A subjetivação presente no discurso do protagonismo juvenil

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Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2010 (0): 12-18
A subjetivação presente no discurso
do protagonismo juvenil
Priscila da Silva 1
Estudante de psicologia da
UNIBAN, trabalho oriundo da
pesquisa em iniciação
científica "O sujeito e sua relações
com a violência e a Lei nas
democracias contemporâneas",,
sob orientação do Prof. Dr. Edson
Teles
1
Autor para correspondência:
O presente trabalho tem como objetivo discutir o modo
de ser, pensar e agir produzido pelo discurso do protagonismo
juvenil, ou seja, analisar a subjetividade emergente deste
enunciado. Para tal, recorreremos à tese de doutorado
defendida por Regina Magalhães de Souza, cujo título é O
discurso do protagonismo juvenil, sendo guiados por conceitos
provenientes da psicanálise e por autores que lançaram um
olhar crítico à sociedade contemporânea.
Ainda que nossa análise se fundamente na ideia do
discurso como produtor de determinada subjetividade, há que
se pensar no movimento oposto: como as subjetividades
engendram condições específicas das quais emergem discursos
peculiares. Segundo Teles (2007):
Na sociedade de consumo em massa, na intenção da satisfação
narcísica dos desejos do sujeito, subjuga-se a vida a um cotidiano
padronizado. A construção de uma ordem social está vinculada com
a produção comum de determinado espaço (...), delimitando, assim,
por meio da memória comum, um antes e um depois (p. 32, grifo
nosso).
Cabe ainda discutir em nome de que prática de poder o
enunciado do protagonismo transita na sociedade atual, pois,
seguindo o conceito foucaultiano de tecnologia política do
corpo1, que sentidos estão presentes na visibilidade concedida
ao jovem protagonista?
Endereço postal:
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O palco
No trabalho citado, Souza (2006) analisa o discurso do
protagonismo juvenil considerando, entre outras, a concepção
1
Segundo Michel Foucault, em Vigiar e punir (1987), esse conceito
refere-se às disposições, manobras, táticas, técnicas e
funcionamentos que compõem um saber e um controle do corpo,
difuso, não localizável e minucioso, posto em jogo pelos aparelhos e
instituições.
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de sociedade que o fundamenta: aglomerados de indivíduos que
estabelecem relações de negociação, cujos resultados beneficiam a si
próprios e ao grupo como um todo. De acordo com essa concepção, o
jovem é convocado à participação nas negociações, assumindo papel
de protagonista.
Ainda segundo a autora, a atuação do jovem protagonista tem
lugar numa "sociedade que não oferece segurança ou quaisquer
garantias aos seus membros" (ibidem, p. 252), regida pelos valores do
capitalismo avançado, em que o indivíduo está isolado, impotente,
"sem rosto, anônimo, sem individualidade" (ibidem,p. 127). A
sociedade contemporânea assume características de "arena" em que
cada um lutará para assegurar seus direitos, ou, em outras palavras, o
espaço público como "cenário teatral", designação adequada para o
jovem protagonista e seu espetáculo.
Intencionalmente aludimos ao livro A sociedade do espetáculo,
em que Guy Debord critica o processo de inversão do real, por meio
da ilusão e da falsa consciência, intrínseco às "sociedades nas quais
reinam as condições modernas de produção. Tudo o que era
diretamente vivido se afastou numa representação" (2009,p. 4).
Conforme Joel Birman, os tempos atuais correm sob o signo da
exaltação do eu, decorrente do autocentramento radical do sujeito. As
ações do sujeito visam o reconhecimento e a glória, em concordância
com a "estética da existência" (2007, p. 166) e "cultura da imagem"
(ibidem, p. 167), ou, como apontado por Debord: "o que aparece é
bom, o que é bom aparece" (2009,p. 2).
Em outra perspectiva, mas ainda acerca do “excesso da
subjetividade”, a ensaísta Beatriz Sarlo, ao problematizar o uso da
primeira pessoa nas tentativas de reconstrução do passado
(principalmente no tocante a eventos marcados pela dor e violência),
aponta a intangibilidade e o caráter intratável de certos discursos, que,
na pós-modernidade, reivindicam estatuto de verdade e exaltam o
sujeito que “não apenas tem experiências, mas que pode comunicá-las,
construir seu sentido e, ao fazê-lo, afirmar-se como sujeito” (2005,p.
51). Não obstante, a autora reconhece os direitos de expressão da
subjetividade, mas, antes, reafirma o caráter histórico, singular e
incompleto do discurso subjetivo, ao passo que a distância e o
estranhamento permitem a reflexão e o entendimento.
O ator
Mas quem é este jovem? A resposta para a pergunta é
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propositadamente abrangente: universitários, trabalhadores, indivíduos
recém saídos da infância, indivíduos recém chegados à idade adulta,
pobres, pessoas da classe média. Todos e ninguém, uma vez que se
pretende negar a diferença e a singularidade, eliminando os conflitos e
tensões que delas decorrem .
Do discurso do protagonismo juvenil emerge uma forma de
subjetivação que não admite o outro, representante da diferença e do
limite à expansão do eu. O jovem atua isoladamente e na ilusão de que
seus atos o colocam numa posição privilegiada, que o impede de
"admirar o outro em sua diferença radical, já que não consegue
descentrar-se" (BIRMAN, 2007, p. 25).
Em psicanálise, o não reconhecimento da diferença remete à
problemática da castração; sendo que o conceito de castração designa
experiência psíquica inconsciente vivida pela criança por volta dos
cinco anos. Essa experiência implica o reconhecimento, angustiante,
da diferença anatômica dos sexos, expondo à criança os limites de seu
corpo, de sua vontade, de sua potência. Apesar da dor, esse processo
permite que a criança abandone a ilusão de onipotência e ocupe seu
lugar de sujeito marcado pela falta, na trama social (NASIO, 1995).
Os efeitos do complexo de castração não se restringem ao
indivíduo. Em diversos trabalhos (Totem e tabu, Mal-estar na
civilização, Moisés e o monoteísmo, entre outros) Freud explora o
alcance social desse postulado. Segundo o renomado vienense, a
renúncia à satisfação pulsional, sob a pressão da autoridade,
estabelece o interdito e promove ideias, atitudes e comportamentos
considerados virtuosos. Em sociedade, cada indivíduo recua da
realização total de seus desejos em prol da convivência harmoniosa
com seus semelhantes; troca-se o gozo pela segurança e elege-se o
padrão moral e ético do grupo.
Mise-en-scène
Ao jovem sem identidade cabe agir, que, no discurso do
protagonismo, equivale a atuar, negociar, participar, sempre através de
realizações concretas e em referência a problemas reais. Ele deve se
colocar em movimento, aceitar as regras e as decisões, resolver seus
problemas e os problemas de seu grupo, sem, contudo, pretender
grandes mudanças sociais: "cada um deve fazer a sua parte" (SOUZA,
2006,p. 127) através de pequenas intervenções, do trabalho de grão
em grão.
Apoiando-nos em Hannah Arendt, poderíamos comparar a
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atividade do jovem com o fazer do homo faber, que segue projetos
específicos e (pré) estabelecidos e tem por finalidade obter um
produto que, por um lado, finda sua atividade e, por outro, transcende
a existência daquele(s) que o produziu(ram). Nesse sentido, privilegiase a técnica, a execução e o produto em detrimento do homem.
Diferentemente da concepção de ação, que para Hannah
Arendt, permite aos homens se relacionarem entre si, através de
realizações marcadas pela inovação e pela liberdade, permeadas pela
fala reveladora da identidade e da singularidade do sujeito que age.
Assim “a ação é como uma marca do agente, a atividade que mais
plenamente caracteriza o homem; sem ela deixa-se de ser humano,
pois este é o meio próprio de se viver entre os homens” (TELES,
2005, p. 132). Com efeito, ainda que o agir esteja ligado à pluralidade,
à interação entre os homens, não há como prescindir das realizações
do homo faber, constituídas de obras que permitem a fixação e
durabilidade dos feitos humanos.
Nesse sentido, embora se afirme que o protagonista possa
participar da elaboração, formulação e desenho das políticas públicas,
assim como expressar suas opiniões, tais manifestações ocorrem no
âmbito do consenso forjado pelo discurso em que "a fala torna-se
inócua e impotente, pois não consegue se fazer acompanhar pelo
poder de intervenção no mundo, isto é, da capacidade de agir"
(ibidemp, 13).
A participação do jovem decorre das qualidades que já possui
ou, ainda, de seu potencial, que pode ser desenvolvido através de
aprendizagem adequada. Apesar da pouca idade, o jovem é descrito
como alguém que possui capacidade de análise, de proposta,
imaginação, visão, força positiva, contribuição intelectual, energia,
entusiasmo, enfim, o jovem protagonista é instado a "revelar o tesouro
escondido em cada um de nós" (DELORS et al. 2003, apud SOUZA,
2006: 191).
O jovem é incentivado a assumir papel de destaque no cenário
social, em função de seu suposto potencial, ao custo de sua autonomia.
Segundo Birman:
Na cultura do espetáculo, o que se destaca para o
indivíduo é a exigência infinita da performance,
que submete todas as ações daquele. De novo, aqui
se confunde o ser com o parecer, de maneira que o
aparecimento ruidoso do indivíduo faz acreditar no
seu poder e fascínio (2007,p. 168, grifo do autor).
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Estrelato
O jovem é detentor de valioso "capital social", que
independe de seu nível social, do grupo ao qual pertence, das
dificuldades pelas quais passou e passa. O protagonista é capaz de
superar as adversidades, resistir às pressões, modificar o seu entorno,
adaptar-se constantemente às exigências do mundo atual. É um ser
pleno, potente, narcísico e eterno, na medida em que:
O descarte do passado e a antecipação do futuro
num tempo presente implicam o apagamento da
diferença temporal e a instalação, em seu lugar, da
permanência, da repetição contínua. Numa palavra,
sob a aparência da exaltação do novo, a afirmação
da primazia do presente suprime o tempo histórico
e impede a mudança (SOUZA, 2006,p. 180).
Propomos que do discurso do protagonismo juvenil emerge
uma subjetividade narcísica, referente ao conceito de eu ideal,
presente no trabalho Introdução ao narcisismo, de Sigmund Freud.
Segundo este, o narcisismo primário seria uma fase normal do
desenvolvimento infantil, fundamental para a sobrevivência da
criança, que é, por um momento, o centro das atenções e cuidados
daqueles que o rodeiam, pois o bebê representa o ideal de perfeição
narcísica de seus genitores, ao qual eles tiveram que renunciar.
De acordo com o criador da psicanálise, a subjetividade
infantil (e narcísica) caracteriza-se pelo autocentramento,
supervalorização dos desejos, onipotência do pensamento e pela
relação mágica com as coisas (GUIRADO, 1998). Nas palavras de
Freud: "a enfermidade, a morte, a renúncia ao prazer e a limitação da
própria vontade hão de desaparecer para ele, e as leis da natureza,
assim como as da sociedade, deverão deter-se ante sua pessoa"
(1974,p. 2027).
Contudo, essa fase deve ser superada em função da
possibilidade de estruturação de um ser marcado pela falta, que
reconhece sua incompletude e é lançado no movimento incessante do
desejo. Desse processo, resulta a assunção de indivíduo com
identidade própria, que busca reviver a perfeição narcísica
(inatingível) por meio de satisfações substitutivas, constituindo o
narcisismo secundário, modulado pela introdução da alteridade
(GARCIA-ROZA, 2008); dinâmica da qual o jovem protagonista
parece alienado.
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Aplausos ou vaias?
O enunciado, aqui discutido, incita o jovem à participação
ativa, fundada em sua suposta capacidade. Contudo, a ação do jovem
restringe-se à movimentação e à exibição, promotoras do
esvaziamento de sua alegada potência.
Nesse sentido, consideramos que a atividade do protagonista
responde a uma necessidade de controle, cuja realização se dá através
do olhar. A participação do jovem se materializa através daquilo que
ele faz, em oposição àquilo que ele fala ou pensa, ou seja, seu
protagonismo pode e deve ser visto. Conforme Michel Foucault
(1987,p.119), há “um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o pesar
sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo;
sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si
mesmo” (1988: 119).
Portanto, o jovem protagonista aproxima-se mais do autômato
do que do sujeito, pois se constitui através da atividade incessante,
desprovida de reflexão e da possibilidade de criação inovadora. Sua
performance dispensa a fala, ou a limita à reprodução do consenso,
seus atos procuram conformar-se ao já disposto, através da negação do
antes e eliminação do depois; e apesar da suposta e exaltada potência,
o jovem é considerado "principal agente do poder que o controla"
(SOUZA, 2006, p. 202), oator principal do teatro de fantoches.
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Memória política em democracias com herança autoritária. Tese de
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_______. Práxis e Poiesis: uma leitura arendtiana do agir político.
Cadernos de Ética e Filosofia Política, v 6, 2005, pp. 123-140.
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