Coordenadoria de Desenvolvimento da Escola PROFESSOR APRENDIZ: O PROTAGONISMO DOCENTE NA REDE ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO Fortaleza-Ceará 2010 I Antecedentes e justificativa A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Marx, Teses sobre Feuerbach, § 3 Uma política educacional focada no sucesso escolar, entendido como máxima redução de abandono e reprovação, bem como de elevação permanente dos níveis de aprendizagem do aluno, não pode deixar de ter no seu centro o professor. Ter o professor no centro das preocupações das políticas de estado significa dizer de esforços voltados para a potenciação de seu protagonismo no processo de ensino-aprendizagem, tanto como sujeito coletivo, que acumula e interioriza num processo dialógico e formativo as experiências e reflexões da comunidade acadêmica a que pertence, quanto como sujeito individual, que constrói, no interior das experiências sociais que compartilha com outros, um percurso de experiências pedagógicas e didáticas singulares, de interesses científicos e acadêmicos próprios, de perguntas e descobertas pessoais. Nessa ótica, não se concebe o protagonismo do professor numa perspectiva liberal e individualista, cujas consequências só podem ser a responsabilização unilateral dos sucessos ou dos fracassos e, no limite, a inteira culpabilização por esses últimos. Entendido como sujeito a um só tempo coletivo e individual, o professor faz-se protagonista de sua atividade científica e acadêmica num encontro entre determinadas condições pré-construídas, frente às quais ele se coloca a cada vez em sua atividade cotidiana, e sua posição de sujeito, posição esta autoconstruída. Sujeito de sua própria formação, ainda que em condições “dadas” (i.e., previamente produzidas), o professor é protagonista de uma autoconstrução nunca conclusa, nem em nível coletivo, tampouco em nível individual. Como atividade imediata, o processo de ensino-aprendizado se constitui numa relação entre dois sujeitos, o professor e o aluno, sujeitos que, ao contrário do que nos indicaria uma consideração positivista desse processo, não se relacionam apenas nessa imediatidade com que nos aparece. Bem diversamente, professor e aluno são sujeitos sociais, e suas próprias relações escolares de ensino-aprendizado são formas outras e subordinadas de relações sociais mais amplas. Entender essa relação escolar como relação social significa a busca de compreensão crítica do lugar da escola e do professor, compreensão portanto autocrítica, que deve ser permanente e continuada, tendo em vista o aprimoramento, o aperfeiçoamento, bem como o abandono e a superação de determinadas formas de intervir nessa relação. Essa é uma compreensão crítica que se desenvolve individual e coletivamente, tendo como fundamento a concepção de que na relação professor-aluno não intervêm apenas o professor e o aluno, mas que um e outro participam de mundos de experiências diversos, embora articulados, mundos esses que não deixam de agir e influenciar uns sobre os outros. Isso é tanto mais verdade quando tomamos como objeto de reflexão nossa experiência social contemporânea, marcada nas últimas duas décadas por um conjunto de transformações econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, transformações essas de que resultam um novo perfil dos jovens, um novo e problemático lugar da escola na vida cotidiana dessa nova juventude, novas e mais complexas relações entre a escola e o mundo do trabalho, entre as formas de saber (das quais o saber escolar é apenas uma) e as formas socialmente dadas de satisfação coletiva e aprazimento (tais como hedonismo) etc. Nesse mesmo contexto, também novas exigências didáticas se impõem, seja em nível de conteúdo (com o crescimento de saberes a serem apreendidos e repassados), seja em nível de instrumentos (dos quais a informática é apenas um, e o mais óbvio). E há também problemas pedagógicos (e não apenas didáticos) mais amplos, que não podem deixar de compor as preocupações dos sujeitos que intervêm, a partir de um determinado lugar (o de professor), no processo escolar (que não é o único) de ensino-aprendizagem. Nessas condições, pensar o professor como protagonista significa pensá-lo não como protagonista único de todo o processo de ensino-aprendizagem, mas, tãosimplesmente, como protagonista de um dos pólos dessa relação, justamente o de protagonista de seu próprio papel nas relações professor-aluno, professor-professor, professor-escola, professor-sociedade – o que, convenhamos, já não é pouco. Não é pouco, repitamos, mas, bem pelo contrário, significa tomá-lo numa múltipla e desafiadora potência de sujeito. Pôr-se como sujeito, como protagonista de relações que são diversas e articuladas entre si, relações essas cada vez mais complexas e transformadas, é buscar constituir-se como capaz de compreender e intervir em sua realidade. Desse modo, se o professor não é o único protagonista, é, contudo, um dos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, um protagonista que passiva ou ativamente intervém em e codetermina esse mesmo processo. Um sujeito que, como já dito, se constitui individual e coletivamente, em e a partir de condições pré-construídas. Essa compreensão ampla da potência do professor, bem como de seu protagonismo, deve deixar lugar a uma variada gama de possibilidades de ações, intervenções, articulações, do e com o poder público, da e com a escola em que atua, da e com a comunidade científica a que ele pertence. A Lei Estadual nº. 14.190, de 30 de julho de 2008 (D.O.E. 31.07.2008) institui o Programa Aprender pra valer, que busca articular determinadas intervenções estatais nas condições em e sob as quais o professor trabalha (tais como o Primeiro, aprender! e o Preparação: rumo ao ensino médio, ações essas voltadas para a produção de material didático específico) com uma política de incentivo e amparo ao protagonismo do professor. O Artigo 2º estabelece como objetivo precípuo da referida lei justamente a “elevação do desempenho acadêmico dos alunos do ensino médio”, tal como podemos ver no seu caput: Art. 2º – O Programa Aprender Pra Valer tem por finalidade a elevação do desempenho acadêmico dos alunos do ensino médio, com vistas à aquisição dos níveis de proficiência adequados a cada série/ano, bem com a articulação deste nível de ensino com a educação profissional e tecnológica. E a alínea III do artigo 3º apresenta a ação Professor AprenDiz como uma das linhas de desenvolvimento do Programa Aprender pra valer, definindo-a nesses termos: III – Professor AprenDiz – consiste em incentivar professores da rede a colaborarem com o Programa, em caráter especial, na produção de material didático-pedagógico, na formação e treinamento de outros professores e na publicação de suas experiências e reflexões. Desse modo, estabeleceu-se em nível de política educacional pública um instrumento de incentivo a algumas das formas de protagonismo do professor, especificamente: a de elaboração de material didático, formação de seus pares e socialização de suas experiências, aquisições científicas e reflexões práticas. A essas formas de protagonismo, cujas condições a serem garantidas pelo poder público são agora matéria de lei específica, somam-se outras, que podem ajudar na autoconstituição do professor como sujeito (e, portanto, protagonista) no e do processo de ensinoaprendizagem, tais como a Superintendência Escolar (que deve desenvolver estratégias de acompanhamento da gestão escolar com foco no aperfeiçoamento do trabalho pedagógico, tais como o recém-criado programa de Diretor de Turma) e a Avaliação Censitária do Ensino Médio (que tem em vista, ex verbis, “o acompanhamento do progresso acadêmico de cada aluno, de forma a orientar ações de melhoria a serem implementadas pelas escolas, pelos professores e pelos próprios alunos” (Art. 3º, alínea IV)), além dos já citados Primeiro, aprender! e Preparação: rumo ao ensino médio. O protagonismo do professor é compreendido, sob essa ótica, numa dimensão ampla, que envolve tanto a produção (pelo poder público) de condições frentes às quais o professor deve agir quanto o incentivo (também pelo poder público) a que o professor possa participar diretamente da produção de instrumentos comuns de trabalho, da formação da força de trabalho coletiva e da experiência comum, através da socialização de suas próprias experiências e aquisições científicas individuais. Na “Apresentação à edição brasileira” do livro de José Contreras, A autonomia dos professores (São Paulo: Cortez, 2002), Selma Garrido Pimenta considera os seguintes aspectos sobre o protagonismo do professor: a necessidade de políticas que efetivem as condições para que o professor atue de forma reflexiva; o cuidado para que o protagonismo do professor não gere uma supervalorização do indivíduo, ignorando os contextos sociais e institucionais; o desenvolvimento de um certo praticismo que desconsidere as produções acadêmicas; e o perigo de reduzir a investigação sobre a prática aos problemas da sala de aula 1 (Pimenta, 2002b). Se olhado de perto, este é justamente o espírito da ação Professor aprenDiz, aparato institucional para o desenvolvimento de projetos que estimulem o protagonismo do professor, apostando em sua autonomia e na construção da sua identidade profissional. II Objetivos * GERAL: Desenvolver ações voltadas para o desenvolvimento e reforço das práticas de protagonismo docente, segundo os critérios da autonomia intelectual individual e da produção de uma identidade profissional coletiva. * ESPECÍFICOS: Possibilitar a autoria docente de instrumentos de ensino e avaliação discente; Incentivar as condições de socialização das experiências, reflexões e conclusões teórico-científicas dos professores da rede junto a seus pares e à sociedade; 1 Apud BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. O/a professor/a e os espelhos da pesquisa educacional. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 90, n. 224, p. 87-101, jan./abr. 2009. Elaborar e construir vias de formação docente tendo como formadores professores da rede. III Linhas de pesquisa e desenvolvimento 1. Linha editorial: Publicação, sob diversas formas, de experiências de ensino, de conquistas e sucessos escolares, bem como de produções científicas; 2. Linha didático-pedagógica: Elaboração de material didático-pedagógico, em diversos níveis, e de itens de avaliação; 3. Linha formativa: Processos de formação de professores por outros professores da rede.