Projeto – Mestrado - Tycho Brahe Project

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O Paralelismo nas Orações Coordenadas:
Um estudo das Crônicas Históricas Portuguesas
Gilcélia de Menezes da Silva
Orientadora: Maria Clara Paixão de Sousa
Projeto de Pesquisa ( Mestrado)
Sumário
1. Resumo......................................................................................... 3
2. Objetivos...................................................................................... 3
3. Introdução e Justificativas............................................................ 4
3.1 Introdução............................................................................................. 4
3.2 Justificativas............................................................................................ 7
3.2.1 Relevância dos estudos sobre a sintaxe do Português Clássico
................................................................................................................... 7
3.2.2 Estudos Preliminares.......................................................................... 9
3.2.3 Perspectivas ...................................................................................... 12
4. Material e Métodos .................................................................... 13
4.1 Construção do Corpus........................................................................ 13
4.2 Procedimentos de Seleção e Classificação de Dados para Análise
...................................................................................................................... 14
5. Forma de análise dos resultados................................................. 18
Referências Bibliográficas.............................................................. 19
1. Resumo
Este projeto tem por objetivo produzir um estudo detalhado da colocação de pronomes clíticos nas orações
segundas coordenadas no Português Clássico. A hipótese central dessa pesquisa se origina em trabalhos
anteriores sobre a colocação de clíticos nas segundas coordenadas no Português Clássico, no contexto de
uma investigação ampla sobre as mudanças gramaticais sofridas pela língua entre os séculos 16 e 19
conduzidas no grupo de pesquisas reunido em torno do projeto temático “Padrões Rítmicos, Fixação de
Parâmetros e Mudança Lingüística”.
O que se pretende aqui é investigar o “efeito de paralelismo” nas
sentenças coordenadas, nos textos clássicos, e verificar qual a relação existente na colocação de clíticos em
primeiras e segundas coordenadas e se este “efeito” influencia na sintaxe dos clíticos nas coordenadas Além
disso, a pesquisa busca identificar o período de duração deste “fenômeno de paralelismo” e como este
afeta os estudos diacrônicos sobre a mudança gramatical no Português Clássico.
2. Objetivos
•
Produzir um estudo descritivo sobre a colocação de pronomes clíticos nas orações segundas
coordenadas em textos portugueses escritos entre o século 16 e 19;
•
Examinar a hipótese do “efeito de paralelismo”, segundo a qual a colocação de clíticos nas
orações segundas coordenadas, nos textos clássicos, reflete fortemente a colocação de clíticos
nas primeiras coordenadas;
•
Investigar o período de tempo compreendido pelo fenômeno do “efeito de paralelismo” nos
textos e as implicações desse percurso diacrônico para os estudos sobre a mudança gramatical
que determina o fim do Português Clássico.
3. Introdução e Justificativas
3.1 Introdução
Este projeto tem por objetivo realizar uma pesquisa sobre a colocação de pronomes clíticos nas
orações segundas coordenadas do Português Clássico. A pesquisa será conduzida no âmbito do
projeto temático “Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística – Fase II”. Um dos
objetivos principais do projeto temático é analisar a colocação dos clíticos no Português, no período
que vai do século 16 ao 19, nos ambientes sintáticos em que se encontra variação diacrônica entre
próclise e ênclise, procurando localizar no tempo o momento em que se dá a mudança para o
Português Europeu Moderno, onde a ênclise se torna obrigatória nesses mesmos contextos (Galves et
ali, 1998; Galves 2004).
Em trabalhos preliminares (Menezes da Silva 2003, Menezes da Silva 2006, Menezes da Silva 2007),
mostrei haver evidências fortes para se afirmar que nas segundas coordenadas verbo-iniciais a posição
do clítico está relacionada à posição do clítico nas primeiras coordenadas - ou seja, há um efeito de
paralelismo ocorrendo nessas segundas coordenadas “V1”. Esses resultados iniciais indicam o
interesse de se aprofundar o estudo sobre a posição dos clíticos nas orações coordenadas em geral,
sob o prisma do efeito de paralelismo. Surge, assim, uma hipótese interessante sobre a colocação de
clíticos nas sentenças coordenadas do Português Clássico: a de que a colocação de clíticos nas
segundas coordenadas (verbo-iniciais e outras) é fortemente dependente da colocação de clíticos nas
primeiras coordenadas.
Essa pesquisa de mestrado se propõe a examinar essa hipótese, com base nas perguntas iniciais
suscitadas pelos trabalhos anteriores. Uma primeira pergunta seria:
•
Até que ponto a posição do clítico nas segundas coordenadas está relacionado com a posição
do mesmo nas primeiras coordenadas? Melhor dizendo, a posição dos pronomes clíticos nas
primeiras coordenadas é um condicionante da variação próclise/ênclise no Português.
Ampliando nossa hipótese para os outros constituintes das sentenças, uma segunda pergunta seria:
•
Se a ordem dos constituintes nas coordenadas estaria relaciona a fatores textuais-estilísticos ou
puramente sintáticos?
Para avaliar a extensão do efeito de paralelismo nos dados, será necessário ampliar os ambientes
sintáticos a serem analisados, a partir dos resultados de Menezes da Silva (2003, 2006, 2007). Quanto
à ampliação dos ambientes sintáticos, ressalte-se que nos trabalhos anteriores, encontrou-se o
paralelismo nas segundas coordenadas V1; nesta pesquisa, planeja-se observar se este fenômeno está
presente também nas segundas coordenadas com verbo em segunda, terceira e quarta posição. Além
disso, os dados preliminares incluem apenas as coordenadas aditivas com conjunção E; nesta
pesquisa, pretende-se analisar o fenômeno também com outros elementos de coordenação. Para
avaliar a extensão do efeito de paralelismo na linha do tempo, e suas implicações para a compreensão
da mudança gramatical que ocasiona o fim do Português Clássico, será necessário ampliar o universo
de dados da pesquisa. Nos trabalhos anteriores, a análise se iniciou com autores nascidos no século 16;
neste trabalho, iremos retroceder um século, para observar se já nos textos de autores do século15 o
paralelismo ocorre. Isso nos trará uma visão melhor da trajetória do fenômeno no tempo.
A confirmação da hipótese de trabalho traria duas conseqüências. Primeiro, traria implicações
metodológicas importantes para os estudos sobre a posição de clíticos no Português Clássico: em
especial, indicaria não ser adequado analisar as segundas coordenadas sem analisar as primeiras. Notese, entretanto, que o procedimento padrão atestados nos trabalhos de pesquisa sobre colocação de
clíticos no Português Clássico (e Arcaico) não inclui a consideração desta variável. Na maioria dos
casos, a separação principal dos estudos é entre orações Verbo-iniciais e não Verbo-iniciais; no caso
dessas últimas, o padrão de colocação de clíticos é estudado independentemente de se tratarem de
ambientes de coordenação (cf. por exemplo Martins 1994, Ribeiro 1995, Galves, Britto e Paixão de
Sousa 2006, Lobo, 1996, entre outros). Nesse sentido, portanto, um estudo nos moldes aqui
propostos pode ter conseqüências importantes para as metodologias de classificação e análise de
dados do Português Clássico.
Além disso, a sugestão de um “efeito de paralelismo” traz a pergunta: será esse um fenômeno
puramente sintático ou textual-estilístico? No âmbito do projeto temático em que se insere essa
pesquisa, a questão da relação entre sintaxe e estilo nos textos do Português Clássico tem sido bastante
debatida, reconhecendo-se sua importância para uma melhor compreensão dos fenômenos
gramaticais refletidos nesses textos. Em particular, Galves (2002) sugere uma forte relação entre o
estilo argumentativo barroco e a sintaxe de clíticos nos Sermões de António Vieira (relação visível na
elevada proporção de construções de contrastividade nesses textos, que favorecem a ênclise), uma
idéia desenvolvida mais tarde em Galves, Britto e Paixão de Sousa (2006) e Antonelli (2007). Outro
estudo que relaciona sintaxe e estilo é Paixão de Sousa (2004), onde se debate o estatuto das ordens
com sujeitos pós-verbais nos textos do século 17 – se são reflexos de uma gramática VS, ou apenas
efeitos do estilo barroco de escrita. Esses estudos têm demonstrado que é fundamental levar em conta
o estilo da escrita e seus condicionantes estéticos para entender os textos da época; mas que os efeitos
estéticos funcionam dentro de uma lógica gramatical. Prova disso é que todos esses efeitos de estilo (o
efeito de constrastividade e a “inversão barroca”) são menos presentes nos textos escritos por autores
nascidos no século 18, mesmo no caso de textos que ainda seguem a escola barroca (principalmente,
Matias Aires, cf. Paixão de Sousa 2004). Assim, o que se vê nos textos dos séculos 16 e 17 são efeitos
estéticos que a gramática da época permite; no século seguinte, a queda na freqüência das construções
demonstraria que a nova gramática já não os permite mais. No caso do paralelismo, as indicações
preliminares parecem mostrar algo semelhante: mesmo que esse efeito seja considerado uma questão
de estilo, a queda na sua incidência depois do século 18 sugere que essa nova gramática já não o
permite mais. A consideração do fator estilístico, nesta pesquisa, irá percorrer essa linha de reflexão,
aberta pelos estudos citados.
A seção 3.2 a seguir busca justificar e fundamentar a pesquisa aqui proposta, dentro deste contexto. A
seção 3.2.1 resume os principais pontos de interesse teórico quanto ao estudo da sintaxe do Português
Clássico, em especial quanto à colocação de clíticos; a seção 3.2.2 apresenta as principais conclusões
derivadas dos trabalhos anteriores; por fim, a seção 3.2.3 aponta as perspectivas colocadas para o
presente trabalho.
3.2 Justificativas
3.2.1 Relevância dos estudos sobre a sintaxe do Português Clássico
Tradicionalmente, o século 16 é considerado pela Lingüística Histórica como marco inicial do
Português Moderno. É a partir de 1500 que o Português Medieval vai saindo de cena para a entrada
do português moderno. No entanto, uma mudança lingüística não ocorre de modo repentino. As
mudanças, numa língua, acontecem devidos a diversos fatores, e algumas dessas mudanças podem
ocorrer mais rapidamente que outras. Alguns padrões lingüísticos do sistema antigo permanecem, por
algum tempo, no chamado sistema novo. Por essa razão, muitos estudiosos reconhecem que há entre
o português medieval e o português moderno um período de transição, tradicionalmente chamado de período
Clássico. Para alguns gramáticos tradicionais, como Said Ali (1921)1, esta fase intermediária é
considerada como uma etapa inicial do Português Moderno, para ele consolidada nos 1900. A
Lingüística Moderna reconhece este período intermediário, por volta dos séculos 16 e 18, como uma
fase na história do português2, na qual “a linguagem dos textos, embora distinta da linguagem escrita na Idade
Média, não é ainda a mesma dos modernos”. (Paixão de Sousa, 2004:6)
É também neste período, com o advento das navegações portuguesas que o português se desloca e, por
assim dizer, atravessa “os mares nunca dantes navegados”. Esse distanciamento espacial do português nos
permite hoje identificar, nos termos de Paixão de Sousa (2004), seus variantes africanos (crioulos) e
suas duas variantes principais, o português europeu (PE) e o português brasileiro (PB). A teoria
gerativista considera o PE e PB como duas gramáticas diferentes, não só entre si como também em
relação ao Português Arcaico. Tanto o PE como o PB apresentam diferentes características, que por
sua vez estavam presentes no português escrito do Português Clássico (doravante PCl). A partir dessa
observação, estudiosos têm levantado a hipotése de que a diferença entre essas duas gramáticas –PE e
PB - não decorre de uma mudança do PB em relação ao PE, mas que ambos se diferenciaram de um
mesmo sistema anterior ao sistema vigente no século 16, ou seja, as duas gramáticas, apesar de
1
De acordo com Paixão de Sousa, 2004.
2
Teyssier, 1982.
diferentes, possuem uma base comum. Essa diferenciação entre PE e PB não poderia ter ocorrido num
momento anterior ao século 16, o que revela a importância de se estudar o período clássico.
É nesse sentido que o século 16 é considerado de grande importância para o estudos diacrônicos do
português, e nos fornece, através de seus textos, os caminhos traçados pelas
diferentes etapas
gramaticais até o português moderno. Caminhos estes construídos por diversos fatores, nem sempre de
natureza lingüística, mas que contribuem enormente para as transformações sócio-históricas das
sociedades e, evidentemente, na história da línguas.
Com o intuito de se reconstruir a trajetória das mudanças gramaticais de uma língua, a Lingüistica
Histórica tem se voltado seus olhares para a ordem de palavras superficiais atestadas nos textos
antigos - que apesar de serem limitados se comparados com a língua falada, revelam o caminho
percorrido pelas mudanças através da linha do tempo. A ordem superficial de palavras dos termos da
oração é importante por ser considerada pelos estudos de sintaxe, inclusive no moldes da teoria
gerativista como um “lugar privilegiado”, porque ela revela as propriedades gramaticais abstratas.3 A
ordem dos constituintes é configurada a partir das regras de funcionamento de cada gramática, ou seja,
são as categorias funcionais na sintaxe abstrata e as restrições de cada gramática que iram determinar
quais os tipos de constituintes sintáticos que podem se superficializar em cada uma dessas categorias.4
A importância de se estudar os pronomes clíticos dentro desta perspectiva de análise se explica porque
os clíticos são elementos sintáticos estruturalmente diferentes, ou seja, estes elementos prendem-se
aos núcleos de outros constituintes maiores, por serem fracos fonológica e morfologicamente (Paixão
de Sousa, 2004). Por este motivo, o estudo da posição dos pronomes clíticos é de extrema importância
para os estudos diacrônicos de uma língua. Em especial, no caso da história da Língua Portuguesa,
uma vez que, como salientam Galves,Britto, Paixão de Sousa (2006): “In the history of Portuguese, one of
the most salient syntactic features that change along time is clitic placement. As clitic placement can be considered one of
the major grammatical indicators, changes in this domain constitutes an important key to the grammatical history of a
3
De acordo com Paola Benincá (1989), a ordem de palavras é a manisfestação superficial e vísivel das propriedades profundas, importantes e
características de uma língua. Cf. Paixão de Sousa, 2004.
4
Segundo Paixão de Sousa (2004), “documenta-se alterações superficiais na ordem linear da sentença, medindo variações entre padrões que
possam indicar a alteração de um parâmetro gramatical.”
language.”
A descrição da sintaxe destes elementos nos permite observar algumas diferenças
importantes, por exemplo, entre o PE e o PB, e nos leva a interpretar essas diferenças no sentido de
levantar hipotéses sobre a origem comum dessas duas gramáticas.
3.2.2 Estudos Preliminares
Este projeto de mestrado pretende aprofundar e expandir os resultados de uma pesquisa de iniciação
científica realizada no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas e associada ao
projeto temático “Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística – Fase I (1998-2003) ”, sob
orientação da pela Prof ª. Charlotte Marie Chambelland Galves. Este trabalho anterior tratava da
colocação de clíticos em sentenças coordenadas V1 em textos representativos do Português Europeu
do Período Clássico. À medida que o projeto temático analisava seus dados coletados do “Corpus
Anotado do Português Histórico Tycho Brahe” e conseguia levantar algumas questões importantes sobre a
história dos clíticos, dentro da evolução do Português Europeu, era necessário um estudo mais
detalhado sobre a colocação dos clíticos em orações coordenadas. Por essa razão, o objetivo do
projeto de iniciação científica foi analisar, no mesmo período citado acima, ou seja, no Período
Clássico do Português, a sintaxe dos pronomes clíticos em orações coordenadas verbo-iniciais (“V1”).
O trabalho de iniciação foi realizado com base em textos de 17 autores, totalizando de 771 sentenças
analisadas, das quais 430 com ênclise e 341 com próclise. Os dados classificados por autores, e dentro
de cada autor, pela posição do clítico.
Em termos amplos, o quadro geral obtido para a colocação de clíticos mostrou que no séc. 16 há uma
maior ocorrência de próclises; no séc. 17, uma grande variação na posição do clítico, com certa
tendência para a próclises; e no séc. 18 , maior ocorrência de ênclises (cf. Tabela 1- Anexo). A partir
desse primeiro olhar sobre as coordenadas, e observando os dados dos autores que se diferenciavam
em relação aos demais autores de cada período, levantou-se a hipótese de que poderia haver a
ocorrência de um fenômeno denominado paralelismo. Este fenômeno acontece quando em uma
dada sentença com duas orações coordenadas a colocação dos clíticos na segunda coordenada
acompanha a mesma posição da primeira, como mostram os exemplos abaixo:
(1)
(a) Pinte-lhe com côres bem vivas a extensão do seu sacrifício, mas faça-o generosamente e espere com
paciência o resultado dêste acto. [Marquesa de Alorna(1750)].
(b) Sua mulher me mandou chamar hontem por Dom Alexandre, e a achei lastimosíssima [Padre Antônio
Vieira- Cartas(1608)]
A partir dessa primeira observação do efeito de paralelismo, iniciou-se uma nova etapa na pesquisa,
buscando métodos para a verificação deste fenômeno, ou seja, se o mesmo ocorria de fato, e se havia,
dentro do período considerado, alguma variação no tempo. Deste modo, devido à uma necessidade
metodológica, passou-se a olhar também para as primeiras coordenadas das sentenças. Separaram-se
então os dados da seguinte forma:
(2) Ocorrência de clíticos na primeira e na segunda coordenada:
Ênclise / Ênclise:
(a) Com dinheiro, susta-se o poder dos maus e facilitam-se os meios de fazer bem: sem êle nada prospera.
[Marquesa de Alorna (1750)]
Próclise / Próclise:
(b) Dizendo isto, por um movimento quase involuntário lhe tomou a mão adormecida e a levou aos lábios.
[Almeida Garrett (1799)]
Ênclise / Próclise:
(c) Tenha-me Vossa Senhoria sempre na sua graça e me dê repetidas ocasiões de mostrar no Seu Serviço o
meu reconhecimento. [Alexandre de Gusmão (1695)]
Próclise / Ênclise:
(d) Não só vos condemnam os homens pelo que vós nunca imaginastes, mas condemnam-vos pelo que
nem elles imaginam de vós. [Padre Vieira (1608)]
(3) Ocorrência de clíticos somente na segunda oração coordenada:
Ênclise:
(a) Vieram e levaram-me após si aquele pouco repouso, que conservava afim de o perder minha vontade.
[Francisco Manuel de Mello (1608)]
Próclise:
(b) Continuamente acusamos a injustiça da fortuna, e a consideramos ainda mais cega do que o amor, na
repartição das felicidades. [Matias Aires (1705)]
Assim, os trabalhos iniciais organizaram três ambientes, a saber: Primeira coordenada sem clíticos; Primeira
coordenada com próclise; Primeira coordenada com ênclise. A importância de se observar os ambientes com
primeiras coordenadas sem clíticos, casos onde o efeito de paralelismo não se aplicaria, é devido ao seu
caráter de dados de controle. Quando não há clíticos nas primeiras coordenadas podemos perceber
qual a tendência de cada autor na colocação destes pronomes em segundas coordenadas V1 (cf. Tabela
2).
Partindo desses ambientes, começei a analisar o que ocorria com os clíticos na segunda coordenada, e
percebi que a hipótese do efeito de paralelismo se confirmou, pois, na maioria dos autores, quando
ocorria a presença de clíticos nas primeiras coordenadas, a mesma posição, próclise (cl-V) ou ênclise
(V-cl) – ocorria nas segundas coordenadas. No ambiente de controle (sem clíticos na primeira
coordenada), ocorreu uma variação próclise/ênclise entre os autores, em todos os períodos
analisados (como já dito, com uma maior ocorrência de próclises no séc. 16, uma grande variação com
certa tendência para a próclises no 17, e maior ocorrência de ênclises no séc. 18) .
Já nos ambientes com clíticos nas primeiras coordenadas - aqueles em que de fato, o efeito de
paralelismo se aplica -
os dados mostraram que quando a posição do clítico nas primeiras
coordenadas era pré-verbal, a proporção de próclises nas segundas coordenadas aumentou
independente do período analisado (séculos 16, 17 e 18). Os textos em que a proporção de ênclises era
elevada apresentaram um aumento na proporção de próclises; e nos textos cuja proporção de próclises
já era elevada, essa proporção aumentou ainda mais (cf. Gráfico 1). Já quando a posição do clítico nas
primeiras coordenadas era pós-verbal, a proporção de ênclises nas segundas coordenadas
aumentou, também em todos os períodos. Inversamente, os textos em que nos dados sem pronomes
clíticos nas primeiras coordenadas a proporção de próclises era elevada, tiveram neste ambiente uma
aumento na proporção de ênclises nas segundas coordenadas (cf. Gráfico 2).
Desse modo, todas essas mudanças na colocação dos clíticos nos revelam que a posição do clítico nas
segundas coordenadas pode estar, muitas vezes, associada à posição do clítico na primeira coordenada.
Ou seja, pode-se concluir que há em todos os autores estudados um efeito de paralelismo. Este efeito
é especialmente evidente nos casos em que a primeira coordenada apresenta ênclise, mas se atesta
também nos casos em que esta apresenta próclise. Também, pode-se afirmar que este paralelismo
esteve presente ao longo do período analisado, devido as poucas exceções apresentadas. Este estudo
mostrou também que o efeito de paralelismo se aplica à grande maioria dos textos ao longo de toda a
extensão temporal analisada, com poucas exceções.
3.2.3 Perspectivas
As conclusões atestadas na minha pesquisa preliminar (Menezes da Silva 2003, 2006, 2007) fez surgir
novas questões importantes, tanto para a compreensão do fenômeno de paralelismo como para uma
descrição mais adequada e completa da colocação dos pronomes clíticos nas sentenças coordenadas.
Aqueles resutlados mostram que o que ocorre nas primeiras coordenadas reflete nas segundas
coordenadas; a partir dessa descoberta, podemos ir mais além, e nos perguntar se o o efeito medido
para as coordenadas V1 também está em jogo na colocação de clíticos nas coordenadas V2.
Além disso, a natureza da conjunção também pode ser outro fator relevante para se compreender
melhor a ocorrência de paralelismo; não sabemos se com conjunções tais como mas, porém, contudo,
todavia e outras, diferentes da conjunção E (a única considerada nos trabalhos anteriores) afetariam de
alguma maneira a ocorrência do paralelismo. Também seria importante considerar as conjunções pois
e porque, cuja presença implica em próclise obrigatória. O que poderia ocorrer com as segundas
coordenadas que apresentem essas conjunções, caso ocorra ênclise nas primeiras coordenadas? Neste
caso, o efeito de paralelismo afetaria a colocação dos clíticos neste tipo de coordenadas?
Todas essas questões são de extrema importância para os estudos lingüísticos que pretendam
descrever e explicar os fenômenos de variação. Estas questionamentos estão ligados às limitações
encontradas nos meus trabalhos anteriores. Os ambientes sintáticos analisados nestes trabalhos
envolviam apenas um tipo de segundas coordenadas (V1 com conj-E). As questões levantadas acima,
deixa claro, a importância de se estender os ambientes sintáticos e incluir outras conjunções
coordenativas. Uma outra limitação que gostaria de apontar aqui, seria em relação ao corpus analisado
que possuía poucos representantes do século 16, apenas 3 autores, sendo importante aumentar o
número de autores nascidos neste século para que se possa compreender melhor o fenômeno
lingüístico do paralelismo nas coordenadas. Além disso, seria de extrema importância voltarmos noss
olhar para um século atrás (séc. 15) afim de verificar se o paralelismo ocorre antes do século 16, ou se
ele se inicia no século 16 e qual seria sua duração exata.
4. Material e Métodos
4.1 Construção do Corpus
O corpus estabelecido como base de dados para este projeto é Corpus Anotado do Português Histórico
Tycho Brahe (CTB)5 que foi subdivido em duas partes, a saber:
− Corpus inicial:
− Conjunto de Crônicas Históricas6
Fernão Lopes (1380)– Chronica del Rey D. Ioam I– 93.781 palavras
Duarte Galvão (1435) - Crônica del-Rei D.Afonso Henriques – 53.500 palavras - http://purl.pt/308.
Ruy de Pina (1440) - Crônica del-Rei D. Diniz – 88.188 palavras - http://purl.pt/313/2
P.M. de Gandavo (1502) - História da Provincia de Santa Cruz – 22.944 palavras - http://purl.pt/121
Santos, Manuel dos (O Cisterc.) - (1672) - História Sebástica, contém a vida do Augusto Principe o Senhor
D. Sebastião, Rey de Portugal. - 100.345 palavras - http:// purl.pt/405/2
O Corpus inicial é composto pelos 17 autores já analisados nos trabalhos anteriores citados,
englobando os séc. 16 ao séc. 19. Este será um corpus de controle, pois a tendência do uso de clíticos nas
coordenadas V1, neste período, já foi constatado em Menezes da Silva (2003). Além disso, as
coordenadas V2 também já foram separadas em Paixão de Sousa (2004) .
O Corpus composto pela Crônicas Históricas foi escolhido devido duas características importantes
deste gênero textual. Por um lado, seus autores são nascidos no século 15 e 16, o que nos permite
incluir no nosso período de análise o séc 15 e ampliar o corpus inical com mais autores do séc. 16,
5
Este corpus está disponível na internet no seguinte endereço: <http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus>
6
As Crônicas Históricas também estão transcritos no Corpus Tycho Brahe, a partir dos fac-similes disponbilizados pela
Biblioteca Nacional de Lisboa.
nos meus trabalhos anteriores este século era representado apenas por 3 autores. Por outro lado, este
gênero textual por ser narrativa apresenta períodos longos, com bastante coordenações . Além disso,
há o fato da familiaridade em trabalhar com este tipo de texto, transcritos, anotados e editados por
mim, num trabalho de Capacitação Técnica, Nível III, em 2006 e 2007. As diretrizes de transcrição,
anotação e edição modernizadas se encontram no volume “Edições Críticas Eletrônicas: Fundamentos e
Diretrizes”7.
4.2 Procedimentos de Seleção e Classificação de Dados para Análise
Inicialmente, os dados do corpus principal (Crônicas Históricas) serão separados de acordo com a
posição do pronome clítico nas segundas coordenadas. Esta etapa será realizada automaticamente,
graças às programações de busca baseadas na etiquetação morfológica dos textos do Corpus Tycho
Brahe (Namiuti 2007). Os dados dos demais textos (Corpus Inicial) já pssaram por esta etapa, e se
encontram separados por esses critérios, como resultado de trabalhos anteriores – Menezes da Silva
(2003, 2006) para as coordenadas verbo-iniciais, e Paixão de Sousa (2004) para as coordenadas não
verbo-iniciais.
Pela hipótese seguida neste trabalho – o efeito de paralelismo – a comparação entre a sintaxe das
primeiras e das segundas coordenadas têm um papel fundamental na análise dos dados. Assim, a
classificação dos dados irá levar em conta posição de clíticos nos dois termos da coordenação. As
segundas coordenadas serão classificadas em três tipos básicos: verbo-iniciais (que, depois do século
18, configura o contexto de ênclise obrigatória), não-verbo iniciais em contexto de variação, e nãoverbo iniciais em contexto de próclise obrigatória. As primeiras coordenadas serão classificadas em
três tipos básicos: contexto de ênclise obrigatória (ou seja, verbo-iniciais), contextos de variação, e
contextos de próclise obrigatória; e um tipo adicional, aquelas sem a presença de clíticos. A análise dos
dados se fundamentará no agrupamento de ambientes formado a partir das combinações lógicas
possíveis entre os padrões de primeiras coordenadas e os padrões de segundas coordenadas. Os dados
em cada um dos ambientes principais serão ainda classificados segundo o tipo de conectivo (e, mas,
7
Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~tycho/participants/psousa/memorias/critical_hyper/ece_Frameset.html.>
porém, contudo, etc.), para que se possa verificar se este é um fator de peso nos resultados.
Assim, o esquema inicial da análise se compõe de 12 ambientes básicos, agrupados nos 4 quadros
comentados abaixo. Os quadros incluem exemplos hipotéticos, construidos no sentido de orientar a
organização da análise.
[Quadro 1] Primeiras coordenadas sem clíticos
(1) 1a coordenada sem clíticos + 2a coordenada V1
____ /próclise
[ (X) V ] [conj cl V]
(a) Ele entrou e a beijou
____ /ênclise
[ (X) V ] [conj Vcl]
(b) Ele entrou e beijou-a
(2) 1a coordenada sem clíticos +2a coordenada não-V1, contexto de variação
____ /próclise
[ (X) V ] [conj X cl V]
(a) Ele entrou e então a beijou
____ /ênclise
[ (X) V ] [conj X Vcl]
(b) Ele entrou e então beijou-a
(3) 1a coordenada sem clíticos + 2a coordenada não-V1, contexto de próclise obrigatória
____ /próclise
[ (X) V ] [conj cl V]
(a) Ele entrou e mal a beijou
____ /ênclise
[ (X) V ] [conj Vcl]
(b) Ele entrou e mal beijou-a (*)
O [Quadro 1] organiza os casos em que não há clíticos nas primeiras coordenadas, e para os quais
naturalmente não se espera encontrar o “efeito de paralelismo”; trata-se, entretanto, de dados
importantes como controle do efeito pontencial a ser medido nos demais casos. Além disso, é possível
que sejam encontrados casos nos quais a presença de um elemento proclitizador na primeira
coordenada (mesmo sem clítico) possa estar condicionando de alguma forma a colocação na segunda
coordenada; esse aspecto também será controlado, como organizado no [Quadro 1(i)] abaixo8.
8
Nesse quadro e nos seguintes, (*) indica os dados que não se espera encontrar (sobretudo, ênclises em contextos diretos de
próclise obrigatória), tendo em vista os estudos preliminares; ainda assim, o sistema de classificação inclui essas nomenclaturas
preventivamente.
[Quadro 1 (i)] Primeiras coordenadas sem clíticos, mas com elemento de próclise obrigatória
(1 i) 1a coordenada sem clíticos, com elemento de próclise obrigatória +
2a coordenada V1
____ /próclise
[ X V ] [conj cl V]
(a) Ele mal entrou e a beijou
____ /ênclise
[ X V ] [conj Vcl]
(b) Ele mal entrou e beijou-a
(2 i) 1a coordenada sem clíticos, com elemento de próclise obrigatória +
2a coordenada não-V1, contexto de variação
____ /próclise
[ X V ] [conj X cl V]
(a) Ele mal entrou e então a beijou
____ /ênclise
[ X V ] [conj X Vcl]
(b) Ele mal entrou e então beijou-a
(3 i) 1a coordenada sem clíticos, com elemento de próclise obrigatória +
2a coordenada não-V1, contexto de próclise obrigatória
____ /próclise
[ X V ] [conj cl V]
(a) Ele mal entrou e já a beijou
____ /ênclise
[ X V ] [conj Vcl]
(b) Ele mal entrou e já beijou-a (*)
Em seguida, vêm os ambientes de maior interesse do estudo, aqueles em que há clíticos nas primeiras
e nas segundas coordenadas. A intenção aqui é medir se a colocação na primeira coordenada tem peso
na colocação da segunda. Para isso, um primeiro agrupamento separa as primeiras coordenadas de
acordo com o ambiente do clítico: variação (Quadro 2 a seguir), próclise obrigatória (Quadro 3 a
seguir), ênclise obrigatória (Quadro 4 a seguir). Esse primeiro agrupamento é importante pois
permitirá medir se a obrigatoriedade de ênclise/próclise na primeira coordenada tem mais peso sobre
o “efeito de paralelismo”, que os casos em que se permitiria variação. Em seguida, no interior de cada
um desses agrupamentos principais, as segundas coordenadas estão classificadas, segundo seus tipos
básicos (verbo-iniciais, não verbo-iniciais com ambiente de variação, não verbo-iniciais com abiente de
próclise obrigatória). Fundamentalmente, essa classificação das segundas coordenadas permitirá medir
se o “efeito de paralelismo” tem diferentes forças no caso das segundas coordenadas V1 (para os
quais já temos alguns dados preliminares, cf. seção 1) e nas segundas coordenadas não-V1 com
contextos de variação. Além disso, a classificação permitirá medir se o “efeito de paralelismo” é forte
o suficiente para influenciar a colocação nas segundas coordenadas quando nelas há um contexto de
próclise obrigatória (forçando, no caso, a ênclise). Essa não é uma hipótese muito provável, mas
precisar poder ser verificada.
[Quadro 2] Primeiras coordenadas com clíticos em contextos de variação
(4) 1a coord.: contexto de variação + 2a coord.: V1
ênclise / ênclise:
[Vcl] [conj Vcl]
(a) Ele viu-a e beijou-a
próclise / próclise:
[clV] [conj clV]
(b) Ele a viu e a beijou.
ênclise / próclise:
[Vcl] [conj clV]
(c) Ele viu-a e a beijou
próclise / ênclise:
[clV] [conj Vcl]
(d) Ele a viu e beijou-a.
(5) 1a coord.: contexto de variação + 2a coord.: contexto de variação
ênclise / ênclise:
[Vcl] [conj Vcl]:
(a) Ele deu-lhe flores e ela jogou-as fora.
próclise / próclise:
[clV] [conj clV]
(b) Ele lhe deu flores e ela as jogou fora.
ênclise / próclise:
[Vcl] [conj clV]
(c) Ele deu-lhe flores e ela as jogou fora.
próclise / ênclise:
[clV] [conj Vcl]
(d) Ele lhe deu flores e ela jogou-as fora.
(6) 1a coord.: contexto de variação + 2a coord.: contexto de próclise obrigatória
ênclise / ênclise:
[Vcl] [conj XVcl]
(a) Ele viu-a e não beijou-a (*)
próclise / próclise:
[clV] [conj XclV]
(b) Ele a viu e não a beijou.
[Quadro 3] Primeiras coordenadas com clíticos em contextos de próclise obrigatória
(7) 1a coord.: contexto de próclise obrigatória + 2a coord.: V1
próclise / próclise
[X clV] [conj cl V]
(a) Ele mal a viu e a beijou.
próclise / ênclise
[X clV] [conj Vcl]
(b) Ele mal a viu e beijou-a.
(8) 1a coord.: contexto de próclise obrigatória + 2a coord.: contexto de variação
próclise / próclise
[X clV] [conj X cl V]
(a) Ele mal a viu e então a beijou.
próclise / ênclise
[X clV] [conj X V cl]
(b) Ele mal a viu e então beijou-a.
(9) 1a coord.: contexto de próclise obrigatória + 2a coord.: contexto de próclise obrigatória
próclise / próclise
[ X clV] [conj X cl V]
(a) Ele mal a viu e já a beijou.
próclise / ênclise
[ X clV] [conj X Vcl]
(b) Ele mal a viu e já beijou-a. (*)
[Quadro 4] Primeiras coordenadas com clíticos em contextos de ênclise obrigatória
(10) 1a coord.: contexto de ênclise obrigatória +2a coord.: V1
ênclise / ênclise
[ Vcl] [conj V cl]
(a) Viu-a e ofereceu-lhe flores.
ênclise / próclise
[ Vcl] [conj cl V]
(b) Viu-a e lhe ofereceu flores.
(11) 1a coord.: contexto de ênclise obrigatória + 2a coord.: contexto de variação
ênclise / ênclise:
[Vcl] [conj X Vcl]:
(a) Viu-a e então ofereceu-lhe flores.
ênclise / próclise:
[Vcl] [conj X clV]
(b) Viu-a e então lhe ofereceu flores.
(12) 1a coord.: contexto de ênclise obrigatória + 2a coord.: contexto de próclise obrigatória
ênclise / ênclise:
[Vcl] [conj X Vcl]:
(a) Viu-a e não ofereceu-lhe flores. (*)
ênclise / próclise:
[Vcl] [conj X clV]
(b) Viu-a e não lhe ofereceu flores.
5. Forma de análise dos resultados
Os dados selecionados e classificados de acordo com esta organização prévia serão quantificados
agrupadamente, de modo a se obterem gráficos com a medição dos pesos de cada um dos fatores em
estudo. Será possível comparar os diferentes padrões em autores contemporâneos e a progressão
temporal dos padrões ao longo do eixo temporal. Assim, será obtido um quadro descritivo claro sobre
a distribuição de próclises e ênclises em orações segundas coordenadas sob o prisma da comparação
com a distribuição dessas ordens nas primeiras coordenadas. Com base nesse quadro descritivo, a
hipótese do “efeito de paralelismo” poderá ser verificada. Além disso, espera-se com isso contribuir
para futuros trabalhos sobre o tema, que possam fazer uso dos dados organizados por esta pesquisa.
Esses resultados poderão ser avaliados pela dissertação a ser elaborada, como também por
apresentações preliminares sobre o progresso dos trabalhos.
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