UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” O IMPACTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA NO PACIENTE E NA FAMÍLIA ALEXANDRA SANTOS DE FIGUEIREDO ORIENTADOR: PROFESSOR HENRIQUE PEREIRA NITERÓI JULHO 2004 2 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” O IMPACTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA NO PACIENTE E NA FAMÍLIA ALEXANDRA SANTOS DE FIGUEIREDO Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para a obtenção do Grau de Especialista em Terapia de Família NITERÓI JULHO 2004 3 Dedico esse trabalho a minha família e ao meu noivo, Marcos Raga, que têm estado presente em todos os momentos da minha vida. 4 Agradecimentos A Deus, fonte de inspiração, razão da minha vida, principal responsável por todas as minhas conquistas dentro e fora da profissão. Te amo ! Aos meus pais, pela educação, carinho, força e dedicação que me foi dada para me tornar a mulher que sou hoje. Vocês estão no meu coração. Obrigada por tudo. Ao meu noivo, pelo carinho, companheirismo e paciência nos dias em q mais precisei. Te amo, meu amor. Ao meu orientador, Henrique Pereira, pela paciência e dedicação nas orientações dadas. As minhas amigas de turma de “Terapia de Família”: Marcele, Maria das Graças, Maria Odete, Eliane, Leila, Fabiana e Teresa. Posso dizer que formamos uma grande família. Agradeço pela amizade, pela união e pelos momentos felizes que passamos juntas. Vocês moram no meu coração e levarei todas vocês comigo no pensamento, para sempre. Aos professores, por todo ensinamento prático-teórico que me foi dado para que pudesse concluir esse trabalho. Parte desse trabalho, devo a vocês. Enfim, agradeço a todos aqueles que puderam contribuir direta ou indiretamente para a conclusão desse trabalho 5 Mais uma vez Mas é claro que o sol Vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei Escuridão já vi pior De endoidecer gente sã Espera que o sol já vem Tem gente que está do mesmo lado que você Mas deveria estar do lado de lá Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar Tem gente enganando a gente Veja nossa vida como está Mas eu sei que um dia a gente aprende Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança Mas é claro que o sol Vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei Escuridão já vi pior De endoidecer gente sã Espera que o sol já vem Nunca deixe que lhe digam Que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo Ou que você nunca vai ser alguém Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar Mas eu sei que um dia a gente aprende Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança (Flávio Venturini/Renato Russo) 6 RESUMO O presente trabalho resumiu-se em buscar dentro dos conhecimentos científicos, formas de minimizar os sofrimentos vivenciados pelos doentes renais crônicos que fazem tratamento de hemodiálise dentro da dinâmica familiar. Assim a pesquisa se propôs buscar as formas diversas dos problemas vivenciados pelo renal crônico como também os programas de tratamento que visam levá-los a vivenciar as diversas formas possíveis de atividades da vida diária, da vida prática e possibilidades de adequação do sujeito à família e vice versa. Para isto, o uso de atividades terapêuticas com o apoio primordial da família foi enfocado como uma solução possível para este empenho. Foi dada ênfase aos problemas causados pela doença e o tratamento, pois estes são os fatores mais marcantes que acometem os doentes renais crônicos e que causam grandes transtornos e dificuldades para a dinâmica familiar. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 08 CAPÍTULO 1 – A DOENÇA CRÔNICA .......................................................... 11 CAPITULO 1.1 – O RECURSO A HEMODIÁLISE PARA O DOENTE RENAL CRÔNICO ............................................................................................. 14 A) A INSUFICIÊNCIA RENAL NA SUA FASE CRÔNICA E AGUDA ... 14 B) TIPOS DE TRATAMENTO ............................................................... 15 C) A FALTA DE TRATAMENTO ADEQUADO E A PREVENÇÃO PARA DOENÇA RENAL ...................................................................... 19 CAPÍTULO 2 – A FAMÍLIA – UM BREVE HISTÓRICO ........................... 20 CAPÍTULO 3 – DOENÇA CRÔNICA X MUDANÇAS FAMILIARES ....... 26 CONCLUSÃO ......................................................................................... 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................... 38 ANEXOS ............................................................................................................ 40 8 INTRODUÇÃO: O homem é um ser dinâmico instituído por uma esfera biológica que lhe garante o funcionamento vital das funções e estruturas psíquicas, e constante interação com o meio social. Sendo assim, a condição de saúde não compreende apenas ausência de doença e sim bem-estar biopsicossocial do ser humano. O contexto histórico da doença é fruto de uma composição de diversas condições de fatores numa determinada época. Assim reconhecer as condições sócio-culturais, econômicas e do conhecimento científico que vigoravam numa época são informações que auxiliam a compreensão da situação da doença naquele período. Enquanto a sociedade não conhecia as causas da doença não sabia ao certo como combatê-la, tentando medidas profiláticas geralmente de base religiosa. Assim, conhecer de forma científica a biologia do vetor e do vírus, as condições do ambiente, origem do vetor, o papel ecológico e outros tem sido o caminho mais eficiente para o combate da doença A doença significa a perda da homeostase, levando o indivíduo a buscar um novo equilíbrio. O adoecimento gera crises e momentos de desestruturação para o paciente e também sua família pois é o primeiro grupo de relações em que o indivíduo está inserido. Na maioria das vezes, são os familiares as pessoas mais próximas das vivências do paciente. A doença pode desencadear uma falha, na capacidade de adaptação do enfermo, um risco de paralisação no processo de organização dinâmica do organismo e um esforço para enfrentar novas experiências daí decorrentes. É por isso que o adoecimento pode ser visto como uma situação de crise. 9 A hospitalização é uma situação estressante, cabendo ao indivíduo confrontar-se com tratamentos dolorosos e invasivos, ambiente hospitalar estranho e ameaçador, separações, quebra de rotina e afastamento do trabalho. Seria portanto, uma ruptura com os elementos que lhe dão suporte social. Muitas mudanças ocorrem na vida do doente, levando-o a se deparar com limitações, frustrações e perdas. Essas mudanças são definidas a partir do tipo de doença, da maneira que se manifesta e como segue o seu curso, além do significado que o paciente e família atribuem ao evento. As doenças crônicas, consideradas incuráveis e permanentes, exigem que o indivíduo re-signifique sua existência, adaptando-se as limitações e novas condições geradas, sendo necessário estabelecer uma nova relação com a vida. Por sua vez, a família necessita se reorganizar e também se adaptar pois o paciente pode precisar de cuidados. Os papéis e funções devem ser repensados e distribuídos de forma que auxilie o paciente na elaboração de sentimentos confusos e dolorosos ocasionados pelo processo de adoecer. O presente trabalho descreverá através dos capítulos, as repercussões psicossociais causadas pela doença crônica na família, em especial a doença renal crônica. O interesse pelo tema surgiu por observar os atendimentos realizados no serviço de hemodiálise do Hospital da Beneficência Portuguesa do RJ. Pude perceber que não só o paciente é abalado pela doença, mas também toda a rede de relações que estabelece, principalmente o ciclo familiar que se esforça para se adaptar à situação. Eram evidentes nos atendimentos as dificuldades dos familiares na trajetória de adaptação; um casal às voltas com dificuldades de todos os gêneros (emocionais, financeiras e pessoais) em lidar com o tratamento de um dos conjugues. Acredito que o olhar do profissional deve estar voltado para este aspecto, fornecendo assistência também aos familiares. 10 Este trabalho não pretende de modo algum esgotar o tema, ao contrário, aberto a críticas e superações, procura proporcionar momentos de inquietações e descobertas em tono da questão, tentando derrubar velhos paradigmas, buscando o desvendamento do véu que encobre a realidade e participar do processo de sua superação. 11 CAPÍTULO 1 – A DOENÇA CRÔNICA O avanço tecnológico, o desenvolvimento das medicações e dos recursos de tratamento provocou o aumento do número de casos de doença crônica. As novas possibilidades garantem aos indivíduos doentes maiores chances de sobreviver, além de melhorar a qualidade de vida. Segundo a definição da Organização Mundial de saúde da ONU, “Saúde é um estado de bem-estar total, corporal, espiritual e social ...”. “A saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. E assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, os quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” (CEFAS, 1990:2). A doença crônica é caracterizada por sua longa duração e por ser incurável. Quando acometido por uma doença crônica, o indivíduo se vê diante de mudanças nos seus hábitos e em seu estilo de vida. O paciente passa por uma crise, em que percebe inúmeras perdas: das condições saudáveis, de papéis, de responsabilidades. E dependendo da doença, pode estar diante de um menor tempo de vida. Elas podem ter caráter hereditário, ou podem ter causas multifatoriais motivadas por um estilo de vida prejudicial ao indivíduo em relação à alimentação, atividades físicas, sono, ingestão de álcool e fumo. Além disso, “o portador de doença crônica, geralmente necessita aderir ao tratamento e fazê-lo até o fim da vida. A tendência, à longo prazo, segundo pesquisas, é que haja deteriorização dos cuidados, sendo pequena a taxa dos doentes que o fazem de forma automática e habitual” (GUIMARÃES, 1996:15). 12 A literatura se apresenta divergente quanto às causas das doenças crônicas. O seu aparecimento pode então derivar de fatores externos ou internos, dependendo do modo de vida do indivíduo ou de possíveis tendências do organismo. Por outro lado, o seu acometimento se torna uma realidade imutável, diferente da doença aguda em que há remissão dos sintomas. Mesmo dentro do grupo das doenças crônicas temos “diversas subdivisões de como esses doentes irão se comportar em relação às suas condições orgânicas” (SANTOS, 1997:23). Há casos em que o paciente, que mesmo são, age como se estivesse em sério comprometimento físico. Nem sempre o corpo e a mente são afetados concomitantemente pela doença. Isso muda entre os doentes e também no mesmo doente em diferentes momentos da vida e do desenvolvimento da doença. Por outro lado, a cronicidade pscicológica é definida pela estrutura prévia da personalidade do paciente e pelos ganhos primários e secundários advindos do processo de adoecer, isto é, o comportamento da equipe de saúde em relação ao paciente também pode favorecer essa cronicidade psicológica. Os ganhos secundários podem dificultar que o paciente melhore ou se adapte à nova rotina, pois ele associa que apenas doente pode usufruir de tais benefícios. O paciente favorece um estado frágil e vulnerável como forma de obter ganhos, como carinho e atenção de amigos e familiares, e pode fazê-lo também como forma de não retornar as suas atividades cotidianas, se estas lhe são estressantes e desagradáveis. O abandono ao tratamento pode ser ocasionado pelo ganho secundário, pois as gratificações e benefícios que o paciente julga ter por estar doente podem ser perdidos se houver a cura. A negação aparece como reação da doença ou das perdas ocasionadas por ela. Essa reação pode aparecer por uma falta de recursos, tanto da família como do paciente, para lidar com a noticia da doença, impedindo que o indivíduo se trate. Segundo Radley (1995:48), “o paciente crônico convive com uma doença para o resto da sua existência, exigindo adaptação da vida em vários 13 setores. A doença pode auxiliar na reflexão de valores e para isso, o paciente busca desenvolver uma teoria sobre o processo de adoecer, algo que explique a sua origem e o faça aceitá-la”. Com o intuito de levar uma vida mais próxima da normalidade, o paciente utiliza-se de estratégias para modificar experiências e evitar o estigma. Há uma busca pela aceitação em que o indivíduo tenta anular as diferenças e limitações causadas pela doença. Nos doentes renais crônicos, há uma busca por formas de enfrentamento baseado, entre outros, na luta para entender sua doença e seu tratamento, pois os mesmos passam por uma terapia com duração de 4 (quatro) horas, 3 (três) vezes na semana. Seus familiares, por sua vez, possuem dificuldades em conviver com a doença, sendo propensos a sentimento de impotência, desânimo generalizado e permanente sensação de ameaça à integridade corporal do paciente. O adoecimento adquire um significado para o paciente formado a partir de vivências individuais e do convívio com a doença. O espaço que a ela ocupa no seu estilo de vida depende desse significado, que é único pois tem influências internas, baseadas no histórico individual, e externas, baseadas na representação social que a doença possui tanto no grupo familiar quanto em outros grupos a que o indivíduo está inserido. Além de fazer sentido para o paciente, a doença precisa ter um significado para toda a família, que precisa de uma reorganização para lidar com o novo evento. A doença é vivida de maneira coletiva, pelo grupo familiar, pois quando um membro adoece, toda a sua rede de relações se altera. Sendo a família o grupo primário de inserção de um indivíduo, a tendência é que seja também afetada com a doença. 14 CAPÍTULO 1.1 – O RECURSO À HEMODIÁLISE PARA A DOENTE RENAL CRÔNICO A) A INSUFICIÊNCIA RENAL NA SUA FASE CRÔNICA E AGUDA A insuficiência renal crônica (IRC) é o resultado das lesões renais irreversíveis e progressivas provocadas por doenças que tornam o rim incapaz de realizar as suas funções. O ritmo de progressão depende da doença original e de causas agravantes, como hipertensão, infecção urinária, nefrite, gota e diabete. Muitas vezes a destruição renal progride pelo desconhecimento e descuido dos portadores das doenças renais. Em cada 5.000 pessoas uma adoece dos rins por vários tipos de doenças. Quando o rim adoece, ele não consegue realizar as tarefas para as quais foi programado, tornando-se insuficiente. Geralmente, quando surge uma doença renal, ela ocorre nos dois rins, raramente atingindo um só. Quando o rim adoece por uma causa crônica e progressiva, a perda da função renal pode ser lenta e prolongada. Por isso, o acompanhamento médico das doenças renais é importante para prolongar o bom funcionamento do rim por muito tempo, mesmo com certos graus de insuficiência. O rim pode perder 25%, 50% e até 75% das suas capacidades funcionais, sem causar maiores danos ao paciente. Mas, quando a perda é maior do que 75%, começam a surgir problemas de saúde devido às alterações funcionais graves e progressivas. Os exames laboratoriais tornam-se muito alterados As principais doenças que tornam o rim incapaz ou insuficiente são: nefrite (50 %), diabetes (25%), Infecção nos rins, hipertensão arterial severa, doenças hereditárias (rim com cisto), pedra nos rins (cálculo) e obstruções. A perda de água, sangue ou plasma são as principais causas de insuficiência renal aguda (IRA), provocadas por falta de volume do líquido circulante. 15 A falta abrupta e intensa de água (desidratação severa), a perda repentina de sangue (hemorragias) ou do plasma (queimaduras) faz com que não haja formação de urina (anúria) ou somente de pequenas quantidades de urina por dia (oligúria). A queda de pressão arterial por diversos fatores, como falta de líquidos, doenças do coração (infarto) e substâncias ou medicamentos que baixem a pressão, podem diminuir a força de filtração e a urina não se forma. Pode ocorrer também que substâncias tóxicas ingeridas ou injetadas destruam parte do rim e suas funções sejam alteradas agudamente. Outra situação comum que resulta em insuficiência renal aguda (IRA) é a obstrução das vias urinárias. A urina é formada mas é impedida de sair, e em conseqüência disso surgem a anúria ou a oligúria. B) TIPOS DE TRATAMENTO Os pacientes que, por qualquer motivo, perderam a função renal e irreparavelmente atingiram a fase terminal da doença renal têm, hoje, três métodos de tratamento, que substituem as funções do rim: a diálise peritoneal, a hemodiálise. A diálise é um processo artificial que serve para retirar, por filtração, todas as substâncias indesejáveis acumuladas pela insuficiência renal crônica. Isto pode ser feito usando a membrana filtrante do rim artificial e/ou da membrana peritoneal. Existem, portanto, dois tipos de diálise: a peritoneal e a hemodiálise A diálise peritonial é um tipo de diálise que aproveita a membrana peritoneal que reveste toda a cavidade abdominal do nosso corpo, para filtrar o sangue. Essa membrana se fosse totalmente estendida, teria uma superfície de dois metros quadrados, área de filtração suficiente para cumprir a função de limpeza das substâncias retidas pela insuficiência renal terminal Para realizar a diálise peritoneal, devemos introduzir um catéter especial dentro da cavidade abdominal e, através dele, fazer passar uma solução aquosa semelhante ao plasma. A solução permanece por um período necessário para que se realizem as trocas. Cada vez que uma solução nova é 16 colocada dentro do abdômen e entra em contato com o peritônio, ele passa para a solução todos os tóxicos que devem ser retirados do organismo, realizando a função de filtração, equivalente ao rim. Para realizar a mesma função de um rim normal trabalhando durante quatro horas, são necessárias 24 horas de diálise peritoneal ou 4 horas de hemodiálise. A diálise peritoneal realizada no hospital é planejada segundo as necessidades do paciente, tendo em vista a situação da insuficiência renal terminal. A diálise também pode ser realizada no domicílio do paciente, em local limpo e bem iluminado. Neste caso é conhecida como DPAC (diálise peritoneal ambulatorial crônica). O próprio paciente introduz a solução na cavidade abdominal, fazendo três trocas diárias de quatro horas de duração e, depois de drenada, nova solução é introduzida e assim por diante. Dependendo do caso, pode permanecer filtrando durante a noite. A diálise peritoneal ambulatorial crônica (DPAC) permite todas as atividades comuns do dia-a-dia, viagens, exercícios, trabalho. Na hemodiálise, é usada uma membrana dialisadora, formada por um conjunto de tubos finos, chamados de filtros capilares. Para realizar a hemodiálise, é necessário fazer passar o sangue pelo filtro capilar. Para isso, é fundamental ter um vaso resistente e suficientemente acessível que permita ser puncionado três vezes por semana com agulhas especiais. O vaso sangüíneo com essas características é obtido através de uma fístula artéria venosa (FAV). A fístula artéria venosa (FAV) é feita por um cirurgião vascular unindo uma veia e uma artéria superficial do braço de modo a permitir um fluxo de sangue superior a 250 ml/minuto. Esse fluxo de sangue abundante passa pelo filtro capilar durante 4 horas, retirando tudo o que é indesejável. O rim artificial é uma máquina que 17 controla a pressão do filtro, a velocidade e o volume de sangue que passam pelo capilar e o volume e a qualidade do líquido que banha o filtro. Para realizar uma hemodiálise de bom padrão é necessário uma fístula artério-venosa com bom fluxo, um local com condições hospitalares; maquinaria adequada e assistência médica permanente. Tendo essas condições, o paciente poderá realizar hemodiálise por muitos anos. A hemodiálise tem a capacidade de filtração igual ao rim humano, dessa forma, uma hora de hemodiálise equivale a uma hora de funcionamento do rim normal. A diferença entre a diálise e o rim normal é que na diálise realizamos três sessões de quatro horas, o equivalente a 12 horas semanais. Um rim normal trabalha na limpeza do organismo 24 horas por dia, sete dias da semana, perfazendo um total de 168 horas semanais. Portanto, o tratamento com rim artificial deixa o paciente 156 horas semanais sem filtração (168 12=156). Apesar de realizar somente 12 horas semanais de diálise, já está provado que uma pessoa pode viver bem, com boa qualidade de vida e trabalhar sem problemas. A hemodiálise tem seus riscos como qualquer tipo de tratamento e apresenta complicações que devem ser evitadas como: hipertensão arterial, anemia severa, descalcificação, desnutrição, hepatite, aumento do peso por excesso de água ingerida e complicações das doenças que o paciente é portador. Por isso, os médicos controlam e tratam os problemas clínicos (edema, pressão alta, tosse, falta de ar, anemia) em cada sessão de hemodiálise. Uma vez por mês solicitam exames de sangue para ver como estão as taxas de uréia, fósforo e ácido úrico e observam o estado dos ossos para evitar a descalcificação. Orientam a dieta controlando as calorias, o sal e as proteínas para o controle da nutrição. O número de pacientes que fazem diálise peritoneal é da ordem de 2 a 5 % dos renais crônicos e o restante faz hemodiálise. No Brasil, atualmente, 18 existem 35.000 pacientes fazendo hemodiálise e somente 10% são transplantados anualmente, por isso a lista de espera é muito grande. Enfim, para que o tratamento seja possível, é necessário que haja uma colaboração e acompanhamento de todo o pessoal que trata de pacientes renais e principalmente da família. A participação dessa consiste em controlar corretamente a prescrição médica, tanto em relação aos medicamentos, como com a dieta que o paciente deve fazer em casa além de não super proteger o paciente, deixando-o cuidar-se e ser a parte principal de seu tratamento. Tratamento de hemodiálise C) A FALTA DE TRATAMENTO ADEQUADO E A PREVENÇÃO PARA A DOENÇA RENAL Apenas 33% dos pacientes com insuficiência renal crônica recebem tratamento adequado para a doença no Brasil. Os 67% restantes - cerca de 100 mil doentes - morrem antes mesmo de iniciar a diálise. Os tratamentos 19 usados para combater a doença são paliativos. Eles não curam os doentes. Somente a prevenção é eficiente, porque evita ou retarda o surgimento da insuficiência. Segundo especialistas, a prevenção consiste em melhorar o atendimento aos doentes com diabetes, tratando adequadamente a doença, o que retarda o aparecimento da insuficiência renal. Também é preciso diagnosticar os casos de hipertensão arterial desconhecidos e usar as medicações próprias para a doença, que evitam o surgimento do problema nos rins. Essas iniciativas são mais baratas do que o tratamento da insuficiência renal. No entanto, o destino principal das verbas de saúde tem sido o tratamento. Os 45 mil pacientes em diálise no país consomem R$ 1 bilhão (5% do orçamento de saúde) e faltam recursos para a fase preventiva do atendimento. Um outro problema está ligado aos medicamentos utilizados pelos pacientes que são de alto custo. O Ministério da Saúde distribui os medicamentos, de forma precária, pois a cada ano que passa, aumenta o número de pessoas inseridas no tratamento, ocorrendo por outro lado, o aumento no custeio desses medicamentos. Existem 550 centros de diálise para pacientes da rede pública de saúde e a qualidade do atendimento é de primeiro mundo na maior parte deles. Porém, com exceção dos centros universitários, as demais unidades de diálise recebem apenas os doentes que estão em estágio avançado da doença. É preciso transformar os centros de diálise em serviços completos de nefrologia, atendendo pacientes desde a fase inicial da doença. Como a quantidade de nefrologistas é pequena no país, a atuação dos centros de diálise em prevenção ainda é um precário, mas fundamental. 20 CAPÍTULO 2 – A FAMÍLIA – UM BREVE HISTÓRICO A família é o primeiro grupo ao qual o homem está inserido, ou seja, é a rede inicial de relações de um indivíduo. Funciona como uma matriz de identidade, dando a possibilidade de pertencer a um grupo específico, como também de ser separado e ter participação em subsistemas e grupos sociais externos. Por ser uma estrutura social básica, possui papeis delimitados, com diferenças específicas, porém relacionados. Seu funcionamento depende da diferenciação desses papeis. Pode-se dizer também que ela é uma organização social complexa, onde ao mesmo tempo se vivem as relações primárias e se constroem os processos identificatórios, ou seja, onde se definem papéis sociais de gênero, cultura de classe e se produzem as bases do poder. É considerada o locus da política, misturada no cotidiano das pessoas, nas discussões dos filhos com os pais, nas decisões sobre o futuro, que ao mesmo tempo tem o mundo circundante como referência, e o desejo e as condições de possibilidade como limitações. Por tudo isso, é o espaço do afeto e também do conflito e das contradições. Por estar inserida na sociedade, sofre influências e tenta se adaptar às mudanças dessa sociedade. Essa adaptação é a busca da homeostase, garantindo continuidade, proteção e crescimento dos membros. Ela é um sistema vivo, que possui um ciclo vital, ou seja, o indivíduo nasce, cresce, amadurece e morre, podendo ou não originar uma nova família. Por ser vivo, a família é um sistema aberto que depende de trocas com o meio a que está inserido para manter o funcionamento. Segundo Gomes (1999:115), “a família é um grupo de pessoas com características distintas formando um sistema social baseado numa proposta de ligação afetiva duradoura, estabelecendo relação dentro de um processo histórico de vida”. 21 A noção de saúde da família depende dos recursos de cada membro e da família como unidade de superar crises e conflitos, evidenciando a busca por normalizar o seu funcionamento através do cuidado e do bem-estar do outro. Segundo Douglas Contim (2001:5): “... a família é considerada uma unidade primária de cuidado, pois ela é o espaço onde seus membros interagem, trocam informações, apóiam-se mutuamente, buscam e mediam esforços, para amenizar e solucionar problemas. A família deve ser entendida como um grupo dinâmico, variando de acordo com a cultura e o momento histórico, econômico, cultural e social que está vivenciando“. Ao enxergar a família como unidade de cuidados, pode-se propor que sua estrutura seja de extrema ajuda ao paciente doente. A interação entre os membros visa garantir a continuidade do sistema ligado afetivamente, amenizando o sofrimento causado pelo adoecer. A tendência é buscar de um equilíbrio para adaptar-se ao sistema. Os familiares funcionam como pontos de referência no desenvolvimento de valores do ser humano. Os cuidados prestados por este grupo são de extrema importância para o enfrentamento da doença. A partir disso, o paciente se sente apoiado pelas pessoas responsáveis pelos primeiros modelos de comportamento. As famílias se diferenciam pelos valores e crenças que adquire ao longo de seu histórico. As interações entre seus membros, o comportamento e a postura diante dos acontecimentos são influenciados por esses valores. Segundo Ferreira (1986:32), “a palavra família vem do latim família, e significa pessoas aparentadas que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos”, porém a formação básica da família vem sofrendo modificações nos tempo atuais. Nos anos 50 ocorreu o surgimento de um modelo de família “hierarquizado” que se caracterizava pela diferença de direitos e deveres entre 22 homem e mulher. O homem era a figura forte, que controlava a vida de todos os membros da família. Sua autoridade era fundamentada no poder econômico. A mulher, por sua vez, era educada para cuidar dos filhos e da casa. O casamento não se dava por uma escolha afetiva e sim por atender às exigências da família e da sociedade, tendo como base o desempenho profissional, financeiro e moral. O indivíduo era julgado pelos valores familiares que tinha, seus êxitos e fracassos. A relação com os filhos era distante, não se faziam as refeições juntos e não conversavam. As crianças eram consideradas incômodas, sendo isoladas do convívio familiar. Na Idade Média, era comum que a criança fosse conviver em outra casa. Por outro lado a educação ficava a cargo da comunidade. Com o passar dos anos, a idéia da educação nas escolas foi sendo implementada. A mudança de um modelo de padrões rígidos, de controle de comportamento entre o certo e errado para um modelo de relações horizontais, ocorreu principalmente por uma modificação do comportamento feminino. Aos poucos, através da conquista do voto e posteriormente com o advento da pílula anticoncepcional, a mulher se sentiu mais confiante para buscar seu espaço no campo profissional, social e também dentro da família. “As decisões familiares passaram a serem tomadas em conjunto e a relação com os filhos, baseada no diálogo. Os pais passaram a ter mais responsabilidade sobre os filhos, havendo estreitamento da relação emocional. O sexo é desvinculado da maternidade, o que diminuiu o número de filhos” (SOUZA, 1997:132). A Revolução Industrial proporcionou uma mudança na economia, transformando-a de essencialmente camponesa para o uso da tecnologia e máquinas numa sociedade industrial. Essa mudança nos setores de produção ocasionou “uma privatização da família, que passa a compor uma unidade econômica, diminuindo o convívio com a comunidade mais ampla” (DIAS, 1992:24). 23 Com essa privatização, a família e seus membros passam a buscar uma vida privada familiar, desvinculada da vida pública da profissão e da individual. A tendência é de ocorrer um distanciamento dos modelos rígidos de comportamentos prescritos, considerando a vivência subjetiva da família e suas especificidades. Na prática, o modelo familiar ainda coexiste entre esses dois modelos, tendo sentimentos ambíguos no que se refere a objetivos e projetos de seus membros. A família encontra-se confusa na orientação dos filhos (o que permitir ou não), na busca profissional, na distribuição de renda, na conquista de posições e no cumprimento das ditas “funções” de um papel. Por outro lado, para o enfrentamento de crises busca-se o tratamento familiar para o alívio das angústias. Na verdade, a expressão “crise” tornou-se um lugar comum em nossos dias. Fala-se em crise econômica, crise moral, crise política, crise do casamento, crise das instituições em geral, de tal forma e com tamanha insistência e reiteração que o termo já não mais se reserva para assinalar algum momento ou circunstância de exceção. Mas é utilizada para sinalizar uma condição permanente ou um estado de crônica insatisfação a espera de certa providência que, ao chegar, restabelecerá a situação anterior de suposto equilíbrio e bem estar ou nos remeterá à possibilidade futura de solução definitiva de um mal-estar pessoal ou social que nos aflige. Destarte, nossa vida transcorre na vigência de uma crise insolúvel e perene a rondar todos os setores de nossas circunstâncias. Quando dissemos que uma família está em crise, isso não significa que seu papel no processo civilizatório deva ser questionado e muito menos que ela esteja ameaçada de destruição , quando muito estaríamos aludindo a mais uma mutação em seu ciclo evolutivo, ou seja, algo que, poderíamos comparar a um salto quântico para níveis satisfatórios de interação humana. Segundo Osório (2002:64): 24 “A família é e continuará sendo, a par de seu papel na preservação da espécie, um laboratório de relações humanas onde se testam e aprimoram os modelos de convivência que ensejem o melhor aproveitamento dos potenciais humanos para a criação de uma sociedade mais harmônica e promotora de bem-estar coletivo”. A família esta em crise para dar origem a novas formas de configurações familiares como as que se esboçam neste limiar do século XXI, adequando-se às demandas desse novo giro na espiral ascendente da evolução humana. E, com a tendência à universalização dos hábitos e costumes através da miscigenação cultural propiciada pelo avanço extraordinário dos meios de comunicação, pela primeira vez na história da civilização humana podemos cogitar a emergência de um mesmo modelo familiar prevalente em todos os recantos da aldeia global, paradigma da sociedade do futuro do mundo em que vivemos. Evidentemente, muito tempo transcorrerá até que possamos nos referir a um modelo familiar universal. No entanto, já nos é possível visualizá-lo a partir de certos referenciais que pautam as transformações por que passa a família de nossos dias. Ainda que, pela complexidade dos fatores subjacentes a essas transformações, não seja possível considerar isoladamente o papel de cada um, há certo consenso sobre a influência marcante do progresso das ciências biológicas e, em decorrência, suas repercussões sobre o mecanismo da reprodução humana. Além do advento da psicanálise, por sua elucidação das raízes psicodinâmicas do comportamento sexual humano, nas mudanças das relações entre os sexos e, conseqüentemente, na composição da família contemporânea. Atualmente a família possui um significado mais amplo e complexo, distanciando-se da idéia fechada de sendo composta por mãe, pai e filhos consangüíneos. Além da concepção biológica, pode prevalecer uma ligação subjetiva entre os membros, vivendo diversas composições. 25 No momento em que o indivíduo esteja doente fisicamente, a família poderá assim, ajudar dando o suporte necessário emocionalmente, a fim de promover para esse indivíduo a aceitação da doença, como também seu convívio com a mesma. É importante que o indivíduo doente saiba qual é a sua família, seja qual for a sua configuração, pois ela é o principal recurso seja ele interno ou externo, para lidar com os problemas que a doença e tratamento envolvem. 26 CAPÍTULO 3 – DOENÇA CRÔNICA E MUDANÇAS FAMILIARES As limitações impostas pela doença crônica afetam também a família que precisa se adaptar às necessidades do membro doente, para isso utilizase de novos recursos de enfrentamento. Há uma “queda do equilíbrio dinâmico familiar diante do novo estado” (ROMANO, 1999:54). As mudanças que ele acarretará e as adaptações que essa família realizará depende dos recursos que dispõe, de como o evento, no caso a doença, começou e o significado que atribui ao acontecimento. O equilíbrio é buscado através das novas adaptações. Segundo Santos e Sebastiani (2001:61), existem 3 tipos de reações da família frente à situação de crise ocasionada pela doença e pelas limitações causadas. O primeiro tipo é a reação em que o sistema mobiliza-se com o intuito de resgate de seu estado anterior. No caso da doença crônica, em especial o doente renal, esse estado anterior não pode ser resgatado exigindo que a família alcance uma outra identidade. O sistema passa por dificuldades no processo adaptativo, tentando acomodar a enfermidade. O segundo tipo de reação é a paralisação frente ao impacto da crise. Essa reação ocorre, podendo ser superado em maior ou menor tempo. A paralisação se dá proporcionalmente à importância que o indivíduo possuía no equilíbrio dinâmico do sistema. O terceiro tipo de reação é quando o sistema identifica benefícios com a crise e se mobiliza para mantê-la. O doente é colocado como “bode expiatório”, sendo o depositário de todas as patologias das relações dentro da família. No caso do doente renal crônico, o paciente tem dificuldades em se adaptar à nova realidade, com suas limitações e perdas, devido ao fato de o sistema não abrir espaço para que ele se coloque, conspirando contra tal tentativa. 27 O auxílio de um profissional formado em terapeuta de família pode ser de extrema importância para identificar os sentimentos da família e trabalhálos, buscando que o sistema reaja da forma que melhor puder na acomodação do individuo doente. No serviço de hemodiálise, do Hospital da Beneficência Portuguesa do RJ, foi possível observar que as principais necessidades apresentadas pelos familiares para com os pacientes são: o alívio da ansiedade, a provisão de informações e apoio, a aproximidade do paciente e um sentimento de solidariedade para com eles. Foram observados também alguns dos comportamentos que caracterizavam uma alteração no sistema familiar de incapacidade da família adaptar-se às mudanças ou para lidar construtivamente com a experiência traumática, rigidez nas funções e nos papéis, no seu processo de decisão insatisfatório e inabilidade para aceitar ou receber ajuda. Rolland (1998:20) descreve uma tipologia psicossocial que auxilia na identificação de respostas e reações familiares, baseadas no impacto psicológico, às diferentes características e etapas da doença crônica. De acordo com essa tipologia psicossocial, pode se mencionar algumas reações esperadas para cada fase e tipo de enfermidade. O início da doença pode ser agudo, exigindo que a família se instrumentalize com mais rapidez diante da crise do que o aparecimento gradual, cujo seu afastamento pode ser mais prolongado. Quando o aparecimento é agudo, a família terá maior facilidade se tolerarem estados afetivos carregados, utilizando recursos externos e possuindo flexibilidade para a troca de papeis. O curso da doença também pode interferir na adaptação da família. Quando o curso é progressivo, a doença é constantemente sintomática e as limitações tendem a aumentar com severidade. A tensão vivida pela família é crescente assim como os cuidados em relação ao doente. A adaptação é contínua, já que as limitações do paciente ocorrem de forma progressiva, podendo levar a família à exaustão. 28 Por outro lado, devido à condição de invalidez, o paciente é superprotegido por seus familiares devido ao medo de que algo possa acontecer. O grau de incapacitação que a doença gera vai determinar o stress da família, pois dependerá do papel que o doente exercia na família antes da enfermidade, de como ela tem que reorganizar as funções, dos recursos disponíveis e da flexibilidade. Se a incapacitação ocorreu no início da doença, a família é exigida em sua organização para lidar com o curso esperado e suas conseqüências. No caso do doente renal crônico, a família tem mais tempo para lidar com as mudanças crescentes nas fases posteriores, permitindo também que o doente participe de todo o planejamento da nova dinâmica familiar. O stress abala a estrutura e as fronteiras da família podendo ser internos, considerando-se a evolução e o desenvolvimento dos indivíduos e dos subsistemas (Conjugal, Parental e Fraternal), como também externos, exigindo que a família se acomode aos requisitos dos grupos sociais. Essas pressões fazem da família um sistema dinâmico que necessita estar em constante acomodação mantendo sua integridade e continuidade. Segundo Salvador Minuchin (1990:36-37), “... os estressores de um sistema familiar podem derivar do contato estressante de um membro ou de toda a família com forças externas, ou seja, quando um indivíduo sofre alguma pressão e os outros membros da família necessitam adaptar-se ao que está sendo alterado. Da mesma forma que quando toda a família está sob stress é necessário que se organize às novas condições”. Em diferentes momentos do seu desenvolvimento, a família sofrerá influências de forças que impulsionam os membros para o meio externo ou interno. São os chamados movimentos centrípeto e centrífugo. 29 No movimento centrípeto, os membros estão voltados para o centro, existindo um maior convívio familiar, onde as diferentes gerações se encontram. Por outro lado, no movimento centrífugo, os membros afastam-se do centro, ou seja, é o período em que há o desenvolvimento da separação entre as gerações e os membros. Neste sentido, a doença atua como força centrípeta dentro da família, fazendo com que os membros se voltem para as necessidades do paciente. É de suma importância também observar as fases de desenvolvimento da doença, sendo tão importante quanto observar as fases de desenvolvimento do ciclo familiar e do indivíduo. A fase inicial, ou seja, a fase de crise, envolve desde o aparecimento de sintomas indicando que algo não vai bem, até o estabelecimento de um plano de tratamento e possíveis internações. É o período de ajustamento inicial quando o diagnóstico ainda não é claro. É o primeiro contato que o paciente tem para aprender a lidar com a dor e outros sintomas da doença, com o ambiente hospitalar, como também o estabelecimento de um bom contato com a equipe envolvida no tratamento. Nesse estágio, a família tende a se unir, apesar de sentir a perda da identidade que existia antes da enfermidade. A crise mobiliza a família a desenvolver flexibilidade para se organizar perante a incerteza do progresso da doença e para atender as necessidades imediatas do paciente. A fase crônica é imprevisível, pois pode ocorrer de forma estável, com progressões ou mudanças súbitas. É a fase que vai desde o diagnóstico e incerteza inicial até o período da fase terminal. O paciente e a família se organizam de acordo com as mudanças permanentes e negociam os papéis para os cuidados. Uma das tarefas mais difíceis nesse período é a de conviver com a incerteza pois existem doenças de fase crônica extensa e não fatal, assim como doenças que tem a fase de crise quase ligada à fase terminal, não existindo praticamente a fase crônica. 30 A família nessa fase tem um entendimento maior sobre o tratamento e a doença, mas mesmo assim é permeada por tentativas em viver uma vida normal em condições “anormais”. As questões referentes a luto, morte e perda estão relacionadas à fase terminal. É quando a morte é inevitável e quase sempre conhecida pelo paciente e seus familiares. Nesse momento, pode-se gerar o desequilíbrio do sistema familiar. Toda limitação que a doença causa, suas seqüelas e as modificações na vida do paciente podem ser vividas como mortes. As perdas sociais, biológicas e psíquicas podem iniciar o processo de luto antes mesmo da morte propriamente dita. Sendo o Brasil um país de grandes diferenças sócio-econômicas, não se pode ignorar a influência dos fatores sociais sobre a família e sobre os cuidados prestados por ela. O acesso ao tratamento, na realidade brasileira é precário, existindo mais doentes do que leitos nos hospitais públicos. Por esse motivo, a hospitalização é vista como ameaçadora, gerando stress nos membros da família. O afastamento do paciente do contexto familiar e de casa provoca a mudança na rotina, sentimentos de isolamento e perda de controle. Nesse momento ocorre perda de proventos e em contrapartida o aumento dos custos com tratamento e sua manutenção. “Para a classe trabalhadora, a representação de estar doente como sinônimo de inatividade tem a marca da experiência existencial. Trata-se de uma equivalência social e não natural. A s expressões correntes: a saúde é tudo, é a maior riqueza, saúde é igual a fortuna, é o maior tesouro; em oposição a doença como castigo, infelicidade, miséria etc. são representações eloqüentes de uma realidade onde o corpo se tornou, para a maioria, o único gerador de bens” (MINAYO, 1994:185). É importante que a família esteja amparada nesses momentos de crise, dúvidas e incertezas, pois é ela quem dar o suporte para o paciente, tanto nas 31 situações de hospitalização como também na sua residência. Torna-se necessário, portanto, que os membros estejam honestamente informados da realidade do paciente, do desenvolvimento da enfermidade e dos cuidados necessários para que possa se organizar e elaborar as mudanças. A família em momento de desamparo ou mal informada pode não perceber as reais necessidades do doente e de seus membros, mantendo-se distante, ou tento atitudes de superproteção, realizando tarefas e mesmo cuidados que o próprio paciente poderia realizar sozinho, causando dependência. “O que importa realmente ao ajudar o homem é ajudá-lo a ajudar-se. É fazê-lo agente de sua própria recuperação. É pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus problemas” (FREIRE, 1980:39). A doença, além de abalar a família, pode também provocar a reestruturação de vínculos familiares. Frente à situação de crise, a família tem a chance de repensar valores e formas de se relacionar, propiciando situações de afeto e assistência a todos os membros. Antigos conflitos podem ser resolvidos, pelo sentimento de união e ajuda mútua que surgem. No entanto, vale ressaltar que tanto o paciente como os familiares necessitam de apoio e suporte para lidar com as questões acerca do tratamento, buscando a qualidade de vida para ambos. O abalo do ciclo familiar com a doença é claro, ocorrendo mudanças nos papéis, nas funções e em todo o funcionamento do sistema que, buscando formas de adaptação. As fronteiras entre os membros tendem a se redefinir, mudando toda a estrutura a que a família está acostumada a funcionar. O sistema demanda que todos, num esforço contínuo auxiliem na adaptação para buscar um novo funcionamento. A família por conviver com o paciente e a doença, deve ser considerada como aliada no acompanhamento do doente crônico, compartilhando perdas, limitações e cuidados. O trabalho em grupo pode, nesse sentido, auxiliar o paciente e a família a lidar com a doença. Para otimizar o tempo e organizar 32 tarefas e temas, o grupo pode contar com a elaboração de programas, permitindo a elaboração e discussão dos conteúdos que surgem a partir disso. É necessário que haja apoio formal por todos aqueles que estão envolvidos no tratamento, principalmente a equipe de saúde, e também informal que pode ser fornecido por amigos, vizinhos e parentes mais distante. Sendo assim, a família pode ser considerada a mais importante influência contextual no desenvolvimento humano, sendo importante fonte de apoio e segurança. 33 CONCLUSÃO A doença crônica é tida como uma situação permanente e limitadora a qual é necessário que o paciente se adapte pois inúmeras perdas são sentidas, além do luto de seus ideais. Com o seu adoecimento, ocorre uma ruptura do equilíbrio das esferas biológica, psíquica e social do indivíduo, afetando suas relações com os grupos sociais aos quais o indivíduo está inserido. O primeiro grupo social a sentir essas mudanças é a família, visto que ela também é o primeiro grupo de inserção e relacionamento que se institui. O núcleo familiar é a estrutura básica para o indivíduo onde existem determinados papéis e padrões de comportamento. Algumas mudanças são esperadas na família como o crescimento e desenvolvimento dos seus membros, o que ocasiona uma preparação prévia para tais mudanças, facilitando a adaptação. Um evento inesperado, como a doença, pode vir a modificar os padrões de funcionamento da família de forma repentina. A cronicidade do adoecimento exige que a família estabeleça uma nova rotina, pois o membro doente pode necessitar de cuidados. Dessa forma, é importante pensar que início, curso, expectativa e grau de incapacitação da doença, assim como o momento em que ocorre tanto na vida do indivíduo como na vida dos outros membros, irão determinar o quanto a família terá que se reorganizar. É importante que haja flexibilidade na estrutura familiar para garantir que os membros desempenhem seus papéis e assumam outros apenas quando for necessário, para lidar com as mudanças ocasionadas por um acontecimento inesperado. Caso contrário, os papéis podem se confundir e a estrutura se tornar prejudicada., ou seja, se um pai é o provedor da família e o seu papel é ditar as 34 normas de comportamentos dos filhos, com o seu adoecimento essas funções ficam defasadas. No entanto, toda a família deve então se organizar a fim de obter seu sustento de outra forma, mantendo as regras que orientam a rotina dos filhos. É necessário contudo que os familiares não percam sua identidade e referência dentro do sistema. O membro que adoece não é substituído, por mais que suas funções sejam cumpridas por outro. Quando ocorre essa nova configuração onde a esposa ou mãe assume a responsabilidade do marido ou pai adoecido, ocorre uma mudança temporária de papéis. Mas é sempre importante que haja a estimulação dos indivíduos para que retornem ao seu papel de origem, pois assumir o papel do outro, ocorre por outro lado um acúmulo de funções e isto poderá impedir o seu desenvolvimento como também dos demais. Esse retorno ao papel de origem é essencial pois garante o espaço de cada em dentro do sistema. A flexibilidade familiar é a capacidade do sistema em permitir a oscilação de papéis como forma de manter o equilíbrio da família e não sobrecarregar seus membros. Os sistemas mais rígidos poderão apresentar dificuldades em reorganizar as funções, não redistribuindo tarefas entre os membros, tornando as trocas escassas e dificultando a comunicação. Algum membro poderá sentir-se exigido em excesso, sobrecarregado de funções, tendo que cumprir diversos papéis, podendo até perder sua identidade pois já não sabem como agir. O apoio psicossocial poderá ser necessário tanto para o paciente quanto aos seus familiares, principalmente no adoecimento, pois a família se encontra fragilizada e confusa, com dificuldades em se reorganizar. Esse tipo de assistência abrange e mobiliza os recursos dos membros, em todos os momentos da doença crônica, ou seja, seu aparecimento, curso e também possíveis hospitalizações. O contexto mais amplo de impacto da doença não pode ser ignorado no que diz respeito a relações interpessoais. Se isso ocorre, a idéia de que o 35 sofrimento ocasionado pela doença atinge todo o sistema, e que todos os membros necessitam mobilizar seus recursos, é negligenciada. Outro aspecto importante que deve se considerar é sobre o significado atribuído à doença. Segundo Radley (1995:116), “... a doença crônica é aceita a partir de um significado que lhe é atribuído e que nomeia tal experiência. Todos os membros vivenciam o processo de adoecer com os recursos que lhe são disponíveis, portanto diferentes significados surgem de acordo com a história pessoal de cada membro”. Na formação desse significado, muitos sentimentos e reações podem surgir no paciente e seus familiares, como culpa, desespero, raiva, frustração, inconformismo, incerteza, dúvidas, medo, negação por falta de recursos, sensação de impotência, desânimo, ameaça à integridade. A experiência com os atendimentos em que realizei no serviço de hemodiálise, do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, permitiram a observação de como tais sentimentos aparecem e afetam a rede de relações a qual o indivíduo em tratamento está inserido. Esse aspecto fica evidente pois o vínculo do paciente com a instituição de saúde é mantido 3 (três) vezes na semana, além das constantes consultas médicas para acompanhamento do curso da doença e tratamento. No que se refere a possíveis ganhos que a doença poderá oferecer, é considerado mudanças que ocorrem na reestruturação dos vínculos familiares. Em alguns casos, a situação de crise instalada na família devido a um dos membros estar doente, faz com que os problemas consigam ser resolvidos em prol de uma melhora das relações entre os membros. Os valores e formas de comportamento são revistos para a adaptação à situação de doença e todos podem estar em contato com a sensação de ganhos, não só vivenciando as perdas inerentes a esta situação. 36 Por outro lado, são inúmeros os casos de abandono e descaso, por parte da família, do membro doente, devido a uma série de fatores que vão da ordem financeira ao emocional. As mudanças, sejam elas positivas ou negativas, implicam no estabelecimento de uma nova rotina para o sistema familiar. O apoio profissional pode ser importante para que um novo funcionamento se ajuste, mantendo-a informada a respeito da doença, aliviando por outro lado, a ansiedade. Estando amparada e informada, a família se instrumentaliza de forma a auxiliar o paciente. Para tal assistência, deve-se considerar o trabalho com grupos de doentes crônicos e seus familiares, pois são muito utilizados na prática hospitalar, apresentando uma abrangência maior que permite que os participantes compartilhem sentimentos e experiências comuns, sendo um espaço em que as dificuldades podem ser relatadas e ouvidas. Os participantes identificam-se com as vivências que são compartilhadas e podem juntos obter formas de enfrentamento mais adequadas. Enfim, o adoecer possui, para cada membro, um significado que deve ser levado em consideração. O olhar no profissional nessas situações de crise, pode auxiliar na elaboração desse significado e na adaptação, pois o impacto da doença crônica é sentido por todos do seu convívio diário. Através deste levantamento, pode-se entrar em contato com as reações que a doença crônica traz para a família. Tal constatação permite concluir que o profissional de saúde é de extrema importância, pois auxiliará promovendo orientações e suporte para a adaptação, uma vez que o adoecimento crônico acarreta situações de crise, limitações e perdas que irão influenciar na estrutura familiar. O equilíbrio do sistema pode ser resgatado desde que se mobilize os recursos necessários. 37 Por outro lado, a equipe de saúde deve estar sempre atenta às necessidades da família, ampliando a assistência à essa rede de apoio tão importante, ou seja, deverá demandar “...uma prática reflexiva, educativa, crítica, criativa e politizante que aponte para a ruptura com o instituído, colocando permanentemente em questão a relação conteúdo/forma, numa ação que envolve imediatamente dois sujeitos: usuário e profissional” (VASCONCELOS, 1997:133). 38 FONTES BIBLIOGRÁFICAS AIRÈS, P. Historia social da família e da criança, Rio de Janeiro, RJ, 2° edição, LTC, 1981. CEFAS. Documento do Conselho Federal de Assistentes Sociais. Intervenção profissional do Assistente Social no campo da saúde. Brasília, 1990. CONTIN, D. O significado do cuidar para familiares de crianças e adolescentes com doença crônica. Tese de mestrado. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2001. DIAS, M. L. 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