobia de falar em público
melhoraram depois de se submeter aos exercícios duas vezes por semana, por
um mês. Eles consistem em instruir o paciente a evitar expressões faciais
hostis – para quem tem fobia social isso detona crises – e a interpretar as
reações de interlocutores de forma otimista.
Começa também a ser testada a eficácia da estimulação magnética
transcraniana. A técnica submete o paciente a aplicações de ondas
eletromagnéticas. O objetivo é regularizar a atividade elétrica nas regiões
cerebrais associadas à doença (leia mais no quadro à pág. 82). O médico
Marco Marcolin, do Instituto de Psiquiatria da USP, iniciará até o fim do ano
testes com 30 pacientes com fobia social. Por enquanto, não há nada
conclusivo. Estudos com o método para tratar a ansiedade associada ao
estresse pós-traumático deram resultados negativos no Brasil e positivos na
Europa.
Ganhando espaço na prática clínica está o neurofeedback, método que se
propõe a imprimir no cérebro um novo padrão de funcionamento, igual ao de
uma pessoa sem a doença. “Eletrodos colocados sobre o couro cabeludo
fazem a leitura da informação neurológica que está sendo produzida e
registrada por eletroencefalografia”, explica o psicólogo Leonardo Mascaro,
mestre em neurociências pelo Núcleo de Neurociências e Comportamento da
USP e autor do livro “Para Que Medicação?”. Segundo ele, na presença de
enfermidades como a
ansiedade, os dados revelam
padrões
eletroencefalográficos anormais e específicos que possibilitam o
reconhecimento da doença ou de outros comprometimentos neurológicos.
TECNOLOGIA - Acima, o psicólogo Mascaro acompanha a sessão de
neurofeedback da empresária Marisa. Abaixo, paciente com queimadura
no
braço
usa
equipamento
de
realidade
virtual.
O recurso o ajuda a diminuir a dor e a ansiedade
No treinamento, o paciente visualiza as alterações e também os padrões
normais. “Os parâmetros corretos são então apresentados de volta aos
neurônios por meio de um trabalho de condicionamento feito sob a forma de
sinalização sonora e visual”, diz Mascaro. Essas sinalizações ocorrem somente
quando os neurônios em treino produzem o tipo de atividade que está sendo
solicitada. “Dessa maneira acontece a aprendizagem neurológica e a
modificação da atividade cerebral, que se normaliza progressivamente”,
complementa o psicólogo. “Conforme o tratamento caminha, a pessoa
necessita de menos medicação e a retirada do medicamento acontece, sempre
sob supervisão médica”, assegura Mascaro. A empresária Marisa Rollemberg
Rocha, 40 anos, de Brasília, submeteu-se a três sessões até agora. “Já
consigo dormir melhor e passei a suar menos nas mãos”, diz. A técnica, porém,
não é aceita por todos os médicos. Bernik, do Amban, não a considera eficaz.
O desenvolvimento de instrumentos como esses só foi possível a partir do
avanço do conhecimento sobre as bases neurológicas da doença. Apesar de a
identificação das estruturas cerebrais vinculadas à enfermidade ter sido feita há
algum tempo, dezenas de pesquisas estão revelando detalhes sobre a
interação entre elas. Cientistas da Columbia University (EUA), por exemplo,
descreveram a maneira pela qual operam o hipocampo e o córtex pré-frontal
medial. “Vimos que o hipocampo envia muita informação para esta área do
córtex, fazendo com que ela reconheça o ambiente como uma ameaça”,
explicou Joshua Gordon, autor da pesquisa.
Por aqui, o psiquiatra Luiz Vicente Mello, de São Paulo, participa de um esforço
internacional para entender melhor a relação entre comportamentos ansiosos e
mecanismos de defesa legados pela evolução. “Muitas das nossas reações são
anacrônicas. Ao mesmo tempo, não temos defesas para situações recentes,
como o medo de carros, que precisa ser ensinado”, diz.
ENERGIA - O psiquiatra Marcolin iniciará os testes para verificar a eficácia
da aplicação de ondas eletromagnéticas em centros cerebrais associados à
doença
Ainda na USP, cientistas investigam a relação da enfermidade com o sistema
serotonérgico do cérebro. Recentemente, o psiquiatra Felipe Corchs, em
estudo feito no Amban com universidades da Inglaterra, Nova Zelândia e
Austrália, observou que as diferenças na quantidade de serotonina (substância
que faz a comunicação entre neurônios) interferem na sensibilidade aos
estímulos que iniciam crises. Para chegar a essa conclusão, os cientistas
deixaram sem comer proteínas um dia inteiro voluntários que já haviam sido
tratados de transtornos ansiosos. Não ingerir proteína prejudica o aporte de
triptofano, aminoácido essencial para a formação da serotonina.
O resultado foi surpreendente: pacientes com pânico, estresse pós-traumático
e fobia social ficaram mais sensíveis aos gatilhos de crise, sugerindo que a
serotonina tem papel na modulação dessa resposta. “E pessoas que tinham
melhorado com o tratamento pioraram quando os níveis da substância
diminuíram”, explicou Felipe. A redução do composto não causou o mesmo
impacto em pacientes com ansiedade generalizada e transtorno obsessivocompulsivo (TOC). Para estes, o que parece é que o contrário, o aumento na
concentração da serotonina, faz diferença. Um outro estudo, feito pelo
psicólogo Thiago Sampaio, também do Amban, indicou que portadores de TOC
que possuem maior concentração de serotonina respondem mais rápido à
terapia.
Intervir nas situações em que a ansiedade pode prejudicar o tratamento é hoje
uma atitude incorporada por alguns hospitais. No Albert Einstein, em São
Paulo, psicólogos entram em ação para atender pacientes internados que
apresentam sintomas da doença. “Uma das formas de reduzi-los é ajudar os
doentes a esclarecer suas dúvidas”, diz Ana Kernkraut, coordenadora do
serviço de psicologia do hospital.
Nos EUA, médicos usaram a terapia com animais para diminuir o sentimento
em indivíduos que se submeteriam a exames de imagem, situação que
desencadeia temor. No Monmouth Medical Center, 28 pacientes que fariam
ressonância magnética foram selecionados para brincar com cães por 15
minutos, meia hora antes de fazer o exame
Comparados a doentes que não tiveram esse tempo com os animais, eles
manifestaram muito menos ansiedade. “A terapia mostrou potencial para
substituir os remédios contra crises às vezes dados aos pacientes”, disse
Richard Ruchman, autor do estudo.
No Brasil, nos centros de equoterapia é possível aliviar os sintomas com o
auxílio dos cavalos. A empresária Adriana Mazzagardi experimentou esses
efeitos durante as aulas de equitação que teve na infância e decidiu expandir o
benefício. “Os cavalos me ensinaram a controlar a minha ansiedade, que era
muito intensa”, diz Adriana, que está à frente do Centro Equestre Equovita, em
Jundiaí (SP). O local é frequentado por muitas pessoas em busca de alívio das
tensões. “Se você está ansioso e sem concentração, o cavalo percebe e reage.
Você precisa estar atento e calmo para que ele se deixe conduzir”, diz Adriana.
Manter a ansiedade sob controle é também importante porque reduz riscos
para outras doenças. Na semana passada, pesquisadores da Stanford
University (EUA) divulgaram os resultados de um estudo com animais,
indicando que o sentimento contribui para o surgimento de tumores. A
explicação é a de que a ansiedade costuma vir acompanhada de estresse.
Juntas, as condições enfraquecem o sistema de defesa do organismo. “Eles
podem acelerar a progressão do câncer”, afirmou o imunologista Firdaus
Dhabhar, autor do experimento.
A conexão com a depressão também está sendo investigada. Um trabalho
patrocinado pelo Canadian Institutes of Health Research apontou uma
molécula (CRFR1) como a responsável pela interação entre a ansiedade, o
estresse e a doença. Um primeiro passo já foi dado para quebrar a associação:
em cobaias, a inibição da produção dessa molécula atenuou a ansiedade.
Mais conhecida, a relação da enfermidade com os males cardiovasculares
exige também atenção. Tanto que médicos do Montreal Heart Institute, também
no Canadá, fizeram um trabalho para provar que pacientes em risco para
doenças do gênero e que apresentem traços de ansiedade devem ser
submetidos a uma tomografia do coração, e não apenas a um
eletrocardiograma. “O exame de imagem é mais efetivo para identificar doença
cardíaca nesses indivíduos”, afirmou Simon Bacon, coautor do experimento.
Download