MANCHA ANESTÉSICA SOCIAL

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Núcleo Espírita Universiátio – Rio de Janeiro
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MANCHA ANESTÉSICA SOCIAL
Se estivéssemos de posse da máquina do tempo e caminhássemos para o
futuro, começaríamos escrevendo este artigo dizendo: a hanseníase, que no passado
os ignorantes chamavam de lepra, está em expansão. Mas estas idéias são justamente
para que não venhamos a falar, neste mesmo futuro, do aumento de sua incidência,
entre nós.
Esta expansão demonstra que nossos programas de controle ou não foram
implementados ou não atingiram os objetivos perseguidos. É de domínio público que
as informações dos sintomas que evidenciam a existência da doença são retardadas,
contribuindo de maneira desastrosa para o preconceito existente nas diversas
comunidades.
À semelhança da síndrome de imunodeficiência adquirida, na hanseníase, mais
do que em qualquer outra doença, a ignorância e o medo podem produzir danos
irreparáveis e obstaculizar de modo irreversível o sucesso de um programa de
controle.
Qualquer contribuição no sentido de uma campanha nacional de
conscientização deve ser bem recebida. A capacitação de novas instituições e
iniciativas não governamentais é uma delas. Principalmente aquelas que possuem
uma boa linha de comunicação com a comunidade. Este não é apenas um problema
quase sempre negligenciado, que quase não encontra o respaldo dos veículos de
comunicação de massas. É também uma situação pouco conhecida mesmo entre
aqueles que transitam no setor de saúde. Como na síndrome de imunodeficiência
adquirida devemos procurar, mas não podemos esperar, uma vacina que produza
trocas persistentes na reatividade imunológica dos indivíduos.
É necessário superar os diversos obstáculos, administrativos e técnicos, que
interferem na cura bacteriológica de todo indivíduo com hanseníase-infecção, porque
isto é básico num programa efetivo de controle. É necessário que esses indivíduos
procurem um tratamento adequado.
Recentemente, estudando uma outra bacteriose (difteria), pudemos observar
que a taxa de contágio entre contatos familiares é muitas vezes maior do que a
encontrada na população geral. Uma evidência clara da imperiosa necessidade de
uma vigilância maior neste grupo mais exposto. Em hanseníase o raciocínio é
idêntico e o controle dos contatos familiares deve dirigir-se especialmente às crianças
mais susceptíveis, que convivem com pacientes Virchowianos. Nestes contatos,
mitsuda negativos, mesmo sem lesão clínica, está indicado o acompanhamento
dermatológico e neurológico.
Imprescindível o diagnóstico precoce e o tratamento específico para a
recuperação da unidade econômico-social.
A maioria dos casos notificados ainda são formas avançadas da hanseníasedoença, o que permite deduzir que o diagnóstico está sendo feito tardiamente. Mas o
que fazer para que isso não ocorra? É necessário combater a indigência cultural que
leva ao medo. A ignorância faz mais vítimas do que os microrganismos. Ela é
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responsável pela criação do fenômeno psicossocial-somático "lepra". É necessário
não esquecer a omissão por comodismo. "O Mundo está cansado de ouvir; o Mundo
agora quer ver". É fundamental não esquecer a exagerada confiança nas drogas
antimicrobianas; a subestima da situação epidemiológica; o desconhecimento de que
a hanseníase ainda não conseguiu eliminar o estigma deixado pela lepra.
Enquanto membros de uma comunidade que atua junto à população carente,
nestas oportunidades, o que temos feito? O que temos feito, efetivamente, para
libertar a hanseníase (doença infecciosa relativamente benigna, "pouco contagiosa",
não letal) das amarras da lepra (doença social grave em torno de um núcleo físico
relativamente pouco importante)?
Alguns advogam, aqui e no exterior, a desnecessidade da troca do nome da
doença, como se ambos fossem a mesma coisa, porque esta nova terminologia poderá
também ser fruto de representações. No entanto se esquecem que as representações
sociais da hanseníase poderão até mesmo ser modificadas no curso de sua construção.
É aqui que o Ministério da Educação poderia dar uma grande contribuição. Enquanto
ela não vem vamos ficar de braços cruzados? Vamos ficar, como na Aids, esperando
que alguma "autoridade" faça o nosso trabalho de casa?
Ainda hoje um paciente não pode chegar, num serviço de saúde, e dizer
tranquilamente: "eu tenho uma mancha anestésica", porque carregamos uma mancha
anestésica social (ignorância) que contribui efetivamente para a desagregação da
personalidade do paciente. Examine-se. Veja o tamanho da sua mancha. Sua
sensibilidade. Informe-se. Hanseníase tem cura.
Luiz Carlos D. Formiga
( * ) Publicado como Editorial na Revista Brasileira de Patologia Clínica, 24(2):31, 1988; "O Globo" País/Ciência e Vida, 19 fev. p.11. ; " O Dia " - Domingo, 31 julho, p.14.; Revista Psicologia Comportamento,14: 30. ; Boletim Informativo do Hospital Universitario Clementino Fraga Filho (UFRJ),
7(63): e Citado no Pronunciamento Deputado. Elias Murad - PTB-MG. Assembléia Nacional Constituinte.
Câmara dos Deputados (17 de maio).
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