1 PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS): APROXIMAÇÕES TEÓRICAS Evelyn Secco Faquin1 INTRODUÇÃO A categoria controle social vem sendo discutida há tempos e possui dois entendimentos ainda presentes na sociedade atual. Um entendimento acerca do controle social é relacionado a estratégias de manutenção da ordem social e busca de consenso social. E o segundo é tido como sinônimo de participação e passa a ser compreendido, na área social, como mecanismo de participação e fiscalização da população nos assuntos públicos. A abertura para a formalização deste mecanismo se deu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que abriu espaços para o exercício do controle social em instâncias como conselhos, conferências, plebiscitos, iniciativas populares e referendos. Alguns desses espaços (conselhos e conferências) tornaram-se obrigatórios para a execução das políticas sociais, não sendo diferente para a Política de Assistência Social. A Assistência Social, por sua vez, ganhou status de política social também na Constituição de 1988 e tem sua regulamentação em 1993, por meio da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. A partir desse início, esta política tem travado um árduo caminho para ser reconhecida como tal. Após muitos debates, no ano de 2004, conseguiu-se implantar o Sistema Único de Assistência Social – SUAS que busca operacionalizar a Assistência Social em todo o território nacional. 1 Doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí/PR (FAFIPA). Endereço para contato: Avenida Paraná, 1374, Apto. 02, Jardim América, CEP: 87705-190, Paranavaí/PR. Telefones para contato: (44) 30455443 / (44) 98312303. E-mail: [email protected]. 2 O SUAS, em sua fundamentação teórica, apresenta oito eixos estruturantes, sendo um deles o controle social cujo objetivo é o fomento da participação dos usuários e a efetivação da Assistência Social como direito. Dessa forma os resultados apontam que o controle social adquire um novo patamar na construção e efetivação do SUAS. OBJETIVOS O presente artigo tem por objetivos discutir a categoria controle social na sociedade brasileira; apresentar como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) incorpora a categoria controle social em suas ações; e refletir sobre o desafio da efetivação do controle social na atual Política de Assistência Social brasileira. METODOLOGIA O presente artigo foi elaborado a partir de pesquisa bibliográfica, nela incluído o referencial teórico com revisão de legislações e autores que versam sobre a temática. RESULTADOS Participação e controle social: aproximações teóricas A participação, em seu sentido mais amplo, é discutida há tempos, pois está intimamente relacionada com a democracia e cidadania. Isto se dá devido à dependência que o regime democrático tem da participação popular que, caso não exista, perde sua essência. A participação viabiliza a concretização da cidadania e garante a soberania popular. O controle social, na área social, encontra-se em grande evidência, e tem sido relacionado ao exercício da cidadania e à participação e fiscalização, da população, na definição dos assuntos públicos. 3 A discussão recente sobre participação popular ganhou bastante relevância no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, devido ao surgimento de muitos movimentos sociais2 que lutavam por ampliação de seus direitos e mudanças no regime de governo. De acordo com Peruzzo (1999), “novas estruturas” sociais nascem a partir “de baixo” e se organizam por fora e independentes de instituições públicas, privadas e dos meios tradicionais de participação, como os sindicatos e os partidos políticos. Os movimentos ocupam assim um espaço, cujas expectativas e reivindicações os canais vigentes não estavam conseguindo absorver. Silva (2003) afirma que, nas décadas de 1970 e 1980, a atuação das classes populares e das diferentes formas de participação popular foram tão significativas que parecia não haver espaço para qualquer tipo de manifestação democrática que não houvesse a participação dos sujeitos populares. A partir dessas manifestações, o tema participação popular tornou-se mais evidente nas agendas públicas, conquistando, assim, maior visibilidade e legitimidade. No entanto, para que a participação se efetive, há necessidade de algumas condições, ou seja, de alguns fatores que a propiciem. De acordo com Ammann (1980), a participação é um processo dialético que se dá em nível societal e depende do grau de consciência dessa mesma sociedade. Esses fatores podem incentivar ou bloquear o processo participativo, ou seja, o menor ou maior nível de participação depende das relações sociais existentes na sociedade e também do nível de consciência que esta sociedade tem da importância da participação. Se a população de determinado local não vê a participação como importante e como instrumento de mudança social, dificilmente a participação alcançará um patamar elevado, não alcançando, assim, grande difusão e eficácia. Existem diversas concepções e diversos modos de entender a participação. “No entanto não existe um consenso claro sobre o significado da participação. A conotação ideológica que permeia este conceito faz com que haja diversas e mesmo contraditórias interpretações sobre seus possíveis significados” (PAULILO,1999, p. 183). 2 “ A análise dos movimentos sociais, sob o prisma do marxismo, refere-se a processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes na realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sócio-política e cultural” (GOHN, 2001, p. 25). 4 Conforme Gohn (2001), existe a forma liberal, a forma autoritária, a forma democrática e a forma revolucionária de participação. Vista pela ótica liberal, a participação prega que todos os membros da sociedade são iguais; a participação seria o meio e o instrumento para a busca da satisfação de suas necessidades. Quando nos referimos à forma autoritária, isso significa que a participação se dá de maneira cooptativa e é estimulada de cima para baixo com o intuito de diluir os conflitos sociais. A forma democrática de conceber a participação tem como princípio regulador a soberania popular, sendo a participação concebida como um fenômeno que se desenvolve tanto na sociedade civil quanto nas instituições formais políticas. Já na maneira revolucionária, a participação estrutura-se em coletivos organizados para lutar contra as relações de dominação e pela divisão do poder político. Estas diferentes formas indicam diferentes entendimentos sobre o tema. Uma das concepções que podemos citar é a trazida por Ammann (1980) que concebe como participação o processo pelo qual as camadas sociais existentes tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens da sociedade. Ammann (1980) nos remete a três “palavras-chaves”: produção, gestão e usufruto. Quando tratamos de produção, referimo-nos à produção dos bens sociais, das riquezas produzidas; quando falamos em gestão, dizemos do poder de administrar essa riqueza, de verificar onde e como deveria ser ela aplicada. Por fim, quando tratamos de seu usufruto, concebemos a ideia de poder usufruir e desfrutar dessa riqueza. Segundo a autora, a população somente participaria realmente quando participasse desses três níveis; caso isto não ocorresse, a participação inexistiria. “Se uma população apenas produz e não usufrui dessa produção, ou se ela produz e usufrui, mas não toma parte na gestão, não se pode afirmar que ela participe verdadeiramente” (AMMANN, 1980, p. 62). Uma outra visão de participação é a de Demo (2001) que define participação como um processo imorredouro de conquista, um processo interminável. Concebe participação como sendo um exercício constante. “Não é dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. Participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada” (DEMO, 2001, p. 82). O autor afirma, ainda, que a participação só se concretiza com a ação, cujo objetivo é alcançar melhorias sociais, é 5 meio e é fim. Meio de conquistas, concretização de direitos, ampliação de oportunidades e fim quando nos referimos a ela como exercício da cidadania e consciência de direitos. Teixeira (2001) também discute o tema participação e a concebe como “fazer parte”, “tomar parte”, “ser parte” de um ato ou processo público, vale dizer, ser membro de ações coletivas. Teixeira acrescenta que a participação requer uma relação com o todo, não se podendo ser parte sem se ter consciência do pertencimento a um todo. Dessa maneira, a participação se dá como um processo que prevê a interação constante entre diversos sujeitos. Teixeira concorda com Demo (2001) no entendimento de que a participação é um processo incessante. Nogueira (2004), igualmente, concebe a participação como exercício constante e ações que buscam fazer parte de determinados processos, sejam esses decisórios ou não. O autor acrescenta que todo tipo de participação busca a obtenção de algum tipo de poder. Traz ainda a ideia de ascensão como sujeito de direitos e resolução de dificuldades, tornando-se assim a participação instrumento de tomadas de decisões e empoderamento. A partir das reflexões dos autores citados, tivemos a oportunidade de perceber que eles concordam quando concebem a participação como exercício constante e instrumento popular de ampliação de direitos. Assim, neste trabalho, concebemos a participação como processo incessante de conquistas e instrumento de ampliação e concretização de direitos. A participação, por sua vez, possui um caráter cultural ou, em outras palavras, requer uma cultura de participação, que, no Brasil não tem sido estimulada. Peruzzo (1999) assevera que pretender alcançar um grau de participação mais elevado é algo de difícil concretização nas condições do Brasil e de outros países latinoamericanos, cujos povos não têm tradição nesse sentido e onde vige a reprodução de valores autoritários, a falta de conscientização política e outros fatores. Os aspectos culturais, reforça Teixeira (2001), são responsáveis pelo bloqueio ou incentivo à participação, adquirindo a função de motivadores ou desmotivadores do processo participativo, assim como os aspectos educacionais, que são de inegável importância à dialética participativa. Demo (2001) concebe a educação como portadora 6 da função de ordem política, como condição à participação, como incubadora da cidadania e como processo de formação. Acrescenta ainda que “a educação é precisamente condição necessária para desabrochar a cidadania, com vistas à formação do sujeito do desenvolvimento, num contexto de direitos e deveres”. (DEMO, 2001, p. 52). A educação possui papel primordial para a formação do cidadão, acima de tudo como embasadora da participação, pois, se nem mesmo sabe que existe a possibilidade dessa atuação e como faze-la, a população jamais vai exercê-la. Cabe, assim, à educação informar à população que ela possui esse direito e quais os meios de sua efetivação. Um entrave destacado por Silva (2003) é a desigualdade de condições à participação, quando não proporciona a todos, de modo igualitário, o embasamento necessário para exercer seu papel reivindicativo. Aponta, ainda, como maior dificultador, as desigualdades econômicas, as quais atuam como meios de exclusão da população não detentora dos meios de produção do processo de participação. Devido a essas condições díspares, não se prepara essa parcela da população para o exercício político, ou seja, ela não obtém acesso a essas discussões. “[...] as desigualdades econômicas, posto que a existência de tal situação, concretamente, impede os indivíduos de participarem em iguais condições da vida social e política do país” (SILVA, 2003, p. 17). Nogueira (2004) admite que, nos dias de hoje, principalmente após a Constituição de 1988, a participação se dá de maneira valiosa, tendo havido grande avanço. No entanto, não a concebe como exemplo de manifestação popular ou de garantia de direitos, uma vez que pode ser facilmente manipulada e utilizada em favor das elites, tornando-se, esta manipulação, um grande dificultador da integridade do processo participativo. O autor acrescenta, ainda, que a participação na gestão veio para atuar, muitas vezes, como mantenedora da hegemonia capitalista, fazendo da participação, meio de solidarizar governadores e governados e fazendo nascer uma suposta ideia de colaboração mútua. Há, assim, uma descaracterização dos movimentos sociais, que atuam muito mais na gestão de políticas do que na elaboração ou oposição a elas. 7 Esta discussão feita por Nogueira (2004) casa-se com a concepção de pseudoparticipação que Ammann (1981) levanta, ou seja, a ideia de participação é apresentada como meio de mascarar a realidade preexistente, como forma de acrescentar um falso caráter democrático, em que a participação é proporcionada, mas de maneira limitada. Este tipo de “participação” exercida pela população não mudará a estrutura societária e não é valorizada por aqueles que a promovem; ela resume-se, muitas vezes, em propaganda eleitoral, com a intenção de iludir a população. No entanto, por mais que as formas de participação sejam limitadas, ela é compreendida, dentre seus atores, como meio de democratização ou mesmo de redemocratização. Quando o Estado não atende, suficientemente, às carências da população, ela encontra na mobilização sua arma para a concretização de seus direitos. Por meio da união de sujeitos que possuem dificuldades e carências semelhantes, iniciase um movimento em busca da concretização do regime democrático, realizado a partir das carências do povo. O Estado em crise não consegue dar resposta às demandas da sociedade, sobretudo àquelas dos segmentos mais empobrecidos e dos que sofrem vários tipos de discriminação, aglutinando-se em torno de suas carências e da defesa de seus direitos. Num processo de reivindicação, expressão e luta, estes constroem suas identidades e autonomia com uma nova maneira de encarar o Estado e de agir coletivamente, expressando aspirações e necessidades (TEIXEIRA, 2001, p. 24). A todo momento então, busca-se um aumento na participação, visto que, se ela é utilizada por parte dos governantes como instrumento mantenedor da hegemonia, por parte dos governados constitui-se um dos meios de requerer algum tipo de mudança. Isto se dá pois, ganha status de estratégia da população, com vistas à fiscalização da utilização dos recursos públicos, o que nos leva à discussão sobre controle social. A partir dos apontamentos de Streck e Adams (2006), a noção de controle social, na atualidade, é associada à co-responsabilidade pela “coisa pública”. Esta concepção inclui a possibilidade de vigilância da sociedade organizada sobre a observância de regras e acordos, juntamente com a abertura para a formulação conjunta de diretrizes e metas. 8 Pedrini; Adams e Silva (2007) relacionam o entendimento de controle social como “palavra-gêmea” de participação, “[...] cabendo ao sujeito coletivo reconhecer a conflitividade como parte integrante do processo social e assumir o desafio de trabalhar em conjunto” (p. 225). O controle social seria, neste entendimento, uma forma de fiscalização que parte da sociedade civil em relação ao Estado, para que haja a garantia de direitos e cumprimentos dos deveres do Estado, de suas propostas e programas. “A participação é um instrumento de controle do Estado pela sociedade, portanto, de controle social e político: possibilidade de os cidadãos definirem critérios e parâmetros para orientar a ação pública” (TEIXEIRA, 2001, p.38). Segundo Teixeira (2001), o controle social possui duas dimensões: a primeira relacionada à prestação de contas e, a segunda, à responsabilização dos agentes políticos por ações praticadas em nome da sociedade. O autor acrescenta que a ideia de controle social resgata a noção de soberania popular, uma vez que a população não só participa no momento de eleger seus representantes, mas também pode exercer controle sobre seu mandato de maneira permanente. Correia (2007) relata que a temática controle social tomou vulto no Brasil a partir do processo de democratização da década de 1980 e, principalmente, com a institucionalização dos mecanismos de participação nas políticas públicas a partir da Constituição de 1988, das leis orgânicas posteriores, da formação dos Conselhos e das Conferências municipais, estaduais e nacionais. Neste contexto de mudança social da década de 1980, cenário composto pela ampliação política dos mecanismos de participação do Estado, nascem estratégias que visam o aumento da participação da sociedade civil3 com seus diversos segmentos. Assim “os conselhos setoriais de saúde e assistência social, entre outros, como 3 A sociedade civil é, por sua vez, o cenário institucional no qual as questões práticas do cotidiano se tornam políticas. “Tais questões não alteram, entretanto, as estruturas presentes nos mercados ou as políticas engendradas pelo Estado, a menos que se formem aparatos institucionais na sociedade civil, capazes de mediatizar o mundo da vida com o sistema social e capazes de se transformarem em ação comunicativa “livre” da razão instrumental” (MEKSENAS, 2002, p. 140). 9 componentes do arcabouço jurídico-institucional do Estado, surgem em um contexto de disseminação de uma concepção pluralista do poder estatal” (SILVA, 2001, p. 117). Os Conselhos foram criados para democratizar o atendimento à população e permitir uma ampliação do espaço público e podem ser definidos como: [...] condutos formais de participação social, institucionalmente reconhecidos, com competências definidas em estatuto legal, com o objetivo de realizar o controle social de políticas públicas setoriais ou de defesa de direitos de segmentos específicos. Sua função é garantir, portanto, os princípios da participação da sociedade nos processos de decisão, definição e operacionalização das políticas públicas, emanados da Constituição. Ou seja: são instrumentos criados para atender e cumprir o dispositivo constitucional no que tange ao controle social dos atos e decisões governamentais” (GOMES, 2000, p. 166). Assim, para que os conselhos tenham seus membros eleitos democraticamente e, a partir disso, possam efetuar na prática o que prevêem, são realizadas as Conferências que são o ponto alto dos Conselhos. As Conferências são instâncias abertas ou canais para a participação popular e de setores organizados da sociedade civil que, antes da implementação desse sistema descentralizado e participativo, encontravam-se excluídos da participação social, ou seja, do exercício de sua cidadania. Essa participação passou a ser mais visível e eficaz nas decisões do governo a partir da já citada Constituição de 1988 e tornou-se estratégia central dos setores sociais. São instrumentos de poder da população, juntamente com os conselhos. São espaços nos quais a população, por meio de seus representantes, tem poder de voto, voz e reivindicação, participando da definição de metas e diretrizes. Também são espaços de conflito contínuo. Essa participação foi concebida na perspectiva de controle social exercido pelos setores progressistas da sociedade civil sobre as ações do Estado, no sentido deste atender, cada vez mais, aos interesses da maioria da população. Dessa maneira, conquanto a participação seja garantida constitucionalmente, se não houver por parte da população uma apropriação deste espaço, dificilmente o governo fará esforços para que haja mudança de condições. Assim a população, ao se manifestar, estará ocupando o espaço que lhe é de direito na gestão dos assuntos/programas que lhe dizem respeito. 10 Neste contexto, existe então, uma maior valorização, ou melhor, uma ampliação das atribuições da sociedade civil, que tem em suas mãos a competência de reivindicar a concretização dos direitos mesmo quando garantidos por lei. “Essa nova valorização da “sociedade civil” expressa uma alteração de posições e significados na sociedade, que se mostravam tanto nas categorias de pensamento quanto nas orientações das ações sociais” (SADER, 1988, p. 34). A concretização do controle social, como instrumento de fiscalização e participação, conta atualmente com alguns instrumentos como: audiências públicas; iniciativas populares como plebiscito e referendo; petições e reclamações; conselhos municipais e fiscalização de órgãos públicos. Por meio desses instrumentos, a população busca a concretização de sua participação. Estes instrumentos existem, mas não são sempre utilizados de forma eficaz já que grande parte da população desconhece sua existência ou não tem informação de como utiliza-los. Faz-se necessária, então, uma maior divulgação e exercício destes mecanismos de participação para que assim tenham eficácia. “Somente informada pode uma população fazer um julgamento claro sobre a validade das oportunidades e dos instrumentos postos a sua disposição, utilizá-los, ou, inclusive, rejeitá-los, se os considera ineficientes ou inadequados” (AMMANN, 1980, p. 35). No entanto faz-se necessário lembrar o histórico político brasileiro, marcado por iniciativas colonialistas, patrimonialistas e clientelistas, atreladas às imposições de uma ditadura militar e econômica e às diversas crises econômicas que proporcionaram um resultado visivelmente contraditório, como afirma Pedrini; Adams e Silva (2007). De um lado, setores organizados das classes populares e aliados foram responsáveis por uma sociedade civil viva e razoavelmente mobilizada, para alcançar uma democracia política e econômica. De outro lado, diante das graves crises econômicas verificadas dos anos 1980 em diante, os movimentos de perspectiva emancipadora, em alguns aspectos perderam o foco (PEDRINI, ADAMS E SILVA, 2007, p. 227). Dessa maneira, podemos perceber em que contexto se desenvolve essa nova perspectiva de controle social, instalada no cenário nacional. Dessa forma, se a população em sua totalidade não tem consciência do seu poder, a democracia é diminuída e perde sua essência, pois, como relata Demo (2001), 11 não existe democracia sem seu ator principal, que é o cidadão. Assim, é de extrema importância que a população se reconheça como cidadã e lute pela ampliação e concretização de sua cidadania, para que realmente se instale um governo do povo, um governo cidadão guiado pela bandeira da democracia. Dessa maneira deveria haver, então, um protagonismo da sociedade civil no que se refere à concretização de direitos. Cabe a pergunta: por que tal protagonismo não se manifesta de forma coletiva e contínua na sociedade brasileira? Dessa maneira, a Política de Assistência Social brasileira, através da instalação do SUAS, instaura uma nova possibilidade ao controle social. Participação e controle social no SUAS O Sistema Único de Assistência Social - SUAS é fruto de quase duas décadas de debates e coloca em prática os preceitos da Constituição Federal de 1988, que integra a assistência social à Seguridade Social. Assim, diversas ações e iniciativas de atendimento à população deixam o campo do voluntarismo e passam a operar sob a estrutura de uma política pública de Estado, tornando-se um direito do cidadão. O marco oficial para a implantação do Sistema deu-se em 14 julho de 2004, quando o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou a Norma Operacional Básica do SUAS, estabelecendo um conjunto de regras que disciplinam a operacionalização da Assistência Social e a transição do antigo para o novo modelo. Com a implantação do SUAS, uma das inovações adquiridas é a classificação dos municípios em três níveis de gestão, inicial, básica e plena, de acordo com a capacidade de gestão que cada município tem de executar e co-financiar os serviços da assistência social. O Sistema Único de Assistência Social prevê um modelo de gestão descentralizado e participativo, regulando e organizando as ações socioassistenciais em todo país. A família, seus membros e indivíduos têm sido o foco principal no atendimento por meio de serviços, programas, projetos e benefícios em todo território, definidas de acordo com as funções exercidas, pela quantidade de pessoas que deles necessitem e pela sua complexidade. 12 O Sistema traz ainda uma gestão compartilhada e um co-financiamento da política pelas três esferas de governo, com a participação da sociedade civil tendo suma importância na implantação e implementação do sistema. Além do estabelecimento dos níveis de proteção, o SUAS deixa claro suas bases de referência, explicitando os eixos nos quais se estrutura, sendo eles: Matricialidade Sociofamiliar, Descentralização Político-administrativa e Territorialização, Novas Bases para a Relação entre Estado e Sociedade Civil, Financiamento, Controle Social, O Desafio da Participação Popular/Cidadão Usuário, A Política de Recursos Humanos e A Informação, Monitoramento e a Avaliação. O eixo do Controle Social tem sua concepção decorrente da Constituição Federal de 1988, como meio de efetivação da participação popular no processo de gestão político-administrativa-financeira e técnico-operativa, democrático e descentralizado. Os conselhos têm como principais atribuições a deliberação e a fiscalização da execução da política e de seu financiamento, em consonância com as diretrizes propostas pela conferência; a aprovação do plano; a apreciação e aprovação da proposta orçamentária para a área e do plano de aplicação do fundo, com a definição dos critérios de partilha dos recursos, exercidas em cada instância em que estão estabelecidos. (BRASIL, 2005a). Além disso, outra atribuição dos conselhos é normatizar, disciplinar, acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços de assistência social, prestados pela rede socioassistencial. Assim, tem-se o desafio da participação dos usuários na Política de Assistência Social, sendo uma das formas a participação nos Conselhos de Assistência Social. Para analisar sua participação, é preciso refletir sobre a natureza da assistência social que, somente na década de 1980, mais precisamente no ano de 1988, foi elevada à categoria de política pública, ocasionando assim, algumas dificuldades nessa articulação. Há também, para a consolidação deste eixo, a necessidade de um “amplo processo de formação, capacitação, investimentos físicos, financeiros, operacionais e políticos”, como destaca o SUAS (BRASIL, 2005a, p. 52). A Política de Assistência Social adquiriu status de política social mas encontrase, ainda, em processo de institucionalização; de profissionalização e de alcance de racionalidade técnica e política. 13 Avaliar os impactos da Política de Assistência Social na vida dos cidadãos é condição essencial em função da escassez de conhecimento e dados referentes à população que recorre à Assistência Social para satisfazer suas demandas histórica e socialmente produzidas, já que “trata-se de uma população destituída de poder, trabalho, informação, direitos, oportunidades e esperanças” (YAZBEK, 2004, p. 22). Mediante este contexto conflituoso, parece complicado pensar nas políticas sociais como um meio de viabilização de direitos, ou mesmo, constituição de um modelo de cidadania. No entanto, o exercício do controle social em relação às políticas, juntamente com a pressão popular, já conhecida pelos brasileiros, podem buscar alterações nessa realidade. Embora o SUAS tenha oito eixos estruturantes, podemos perceber que o controle social perpassa todos eles, pois todos buscam mediar a conscientização do usuário em face do direito à assistência social e estimular a participação social. No entanto, de acordo com Bravo (2006), historicamente, a categoria controle social foi entendida apenas como controle do Estado ou do empresariado sobre as massas. Sendo assim, esse é o entendimento quase sempre presente na sociologia clássica quando trata do controle social, expressando dessa maneira, um caráter coercitivo, repressor. No entanto, quando analisamos o termo à luz da Constituição de 1988 verificamos, segundo a autora, que controle social expressa a participação da população no sentido de elaborar, implementar e fiscalizar as políticas sociais, sendo esta perspectiva reiterada com a PNAS/2004 e o SUAS, na área da Assistência Social. Behring e Boschetti (2006) relatam que a concepção de controle democrático, também conhecido como controle social, da Constituição de 1988 e o início da experiência dos conselhos de políticas públicas e de defesa de direitos no Brasil foram grandes inovações políticas e institucionais no formato das políticas públicas brasileiras, nas quais se vislumbrava uma perspectiva nítida de reforma, em um país em que a democracia sempre foi mais exceção do que regra. A Constituição de 1988, em seu texto, nos traz uma perspectiva de participação que, de acordo com estas autoras, promove a transparência na deliberação das ações, democratizando o sistema decisório; permitindo maior expressão e visibilidade das 14 demandas sociais. Assim, a sociedade adquire espaços garantidos por lei para sua manifestação, permeando as esferas estatais tendo a possibilidade de alargar seus direitos e defendê-los. Os Conselhos, acrescentam Behring e Boschetti (2006), têm grandes potencialidades como arenas de negociação de propostas e ações. No entanto, há também dificuldades para a realização dos mecanismos da participação e cumprimento de seu papel de modo efetivo e eficaz. “Foi exatamente para aperfeiçoar o processo democrático, restrito à democracia representativa, que foram criadas instâncias estratégicas como os conselhos: arenas de discussão das demandas e interesses presentes em áreas determinadas” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 179). De acordo com Correia (2002), na Política de Assistência Social, o controle social passa a ser tido como controle da sociedade organizada acerca das ações do Estado na respectiva área, no sentido destas atenderem aos interesses da maioria da população, visando a sua efetivação como política de responsabilidade do Estado. Dessa maneira, acrescenta ainda a autora, os objetivos do controle social na política de Assistência Social devem ser parametrados no atendimento às necessidades humanas básicas em sua plenitude natural, econômica e política. Por meio do estímulo ao envolvimento dos usuários, o SUAS pretende viabilizar a construção de um verdadeiro sistema de controle social na área da Assistência Social, fazendo com que os usuários se reconheçam como portadores de direitos, compreendam a Assistência Social como direito social, eliminando e superando, assim, a perspectiva de caridade, da filantropia e do paternalismo que, historicamente, tem marcado a trajetória desta política. CONCLUSÕES O controle social é um tema bastante discutido nos últimos anos, alcançando maior visibilidade na Política de Assistência Social a partir da Constituição Federal de 1988, que introduziu novos espaços de participação e, entre outros, o do exercício do controle social. 15 A partir de 2004, com a instalação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, o controle social tornou-se um eixo central para a operacionalização da Política de Assistência Social, um de seus eixos denominados estruturantes. Podemos, sem dúvida, considerar que, a partir dos anos 1988, tem havido avanços no que diz respeito à abertura de canais de participação e no uso destes canais. Faz-se, no entanto, ainda, necessário um grande esforço de mobilização, articulação e organização de segmentos específicos e da população como um todo para fazer avançar, ampliar e consolidar o processo de controle social sobre aqueles que governam e, com isso, subtraem da população a faculdade de decidir sobre suas condições de vida, suas aspirações, seus destinos e, em meio a tudo, sobre as políticas sociais que tão de perto a afeta. REFERÊNCIAS AMMANN, S. B. Participação Social. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: Fundamentos e História. São Paulo: Cortez, 2006. BRASIL, Política Nacional de Assistência Social. Brasília: Senado Federal, 2005 BRAVO, M. I. S. Desafios atuais do controle social no Sistema Único de Saúde (SUS). In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, nº 88, p. 75-100, nov., 2006. CORREIA, M. V. C. Controle Social na Saúde. In: MOTA, A. E.; BRAVO, M. I. S.; UCHÔA, R.; et all (Orgs.). 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