499 UMA PROPOSTA DE ESTUDO DAS PERCEPÇÕES DE HISTÓRIAS DE VIDA, POR CRIMONOSOS CONDENADOS PELO CRIME DE HOMICÍDIO Marcela Lutfala Cheade (Uni-FACEF, bolsista CNPq) Paulo de Tarso Oliveira (Uni-FACEF, livre docente) INTRODUÇÃO O controle da violência e da criminalidade tem se constituído como um dos maiores desafios das sociedades ocidentais no mundo contemporâneo. As estatísticas oficiais, principais fontes de conhecimento sobre o fenômeno, nas últimas décadas, têm revelado uma dupla constatação: “... não apenas a de que cresceram os crimes comparativamente ao passado recente, mas também a de que os crimes estão se tornando cada vez mais violentos” (ADORNO; PERALVA, 1997, p. 1). Para alguns autores, as estatísticas revelam a violência estrutural presente em nossa sociedade. Violência esta que facilita e oferece uma referência à violência do comportamento (Minayo, 1999), aplicando-se às estruturas organizadas e institucionalizadas e tornando-se presente na formação dos sujeitos, de suas visões de mundo, crenças e expectativas. O comportamento dos detentos é resultante de experiências vividas, antes do crime praticado, e dos efeitos do aprisionamento, que também podem influenciar as condutas do individuo. Muitas são as teorias que tentam explicar esses fatores determinantes para o crime. Porém, é importante enfatizar que tanto os determinantes biológicos quanto os ambientais conjugam-se para produzir as diferenças individuais no comportamento criminoso (FELDMAN, 1977). A psicologia acrescenta, sob o enfoque da psicanálise e outras abordagens, discussão sobre o comportamento criminoso, demonstrando através de sua teoria a estrutura e formação da personalidade do individuo delituoso. Via de regra se observa que o número de homicídios de uma região esta intimamente ligado ao nível de violência existente nesta comunidade e com os problemas sociais da população. Também a forma como essa sociedade lida com esses problemas, com os fatores relacionados ao desemprego, a desorganização social e a desestrutura familiar, entre tantos, torna-se importante na compreensão dos homicídios. Verifica- se que o crime não está restrito a determinada sociedade 500 mas sim, a uma questão universal, que atinge a humanidade de maneira indistinta, e que precisa ser discutida e avaliada. Nada é descartável quando se fala das inúmeras possibilidades de um comportamento delituoso. Vários são os fatores discutidos como desencadeantes, e é no contexto referente à percepção que o criminoso tem sobre a sua própria história de vida que se pretende abordar este tão complexo assunto. Com a finalidade de colher relatos pessoais dos indivíduos que cometeram homicídio, está sendo realizada uma pesquisa tendo como sujeitos cinco detentos da Cadeia Pública de Franca, Estado de São Paulo, julgados e condenados, por homicídio. O estudo se justifica por tentar ajudar a preencher uma lacuna nesse campo do conhecimento referente ao que os sujeitos pensam de sua própria história de vida. Existem vários estudos sobre o comportamento criminoso, porém a grande parte é voltada a causalidade e alguns outros aspectos, havendo poucas investigações a respeito da concepção que o criminoso tem de si mesmo. O objetivo geral é produzir subsídios para uma melhor compreensão da chamada “ressocialização” bem como para possíveis intervenções profissionais nos campos psicológico, social e jurídico. Os específicos foram definidos como: observar a consciência de ações e história de vida pelos sujeitos que eventualmente consideram ter pelo comportamento criminoso; busca descrever percepções de condenados sobre si mesmo e possíveis sentimentos quanto à agressividade e impulsividade; verificar o consumo ou não de drogas e/ou álcool durante a trajetória de vida; descrever eventuais relações de convivência; descrever aspectos referentes à escolaridade, estrutura familiar, grupos sociais e vida profissional, tal como percebidos e relatados pelos sujeitos. Neste artigo são apresentados alguns aspectos que fazem parte desses objetivos, uma vez que os dados coletados não foram ainda totalmente interpretados. Aqui essa interpretação limita-se a uma categorização preliminar desses dados. 1. Multifaces do Comportamento Criminoso 501 Especular sobre o grau de noção ou de juízo crítico que o criminoso tem de seu ato, e até que ponto ele seria senhor absoluto de suas ações ou servo submisso de sua natureza biológica, social ou vivencial, sempre foi preocupação da sociologia, antropologia e psiquiatria. Isso se aplica aos inúmeros casos de assassinos seriais, estupradores contumazes, gangues de delinqüentes, traficantes, estelionatários, etc. O indivíduo é um ser biopsicossocial e assim tem que ser considerado, para que se possa fazer essa junção com o objetivo de entender a complexidade do comportamento criminoso. As idéias que enfocam o aspecto psicológico como determinante para a ação criminosa destaca-se na literatura mundial em dois pontos; primeiro, é que parece aceito, unanimemente, a existência de determinada personalidade marcantemente criminosa ou, ao menos, inclinada significativamente para o crime. Em segundo, que a diferença principal entre as várias tendências doutrinárias diz respeito à flexibilidade ou inflexibilidade dessa personalidade criminosa, atribuindo ora uma predominância de fatores genéticos, ora de fatores emocionais e afetivos e, ora ainda, fatores sociais e vivenciais. E essa última questão estará diretamente relacionada ao arbítrio, juízo e punibilidade do infrator. Vieira (1997) faz referência aos fatores que determinam o ato criminoso demonstrando que os motivos são endógenos e exógenos, e que constituem um complexo de sentimentos e sensações de um indivíduo, que se manifesta em toda a sua personalidade. Portanto, cada indivíduo age de acordo com seu próprio modo de ser, sob a influência do ambiente físico e social. O padrão de comportamento de indivíduos que cometem crimes de homicídios, por exemplo, caracteriza-se por elevada impulsividade, baixo limiar de tolerância às frustrações, desencadeando uma reação desproporcional entre estímulos e respostas, ou seja, respondendo de forma exagerada diante de estímulos mínimos e triviais. Indivíduos que respondem impulsivamente com violência, chegando ao homicídio. Ressalta-se ainda que uma pessoa pode ser agressiva sem ser impulsiva e ser impulsiva sem ser agressiva. Essa possibilidade depende diretamente do desenvolvimento da personalidade, dos fatores genéticos, ambientais ou combinações de ambos, e são capazes de influenciar nos traços de agressividade e impulsividade de maneira específica em cada pessoa. As idéias que enfocam o aspecto psicológico como determinante para a ação criminosa, englobam fatores como os aspectos cognitivos, afetivos traços de caráter, 502 temperamento e controle dos impulsos. Buscam com isso entender o comportamento criminoso, através dos processos psíquicos anormais, e também na estrutura do inconsciente. A personalidade é entendida como global, ou seja, uma série de fatores que influenciam diretamente o comportamento do sujeito que comete um crime. As orientações sociológicas englobam todos os fenômenos sociais como fatores fundamentais para um comportamento criminoso. No que se refere aos fatores sociais como causadores do crime, estão às condições precárias em que muitas famílias vivem o desemprego e o subemprego, o crescimento demográfico descontrolado, e conseqüentemente o número cada vez maior de favelas, na qual imperam condições miseráveis. Percebe-se que muitas famílias encontram-se desestruturadas, com sérios problemas de relacionamento, incluindo o alto índice de alcoolismo. Sabe-se que o abuso de álcool não exime o criminoso de sua responsabilidade diante da justiça, mas também há de se considerar que substâncias etílicas podem exagerar o comportamento agressivo (FELDMAN, 1977), podendo desencadear reações que levam a um comportamento criminoso. A família representa o alicerce na formação do sujeito, e se mostrando fragilizada diante das condições sociais apresentadas, fica impossibilitada de oferecer a esse sujeito, melhores referências, e acaba por demonstrar afetos embotados, violência, abuso e privações, que são sentidas ao longo da convivência entre sujeito/família (SERAFIM, 2003, p. 56). Fatores estes vão repercutir nas relações sociais e na estruturação familiar, provocando assim inadequação nas relações saudáveis e na formação moral, ética e na personalidade desse sujeito, que mantém um comportamento social desviante. No plano jurídico sugere-se que não há como analisar o crime e a pena se não levarmos em consideração o criminoso, em seu aspecto sociopsicológico. A concepção de crime sofreu ao longo dos séculos modificações temporais e sociais, assim como o homem, que está em constante transformação, cabendo então uma análise eclética desse contexto crime-criminoso, como propõe (D'ANGELO; D'ANGELO, 2005). Há quem diga que o crime é inerente à sociedade e conseqüentemente ao ser humano, desde a antiguidade. Mas também deve-se considerar as constantes influências sofridas pelo homem criminoso e seu ambiente, sendo recíprocas essas 503 influencias. O delito é resultado de uma teia complexa de fatores associados ao comportamento humano e às causas externas que atuam sobre ele. 2. Os Caminhos da Pesquisa Devido à necessidade de se investigar crenças e percepções de atores sociais acerca de sua realidade vivida, destaca-se a importância de um método que possa apreender aspectos profundos e latentes do objeto de pesquisa. Portanto, optou-se por uma metodologia qualitativa, que visa antes de tudo, tomar conhecimento do contexto onde os participantes se inserem, buscando conhecê-lo do ponto de vista dos sujeitos pesquisados (MINAYO, 1999). A pesquisa foi realizada por entrevistas com cinco pessoas do sexo masculino que cumprem pena por homicídio e se encontram presos na Cadeia Pública de Franca, interior do Estado de São Paulo. Para Gomes (1998), a entrevista fenomenológica explora o mundo vivido do entrevistado, definido como experiência consciente, e está à procura do sentido que este mundo vivido tem para o entrevistado. Neste processo, a consciência do entrevistador, como expressa no roteiro da entrevista, modifica-se, amplia-se, atualiza-se na interação com o entrevistado. Segundo Martins e Bicudo (2005), o procedimento deve seguir quatro etapas: o uso adequado da entrevista, a questão da relevância, a entrevista e as relações interpessoais na situação de entrevista. Foi feito um levantamento bibliográfico do crime de homicídio, da psicologia no contexto criminal e da base fenomenológica; pesquisando os autores de referência, bem como produções científicas (artigos, livros, dissertações e teses) atuais que versaram sobre o comportamento criminoso e o estudo da história de vida de homicidas. Após consentimento formal do Diretor da Cadeia Pública, o Delegado de Policia Titular da Comarca de Franca, interior do Estado de São Paulo, foi solicitado a agentes da polícia civil que apresentassem o mapa carcerário, ou seja, toda a relação dos detentos daquele estabelecimento prisional para selecionar os que foram incursos no art. 121 do Código Penal Brasileiro, e que já haviam sido julgados e condenados. Sendo assim, foram escolhidos para a pesquisa somente criminosos homicidas, julgados e condenados, daquele estabelecimento penal, ou seja, cinco detentos. 504 Na seqüência, após a seleção dos detentos, as entrevistas foram feitas somente pela pesquisadora, que se dirigiu até a cadeia local para a coleta de dados. Durante as entrevistas, havia do lado de fora da sala, um agente da polícia civil que se encarregou da segurança da pesquisadora. 3. A Busca de Relatos A pesquisa teve como instrumento um roteiro de entrevista semi-estruturado, no intuito de já ter um roteiro pré-estabelecido para nortear a entrevista, porém com liberdade de se conduzir o contato com os sujeitos com maior flexibilidade conforme o conteúdo da entrevista. Nesta etapa o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Uni- FACEF. A entrevista foi realizada de forma que as questões fossem respondidas de maneira abrangente, como sendo uma conversa nos quais outros aspectos foram surgindo e sendo captados. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas literalmente, sendo que após repetidas leituras da transcrição literal das entrevistas realizadas, foi efetuada uma pré-análise de conteúdo, procurando identificar e categorizar os temas abordados pelos participantes. Em seguida, elaborada uma discussão, baseada na literatura especializada na área. Definiu-se a amostra deste artigo, que é composta por quatro detentos homicidas que estão presos há pelo menos cinco meses. Vale ressaltar que esta amostra foi recortada de uma população amostral mais ampla constituída para a referida pesquisa financiada pelo CNPq, ainda em desenvolvimento. Todos os entrevistados receberam uma carta convite com objetivos e procedimentos da entrevista, bem como assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo a manutenção de sua privacidade. 4. Análise preliminar dos dados Os dados levantados a partir da realização das entrevistas serão apresentados em categorias relacionadas aos conteúdos abordados pelos participantes. As respostas dadas pelos participantes foram distribuídas em seis categorias: A prática do Crime e sua Consciência; Álcool ou Drogas; Agressividade e Impulsividade; Escolaridade; Família e Grupos Sociais; 6. Vida Profissional. 505 Caracterização da população pesquisada A média de idade dos participantes era de 32 anos de idade, e a escolaridade se apresentou como Ensino Fundamental Incompleto; dois dos participantes estão casados, com suas famílias constituídas e um deles não é casado e não tem filhos; nesta amostra a pena imposta aos participantes ficou na média dos cinco a oito anos de reclusão, sendo que dois estavam presos fazia cinco meses e dois participantes estavam há quatro anos presos; quanto à reincidência, ficou constatado que nenhum deles havia sido processado por outro crime. Somente um dos participantes é de Franca, o restante é de regiões diversas. A prática do Crime e sua Consciência Esta categoria busca retratar a consciência que os participantes têm da prática do crime. Todos os participantes relataram o crime como fazendo parte de suas histórias de vida. Nenhum deles negou o fato ocorrido. Nota-se diante dos relatos que todos os participantes têm a ciência do crime, porém somente dois participantes alegam fatores que podem ser associados à prática criminal. Esses fatores incluem o ódio devido a perdas familiares significativas e ao abuso de bebidas e drogas que poderia ter potencializado a coragem para cometer o homicídio. “...se eu não tivesse ido pro bar beber naquele dia, nada disso teria acontecido, mas só que ele usou de traição pra cima de mim..é..se pensa que o cara é seu amigo, mas não tem nada a ver, o cara só quer sua droga, sua bebida, seu bolso...eu assumi meu erro, é ruim, sabe, to arrependido pra caramba, mas o problema é que ele queria me matar, não tinha jeito...e se ele me acerta no meio da cabeça, ele tinha rachado eu, uai.” (Indivíduo 1) “Eu perdi minha mãe grávida com cinco anos de idade nos meus braços, todas as pessoas que eu amava eu perdi, então isso me causou um desconforto no meu coração, um abandono, uma solidão, o que veio a acarretar esse acontecimento em que os laudos médicos consta que foi 16 golpes fatal com 506 facão de cana, foi um homicídio bárbaro por motivo fútil, mas naquela época eu não conhecia um ser todo poderoso que é Deus, se antes de eu praticar esse crime, se alguém chega em mim e diz que Jesus me ama, talvez naquele momento que eu estava atribulado por ter perdido minha mãe e meus irmãos, a palavra tinha dado um conforto pra mim. Aprendi que jamais podemos tirar a vida do ser humano, daquilo que Deus criou. O que me levou a isso foi ódio pela vida que eu passei de muito sofrimento, o desprezo pela família, solidão e a falta de Deus no coração, eu não tinha nada a perder quando cometi esse crime.” (Indivíduo 2) Álcool ou Drogas Diante os relatos é unânime o uso de drogas e álcool pelos participantes durante algum momento da vida. Entre os participantes, apenas um deles havia ingerido bebida alcoólica antes do crime. Diante das circunstâncias apresentadas não se pode considerar o álcool, nesse caso, como fator determinante para o crime, mas como um aspecto relacionado ao ato criminoso. “Eu usava de bobeira, sabe quando se sai, tira uma noite ou um final de semana pra beber, ai chega um colega e fica usa, usa, ai você experimenta e não para mais, sabe. E no dia do acontecido eu estava com bebida na cabeça, o que ajudou a ficar mais louco e fazer bobeira. Quando eu comecei a ficar bem, eu me envolvi nessa disgrama da bebida”. (Indivíduo 1) “Já usei drogas sim, mas faz muitos anos, muitos anos mesmo, coisa de adolescência, eu já tomei cerveja, agora não porque eu to na igreja, quando eu sair eu quero levar meus filhos pra igreja”. (Indivíduo 3) Agressividade e Impulsividade 507 Os relatos, nesse contexto, mostraram que dois dos participantes agiram de maneira agressiva e impulsiva, não contendo seus impulsos internos, na praticaram do crime mediante a provocação da vitima. Nenhum dos participantes relatou comportamentos agressivos e impulsivos em outros momentos da vida, ou como sendo comportamentos próprios da personalidade. “...às vezes sou meio estourado, estourado com bebida dá bobeira, que você faz as coisas sem pensar, passa 10 minutos você pensa, nossa, fiz bobeira...foi do nada, sabe, ai na mesma hora que ele me acertou, eu voei nele, né, sem pensar, nem vi, fiquei cego na hora, com bebida na cabeça ainda...”. (Indivíduo 1) “Eu imaginei que aquela pessoa que eu tirei a vida tem filho e eu não podia ter tirado a vida dele, mas foi um momento de impulso, ele bateu na minha cara, e a reação do homem é animal, mas eu penso que se eu tivesse corrido, eu teria ganhado mais, eu não queria que tivesse acontecido isso, mas eu não dei facada pra mata não, foi só pra assusta mesmo, ele não morreu diretamente, ele morreu de hemorragia”. (Indivíduo 3) Escolaridade Todos os participantes já passaram pela escola, mas nenhum concluiu o Ensino Fundamental. Eles relatam como causa do abandono da escola a necessidade de cuidar dos pais com problemas de saúde, a necessidade de trabalhar e o desinteresse pela mesma. “Eu parei de estudar, estudei só 8 anos, durante seis anos eu levei a sério, dois anos depois eu comecei a disdeixar já, não freqüentava mais, quando freqüentava não fazia nada”. (Indivíduo 4) “Eu só estudei na escola da roça mesmo, fiz o segundo ruim, bem fraco, eu trabalho com estrutura metálica, minha mãe tinha problema de saúde, então 508 eu ficava muito em casa, eu não tive tempo de estudar, ai Deus me deu a oportunidade de fazer esses projetos da minha cabeça mesmo, porque meu estudo foi bem fraquinho, então, Deus me deu um poder muito grande de levantar uma obra e entregar ela, olhar pra mim e falar que eu sou inteligente demais, porque eu não tive capacidade de estudar. Eu tenho muita saudade da escola, eu arrependi porque eu não estudei, se eu tivesse estudado, juro pra você que hoje eu era um engenheiro ou um cara muito inteligente, eu já sou muito inteligente”. (Indivíduo 3) Família e Grupos Sociais Dois dos participantes são casados e tem filhos. Três dos participantes perderam seus pais quando ainda eram novos e um dos participantes tem pais separados. Todos os participantes tem pelo menos um irmão ou uma irmã. Quanto às amizades, um dos participantes refere às amizades ruins como causa da prisão e dois dos participantes alegam que antes da prisão tinham muitos amigos, porém, depois que foram presos, nenhum colega foram lhes dar apoio. “Perdi meus pais quando eu era novo demais, meu pessoal é tudo simples, mora na fazenda, eu tenho irmão e irmã, família tudo pobre, humilde, até aqui eu to sozinho, porque não tem ninguém por mim aqui pra me mandar dinheiro, pagar um advogado”. (Indivíduo 3) “Meus pais são separados, minha mãe mora fora e meu pai mora aqui em Franca e eu sempre morei com ele. Eu fui casado, fiquei 10 anos casado, tenho uma filha linda com ela, tem oito anos, mas ai onde eu vim parar. Eu casei novo demais, eu tinha 18 anos e ela 16, meu pai começou a beber, beber, ai a gente brigava muito, ai resolvi casar com essa menina, foi a melhor coisa da minha vida, me deu uma filha linda, ai vivi uns cinco,seis anos bem, ai depois eu envolvi com bebida, cocaína”. (Indivíduo 1) “...você ta lá na rua, tem um monte de amigo lá, colega, vai na sua casa, mas depois que você cai aqui, a única pessoa que lembra de você é seu pai, sua mãe, sua esposa e seu filho, ninguém pensa em você, ai põe na cabeça que 509 ninguém vale nada, se tenta conversar com alguém da sua família, c não consegue, óia, vou te falar uma coisa pro c, não é fácil não, não chega um colega pra te ajudar, pra te incentivar não, chega um falando que já passou por isso e que você vai passar aqui dentro 10 anos, ninguém vem pra te ajudar, só pra falar coisa ruim”. (Indivíduo 1) “as minhas amizades ruins significaram que eu estou aqui hoje, já às boas, confiam em mim e torcem para eu sair logo”. (Indivíduo 4) Vida Profissional Todos os participantes já tiveram alguma atividade profissional. Eles relatam ter muito apreço pelo trabalho e estão incomodados com o ócio que a prisão lhes trazem. Relatam também somente ter se desligado da empresa por estarem presos, mas pretendem retornar ao trabalho quando forem libertados. “Eu sempre fui trabalhador, fui pespontador, faz 12 anos que eu sou pespontador, sempre trabalhei desde moleque. Eu queria voltar pra mesma empresa, viu..faz muitos anos que eu trabalho pra eles, que eu conheço eles..eles falam que meu serviço ta lá, neh, eu sou o barbeiro daqui, eu era cabeleireiro lá na rua, eu tinha a banca de pesponto e em frente a casa do meu pai eu montei um salão, fiz curso e montei lá para cortar cabelo e trabalhava em casa também pespontando sempre. Ai agora aqui dentro eu peguei isso pra fazer, porque ficar parado não dá”. (Indivíduo 1) “Sempre trabalhei, desde a idade de 12 anos na fazenda, na zona rural, sabe, tirava leite, mexia no pasto, ai passado o tempo fui trabalhar com estrutura metálica numa firma que saiu daqui de Franca pra ir até Morrinhos fazer o serviço. Depois eu vim trabalhar através de uma firma chamada Lindfran, era de solda, estrutura metálica, trabalhei com eles uns 17 anos aqui em Franca, ai fui embora de novo, agora vim pra cá pagar meu erro, porque eu errei né. Lá eu sou muito respeitado, graças a Deus, pelo serviço que eu faço, então eu to morrendo de vontade de voltar a trabalhar, eu to parado demais aqui, se eu pudesse trabalhar aqui pra mim pagar minha pena, eu queria trabalhar”. (Indivíduo 3) 510 Conclusão Conclui-se que esses dados apresentados e as interpretações até o momento indicam na direção que estão sendo cumpridos. Como ainda é uma análise preliminar, outras questões poderão surgir para serem categorizadas e interpretadas. Homicidas merecem uma atenção especial por parte da Psicologia, tendo em vista as implicações do ponto de vista psicológico, social e jurídico, podendo atuar nesse contexto criminal com um entendimento do sujeito criminoso em seu aspecto biopsicossocial, e a partir desse conhecimento oferecer possibilidades multifatoriais de transformação. Nota-se que a prática do crime faz parte da história de vida dos participantes, bem como, a vida profissional, a família e amigos, a escolaridade, o uso de substâncias químicas (álcool e drogas) e o comportamento de agressividade e impulsividade. Verificou-se através dos relatos que alguns fatores como uso do álcool e das drogas e problemas familiares estão diretamente ligados ao ato criminoso. Este trabalho não tem a pretensão de apresentar respostas definitivas quanto à percepção dos homicidas sobre si mesmos e suas histórias de vida, mas, motivar uma reflexão sobre vários aspectos relacionados ao tema, deixando assim como ponto de partida a possibilidade de novos estudos e novas descobertas acerca dos homicidas. 511 REFERÊNCIAS ADORNO, S.; PERALVA, A. Estratégias de intervenção policial no Estado contemporâneo. Tempo Social, 9(1), p. 1-4, 1997. D`ANGELO, S.; D`ANGELO. E. O Advogado, O Promotor de Justiça e o Juiz no Tribunal do Júri. 1. ed. Leme: Edjur, 2005. FELDMAN, M. P. Comportamento Criminoso. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. GOMES, William B. Fenomenologia e pesquisa em psicologia. In: ____________. A entrevista fenomenológica e o estudo da experiência consciente. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. cap. 1, p.19-41. MARTINS, Joel; BICUDO, Maria A. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. In: __________. 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