UNIVERSIDADE JOSÉ DO ROSÁRIO VELLANO – UNIFENAS RAFAEL FELIPE LOPES A JUVENTUDE E OS NOVOS PARADIGMAS DA SOCIEDADE FRENTE O DIREITO: DA REALIDADE À PERPLEXIDADE JURÍDICO-SOCIAL SOBRE A DELINQUÊNCIA JUVENIL Alfenas – MG 2016 UNIVERSIDADE JOSÉ DO ROSÁRIO VELLANO – UNIFENAS A JUVENTUDE E OS NOVOS PARADIGMAS DA SOCIEDADE FRENTE O DIREITO: DA REALIDADE À PERPLEXIDADE JURÍDICO-SOCIAL SOBRE A DELINQUÊNCIA JUVENIL Resultado do trabalho de pesquisa concluído apresentado à FAPEMIG (Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de Minas Gerais) como requisito para a finalização da bolsa de iniciação científica. Orientando: Rafael Felipe Lopes Orientadora: Profª. M.ª Nivalda de Lima Silva Alfenas- MG 2016 Dedico este trabalho a todos que, desde o início da minha formação acadêmica, me incentivaram a ter o conhecimento como fonte inesgotável de riquezas. Aos meus pais, Flávia e Luiz Carlos, que não medem esforços para a minha felicidade; Ao meu irmão Fábio pelo apoio e oportunidade por vislumbrar-me como pessoa apta para a realização deste trabalho. Agradeço ao meu Deus pelas conquistas que surgem como resultado das experiências em tê-lo como senhor. Agradeço também à orientadora Nivalda que se fez presente, incentivando-me, por inteiro, no desenvolvimento desta pesquisa. À professora Silvana, pelo apoio, paciência e dedicação na arte de ensinar. “Pela própria existência, as existir.” (Ayn Rand) essência e natureza da contradições não podem "Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou." (João Guimarães Rosa) RESUMO A sociedade brasileira atual invoca o paradigma do jovem em conflito com a lei em meio ao clamor para a rigidez do sistema normativo no tratamento da problemática em xeque. No entanto, o paradigma atual implantado pela sociedade acerca da atuação do adolescente em conflito com a lei não passa de um paradoxo que se rediscute sob a ínfima expectativa de solução. A história das políticas sociais e o quadro evolutivo do ordenamento jurídico brasileiro em sua atuação sobre os infanto-juvenis no decorrer dos séculos revelam as falácias embrionárias que os permeiam e que surtem seus efeitos, na própria sociedade, até os dias atuais. Ora, é evidente que as transformações sociais não eclodem sem que se tenha um agente propulsor que acarrete os desarranjos do meio social, sobretudo no que concerne a atuação do adolescente em conflito com a lei e o envolvimento do Estado com a reprovabilidade dos atos pautados na eficácia como sucessor das melhorias e predecessor da reversão do quadro social. Os conflitos internos de um Estado são resultados de falhas de um conjunto de atores presentes em seu desenvolvimento interno: ora sendo o Estado enquanto detentor do monopólio da administração social; ora o ordenamento jurídico em sua atuação sobre a sociedade; ora a sociedade enquanto organismo vivo. O lapso temporal entre o surgimento embrionário dos indícios de um conflito social e o atual contexto é resultado de décadas de atuação que se regenera com maior intensidade na medida em que as famigeradas falhas permanecem com o passar dos anos. A abordagem históricojurídica tem sua eficácia para se vislumbrar a linha tênue entre a antiga e a atual relação jurídica sobre o infante a fim de que erros e impressões não se perpetuem como métodos de resoluções eficazes para o arranjo social. Palavras-chave: Adolescente. Maioridade Penal. Ato Infracional. Direito. ABSTRACT The current Brazilian society relies on young paradigm in conflict with the law amid the clamor for the rigidity of the legal system in addressing the problems in check. However, the current paradigm implemented by the company about the teenager's actions in conflict with the law is nothing but a paradox are discussed again in the slightest expectation solution. The history of social policies and the evolutionary framework of the Brazilian legal system in its effect on the children and young people over the centuries reveal the embryonic fallacies that permeate and surtem its effects on society itself, to the present day. It is clear that social change does not hatch without having propellant entailing the setbacks of the social environment, especially with regard to the conflict in adolescent acting with the law and state involvement with the disapproval of the acts lined effectiveness as successor and predecessor of the improvements of the reversal of membership. The internal conflicts of a state are flawed results of a set of actors in its internal development: sometimes being the State as holder of the monopoly of social administration; now the law in its effect on society; now the society as a living organism. The time gap between the embryonic emergence of evidence of social conflict and the current context is the result of decades of experience that regenerates more intensely in that the notorious failures remain over the years. The historical-legal approach has its effectiveness to glimpse the fine line between the old and the current legal relationship of the infant so that errors and impressions not be perpetuated as methods of effective resolutions for the social arrangement. Keywords: Teenager. Criminal majority. Infraction. Right. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 8 1.1 Materiais e métodos ................................................................................... 9 1.2 Objetivos ................................................................................................. ..10 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................... 11 2.1 Aspectos histórico-sociais do infanto-juvenil no cenário global ......... 11 2.2 Aspectos socioculturais no Brasil à luz da realidade fática ................. 16 2.3 Aspectos jurídicos no Brasil ................................................................... 22 2.4 As legislações internacionais de direitos humanos e o seu impacto sobre o infante no ordenamento jurídico brasileiro .............................. 33 2.5 A dialética da idade cronológica frente a seara cível e penal no direito ................................................................................................................................36 2.6 A justiça penal e a ótica social da justificativa da pena........................ 40 2.7 O discernimento na maioridade penal e o ordenamento jurídico ........ 43 2.8 Juventude e criminalidade: autores ou vítimas do contexto? ............. 50 2.9 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a (in) eficácia emblemática pela sociedade .......................................................................................... 54 3 RESULTADOS ........................................................................................... 59 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 67 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 71 8 1 INTRODUÇÃO O surgimento e o avanço do Estado democrático de direito ao longo dos tempos têm como principal característica a aproximação das constituições contemporâneas com a sociedade. Essa aproximação em regular os atos da vida social, fruto do avanço do constitucionalismo, permitiu que diversos assuntos relevantes para o pleno desenvolvimento da sociedade e do Estado fossem constitucionalizados em um documento político-jurídico que preservasse o caráter rígido em seu processo de reforma. Nesse contexto, o constitucionalismo traz como um dos efeitos de sua existência a crescente manifestação e importância do Poder Judiciário através de sua atuação no seio social, angariando nas sociedades modernas a judicialização dos conflitos internos. O resultado desse fenômeno é a existência de uma sociedade que passa a depender cada vez mais do Poder Judiciário para a resolução dos seus conflitos e para suprir a ingerência dos poderes Executivo e Legislativo. Integrando esse contexto jurídico moderno, a juventude surge como uma categoria sociológica a partir do século XX, tornando-se alvo do constitucionalismo na atuação do Estado democrático de Direito. No entanto, em determinados assuntos de relevância social, como a redução da maioridade penal, o Estado democrático de Direito é apresentado por parte da sociedade como verdadeiro empecilho para a resolução de um conflito social, deixando, portanto, de resplandecer seu caráter democrático e humanístico, sendo necessário a intervenção do Poder Judiciário para elucidar os paradigmas enaltecidos pela sociedade. Sob o viés de que o ordenamento jurídico brasileiro se apresenta como um sistema jurídico falho diante da criminalidade juvenil, a sociedade tem clamado pela redução da imputabilidade etária como meio necessário para a queda da criminalidade praticada por adolescentes na condição de autor do contexto social. Na perspectiva social, a redução da maioridade penal é suficiente para que a taxa de criminalidade diminua. No entanto, a complexidade que envolve a problemática se insere em um campo mais denso do que a tênue elucidação proposta pela sociedade em reduzir a imputabilidade e conquistar a almejada queda do índice de criminalidade. O campo no qual o problema social em xeque requer a análise das causas e não o imediatismo jurídico que se vem proclamando. O Direito 9 não se desenvolve a partir de soluções imediatas, tampouco por meio de opiniões desmembradas e sem causalidade com o constitucionalismo moderno e suas peculiaridades, haja vista que as relações sociológicas estão interligadas com a ciência jurídica. A vivência em uma ordem social democrática impõe os pesos e contrapesos em se viver sob o manto da pacificação jurídica e da respeitabilidade dos direitos fundamentais, características do atual ordenamento jurídico brasileiro. A realidade da classe juvenil em conflito com a lei rompe com as barreiras do imediatismo social e jurídico que são eminentemente vislumbrados pelo pensamento das multidões que carregam os próprios conceitos de justiça humana. A essência do debate dos juvenis em conflito com a lei têm suas raízes no campo histórico, jurídico e social como fontes aliadas para o entendimento do contexto. Sob uma análise mais afinca da estagnada desenvoltura jurídica da sociedade no decorrer dos séculos até o grande arcabouço jurídico pautado no garantismo sobre a juventude no século XXI é necessário se desenvolver a análise sobre os pontos sociais e jurídicos do país, bem como a atuação do Estado no desenvolvimento de políticas públicas. Vislumbra-se, portanto, que por trás de todo e qualquer problema social há uma vasta desarmonia entre fatores que atuam conjuntamente como agentes influenciadores e que, portanto, têm seus resultados sobre o atual contexto que qualifica, sob a óptica social, a classe juvenil enquanto agentes solitários e autores da própria realidade. O cerne da problemática é compreender as causas desarmonizadoras e elucidar as origens do problema em foco que foram ignoradas com o desvio da responsabilização para caminhos que se opuseram à realidade jurídica brasileira. 1.1 Materiais e Métodos A metodologia de pesquisa adotada foi a pesquisa bibliográfica ou revisão de literatura, na qual apresenta técnicas de documentação indireta, uso de referenciais teóricos, baseada em documentos prontos, como livros e artigos científicos que discutem a temática escolhida, assim como o ordenamento jurídico brasileiro. Também foi adotada a metodologia de levantamento de dados por 10 amostragem, na qual se apresenta um panorama da realidade fática do município de Alfenas/MG sobre a delinquência juvenil. 1.2 Objetivos Os objetivos principais têm seu enfoque na análise da situação da classe infanto-juvenil em conflito com a lei sob uma abordagem histórica, social e jurídica ao longo dos séculos no cenário internacional e brasileiro de modo reflexivo, visando que o entendimento da problemática seja observado pela ótica da realidade fática com todas as obscuridades jurídicas, sociais e estatais que o tempo encarregou de esquecê-las na medida em que a sociedade se desenvolve. Nesse sentido, utilizase do contexto para uma aplicabilidade comparativa do Direito Moderno e suas peculiaridades apontadas pela Constituição Brasileira de 1988 para entender as causas embrionárias do atual contexto que se renova paradoxalmente pela sociedade sobre as falácias sociais que são resultantes de um processo temporal e não de uma realidade isolada. 11 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Aspectos histórico-sociais do infanto-juvenil no cenário global A relação do infanto-juvenil com o sistema normativo sempre foi objeto de análise por parte da sociedade, antes mesmo da ciência jurídica se consolidar com maior expressividade no trato da organização social. Evidentemente que a exteriorização desta análise só se formalizou de forma mais abrangente a partir da promulgação dos códigos que foram criados como consequência da necessidade de se organizar o ambiente social que se agrupava cada vez mais e de se estabelecer normas de convívio para uma sociedade que se apresentava cada vez mais desenfreada devido aos agrupamentos. O papel de atuação dos jovens nos ordenamentos das civilizações antigas foi interposto com objetivos distintos a cada nova reformulação interna oriunda dos processos transformativos decorrentes dos anseios sociais, políticos e jurídicos enfrentados, seja pelas civilizações em caráter particular ou em decorrência de tendências globais que adquiriram vigor por intermédio de movimentos angariados por parte de pensamentos filosóficos, sociais e pelo avanço dos direitos fundamentais enquanto princípios basilares na composição de uma estrutura normativa. Seja por meio das civilizações que, com base no calendário cristão predominantemente utilizado em todo o mundo, precederam o nascimento de Jesus Cristo, como o Império Babilônico e Romano, até os dias atuais, as crianças e adolescentes sempre estiveram pautados por legislações que minimamente asseguravam as características físico-psíquicas que os diferem das demais faixas etárias. A verdade dos fatos demonstra sempre uma tênue noção, seja moral ou racional sobre as diferenças existentes entre os juvenis e os adultos. No entanto, sempre prevalecera a vasta distância entre teoria e prática. Cavagnini (2013) acerca da relação do infanto-juvenil frente à Lei das Doze Tábuas, que vigorou antes ao nascimento de Cristo, no Império Romano, alude que a puberdade estava interligada a possibilidade de procriação. O autor menciona que 12 dado a esta estipulação da puberdade, os impúberes do sexo masculino eram os menores de quatorze anos e quanto ao gênero feminino eram as mulheres que tinham idade inferior a doze anos. Assim, a fase de evolução reprodutiva era fator primordial para a responsabilização dos infantes por suas práticas contrárias ao sistema normativo vigente. No entanto, a punição só recaía às mulheres com faixa etária entre nove anos e meio e doze anos e sobre os homens com faixa etária dos doze aos quatorze anos. Quanto aos demais com faixa etária inferior, estes eram considerados penalmente irresponsáveis, embora já exercessem atividades laborativas no auxílio do sustento da família, como os trabalhos no campo e as tarefas domésticas. A forma punitiva se distinguia quanto à rigidez da punição destinado a cada grupo. Enquanto que a punição destinada aos adultos era mais rígida, o trato punitivo destinado aos delinquentes era aplicado com menor rigidez, seja no tempo de duração da punição ou na forma punitiva a ser aplicada, dependendo das regras estabelecidas. Já se admitia que o caráter de repreensão do ato praticado pelo delinquente juvenil estava interligado com o objetivo de reeducá-lo da conduta negativa. Os juvenis já eram caracterizados pelas legislações antigas como sujeito de deveres. No entanto, a condição de sujeito de direitos não trilhou os mesmos caminhos com idêntica intensidade. Os conceitos que se seguiam à época sustentados por uma sociedade culturalmente patriarcal em que na idade entre os 10 e 14 anos o comportamento dos juvenis já deveriam se adequar aos adultos, no que tange as obrigações e a postura de comportamento em si, perdurou até o século XIX. Havia uma tendência crescente e expressamente densa em não os caracterizar como agentes de direitos, mas tão somente de os sujeitar ao regime punitivo equiparado ao sistema punitivo dos demais membros da sociedade, com a única ressalva quanto a intensidade e durabilidade da pena. Cavagnini (2013) alude para o fato de que os menores desde a Idade Média já eram designados às práticas sancionatórias por seus atos considerados delinquentes e que a influência dos tribunais eclesiásticos do sistema jurídico da Igreja Católica no século XII teve influência fundamental para alcançar o fim punitivo. O autor relata que “o que tinha em vista os penalistas medievais era a aplicação aos jovens infratores de sanções suscetíveis, na opinião da época, de infundir-lhes um temor sacro e um arrependimento sincero”. Havia uma estreita relação entre pecado 13 e desobediência divina com as práticas delituosas, impondo-se em consequência, drásticas penas em que o seu cumprimento estava atrelado à justiça divina. No mais, no período inquisitivo da Igreja Católica, suportar integralmente à sanção punitiva estava condicionado a uma providência divina que sinalizava que o autor da prática delituosa não havia praticado crime, portanto, não havia pecado sobre si. O século XIX foi marco para as mudanças paradoxais que se tinha a respeito do tema. A nova era foi marcada pelos avanços do conhecimento humano, da evolução da sociedade e, consequentemente, dos conceitos jurídico, angariados ainda no fim do século XIX, eclodiu uma nova sistemática sobre os menores delinquentes. O período da Revolução Francesa, no final do século XVIII, sobretudo com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, foi marco crucial para a modificação de acontecimentos sociais na França, berço dos intensos movimentos populares que se mostravam insatisfeitos com as injustiças sociais, e, posteriormente, serviu de inspiração para os demais países em busca da preservação dos direitos individuais e crescimento dos direitos sociais. A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão o respeito pela dignidade das pessoas tornou-se tema a ser discutido por todo o mundo, angariando avanços na seara humanística. Em observação genérica sobre o cenário social e cultural do século XIX, Alencar (1975, apud CAVAGNINI, 2013) atenta para o modelo transformativo em que “o mundo sofria grandes transformações com o advento da ciência, ocorrendo mudanças social e econômica, resultando no aumento da criminalidade praticada pelo menor”. Segundo Levisky (1998), ao abordar as influências culturais dos jovens na sociedade, os jovens sofreram as consequências das mudanças culturais, chegando a ser agente modificador também. Veja-se que os menores se tornaram vítimas dos desarranjos sociais consequentes de toda a transformação repercussiva. Com isso, evidencia-se que o sintoma da vulnerabilidade hospedado sobre os jovens, sobretudo, devido à carência de identificação destes com o meio social em que vivem que se repercute desde tempos remotos. Nos tempos atuais, através das consequências das mudanças sociais, o menor passou a exercer o papel de agente modificador, influenciando o Direito em novos paradigmas e sendo o respaldo explicativo para as inúmeras alterações, sobretudo na esfera penal, e o surgimento de legislações que 14 abordassem não só a proteção juvenil, mas os direitos e as garantias enquanto cidadão. O entendimento da história juvenil no âmbito do Direito é classificado em três etapas que demonstram claramente o processo caótico em que os juvenis se inseriram. O autor Garcia Mendez (2000) caracteriza as três etapas em caráter penal indiferenciado, caráter tutelar e caráter penal juvenil. A primeira etapa originou concomitantemente ao surgimento dos primeiros códigos penais no século XIX e estendeu até a primeira metade do século XX. Nesta, o menor estava caracterizado na mesma proporção que o adulto, sendo passível de privação de sua liberdade física em cárceres que eram divididos espaços físicos junto aos adultos. A única característica que diferenciava o sistema enfrentado pelos juvenis em relação aos infratores adultos era o tempo de duração da privação de liberdade no cárcere dado aos menores infratores, tendo um lapso inferior. A existência da diferença entre as penas se sustentou como resquício normativo preconizado pela Lei das Doze Tábuas. Nota-se a prevalência do aspecto objetivo sobre o subjetivo, onde a prática de atos delituosos fixados pelo sistema normativo tinha maior importância do que a identidade da pessoa envolvida no ato. No entanto, não se descartava de maneira absoluta o consentimento acerca da distinção existe entre a classe juvenil e adúltera. O fato de se estabelecer um lapso temporal de privação de liberdade reduzido já tornava evidente que havia presente os primeiros pensamentos a respeito da distinção dos menores com as demais faixas etárias, por mais que estes ainda não fossem considerados como detentores de direitos. A segunda etapa do Direito Juvenil com origem nos Estados Unidos teve as concepções filosóficas como papel fundamental no processo de reformulação do entendimento até então preconizado e aplicado pela primeira etapa. O positivismo filosófico, marcado pela repercussão de sua atuação no cenário sociocultural da época, atuou na segregação entre menores e adultos nos espaços físicos das prisões. Tal repercussão teve grande impacto e difusão para os demais países da América Latina a partir de 1919. As concepções teóricas positivistas dos crescentes movimentos acerca do homem e sua atuação na sociedade ensejaram as primeiras ideias sobre como a realidade juvenil estava sendo atentada. Surgem, a partir de então, os primeiros pensamentos concretos em relação aos menores e a distinção que era necessária se fazer a respeito destes. 15 Com a terceira etapa, de caráter juvenil, novos paradigmas acerca dos juvenis se tornaram evidentes com o surgimento de legislações que o caracterizava como sujeito de direito e integrantes do cenário jurídico-social. Neste ínterim, o Brasil tornou o primeiro país da América Latina a romper com as duas etapas iniciais do modelo de Direito Juvenil através da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, pelas marcantes garantias e direitos fundamentais sustentado pela Constituição Brasileira de 1988. No entanto, foram os tratados internacionais de direitos humanos que apresentaram a classe juvenil como destinatários de direitos e detentor da condição de cidadão, rompendo as ligações jurídicas dos países que ainda contrapunham com os novos entendimentos de proteção humana. A crescente atuação dos tratados internacionais de direitos humanos que se intensificaram significativamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial foi de fundamental importância para que não só na tratativa da proteção das crianças e adolescentes, mas também na difusão de uma nova perspectiva sobre a ordem dos direitos fundamentais, sobretudo no que tange ao sistema jurídico penal e sua aplicabilidade as mais variadas condições inerentes ao ser humano. 16 2.2 Aspectos socioculturais no Brasil à luz da realidade fática O século XIX no Brasil foi marcado pela densa transformação no cenário social em relação ao infante como resultado da transição mundial nas ideologias sociais, políticas e filosóficas. Os atos violentos praticados por crianças e adolescentes vêm sendo evidenciados no Brasil, desde o século XIX (ASSIS; OLIVEIRA, 1999). A autora Leite (2003, p. 20) aponta para o estado crítico do País e da atuação das famílias no processo de educação familiar. Segundo a autora, “as crianças transformaram-se em ‘menores’, e como tal, rapidamente congregaram as características de abandonas e delinquentes”. Sobre o tratamento dado à criança pela família e a sociedade à época, o escritor inglês E. R. P. Edgecumbe observa a realidade em sua passagem pelo País, descrevendo: Os pais brasileiros vivem com as crianças ao redor e as estragam a mais não poder. Uma criança brasileira é pior que um mosquito tonto. [...] Encontrei um bando de meninos voltando da escola, uma tarde. Um pequeno de aparentemente sete anos tirou do bolso um maço de cigarros e ofereceu a um de cada vez. Ninguém demonstrou qualquer desaprovação de um menino tão pequeno fumando. O desarranjo familiar evidenciado desde a sociedade brasileira do século XIX só foi realmente enfatizado na década de 1960 como um problema para a realidade transformativa do cenário juvenil pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM – por meio de suas análises na tentativa de reestruturar a relação do menor com a criminalidade. Em discurso pela FUNABEM, Altenfelder (1965 apud VOGEL, 2011, p. 293) descreve que “nunca será demais repetir que o problema do menor abandonado, e tantas vezes infrator, é um problema da família”. Evidencia-se a tardia observação em se atentar para o resgate social da família, máxima instituição social, responsável pelo equilíbrio harmônico do meio que nos dizeres do antropólogo Vogel (2011, p. 293) seria a “célula base da sociedade”. Veja-se que a origem de uma sociedade com todas as suas características de convívio tem, em grande parte, suas matrizes no próprio seio familiar. A marginalização infanto-juvenil surgia, pois, como consequência de uma transformação drástica da família em conjunto com uma gama de agentes internos oriundos da própria família em particular que se manifestam através de sua estrutura 17 cultural e também por agentes externos que representam o processo sofrido pela sociedade em consequência do desiquilíbrio intrínseco. Ao descrever a situação dos juvenis no Brasil durante sua passagem pelo país entre 1825 e 1831, o escritor E. Belmann relembra a situação destes e sua relação com o meio em que viviam, relatando que “[...] os meninos crescem na vadiagem e na má-criação [...]”. O autor, ainda, eleva a situação do menor à mesma vivenciada pelos escravos que eram desprovidos de educação e preceitos morais dado a falta de raízes culturais, mencionando que os meninos “tornaram-se naturalmente parecidos com estes, em todos os sentidos, tanto mais que os negros na moral são seus mestres”. O abandono da sociedade pela figura do Estado, sobretudo na recuperação dos juvenis, foi umas das consequências promovidas por um Império brasileiro desgastado pelo tempo, abatido pelas revoltas internas e preocupado demais em preservar sua estrutura de poder. Nesse mesmo sentido, Assis e Oliveira (1999), com base em documentos do final do século XIX que descrevem a situação dos infanto-juvenis, atenta ao conteúdo de tais documentos que descreviam acerca da condição da classe juvenil com o envolvimento de práticas delituosas frente à sociedade. Assis e Oliveira (1999 apud BRAMBILLA, 2012, p. 14) alude que os documentos mencionavam “as ruas das grandes cidades brasileiras como espaços povoados por crianças pobres, “vadias”, que incorriam em delitos como furtos e roubos e eram presos em cadeias públicas como criminosos comuns”. Sobre o mesmo raciocínio, em 1913, o processualista e juiz distrital João Geiger Bonumá (1913, p. 127) ao retratar a problemática do aumento desenfreado da criminalidade dos centros urbanos e em especial das práticas delituosas por parte dos juvenis que fora claramente observado pelas estatísticas da época, aduz que: [...] uma das causas do aumento espantoso da criminalidade nos grandes centros urbanos é a corrupção da infância que, balda de educação e de cuidados por parte da família e da sociedade [...] Contra esse aumento da criminalidade têm sido tentados muitos remédios, mas infelizmente filiados a uma velha terapêutica social que já deveria para felicidade nossa ser relegada para o rol das coisas imprestáveis. Essa terapêutica é aumentar a crueldade das punições, requintar os suplícios lentos e atrozes das longas reclusões, prodigalizar a pena de morte, procurando, pelo critério avelhantado da intimidação, evitar o surto da criminalidade [...] 18 No cenário social do século XIX a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, e da Abolição da Escravatura, em 1888, foi para o pensamento jurídico importantes avanços para os direitos fundamentais de primeira geração que surgiram nos séculos XVII e XVIII que sobrevieram como pressão dos países europeus, em especial a Inglaterra, ao Brasil com direito a rigorosas restrições no laço diplomático entre ambos. O lado oposto do grande avanço jurídico mundial que fixava suas ideologias no Brasil foi a falácia do descaso do Estado para com o avanço social dos indivíduos que viviam sob a escravidão. As crianças abandonadas começam a ser identificadas como marginalizadas e, portanto, autoras da marginalização. Tão logo, crianças abandonadas e marginais se tornam uma dicotomia para o Estado, impulsionado pela sociedade aristocrata primada em valores morais de ordem pública. A intervenção estatal é, então, impulsionada pela sociedade burguesa na tentativa de reequilibrar o estado até então vivenciado. O impulso da sociedade no que tange a questão da punição do adolescente infrator como fator primordial sempre esteve presente no meio social. Esta tem sido uma questão angariadora que envolve os infanto-juvenis no cenário jurídico da maioridade penal frente ao clamor social sobre a violência em seu estágio de atuação. Rizzini (2011) relembra que esta causa foi identificada não há muito tempo, ainda na década de 1980 por meio da Constituinte de 1987 que observou a história dos juvenis sobre o atendimento correcional-repressivo. A autora alude que a Constituinte de 1987 evidenciou a inquietação da sociedade com a própria segurança pessoal e patrimonial e a necessidade de que estas fossem preservadas, ovacionando, assim, atitudes por parte do poder público para a prática de métodos punitivos atrelados ao confinamento carcerário. A segunda edição do relatório Caravana Nacional de Direitos Humanos relembra a mudança no cenário brasileiro com o advento de ambas as legislações que fizeram parte do processo de extinção da escravidão no Brasil. O relatório evidencia a modificação da problemática no seio social ao mencionar: Os escravos, a partir da Lei do Ventre Livre e da Abolição, adquirem a condição de livres e, portanto, de “filhos” e “pais de família”, sem, contudo, adquirirem as condições materiais para o exercício pleno da cidadania. Foi quando crianças e adolescentes pobres, agora identificados como “menores”, passaram a ser encontrados nas ruas, brincando, trabalhando, esmolando ou cometendo furtos. (TONIN; SOUTO; ARANTES, 2006, p. 11). 19 A situação do menor com a delinquência começa a dar passos mais expressivos a partir da segunda metade do século XIX, o que acarreta uma significativa mudança no cenário do século seguinte sobre o aspecto legislativo. A ênfase legislativa acerca da situação dos infantes com a criminalidade surge no século XX com a gama de leis de um país que, com a recentemente queda da monarquia brasileira de Dom Pedro II, se tornava uma República, formando suas próprias ideologias políticas e jurídicas inerentes ao Estado republicano, tendo como marco fundamental a criação do Código de Menores de 1927, com o objetivo comum à regulamentação da atuação dos infanto-juvenis no meio social. É preciso salientar que o fim da escravidão no país foi verdadeiramente um marco importante para o sistema jurídico brasileiro da época, sobretudo nos avanços dos direitos humanos, porém, o impacto no meio social foi de extrema inversão. O regime escravocrata do Brasil Império foi um período em que a dignidade foi tolhida. Os escravos e a margem miserável da população foram estigmatizados sem distinções entre criminosos e economicamente miseráveis. Com a promulgação da Lei Áurea, houve a extirpação da escravidão no campo teórico e legislativo, mas também a crescente falta de oportunidades de trabalho que fornecessem condições mínimas de dignidade nas vertentes sociais, culturais e econômicas. Logo, os menores passam a incorrer em delitos − a incidência de furtos e roubos tornou crescente entre os juvenis − com o fulcro de subsistir a pobreza e suprir a falta do amparo não promovido pelo Estado ainda no último ano da monarquia brasileira. . O Estado republicano observa, então, a situação inserida no campo da delinquência entre os menores e começa a sinalizar os primeiros indícios da necessidade de reversão sobre os infantes. A necessidade visada nos menores para que a mudança do quadro social se modificasse a partir deles se dá com a insurgência de que estes pertencem, nos dizeres do Senador Lopes Trovão, em 1902, à “gênese da sociedade”. Ou seja, era visto que a condição das adolescentes em conflito com a lei tinha fundamental destaque para a sociedade do presente e do amanhã, haja vista que estes comporiam o futuro da nação e que a prática precoce da criminalidade só acarretaria dificuldades maiores na futura reversão do quadro social. Ao ressaltar a necessidade da época na reversão dos fatos, Rizzini descreve que havia uma “urgência de se intervir, educando ou corrigindo “os 20 menores” para que estes se transformassem em indivíduos úteis e produtivos para o país, assegurando a organização moral da sociedade” (RIZZINI, 2011, p. 109). A urgência impulsionada pelo Estado em agir sobre os problemas da criminalidade juvenil que se intensificara no país, a partir da Lei do Ventre Livre, foi de uma experiência desastrosa. O Estado em seu desempenho com a situação do abandono material e moral do adolescente buscou instituir uma legislação específica para menores que reforçava a estigma desigual sobre estes. Esta rotulação desigual fazia parte da cultura brasileira desde o período colonial e monárquico. As primeiras décadas da fase republicana sustentava no sistema normativo uma relação diferenciada e estigmatizada com os infanto-juvenis. O Código de Menores de 1927 vinculava os juvenis abandonados na mesma condição que os mendigos, viciosos e vadios, pessoas estas denominadas como agentes “sem-eira-nem-beira” por ser consideradas como desclassificadas do quadro social (ARANTES, 2011, p. 193). A preocupação com a questão dos adolescentes problemáticos surgiu, no início do século XX, a partir da reformulação de políticas de assistência à infância, deixando o modelo da ampla atuação privada no exercício da caridade desempenhada por instituições privadas. A Igreja Católica contribuiu com a existência de seus próprios e insuficientes estabelecimentos de acolhimento para que o Estado tomasse uma posição mais direta e eficaz sobre a problemática. Os princípios republicanos aliado a crescente pressão das instituições privadas foram responsáveis pela mudança estatal em lidar com o assistencialismo. Assim, instituições foram criadas e reformuladas para atender a formação dos menores em conflito com a lei. Dois momentos históricos foram fundamentais no processo transformativo da sociedade no século XX. O término da escravidão provocou o fim da mão de obra remunerada para o surgimento da mão-de-obra barata, surgindo o fenômeno social do movimento migratório do campo para as cidades em um período de desenvolvimento urbano. Logo, as periferias são instaladas como forma de abrigar as classes recentemente libertas da escravidão em busca de oportunidades de trabalho, formando, assim, os aglomerados subnormais, vulgarmente conhecido por favelas. Diante da nova realidade urbana e social, a elite brasileira temia pelo descontrole social dos menores à frente da criminalidade que se desenvolvia pelos centros urbanos e também quanto a escassez da mão-de-obra barato e a utilidade dos juvenis para o fim da escassez. 21 A figura do Estado provedor do assistencialismo e sua atuação mais centrada sobre os menores emerge em um período de mudanças e reinvindicações em inúmeros setores de ordem econômico e social, resultante de uma nova realidade que requereu uma abordagem diferenciada para a problemática em xeque. Acerca da abordagem diferenciada que ocorreu, Rizzini salienta que: Houve uma ruptura na forma de se conceber o atendimento àqueles designados vadios, vagabundos viciosos e criminosos – da repressão à educação, ou seja, de uma ótica meramente repressiva para uma visão educativa e recuperativa. (RIZZINI, 2011, p. 281). No entanto, a nova abordagem institucionalizada por meio de uma política aparentemente protetiva que originou primordialmente no século XX com o Serviço de Assistência aos Menores – SAM. O SAM que objetivava a atuação educativa e recuperadora do Estado no assistencialismo aos menores foi fadado ao fracasso por uma série de fatores políticos e estruturais que envolviam a administração pública. O contexto político estava sob a ditadura implantada pelo governo de Getúlio Vargas, na década de 1940, que mais se preocupava com a permanência no poder do que com a recuperação dos adolescentes infratores, evidenciando, na verdade, ideologias de defesa nacional que estigmatizava o menor presente na rua, fora da escola e do ambiente do trabalho como uma ameaça à pátria. Havia a permanência dos mesmos abusos sobre os juvenis que se evidenciavam durante os períodos anteriores (RIZZINI, 2011). A linha evolutiva da sociedade é marcada por mudanças agitadas ocorridas no setor institucional, político, jurídico e social em um país que de forma drástica e em tão pouco tempo se inovava quase que às pressas em todos os campos de atuação. As crises políticas e institucionais sobre os juvenis diante de processos transformativos, naturalmente existentes no seio social, não suportaram a velocidade com as quais as mudanças aconteciam. As preocupações internas na política e a mudança do sistema político brasileiro com o fim do período monárquico para a instauração do sistema republicano desviou o zelo do Estado sobre a perspectiva social, a relação dos menores com a criminalidade e o tratamento que deveria ser efetivado sobre os mesmos. 22 2.3 Aspectos jurídicos no Brasil Com a mudança da Corte imperial portuguesa de Dom João VI para o Brasil em 1808, as Ordenações Filipinas do Reino de Portugal foram os primeiros traços do direito penal inserido no ordenamento jurídico brasileiro na tratativa da criminalidade. Vigente desde o ano de 1603 em Portugal, as Ordenações Filipinas inseridas no Brasil em 1808 refletiriam suas convicções jurídicas por mais de 200 anos no país até o implemento do primeiro código penal brasileiro em 1830. Somado a isso, a Igreja católica foi instituição determinante para que a responsabilidade penal fosse designada aos sete anos de idade, conforme alude Saraiva (2013). Os preceitos canônicos que inspiraram a formulação do Código Penal brasileiro de 1830 e que já se manifestava nas Ordenações do Reino de Portugal foi retrato de uma sociedade conservadora e patriarcal direcionada pela obediência à religião e aos aspectos determinados pela mesma, ultrapassando a seara institucional e atingindo as regras de conduta que o Estado deveria prezar. No entanto, a estreita relação entre a Igreja católica e a formulação do Código Penal com fulcro no direito canônico promovia dificuldades ao instituir a relação entre pecado e ofensa moral com a responsabilidade penal em si. Sobre as Ordenações, Pachi (1998, p. 177) menciona que: As Ordenações dividiam os menores em menores de 17 anos – estes não poderiam em caso algum ser punidos com pena capital, embora sujeitos a outras penas; e em menores entre 17 e 21 anos – divididos em dois grupos: aqueles que revelassem grande malícia, apurada pela forma como o delito foi cometido e a própria pessoa, e podiam até ser condenados à morte; e aqueles que revelassem pouca malícia e podiam ter a pena reduzida. Dada à repercussão cultural determinada pela influência da Igreja no meio social, o primeiro Código Penal Brasileiro estabelecido em 1830 fixou a faixa etária para punição aos menores entre sete e quatorze anos. A realidade social da época, devido às crises que ameaçavam o Império brasileiro, foi também fator determinante para que a imputabilidade penal fosse reformulada em quatorze anos. Saraiva (2013) aponta para a emancipação de Dom Pedro II, aos quatorze anos, para governar o Império como fator primordial para a fixação de tal faixa etária pelo Código Penal de 1830. 23 A insatisfação da sociedade imperial com o Período Regencial, a partir da queda do imperador Dom Pedro I, desenvolveu uma série de rebeliões por todo o país. Dom Pedro II, sucessor ao trono, à época da abdicação de seu pai D. Pedro I, contava-se com cinco anos de idade. Com as crescentes insatisfações populares e o enfraquecimento do Poder central da monarquia, a redução da maioridade penal de dezoito anos para quatorze anos foi instituído em 1840 por meio de uma barganha política envolvendo o governo regencial e a Câmara dos Deputados e do Senado devido a intensa movimentação popular que aclamava pela aprovação da antecipação da maioridade. A discussão da redução da maioridade pela primeira vez tomou relevante espaço no cenário do país com o intuito meramente político, distante ainda de ser uma questão a ser tratada com propriedade e que abrangesse as preocupações do Estado enquanto assunto de importância para o resgate da sociedade. O Código Imperial de 1830, afirmava em seu artigo 10, § 1º que “não se julgarão criminosos os menores de 14 anos” (BRASIL, 1830). Já o artigo 13, como regra excepcional ao artigo 10 do referido diploma, demonstrava um claro subjetivismo acerca da imputabilidade ao mencionar que: Se provar que os menores de quatorze anos que tiverem cometidos crimes obraram com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda a idade de dezessete anos. (BRASIL, 1830). Embora a luta pelos direitos dos menores já manifestasse suas particularidades no início do século XIX na Inglaterra, berço do poderio econômico mundial da época, o Brasil só demonstrou um disfarçado interesse jurídico pela classe juvenil em 1871, com a promulgação da Lei do Ventre Livre como resultado das pressões políticas externas oriundas da Inglaterra e dos grupos liberais no Brasil. Tal legislação aplicava-se aos filhos de escravas e dispunha o seguinte: Art 1º - Os filhos da mulher escrava, que nascerem no império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º - Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. (BRASIL, 1871). 24 Veja-se que o direito designado aos menores à época do período da escravidão no Brasil não era absoluto, se respaldando em exceções. A relatividade da legislação estava no livre-arbítrio dado aos senhores de escravos que podiam dispor do menor através do recebimento pecuniário ou valer-se do trabalho escravo do menor até que este completasse a idade de vinte e um anos designado por lei. No entanto, o primeiro firmamento a respeito do Direito do Menor no país surgia em meio aos demais acontecimentos sociais que se repercutiam pelo mundo a respeito da classe juvenil. Por mais que as legislações que retratavam os juvenis, sobretudo àqueles que estavam a margem da sociedade, como os filhos de escravos, fossem apontadas como marco brasileiro na inserção dos adolescentes no direito brasileiro, estes ainda eram tratados como agentes de serviço e não como cidadão e detentores de direitos na via prática. A vinculação do menor à possibilidade de troca por quantia pecuniária ou por prestação de serviços em tempo limitado, ambas sem vistas ao interesse do indivíduo e todas as circunstâncias que o permeava era de plena predominância. Saraiva (2013) relata que os menores que alcançavam a idade de oito anos e eram renunciados pelos senhores de escravos que deveriam mantê-los em sua guarda eram encaminhados às instituições públicas de abrigamento. Assim, o menor era extirpado do seio familiar e de todo processo educativo, levando-o ao exílio social. Com a revogação do Código Penal de 1830, o primeiro código republicano de 1890 é criado com alterações específicas em relação ao Código Imperial, mantendo, porém, a imputabilidade plena aos quatorze anos. A imputabilidade passa para os nove anos e não mais aos sete anos. O artigo 27 do Código Penal de 1890 estabelecia que “não serão criminosos os menores de nove anos completos; os maiores de nove anos e menores de quatorze anos que obrarem com discernimento” (BRASIL, 1890). O critério biopsicológico adotado desde o Código Penal do Império tem a sua vigência mantida pela ordenação republicana. Sobre as características e as dificuldades do critério biopsicológico, Garcia (1951, p. 339) aponta para o encargo dado ao juiz em verificar se os menores entre nove e quatorze anos agiam com consciência sobre a prática delituosa, havendo ou não percepção acerca do bem e do mal. O autor atenta em mencionar 25 que “o menor infrator entre dezessete e vinte e um anos tinha suas penas atenuadas”. Fragoso (1993, p. 60) ressalta para o fato do Código Penal de 1890 ter sido elaborado às pressas, antes da criação da primeira Constituição Federal republicana, apresentava “graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência de seu tempo”. Para Coelho (1998), em sua descrição acerca da Constituição Republicana e o espaço não conquistado pelos menores, a Constituição brasileira de 1891 “[...] procurava definir os direitos do homem em geral, desprezando o fato de que a criança constitui uma parcela diferenciada da população e não um homem em miniatura”. Cavagnini (2013) ressalta em sua abordagem sobre o Código Penal de 1890 que embora apresentasse suas falhas na sistematização, foi este o mentor da instalação do regime penitenciário correcional de aplicações punitivas no país. Ferrandin (2009) ao enaltecer também a importância dos primeiros Códigos penais do Brasil e seu destaque à classe juvenil, alude para o fato de que estes foram pioneiros ao tratar da responsabilidade penal dos menores de vinte e um anos no país. Ainda sobre referida legislação penal e seu fracasso técnico, Carvalho (1974) aponta o fator que tornou impossível a aplicação do recolhimento dos menores aos devidos estabelecimentos correcionais pela inviabilidade proveniente da falta de estrutura pública que impedia a aplicação da lei. O autor aborda ainda sobre a falácia do corpo normativo que não aderiu a real aplicabilidade na via prática para tornar viável a aplicação da lei a partir da ação concreta do Estado em disponibilizar estabelecimentos apropriados. Transcorrido o início do período republicano, surge, então, a proposta de formulação de um novo Código Penal Brasileiro que passa a substituir a Consolidação das Leis Penais de 1922. A Consolidação das Leis Penais havia substituído anteriormente o Código Penal de 1890, inclusive ratificando as falhas. Em meio as ideias oferecidas na organização de um novo Código Penal, a proposta que fixava a imputabilidade penal em dezoito anos foi consagrada para integrar o novo ordenamento penal. Neste mesmo período surge também ideias sobre a 26 necessidade de se adotar um conjunto de normas, além das estabelecidas pelo Código Penal, que abordasse a questão da classe infanto-juvenil. Rizzini (1993) explica que a prisão de crianças e adolescentes em cadeias públicas convencionais era uma realidade que se estendeu até 1913, sendo criado então, a primeira instituição a amparar o menor infrator: o Instituto Sete de Setembro. Diante disso, em 1927 é elaborado o Código de Menores que mantinha suas raízes na Convenção de Genebra, mencionando dispositivos específicos à classe juvenil. No entanto, embora sustentasse a ideia de manter um conjunto de dispositivos que estimasse pelas prerrogativas do menor, o Código não diferenciava os adolescentes em conflito com a lei dos que se encontravam em situação de abandono e miserabilidade. Cavagnini (2013) menciona que na visão do Código de Menores, os delinquentes se equiparavam aos abandonados e o Código Penal se desvincula dos adolescentes a partir da criação do Código de Menores. Garcia (1951, p. 339) atenta em demonstrar a diferenciação etária trazida pelo referido Código Juvenil, aludindo que: Consignavam-se três limites de idade: 14, 16 e 18 anos. Até os 14 anos o menor era irresponsável, não podendo ficar sujeito a medida alguma de natureza penal. Entre 14 e 16 anos, no caso de infração à lei penal, o menor era ainda irresponsável, mas se organizava um processo para apurar o fato – em consequência da qual se poderiam impor medidas de assistência, por vezes acarretando cerceamento à liberdade. Nunca se aplicariam penas propriamente ditas. Entre 16 e 18 anos, o menor poderia ser considerado responsável, sofrendo, então, penas previstas no Código Penal, com a redução de um terço na duração das privativas de liberdade cabíveis ao adulto. A prisão seria cumprida em estabelecimento especial ou seção especial de presídio comum, devendo o menor ficar separado dos delinquentes de maior idade. Rizzini (1993 apud BRAMBILLA, 2012, p. 14) ressalta a importância do Código de Menores de 1927, embora viesse a ser alvo de críticas anos mais tarde. Quanto à legislação, a autora alude que: Trouxe outro status a condição de criança e adolescente em conflito com a lei, garantindo que o adolescente menor de 14 anos não seria submetido a processo penal de natureza alguma e que o adolescente entre 14 e 18 se submeteria a processo especial. O Código de Menores de 1927, movido pela terceira etapa do Direito Juvenil que já alcançara os ordenamentos jurídicos dos demais países, rompe com a 27 segregação entre o menor e os infratores adultos. Os adolescentes deixam de ter semelhanças no tratamento de suas práticas delituosas em face das práticas convencionais conferida aos adultos. No entanto, um novo paradigma se institui com a estigmatização conceitual de jovens abandonados e jovens infratores. Embora sendo realidades autônomas entre si, a imagem do menor delinquente e do juvenil abandonado se entrelaçam nos dispositivos do Código. Ferrandin (2009, p. 41) enfatiza que o Código de Menores mantinha em sua essência o caráter punitivo, ofertando aos destinatários do Código mais o sentido de castigo do que de medidas educativas e corretivas. Apesar das falhas existentes, o autor não rebaixa o mérito do Código de Menores de 1927 devido a sua importância revolucionária conferida aos adolescentes que superavam as dificuldades eminentemente observadas no que tange as políticas públicas de proteção aplicadas pelo Estado. Os movimentos de direitos sociais foram fundamentais para o respaldo do Código Penal Brasileiro de 1940 na imaturidade do menor para a fixação etária em dezoito anos, aplicando-se a ideia da correção pedagógica com o intuito educativo sobre os infratores. Considerava-se que a imaturidade do menor era a causa para a prática dos atos delituosos e que para combater a imaturidade o menor infrator deveria passar por um processo psicopedagógico de reestruturação. A preocupação do Estado na década de 1940 não se limitou somente ao jovem transgressor, mas também ao abandonado, reforçando o ideal apresentado pelo Código de Menores de 1927, através da implantação do Serviço de Assistência a Menores – SAM – que englobou em sua política correcional-repressiva uma dupla realidade antagônica que permeava o infanto-juvenil: o de infrator e o de abandonado (FERRANDIN, 2009). Mais do que repreender a infração cometida pelo jovem, visou-se subsidiar a condição de miserabilidade como forma de controle social. Os avanços do Código Penal de 1940 e a instauração do Serviço de Assistência do Menor (SAM) em substituição ao Instituição Sete de Setembro objetivavam em comum a atenção destinada à condição de vulnerabilidade do adolescente. A criação do SAM com vistas a suprir a necessidade ainda existente e não enquadrada pela antiga Fundação Sete de Setembro emergiu como contraproposta para a adequação da realidade juvenil sobre o crime. Assis e Oliveira (1999, p. 832) ao mencionarem sobre as condições da antiga Fundação Sete de Setembro e o seu trabalho com os juvenis, descrevem: 28 As instalações físicas eram inadequadas, os menores ficavam amontoados em situações promíscuas, os técnicos eram despreparados, os dirigentes omissos e eram frequentes os espancamentos sofridos pelas crianças. Neste período surge a referência das instituições correcionais como fábrica de delinquentes, escolas do crime, lugares inadequados, sistema desumano, ineficaz e perverso. O cenário jurídico da década de 1940 também decidiu importante alteração no Código de Menores de 1927, que ainda vigorava no ordenamento jurídico brasileiro, alterando os decretos-lei nº 3.914/41 e nº 6.026/43 (FERRANDIN, 2009, p. 43). O primeiro decreto-lei fixou na legislação o tempo mínimo de internação do agente delinquente em três anos, externando evidências sólidas de que o adolescente estava conquistando posicionamento na seara processual e, portanto, adquirindo segurança no meio jurídico como sujeito da ordem processual. Já o segundo decreto-lei se manifestou no que tange a metodologia diferenciada na apuração do ato infracional com base na idade cronológica. A periculosidade do infrator foi destacada pelo decreto-lei de 1943 e atribuiu aos maiores de vinte e um anos a permanência sob a tutela do Estado através do encaminhamento às colônias penais agrícolas, se constatado a eminência de algum risco à sociedade (LIBERATI apud FERRANDIN, 2009, p. 67). Mirabete (1998, p. 41) menciona que o Código Penal de 1940 “é uma legislação eclética, em que se aceitam postulados das escolas Clássica e Positiva, aproveitando-se, regra geral, o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço”. O sistema filosófico-político do liberalismo, presente no início do século XX, com suas defesas nos ideais de liberdade e igualdade colaborou para que o Código de 1940 absorvesse a influência da realidade sociocultural do país à época de sua criação. A dimensão da importância das orientações trazidas pelo corpo penal de 1940 e o impacto sustentado pelo mesmo foi suficiente para que o Código mantivesse sua estrutura embrionária vigente até os dias atuais. A elaboração de um novo Código Penal em 1969 angariou novas modificações na estipulação etária do menor. Mirabete (1998) alude para o fato de que havia uma tendência nos pensamentos jurídicos modernos em rebaixar o limite etário e o Código Penal de 1969 tratava sobre esta nova tendência. Devido a esta nova tendência, Fragoso (1993, p. 54) afirma que tal Código “acolhia as exigências 29 mais importantes de um Direito Penal Moderno”. O que o tornava uma verdadeira inovação era a estipulação do critério biopsicológico ao invés do critério biológico que levava em consideração a fixação etária, independentemente da discussão acerca da capacidade mental de entendimento do menor infrator sobre o ato praticado e o reconhecimento a respeito da culpa. Os autores Costa Jr. (1987) e Mirabete (1998) em consonante destaque aludem que “o menor entre 16 e 18 anos, que revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determina-se de acordo com esse entendimento, responderia penalmente pelo crime praticado”. No entanto, tal Código Penal, juntamente com a linha de pensamento que o caracterizava como avançado, não vigorou na história do ordenamento jurídico brasileiro, sendo revogado em 1978. Em meio às especulações acerca da modificação etária do menor, em 1979, o novo Código de Menores de 1979 (Lei 6.697/79) passou a tratar a condição do menor sobre todos os vieses. O novo Código de Menores não só debruçara em relação à classe juvenil, mas também quanto aos pais e responsáveis que se tornavam passíveis ao recebimento de medidas, como as advertências e a perda ou suspensão do pátrio poder, conforme respalda Cavagnini (2013). Aludido Código também trazia consigo dificuldades no âmbito processual e constitucional, pois “o novo Código de Menores dava ao juiz enorme poder no início e na condução do processo, sem garantias processuais aos menores, que não foram divididos em faixas etárias”. O autor, ainda, observa que: As medidas dos antigos Códigos, em relação ao jovem infrator, rotuladas de protetivas, objetivamente não passavam de penas disfarçadas, impostas sem os critérios da retributividade, da proporcionalidade e principalmente da legalidade. Dado a falência constitucional-jurídica presente ocasionada pelo Código e a situação político-social vigente à época, as medidas impostas pelo referido corpo legislativo extrapolou a seara dos jovens infratores e alcançou os menores de baixa condição social que viviam às margens da pobreza. Cavagnini (2013) relata que “crianças e adolescentes pobres eram internados, isto é, presos em estabelecimentos penais rotulados de Centros de Recuperação, de Terapia e, até, de Proteção, quando não reclusos em cadeias de celas de adultos”. A elaboração do 30 Código de Menores de 1979 teve como escopo a preservação das diretrizes principiológicas do início do século XX na vigência da Doutrina da Situação Irregular. A delinquência e a pobreza eram dadas como sinônimos, levando ao entendimento de que todos os menores em situação de pobreza eram autores de atos delinquenciais e, portanto, se enquadravam nas medidas estipuladas pelo Código sem que houvesse um processo cauteloso sobre a verdade real. A disseminação deste pensamento promove no Estado a instituição da Doutrina da Situação Irregular sobre os menores de dezoito anos que mantinham sobre si as situações preconizadas como irregulares pelo Código de Menores, tornando passíveis de medidas tutelares para a reestruturação do juvenil. Para Luppi (apud Rizzini, 2011, p. 99), ao relatar sobre a proposta de mudança desenvolvida por Roberto Mangabeira à Fundação Estadual de Educação do Menor do Estado do Rio de Janeiro quanto à aplicação de procedimentos pedagógicos e terapêuticos preconizados pelo Código de Menores de 1979, “o Código autoriza os juízes a internarem crianças que se encontram em situação irregular”. O artigo 2º do Código de Menores elencava as situações fáticas relacionadas ao menor impossibilitado de suprir aos anseios estatais, sendo configurado como um mal-estar para a sociedade padronizada pelo Estado, ao dispor: Art. 2º: Para efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: IPrivado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) Falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) Manifesta irresponsabilidade dos pais ou responsável para provê-las; IIVítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; IIIEm perigo moral, devido a: a) Encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) Exploração de atividade contrária aos bons costumes; IVPrivado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; VCom desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VIAutor de infração penal. 31 Em 1984, com o advento da reforma trazida pela Lei 7.209 de 11 de julho, reafirmou-se ainda mais o critério biológico a ser adotado pela legislação penal brasileira. O artigo 27 se encarregou de tratar tal reformulação ao mencionar que “os menores de dezoito anos são inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas pela legislação especial” (BRASIL, 1940). A reforma no artigo não menciona mais que o menor é irresponsável, o que dava margem a subjetividade, tornando-o indigno, sobre qualquer forma, perante o Código Penal. Assim, a linha do critério biopsicológico que já havia sido considerado como critério a ser regido pela legislação penal brasileira é afastado do seio jurídico. Costa Jr. (1987) menciona que: Ao estabelecer o Código que os menores são inimputáveis, adotou uma presunção absoluta de inimputabilidade. Basta que o menor tenha menos de 18 anos para ser considerado inimputável, com base num critério meramente biológico, a menoridade. A exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal originada pela reforma de 1984 e ainda vigente no códex penal esclarece sobre a manutenção da imputabilidade penal aos dezoito anos, justificando, ainda, o afastamento do menor do sistema carcerário convencional idealizado pela Doutrina da Situação Irregular, mencionando: Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. A Constituinte de 1987 promoveu a extinção da Doutrina da Situação Irregular e impulsionou concomitantemente o surgimento da Doutrina da Proteção Integral. No ano seguinte, com a instauração da Constituição Federal de 1988, a Lei Maior brasileira ratifica em seu dispositivo constitucional a reforma consagrada no artigo 27 do Código Penal. Assim, todo o corpo legislativo brasileiro que estipulava a maioridade penal inferior a dezoito anos e atribuía responsabilidade penal ao menor de dezoito anos é expressamente revogado. Posteriormente, em 1990, é integrado ao ordenamento jurídico o Estatuto da Criança e do Adolescente na qual passa a ditar regras especiais sobre os 32 menores que se tornam inimputáveis até os dezoito anos de idade, conforme estabelecia a Constituição de 1988 e o Código Penal a partir de sua reforma. O Estatuto da Criança e do Adolescente supre, então, as necessidades que norteiam o comportamento e a posição do adolescente infrator com a sociedade, pautando medidas correcionais diferenciadas com a preponderância dos efeitos reeducativos como alternativa sancionatória do ato delituoso praticado. 33 2.4 As legislações internacionais de direitos humanos e o seu impacto sobre o infante no ordenamento jurídico brasileiro Com o término da Segunda Grande Guerra Mundial houve uma crescente intensificação da proteção aos Direitos Humanos que até então haviam sido inferiorizados com as práticas aterrorizantes da guerra contra o ser humano e sua dignidade. Os tratados internacionais desenvolveram um novo viés na legislação interna do País, incluindo também com maior respaldo o garantismo jurídico entorno do infante. O arcabouço de garantias protecionistas ao menor estabelecido por Convenções internacionais foram ratificados pelo Brasil, envolvendo-os na Constituição Federal Brasileira e na legislação estatutária condicionada ao infante. Ao final da década de 1960, o Pacto San José da Costa Rica, que foi integrado ao ordenamento brasileiro em 1992, abordou a temática dos direitos humanos dando ênfase à proteção infantil nos artigos 4 e 19, aludindo, respectivamente, que “todas as pessoas merecem proteção da lei desde a concepção” e que “toda criança terá direito às medidas de proteção que lhes são inerentes, tanto por parte da sua família, quanto da sociedade e do Estado”. Atentase a equiparação concedida a todos os grupos da sociedade como detentores de direitos e de dignidade. Para Ferrandin o referido Pacto “procurou evidenciar os direitos humanos, preponderantemente no que concerne a um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem”. (FERRANDIN, 2009, p. 28). Veronese (apud Ferrandin (2009, p. 29) ao destacar a importância das Convenções internacionais para a estrutura jurídica interna de um país ressalta que a Convenção “tem natureza coercitiva e exige de cada Estado-Parte que a subscreve e ratifica um determinando posicionamento”. Destaca-se, ainda, a força jurídica presente nas Convenções internacionais e a adequação que os países signatários devem promover para cumpri-las. A repercussão sobre a estrutura legislativa do Brasil em meio ao seu posicionamento em se integrar às Convenções e Declarações sobre os Direitos da Criança e do Adolescente deu margens à criação, em 1990, do Estatuto da Criança 34 e do Adolescente que se espelhou nas Diretrizes de Riad sobre prevenção da delinquência juvenil. Sposato (2006) lembra também acerca da imperatividade dos tratados internacionais que por força do art. 5º, § 2º da Constituição Federal têm força normativa constitucional e “os documentos internacionais de proteção aos direitos humanos somam-se aos direitos nacionais, reforçando a imperatividade jurídica”. Referido texto normativo menciona que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Proclamada em 1948 pela Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um marco do garantismo jurídico aos cidadãos. O documento visou superar o senso de discriminação e elevar as prerrogativas sobre vida, liberdade e igualdade. Dado a imensa importância de tal Declaração é que seus princípios foram alicerces para a criação da Constituição Federal Brasileira de 1988 que passou a adotar as prerrogativas evidenciadas pela Declaração e, sobretudo, de proteção e equiparação do menor aos demais indivíduos no que concerne a gama de direitos evidenciados pela Carta Magna brasileira, em especial o artigo 227 do referido diploma. As Nações Unidas também instituiu regras básicas para o tratamento do adolescente frente às medidas sancionatórias, bem como sua estrutura. As Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade ao mencionar acerca dos objetivos de tais regras destaca sua importância, sendo-a para estabelecer normas mínimas aceitas pelas Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade em todas as suas formas, de maneira compatível com os direitos humanos e liberdades fundamentais, e com vistas a se opor aos efeitos prejudiciais de todo tipo de detenção e a fomentar a integração na sociedade. Evidencia-se o conteúdo programático das normas e sua aplicabilidade fática ao se deparar com o vasto campo de garantias conferidas ao infante, presentes na Constituição Federal, e a formação estrutural do Estatuto da Criança e do Adolescente embasado no molde de regras elaborado por acordos internacionais. 35 Seja do Estatuto da Criança e do Adolescente, com suas medidas socioeducativas e a sustentação da inimputabilidade penal, até a consolidação das garantias dado ao infante autor de ato infracional, as fundamentações dos referidos corpos legislativos seguem parâmetros normativos estabelecidos na seara internacional. Por mais que determinadas regras acerca do infante não tivessem, a priori, caráter de obrigatoriedade sobre as legislações internas dos países, porém, determinados países, como o Brasil, se utilizarem de tais medidas para se adequar de forma pessoal e não unicamente movido pela obrigação de cumprimento estabelecido por Acordos internacionais. Ferrandin (2009, p. 32) ao aludir sobre os Acordos internacionais de proteção ao infante e à classe juvenil atenta em destacar que “as disposições contidas nas Diretrizes de Riad, não possuem força normativa no País, mas serviram de base para a elaboração do ECA.” Veja-se a importância e a repercussão do sistema normativo internacional sobre a classe juvenil defendido e difundido por legislações e regras de entendimento de parâmetro global para a elaboração e desenvolvimento de regras internas do Brasil, quer por força impositiva em decorrência da obrigatoriedade dos tratados ou por ter se tornado fonte inspiradora para o entendimento do Estado sobre a problemática vivenciada no âmbito interno do país. 36 2.5 A dialética da idade cronológica frente a seara cível e penal no direito As mudanças no ordenamento jurídico brasileiro estabilizou a plena capacidade em dezoito anos. A plenitude desse consenso etário atingiu o seu desfecho com a promulgação do Código Civil brasileiro de 2002, reduzindo a idade civil de vinte e um anos para dezoito anos, conforme determinado pelo Código Penal brasileiro. No entanto, o exercício das atividades inerentes à vida civil, ainda que taxativas, são permitidas pela legislação civil. Porquanto, o legislador evidencia que os indivíduos com idade inferior a dezoito anos estão aptos à prática de determinados atos da vida civil, todavia a submissão a tratamento na seara criminal não pode se desenvolver sob o mesmo viés. Cavagnini (2013) atenta em observar que “o jovem emancipado, com plena capacidade para a prática dos atos da vida civil, continua inimputável perante o Código Penal, caso este não tenha completado 18 anos à época do fato praticado”. Torna-se presente o caráter absoluto do critério biológico no campo penal, embora não aconteça o mesmo na esfera cível. Referido autor ao relatar sobre critério biológico e a inimputabilidade aplicado na esfera penal, alude que: A inimputabilidade do menor de 18 anos no Direito Pátrio não decorre da ausência ou da diminuição da inteligência e vontade, pelo contrário, pode até possuí-la; mas sim de uma presunção absoluta, que não admite prova em contrário, de que o menor infrator não detém capacidade penal para suportar a pena. Cury (2013) rebate o parecer sobre a plena capacidade civil que lhe são designadas aos menores respaldando-se no voto político por ser uma faculdade e não uma obrigação ao maior de dezesseis anos até a idade de dezoito anos e de outras situações da vida civil que têm suas restrições pautadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Em seus dizeres, o autor enfoca que afirmar que o adolescente é penalmente maduro só faz sentido caso a alegada maturidade vá além do campo penal. Se já amadureceu para ser preso como adulto, não há porque negar-lhe o direito de ser votado, de exercer mandato nos Poderes Executivo e Legislativo, de adotar. O corpo normativo penal brasileiro estabelece as causas de imputabilidade de modo a diferenciá-los dos demais casos. Além do artigo 28, inciso 37 I, §2º que estabelece acerca da embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, como causa de inimputabilidade, o artigo 26 estabelece também que são inimputáveis: Os que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1940). Aludido dispositivo normativo se refere aos indivíduos menores de dezoito anos ao mencionar que os que possuem desenvolvimento mental incompleto são qualificados como inimputáveis. Entendeu o legislador que a condição etária do menor é fator determinante para que ele não esteja a par de sua completa faculdade mental, justificando, portanto, a sua não imputabilidade e, consequentemente, a não equiparação sancionatória que é dado aos indivíduos maiores de dezoito anos, também determinados pelo critério biológico. Assim, o menor é compreendido como agente incapaz de entender e compreender o ato, bem como a gravidade do ato praticado por si próprio. Por deliberada vontade do legislador, somente a condição etária inferior a 18 anos se enquadra no critério biológico. Os demais casos mencionados pelo Código Civil se justificam no critério biopsicológico. Logo, o ordenamento jurídico, diante da análise dos fatores psíquicos e biológicos que envolvem os juvenis, consentiu em conferir a atual idade como sendo a que melhor alcança as transformações e diferenças inerentes a esses indivíduos. Palomba ao relatar acerca da condição que norteia o jovem quanto às variações psíquicas e físicas e a aplicabilidade dessas relações no Direito menciona que: A partir dos 18 anos já está biológica e psicologicamente com as suas estruturas suficientemente desenvolvidas e, portanto tem capacidade para entender o caráter jurídico civil e/ou penal de um determinado ato e também está apto para determina-se de acordo com esse entendimento: é a maioridade, a imputabilidade penal a capacidade civil. (PALOMBA, 1998, p. 20). Em pensamento oposto quanto à estipulação imutável da idade cronológica e o desenvolvimento estrutural psíquico e biológico do indivíduo, Cavagnini (2013) menciona que “há uma generalização com relação às fases do desenvolvimento humano, e tudo o que se generaliza se torna perigoso, ainda mais quando não se leva em consideração o fato de que há pessoas com graus de 38 desenvolvimento distintos". O autor se atenta para os amplos aspectos que permeiam os indivíduos e suas capacidades de atuação no meio social, analisando que a estipulações determinadas não obstam que o contrário aconteça sobre os jovens. Em parecer recíproco, Reale, em plena observação a respeito da imputabilidade penal e da condição juvenil nos tempos atuais, afirmar categoricamente que: Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo. (REALE, 1990, p. 161). Em entendimento análogo ao de Cavagnini (2013), Teles entende no que se refere às práticas humanas e seus efeitos no meio social, que “o homem é um ser inteligente e livre; por isso, é responsável pelo que faz”. O autor alude ainda que “se sabia distinguir entre o permitido e o proibido, e se podia escolher entre uma e outra conduta, é responsável pelo comportamento proibido que realizou”. (TELES, 1998, p. 261). Quanto ao discernimento não se olvida que o jovem e a criança têm o necessário discernimento, sendo ambos capazes de perceber que é reprovado furtar, danificar, matar, e não se submetem às regras penais, não só porque a criminologia concluiu resultar inconveniente aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade submetê-los ao sistema reservado aos adultos, como e sobretudo em razão da política criminal, considerando a falência do sistema carcerário (CURY, 2013). Em sentido contrário ao entendimento de Teles (1998) e Reale (1998), porém, não questionando a respeito da estipulação fixada pelo legislador com embasamento no critério biológico, Costa Jr. alude sem maiores discussões que: Mesmo que dotado de capacidade plena para entender a ilicitude do fato ou determinar-se segundo esse entendimento, a lei o considera imaturo e, portanto, inimputável. Uma presunção juris et de jure (de direito e por direito), assentada em mero critério biológico. (COSTA JR., 1987, p. 215). Em opinião análoga, ao descrever sobre a inimputabilidade, Mirabete (1998, p. 214) lembra que o ordenamento jurídico não manifesta por posição contrária e que “trata-se de uma presunção absoluta que faz com que o menor seja 39 considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em decorrência de um critério de política criminal”. Segundo Veronese (1996, p. 96) a despeito da relação dinâmica e instável do ser humano e a consequência disso para a materialização do direito, ressalta que “o homem é, por sua própria natureza, um ser mutante, numa sociedade também em constante transformação; as necessidades, por conseguinte, sofrem modificações, podendo ou não serem ampliadas.” Cavagnini (2013) atenta para a impossibilidade de se abolir a atual fixação etária ou então reduzi-la, de modo que se atenda aos anseios da sociedade que vislumbra a reversão da atual conjuntura do país, ante sua natureza de direitos fundamentais, sendo, portanto, imutável o dispositivo constitucional do artigo 60, §4º, IV da Constituição Federal que preconiza as garantias fundamentais. O autor alude ainda sobre as dificuldades em se preservar um princípio constitucional diante dos embates sociais desprovidos de qualquer fundamentação jurídica plausível. 40 2.6 A justiça penal e a ótica social da justificativa da pena A infração juvenil tem como resultado um verdadeiro paradoxo em meio a dois paradigmas que se entrelaçam: pela ótica social se evidencia a crescente premissa de atrelar o adolescente infrator à justiça retributiva, enquanto que o Direito Moderno almeja a estruturação do infante junto ao sistema punitivo de justificação da pena, pautado no modelo restaurativo. O primeiro tem como parâmetro os princípios rígidos de atuação do Estado frente os tratamentos punitivos, semelhantemente aos que vigoraram no sistema penal convencional; o segundo se exterioriza através da atuação do Estado frente à reestruturação do indivíduo por meio da participação da vítima e a atuação da comunidade. Para os autores Paul McCold e Ted Wachtel (2003) o resultado da justiça restaurativa significa: Um acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vítima e do infrator. É evidente a estrutura lograda pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange a aplicação das medidas socioeducativas e os princípios norteadores do Direito Moderno, presentes na Constituição Federal de 1988, tem suas raízes no senso de justiça restaurativa. No entanto, o grande desafio tem sido a aplicabilidade fática da justiça restaurativa como método a ser compreendido pela sociedade como algo necessário. A justificativa da pena tem um caráter dúplice, ou seja, a essência da pena é retributivista, haja vista que se tem por escopo repreender o ato praticado, porém o caráter utilitarista também se apresenta de tal forma ante a intenção de se proporcionar bons resultados a partir da aplicação da pena. Mirabete (2006) afirma que “a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade não é simplesmente prevenção, mas um misto de educação e correção”. Essa visão aprimorada sobre as penas impostas aos menores em sua justiça criminal diferenciada tem sido a finalidade e também a grande dificuldade do ordenamento jurídico brasileiro na punição dos juvenis. A justiça restaurativa tem tido fundamental atuação com as inovações do sistema jurídico que têm se incorporado sobre um novo viés pautado na 41 humanização e reestruturação dos agentes envolvidos com as mazelas sociais. Para a sociedade há uma famigerada atuação do Estado na reestruturação do ordenamento jurídico sobre a justificação da pena ao adolescente infrator. Uma sociedade enraizada nas matrizes embrionárias do sistema punitivo primitivo aliado à sua indignação com as práticas delituosas têm angariado o seu afastamento enquanto agente ativo no processo de reversão social. O papel de atuação designado pelo ordenamento jurídico brasileiro à sociedade é evidente na medida que a Lei Maior de 1988 preconizou os indivíduos sociais como agentes essenciais para a efetividade da problemática e o reequilíbrio da atual realidade que permeia os jovens infratores. Nesse mesmo sentido, a legislação estatutária também estabeleceu de tal forma a compreendê-los como agentes capazes de reverterem o quadro social. A atenção voltada à literalidade do Estatuto somado ao intensivo rigor mentalizado pela sociedade do conceito de punição na seara penal torna claro a dificuldade ou talvez a confusão em aceitar a relação do Estatuto com o tratamento dos autores de atos infracionais. Miranda (2013) bem salienta tal visão deturpada da sociedade provocada pelas raízes do Direito Penal ao longo dos séculos ao mencionar que “responsabilizar não quer dizer necessariamente dizer punir, tal como na acepção do Direito Penal”. A autora explica a diferente visão entre responsabilizar, que se configura ao lidar com adolescentes infratores, e punição que é designada aos adultos, justamente por se tratar de medida socioeducativa, afirmando que “a razão de ser do Estatuto da Criança e do Adolescente no mundo jurídico é justamente o afastamento da aplicação do Código Penal no âmbito em que se restringe”. A punição retributiva está amplamente atrelada à sociedade, desde suas origens, como ideal necessário de correção. A teoria retribucionista sustenta a tese da vingança frente à punição pela prática de atos contrários as normas jurídicas impostas para o convívio social. Pode-se analisar a partir dessa concepção o motivo pelo qual a sociedade até os dias atuais associa punição com degradação e isolamento do infrator. Sobre essa perspectiva, Mirabete ensina: Para as teorias chamadas absolutas (retribucionistas ou de retribuição), o fim da pena é o castigo, ou seja, o pagamento pelo mal praticado. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral, sendo a pena imposta por uma exigência ética em que não se vislumbra qualquer conotação ideológica. Para a Escola Clássica, que considerava o crime um ente jurídico, a pena 42 era nitidamente retributiva, não havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinquente, já que a sanção se destinava a restabelecer a ordem pública alterada pelo delito. (MIRABETE, 2006) As ideologias sancionatórias trazidas pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se fundamentam em sentido oposto as ideias preconizadas pela Escola Clássica e sua teoria absoluta de castigo. Sob um viés educacional, a sanção originada a partir da desobediência da lei não tem o caráter meramente punitivo, no qual o castigo é a premissa maior, mas compreende a junção entre sanção e reeducação. A reeducação em seu sentido mais extensivo compreende a reformulação da conduta negativa do adolescente infrator, incorporando a reeducação como meio de se desenvolver uma nova personalidade ao adolescente. Assim, a responsabilização do menor infrator objetiva mais uma mudança comportamental do que uma mera punição. O que se tem por finalidade através da aplicação dos meios sancionatórios diferenciados que são atribuídos aos menores infratores é a não inserção dos mesmos em políticas punitivas degradantes, desprovidas de qualquer valor recuperatório e que impossibilitam a regeneração ou construção do comportamento socialmente esperado. 43 2.7 O discernimento na maioridade penal e o ordenamento jurídico A problemática da maioridade penal e o dissenso que a envolve no campo social tem como alicerce fundamental de discussão a prática das condutas transgressoras dos menores infratores acompanhadas de pleno discernimento acerca dos atos que o direito preconiza como ilegais. Após um processo históricolegislativo dificultoso sobre a atuação dos jovens infratores no sistema jurídico brasileiro e sua perspectiva sob o viés político-administrativo, a Constituição de 1988 e a legislação especial do Estatuto da Criança e do Adolescente concederam prerrogativas particulares ao tratamento dos atos delinquenciais praticados por jovens. Mesmo diante da gama de garantias e dos tratamentos diferenciados ofertados pelo ordenamento jurídico em face da distinção biológica e psíquica que envolve o adolescente em relação ao adulto, tornou-se notório a equiparação dos juvenis aos demais indivíduos da sociedade no que tange a ampliação dos direitos considerados essenciais à prática da estrutura do Estado democrático. A Constituição Federal de 1988 por sua característica evolutiva e democrática decretou restrições, mas também garantias e direitos aos menores de dezoito anos. No entanto, mesmo diante da inimputabilidade penal e das prerrogativas que envolvem o procedimento de apuração do ato infracional e as medidas sancionatórias aplicadas, os juvenis, na seara cível e constitucional, gozam de direitos inerentes a participação popular e a determinados atos da vida civil. Nessa consideração, o artigo 14 da Constituição Federal consagra que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...) sendo o direito ao voto facultativo aos maiores de 16 anos e menores de 18” (grifo nosso). Dessa forma, a Lei Maior brasileira pretendeu inserir o menor na qualidade de agente ativo de direitos a partir da facultatividade de sua participação no processo de eleição, tornando certo que o seu envolvimento e sua capacidade cidadã no procedimento do voto direto para a escolha da composição do poder legislativo é de plena valia no que tange a sua capacitação em delimitar o quadro político do país. 44 A legislação civil brasileira equipara o menor emancipado com idade entre dezesseis e dezoito anos à condição de agente dotado de discernimento para a realização de atos da vida civil, sendo, portanto, capaz de administrar certos atos ou condições ao estipular, por exemplo, sobre a possibilidade de se emancipar em determinadas ocasiões; em dispor de seu patrimônio por meio de testamento; ocupar a condição de mandatário em atos jurídicos; casar-se e ter participação em sociedades e associações (BRASIL, 2002, artigo 5º). Martins (2013) ao analisar a realidade do menor e os pontos antagônicos que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta, relata: Quando se verifica que o menor pode por si só entender as complexidades de um contrato de compra e venda, mas não consegue "discernir plenamente" o que é um homicídio ou não, e caso o pratique será totalmente inimputável, conclui-se que há uma profunda discrepância entre como os outros campos de direito cada vez mais veem o "menor" como apto a conhecer a realidade de direitos e deveres. O autor enfatiza acerca a posição dos juvenis enquanto agentes perturbadores que se têm liderado nos tempos atuais, não havendo mais aspectos de ingenuidade como a legislação penal insiste em sustentar. Completa ainda de forma convicta que “barbáries são perpetradas hoje por jovens de todas as classes e a todos é necessária imperiosa repreensão estatal”. Embora a expressão social se apresente de múltiplas formas com os mais densos sentimentos sobre a relação do adolescente infrator com o meio social, fomentando que maneira deliberada as discussões do papel desses agentes infratores junto ao sistema carcerário convencional, as primazias constitucionais sempre se mantiveram em um patamar elevado e de expressivo valor democrático, acolhendo sempre a bagagem cultural e social de conquistas inerentes à pessoa humana. O sistema constitucional de um país tem a característica primordial em seu cerne de elencar direitos e garantias que devem sobrepor aos clamores de uma sociedade que se contrapõe a regras ou condutas políticas, administrativas ou jurídicas que não passíveis de alterações. O estado de independência do sistema jurídico com os movimentos sociais sobre temáticas que envolvem garantias e direitos constitucionalmente previstos faz-se necessário, muitas vezes, devido a distante realidade entre a lógica social com a fundamentação jurídica pautada em valores de ordem filosófico e sociológico. 45 A Constituição Brasileira de 1988 traz para a realidade do seu corpo normativo os primados do constitucionalismo moderno e sua ampla abordagem jurídica ao sistema de direitos e garantias fundamentais inerentes à pessoa humana e que se exteriorizam no seio da sociedade brasileira de maneira desvinculada dos fatores externos que se aglutinam em sentido contrário às suas disposições protecionistas que vislumbra os meios adequados de se assegurar os princípios basilares de atuação do Estado sobre as diferenças socialmente existentes. Terra (2004) em sua abordagem quanto à impossibilidade da rediscussão da alteração da idade penal mínima por critério constitucional advindo da essência da própria Carta Maior, afirma: A atividade reformatória, por limitada, não pode transformar-se num meio de desnaturação da vontade do Constituinte originário, sob pena de ser cometida fraude contra a Constituição. A impossibilidade de reforma irrestrita tem por finalidade a preservação do núcleo essencial da Constituição, impedindo que ocorra a perda de sua conexão de sentidos, que é o que lhe dá unidade sistêmica. Na observação de Sposato (2006) o momento de redemocratização e reconstitucionalização que o país estava sofrendo na década de 1980, surtiu seus efeitos na criação e no conteúdo preconizado pela Constituição de 1988. O artigo 228 da Constituição Federal anuncia a responsabilidade penal diferenciada aos menores de dezoito anos ao prelecionar que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. A Lei Maior de 1988 acompanha, desse modo, o Código Penal brasileiro de 1940 em seu artigo 27 ao transcrever da mesma forma que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Posteriormente, com o advento da legislação especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o artigo 104 da legislação estatutária acompanha o entendimento estabelecido pela Magna Carta brasileira de 1988 e pelo Código Penal de 1940 ao elucidar no mesmo sentido acerca da inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos. Não há de se olvidar que a abordagem dos juvenis nos artigos 227 e 228 da Lei Maior enquanto sujeitos de direitos e destinatários da Carta Magna, tratou de reconhecê-los constitucionalmente enquanto detentores de direitos e, portanto, dignos de usufruírem das garantias ordenadas pelo conjunto de princípios constitucionais que interagem entre si harmoniosamente, independente da atuação 46 do menor no meio em que vive, sendo irrelevante a condição de agente infrator ou não no que tange à aplicação dos preceitos fundamentais de sua condição de penalmente inimputável. Uma das essências marcantes do conjunto normativo elaborado à luz no constitucionalismo moderno é justamente a extensão dos efeitos sobre seus destinatários de forma independente e compromissada com sua lógica jurídica de atuação. As garantias e os direitos fundamentais elencados pela Carta Magna não se pautam em acepções sobre a atuação do cidadão no meio social, mas a sua expressividade perfaz sobre o caráter congênito do escopo normativo. O constituinte originário de 1988 tratou em designar a responsabilidade penal diferenciada dos adolescentes em sentido contrário à realidade dos sujeitos maiores de dezoito anos. Portanto, os juvenis se sujeitam a um procedimento penal com as devidas atribuições pessoais que os acompanham em todo o decorrer da fase processual até a aplicação do método sancionatório. Terra (2004) ao esclarecer a relação entre a vontade política do constituinte originário para limitação da imputabilidade penal em dezoito anos e a força dos direitos individuais, elucida que se tornou “um direito de defesa da liberdade de todo cidadão menor de dezoito anos de idade, a exigir uma abstenção do Estado, qual seja, a de não promover a persecução penal”. Sob a análise do artigo 227 da Constituição Federal, Machado (2006) menciona que esse artigo constitucional trata de direitos especiais que configuram direitos da personalidade infanto-juvenil. Assim, de maneira análoga representa o artigo 228 ao prelecionar acerca da inimputabilidade penal até os dezoito anos. Sposato (2006) ao abordar a constitucionalidade e os direitos fundamentais das crianças e adolescentes frente à redução da idade penal alude para a tese de que: “O direito à inimputabilidade penal e os direitos à excepcionalidade e brevidade na privação de liberdade são direitos individuais, e como tais considerados cláusulas pétreas da Constituição”. O artigo 60, § 4º, inc. IV, da Constituição Federal ao tratar das cláusulas pétreas menciona, dentre o rol de hipótese que gozam de imutabilidade jurídica, os direitos fundamentais. Esses direitos fundamentais são amplamente consagrados na reprodução dos artigos 227 e 228 da Constituição, no tocante a peculiar condição de 47 pessoa em desenvolvimento e à dignidade da pessoa humana. Assim estabelece ao mencionar: Art. 60, § 4º, IV - “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais (grifo nosso) Pautando-se na observação da cláusula pétrea constitucional, Sposato (2006) ao comentar os direitos individuais e a constitucionalidade da problemática em xeque, menciona: É direito individual de todo adolescente a possibilidade de responder pela prática de infrações penais com base em legislação especial, diferenciada do Código Penal, que se aplica aos adultos, maiores de 18 anos. É, portanto, matéria que não poderá ser abolida como se pretende nas propostas de emenda à Constituição. A Constituição Federal abordou os princípios do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e da dignidade da pessoa humana, uma vez que existem os direitos da personalidade do infantojuvenil preconizados no ordenamento jurídico. A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento na qual é atribuída ao adolescente no artigo 227, § 3º, inc. V, se manifesta visivelmente no dispositivo constitucional ao estabelecer: Art. 227, § 3º - “O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos”: V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade (grifo nosso). O Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 6º e 121 reforçam o princípio básico da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento do adolescente ao estabelecerem respectivamente: "Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento." (grifo nosso) 48 "A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento." (grifo nosso) Nunes apud (ATALIBA (1985, p. 6-7) destaca a importância e a intensidade normativa provocada pelos princípios constitucionais como o preconizado no artigo 227, § 3º, inc. V da Constituição, sendo fundamental para a designação punitiva diferenciada dos juvenis frente o sistema punitivo convencional direcionado aos adultos e que fora reiterado pela legislação estatutária de 1990. O autor destaca ao lecionar: Princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas consequências. É necessário atentar-se ao fato de que toda ordem jurídica tem uma essência, ou seja, um fundamento basilar que se configura através das normas do sistema normativo que vigora na sociedade. É crucial compreender o sistema normativo como um conjunto integrado de normas que se relacionam sob um mesmo prisma fundamental, estruturando-se em um sistema hierárquico. A Constituição de um Estado é, nos dizeres do filósofo Hans Kelsen, “a norma fundamental ou máxima”, ou seja, a Constituição de um Estado tem o papel de apontar os parâmetros iniciais de atuação e restrição para as demais normas jurídicas infraconstitucionais que integram o sistema normativo. Nesse sentido, Kelsen (1998) mencionada que “a Constituição, que regula a produção de normas gerais, pode também determinar o conteúdo das futuras leis”. Nunes (2013, p. 396) sobre a interpretação do sistema jurídico aponta que “qualquer exame de norma jurídica infraconstitucional deve iniciar, portanto, da norma máxima, daquela que irá iluminar todo o sistema normativo”. Assim é o que se observa que na Constituição Federal de 1988 estão os preceitos que angariaram à criação da legislação estatutária de 1990. O artigo 228 da Magna Carta Brasileira de 1988 estabeleceu a norma fundamental da inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos, mencionando ainda a criação da norma geral em que sua observância, bem como de todo o Capítulo VII da Lei 49 Maior, se torna obrigatório por força constitucional, ou seja, por força de preceito fundamental para a criação e validade das demais normas gerais que consagram a temática do menor. O Estatuto da Criança e do Adolescente se torna mais do que uma norma geral emanada da Constituição, sendo um conjunto normativo especial com princípios próprios. A legislação estatutária se sobrepõe às demais legislações infraconstitucionais por ser um diploma de caráter especial, assimilando as aplicações das demais normas somente no que a própria legislação estatutária não dispuser e desde que não violem preceitos constitucionais e fundamentos principiológicos do próprio estatuto que mantêm suas raízes de origem na própria Constituição Federal. Insta entender que a atuação dos direitos fundamentais extrapola os limites da Carta Constitucional, apresentando-se até mesmo fora da Constituição e do seu Título II (NUNES JÚNIOR, 2009). Sobre a força atuante de uma Constituição enquanto conjunto normativo basilar do Estado, Kelsen (1998, p. 248) menciona que em se tratando de uma Constituição escrita na forma constitucional, as “normas não podem ser revogadas ou alteradas como as leis normais, mas somente sob condições mais rigorosas”. Para isso, a norma que se pretenda sujeitá-la à alteração ou abolição deve se submeter devidamente ao procedimento da emenda constitucional que se concretiza através de um rigoroso processo legislativo, sendo imprescindível a observância dos requisitos estabelecidos no artigo 60, § 1º a § 5º da Constituição Federal. As emendas constitucionais devem obediência às cláusulas pétreas consagradas no § 4º do referido dispositivo constitucional, sendo, portanto, impassível de mutabilidade. Logo, a formulação de uma constituinte originária para a elaboração de uma nova Constituição Federal é a alternativa para não a violação das cláusulas mantedoras de direitos fundamentais. 50 2.8 Juventude e criminalidade: autores ou vítimas do contexto? As crises internas desencadeadas através de uma ação ou omissão desempenhada por sua população e que por sua vez assola a estrutura interna do país têm por detrás de toda a complexidade que envolve o problema social eminente um verdadeiro quadro patológico com causas que forma deliberada são desconhecidas ou esquecidas, seja devido ao sintoma cultural dominante no seio social inserido pelo contexto ou seja por mero resquício das esquecidas políticas públicas do Poder Executivo acerca da problemática. Não obstante, o problema que se dirige privadamente aos menores conflitantes com a lei têm suas raízes, assim como todo mal-estar social que se origina do próprio crescimento e modernização e da crise interna pelo convívio harmônico. A violência é verdadeiramente uma epidemia que se alastra e arrasta consigo adolescentes que naturalmente são integrados ao submundo das mazelas sociais. Garrido de Paula (apud Veronese (1996) em minuciosa observação acerca do Código de Menores de 1979 e a atuação do Estado enquanto gerenciador da organização estatal retrata: “ A despeito de ser tratado, por alguns, como instrumento de proteção e tutela, olvidou que o Estado é o grande responsável por essa degradante situação na qual se encontra a maioria da população infanto-juvenil, isentando-o de qualquer responsabilidade. Considerando os pais ou responsável como exclusivos causadores da situação irregular, nenhuma menção existe em relação à omissa participação do Estado e, via de consequência, tampouco contempla o Código de Menores mecanismos jurídicos visando compelir o Poder Público a cumprir suas funções. Assim, restringiu-se a Justiça de Menores ao julgamento de conflitos eminentemente individuais, jamais colocando a Administração no banco dos réus. O Estado nunca foi chamado perante o Judiciário, sequer para justificar suas constantes omissões. Para Batista e Rezende (2008) no que tange à situação do menor e sua realidade fática que o permeia sob a ótica social, há uma sensação na discussão da maioridade penal que não passa de “uma distorção do olhar sobre o problema da transgressão”. Os autores enaltecem as questões sobre o menor infrator e o apelo social quanto à redução da maioridade penal pelo caminho das causas que envolvem o menor transgressor. 51 Assim como em toda calamidade física em que se buscam as causas para se tratar os efeitos, averiguar ambas as características na realidade intempestiva de um grupo social é um procedimento que se faz necessário para a construção de um novo modelo no roteiro cultural de uma sociedade. Ao abordar as causas que aprisionam o menor infrator na redoma da violência, o apelo social sustentando pela mídia generalizada e por grupos que guardam benesses quanto à problemática juntamente com as dificuldades oriundas do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – evidenciam os problemas em tratar a questão do menor com o enfoque que lhe é devido. Nas conclusões de Brito e Bondezan (2009) acerca do desvio que se tem dado a criminalidade juvenil, os autores mencionam que “as propostas de enfrentamento desta realidade enveredam pelo caminho da simplificação imediatista: penas mais duras e a redução da idade que sujeite o juvenil a cumprir uma pena de prisão”. Ainda sobre a escolha imediatista que têm por objetivo atentar o menor à inserção da cultura carcerária convencional, os autores completam mencionando: A população, e até mesmo algumas autoridades de segurança [...] não acreditam que as medidas socioeducativas previstas no artigo 121, parágrafo primeiro, da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (“Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”) sejam capazes de aplacar o desejo de vingança da população. Evidencia-se a partir de pesquisas de campo que os atos infracionais cometidos por adolescentes são bem inferiores quanto demonstra os meios comunicativos no que se refere à prática de atos criminosos gerenciados por pessoas adultas. Dados colhidos em pesquisa pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) através de sentenças prolatadas por juízes das duas Varas da Infância e da Juventude da Comarca de Recife, abrangendo o período de 1994, permitiu concluir que os atos infracionais cometidos contra o patrimônio representam 22%, enquanto os cometidos contra a pessoa humana representam apenas 3%. Na cidade do Rio de Janeiro, dados efetuados a partir da Segunda Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro no ano de 1995 evidenciam que os atos infracionais cometidos contra o patrimônio representam 57%, enquanto que os cometidos contra a pessoa representam 10%. (VOLPI, 2011, p. 61) 52 Volpi (2011) em análise aos estudos realizados em ambas as capitais de grande densidade populacional no país, ressalta que os atos infracionais mais graves, como o latrocínio, o estupro e o homicídio representam um percentual pequeno em relação aos atos infracionais praticados contra o patrimônio, que se compõem, em sua maioria, segundo o estudo do GAJOP, de furtos de relógios, bolsas e alimentos em supermercados. Em sentido análogo aos estudos realizados por Volpi, estatísticas do Censo Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça de 1994 revelam que em comparação aos adolescentes a situação dos adultos no universo da criminalidade tem dimensões quantitativa maiores. A média de adultos presos à época da pesquisa era de 88 por 100 mil habitantes, enquanto que em relação aos adolescentes privados de liberdade a média era de aproximadamente 2,7 adolescentes envolvidos em atos infracionais por 100 mil habitantes entre os anos de 1995 e 1996. O dissenso existente entre a realidade fática e a distância dos estudos de campo pela mídia é evidenciado nos dados estatísticos presentes. Segundo Volpi, “a aprovação ao rebaixamento penal por alguns segmentos da população brasileira não está respaldada em dados, estudos e pesquisas que permitam efetuar uma análise da situação do adolescente em conflito com a lei” (VOLPI, 2011, p.49). Ao elencar sobre o rebaixamento da maioridade penal e o aspecto generativo sem fundadas evidências da realidade, Brito e Bondezan (2009, p. 190) relatam: Quase sempre a opinião pública pede uma resposta imediata aos poderes legislativo, executivo e judiciário, a fim de pôr fim ao problema da violência e da criminalidade juvenil. Assim, a solução disseminada pela mídia em geral é a redução da maioridade penal. Esse senso comum se deve à mistificação que a imprensa, porta-voz das elites diante da necessidade de preservação do status quo, faz do singular uma generalização, induzindo a opinião pública a acreditar que a redução da maioridade penal contribuirá substancialmente para a diminuição da violência e dos crimes praticados por juvenis (BRITO; BONDEZAN, 2009). Batista e Rezende (2008) ao abordarem a relação entre a criminalidade juvenil e a repercussão social dado pela difusão midiática, afirmam: Cada vez que há um crime hediondo praticado por um menor, a mídia expõe o acontecido (incessantemente) e a sociedade clama por punição. 53 Este processo promove a reedição da discussão da redução da idade penal. Há uma “endemonização” do menor na grande mídia, que implica em ampliação dos eventos e frequência dos crimes hediondos praticados pelo menor. Muitas das vezes o inconformismo social com as garantias de ordem suprema que estão devidamente preconizadas e asseguradas pelo ordenamento jurídico de um Estado permite que os fatos tomem repercussões astronômicas, distantes da realidade e desvinculadas de esforços que visem modificar efetivamente o contexto. Com efeito, torna-se aparente o processo de vitimização da sociedade enquanto organismo poderoso e em maior concentração de adeptos que proclamam em comum os mesmos posicionamentos na tentativa de elucidar os problemas que julgam serem desprovidos de complexidade. Nesse contexto, o sistema normativo tem o senso de confiabilidade reduzido e a análise do procedimento histórico e político sobre a problemática tem sua motivação precípua ignorada por fatores externos à razão de sua existência. 54 2.9 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a (in) eficácia emblemática pela sociedade A verdadeira essência de respeitabilidade que sustenta a existência das leis e suas finalidades advém dos indivíduos do próprio meio em que se vive. Sem o devido apoio social, a legislação tende a ser resignada com enfoques distintos, ocasionando repúdio à estrutura normativa como um todo. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o desafio de firmar sua estrutura normativa enquanto legislação especial apta a proteger os interesses dos adolescentes. Por outro lado, há também a obrigação em aplicar os meios sancionatórios adequados em conformidade com o equilíbrio da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e com o devido processo legal, além de todas as demais garantias fundamentais e processuais atinentes à classe juvenil. A inobservância da sociedade com os impactos e as finalidades positivas oriundas da legislação acarreta o surgimento de um conflito de reconhecimento jurídico advindo da opinião pública. Esse mesmo conflito tem sido identificado na relação entre a legislação infraconstitucional que trata os menores infratores e as especificidades que norteiam a relação do adolescente com o sistema jurídico. A dificuldade em epígrafe torna-se mais intensa quando o sistema normativo requer a harmonia entre o Estatuto da Criança e do Adolescente com a Constituição Federal e os acordos internacionais no qual o Brasil se tornou signatário. Assim, começam a surgir indícios de que em muitas das vezes a sociedade se insere em dois mundos diferentes com os seus respectivos valores que se colidem reciprocamente: o da realidade social e a realidade das leis (NUNES, 2013). A opinião pública acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente que se renova a cada novo caso enaltecido pela sociedade é a reformulação da própria legislação estatutária quanto à privação de liberdade, o seu tempo de duração e o modo em que a privação e sua duração se consolidarão. Nunes (2013) em sua concepção sobre as mudanças jurídicas e a ineficácia de suas transformações afirma que “de nada adiantaria mudar as leis se não se tem consciência da possibilidade de sua efetivação concreta”. Os próprios indivíduos da sociedade inseridos, teoricamente, como integrantes fundamentais para a recuperação do infante transgressor vislumbram a redução da maioridade penal e a reformulação do 55 Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como da Constituição Federal sem critérios mais específicos do que se pode obter como resultado a ser reconhecido a longo prazo. “A mudança das leis se dá, muitas vezes, apenas para que a consciência da manipulação – a eficácia do sentido da comunicação normativa de adormecer anseios sociais – não se torne clara. Mudando-se as leis, renovam-se as esperanças, e a comunidade passa a viver de novas promessas, que não serão cumpridas” (NUNES, 2013). Entende Veronese (1996) que “não basta a edição de leis novas para se alterar a realidade social, se não há um aparato estrutural que de fato torne viável a aplicação destas”. Nesse mesmo sentido, Sêda ( apud Veronese (1996, p. 261) menciona a respeito do equívoco em “cobrar da lei a sua própria execução; ou tê-las como insensatas e razão do só fato de não serem capazes sozinhas de transformar o mundo”. Assim, esperar das leis materializadas em papel o seu pleno funcionamento requer-se o desempenho de um conjunto de fatores angariadores que atuam em intrínseca relação de dependência, a começar pelo posicionamento do Estado em abordar amplamente programas que se relacionam com a reversão da situação dos jovens infratores. Em observação acerca da atuação do Estado, Barroso Filho (2001) conclui que o mesmo é “co-autor de boa parte das infrações cometidas, pois sua inação em projetos sociais conduz muitos ao desespero, infectando-os com o delito”. Volpi (2011) observa a resistência, a atuação por parte dos segmentos da sociedade e o seu efeito surtido no Estatuto pelas práticas delituosas dos jovens infratores, bem como a defesa da tese para o rebaixamento penal sem que se tenha embasamento suficientemente comprovado para a discussão do tema. Para Garcia Mendez (1993, p. 238) ao abordar a participação pública frente à realidade da delinquência juvenil, a verdade sobre a real dimensão é substituída “por instâncias externas, tanto ao sistema da justiça, quanto às políticas sociais: uma opinião pública que se move a golpes de alarme social”. Segundo Cury, em defesa ao Estatuto da Criança e do Adolescente enquanto legislação que não se caracteriza pelos vícios de impunidade apontados pela sociedade, a eficácia da referida legislação infraconstitucional é apontada ao exemplificar que: 56 Se um adulto pratica um roubo a mão armada, a pena que vai receber deverá se situar em torno de cinco anos e quatro meses de reclusão, observados os critérios do Código Penal. Dada a sistemática da Lei de Execução Penal, o infrator cumprirá preso apenas um terço dessa pena, ou seja, aproximadamente dois anos. O adolescente que praticar o mesmo ato, sujeita-se à medida de internação de até três anos e sucessivamente, de mais três anos de semiliberdade e três anos de liberdade assistida. (CURY, 2013, p. 18) Veja-se que o entendimento acerca da real aplicabilidade do Estatuto se insere em critérios jurídicos que merecem ser observados pela prática processual jurídica como um todo. Atentar-se à literalidade da legislação estatutária conduz ao errôneo saber de que se está diante de uma legislação ineficaz em sua integralidade. A redução da maioridade penal se tornou uma questão que rompeu com as barreiras políticas e jurídicas, alcançando a seara social, sendo esse o grilhão mais complexo de ser rompido. A violência social tem sido a causa do enfoque dado à redução da maioridade penal pelos membros da sociedade. Cury (2013) salienta que “a banalização da violência mundial, incluindo, no caso, o nosso país, é um dos principais motivos que trazem à cena a controvertida questão do rebaixamento da idade da responsabilidade penal”. O Estatuto da Criança e do Adolescente está inserido na crise social marcada pela insatisfação dos indivíduos pelas medidas sancionatórias passíveis de aplicação. O estudo aprofundado da atual legislação especial com os antigos Códigos de menores identifica o contraste entre ambas as estruturas jurídicas. Em uma observação detalhada das raras semelhanças existentes entre as medidas socioeducativas presentes no ECA, evidencia-se as repetições de medidas que foram preservadas dos antigos Códigos de menores. O embasamento para a aplicação das medidas socioeducativas como forma de punir com o intuito educativo advém dos antigos Códigos que vigoraram no período anterior a promulgação da atual legislação estatutária. Diante das semelhanças que se encontram entre ambas as legislações que têm o adolescente como objeto principal de análise, identifica-se que o Código de menores, em sua literalidade, era prudente à sociedade, embora, como fora observado, sua aplicabilidade no campo prático ocasionara um repleto retrocesso disfarçado de eficácia. O questionamento que se torna evidente é: onde estaria o elo emblemático que torna o Estatuto tão repudiado em vista da literalidade dos antigos Códigos de Menores, sendo que ambos apresentam semelhanças sobre a 57 repreensão educativa? O receio social pela legislação estatutária está na visão teleológica abordada pelo Estatuto no tratamento do menor em conflito com a lei. Ou seja, a legislação especial aborda em sua sistemática uma perspectiva humanística e voltada para a realidade social com ênfase na reversão do quadro dos autores de práticas delituosas, se fundamentando nos métodos educativos e de reenquadramento do menor ao ambiente social que se exterioriza a partir do cumprimento da medida sancionatória designada. Conforme já analisado, a visão social não tem seus sentidos direcionados para legislações que tendem a reformulação do indivíduo, justamente pelo fato de se assimilar justiça com punição e pena com isolamento. Ocorre que o verdadeiro sentido de justiça é atribuído a um valor e não a um poder. Logo, em sentido contrário do que se tem em mente pela sociedade, justiça não se equipara a igualdade. A abordagem teleológica do Estatuto rompe com o conceito do retributivismo absoluto e, consequentemente, com a vontade social de se aplicar penas rígidas e que comprometam extensos períodos de tempo. No mais, a legislação estatutária em meio a visão conceitual de pena existente na sociedade desde os primórdios das primeiras legislações é uma abordagem consideravelmente nova com sua atuação distinta de aplicação dos métodos sancionatórios. A abordagem sancionatória se torna diferenciada ao se analisar que não há uma prévia correlação entre o ato infracional praticado e a medida socioeducativa a ser aplicada e muito menos uma ordem de aplicação, podendo, portanto, ser aplicada qualquer medida disposta no rol do Estatuto, independentemente do ato infringido pelo menor. Assim, a observância que se aborda para a aplicação da medida socioeducativa não se pauta em uma observância legal, relacionada por critério certo e determinado, mas de acordo com a análise teológica do que seria mais proveitoso para a recuperação do agente. Ou seja, há uma análise das medidas disponíveis e a capacidade de alcance do melhor aproveitamento possível. Com isso, o objetivo primordial da sanção estatutária, além de reprimir o ato em si, é a reestruturação do indivíduo por meio de políticas educacionais. Para Garcia Mendez (2000), ao apontar para a fragilidade do Estatuto, há na legislação estatutária uma estrutura de ineficácia por meio da implementação e interpretação do mesmo, sendo insuficiente e, portanto, alvo de críticas. A referida crise de implementação se dá pela distância existente entre as políticas públicas e sua aplicabilidade, ocasionado um distanciamento entre realidade política e social; 58 enquanto que a crise interpretativa surge nas inverdades paradigmáticas entre a aplicação do estatuto e o direito penal. No entanto, o que o autor refere como problemas exclusivos do ECA é o que se evidenciou na estruturação dos antigos Códigos de menores que apresentaram crises interpretativas e implementativas de igual modo. A falácia estrutural das legislações não é novidade e tampouco é de se espantar em se tratando de ordenações que têm por escopo a correção dos atos humanos que contrapõem um ordenamento jurídico. 59 3 RESULTADOS I – O embate secular e os anseios de uma sociedade: conhecendo a realidade fática do município de Alfenas/MG Nos dias 25/01/2016 a 29/01/2016 foi realizado uma pesquisa de levantamento de dados quantitativos na 1ª Vara Criminal, de Atos Infracionais da Infância e da Juventude e de Cartas Precatórias Criminais da comarca de Alfenas/MG com o intuito de analisar a realidade fática que envolve as práticas de atos infracionais pelos adolescentes infratores. É evidente que a criminalidade e as circunstâncias que a envolve, muitas vezes, são de caráter regional. A regionalização da criminalidade identifica os problemas de um país, estado ou município a depender de uma série de fatores endógenos presentes na comunidade a partir dos laços culturais repassados dentro de uma escala hereditária ou devido à mutação dos processos sociais que foram inobservados pelo Estado. No entanto, o contexto geral esclarecido pelas amostras dos dados colhidos tem plena ligação com as transformações da sociedade e suas intempéries enquanto organismo indissociável. Assim, as conclusões auferidas a partir do levantamento regional têm intrínseca relação com a história de um país e o relacionamento desse com sua sociedade. Não se pode deixar de considerar as falácias do sistema normativo e a sua execução pelo Poder Executivo através do gerenciamento de políticas públicas, ainda que as leis sejam consideradas socialmente injustas elas podem ser consideradas juridicamente justas por estarem estampadas no cerne de uma Lei Maior. A pesquisa de campo analisou todos os processos de execução de medidas socioeducativas e os processos de ato infracional já devidamente representados pelo Ministério Público que se encontravam disponíveis na secretaria da 1ª Vara Criminal, de Atos Infracionais da Infância e da Juventude e de Cartas Precatórias Criminais da comarca de Alfenas/MG. Com isso, foram analisados em cada processo dados que permitem a compreensão dos atos infracionais praticados em maior incidência (Tabelas 1 e 2), o nível de reincidência dos adolescentes infratores que praticaram os respectivos atos infracionais analisados (Tabela 1), o nível do cumprimento da remissão oferecida pelo Ministério Público aos juvenis 60 (Tabela 2) e as medidas socioeducativas cumuladas com a remissão (Tabela 2). Ao todo, foram analisados 90 (noventa) processos (Tabelas 1 e 2). Na Tabela 1 foram analisados 42 (quarenta e dois) processos com representados distintos a fim de se verificar os atos infracionais com maior incidência no município de Alfenas/MG, as medidas socioeducativas que são mais aplicadas ao caso concreto e o nível de reincidência dos adolescentes infratores. Salienta-se que a reincidência ocorre quando o agente, após ter sido condenado definitivamente por outro crime, comete novo delito, desde que não tenha transcorrido o prazo de cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a prática da nova infração. Tabela 1 – Panorama dos procedimentos iniciados na Comarca de Alfenas/MG, no período de 25/01/2016 a 29/01/2016. Medida Socioeduca- Reincidência tiva aplicada Adolescente Processo Ato Infracional Praticado Adolescente 01 0130788-32.2014 Art. 155, §2º, inciso II do CPB P.S.C SIM Adolescente 02 0035227-78.2014 Art. 157, caput do CPB L.A SIM Adolescente 03 0098982-42.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 04 0110806-32.2014 Art. 147 do CPB P.S.C SIM Adolescente 05 0118574-72.2015 Art. 157, caput do CPB Semiliberdade NÃO Adolescente 06 0020864-86.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A SIM Adolescente 07 0081004-52.2015 Art. 155 do CPB P.S.C NÃO Adolescente 08 0100666-36.2014 Art. 155 do CPB P.S.C NÃO Adolescente 09 0061295-31.2015 Art. 157, §2º, inciso I e II do CPB Semiliberdade NÃO Adolescente 10 0098974-65.2015 Art. 28 da Lei 11.343/06 P.S.C SIM Adolescente 11 0118582-49.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 P.S.C NÃO Adolescente 12 0020739-84.2015 Art. 21 da Lei de Contravenções Penais P.S.C SIM Adolescente 13 0117803-65.2013 Art. 163, inciso II do CPB L.A SIM Adolescente 14 0113927-05.2013 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 15 0046882-13.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 16 0016448-41.2015 Art. 28 da Lei 11.343/06 P.S.C NÃO Adolescente 17 0122504-35.2014 Art. 28 da Lei 11.343/06 P.S.C NÃO Adolescente 18 0099741-06.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A SIM Adolescente 19 0006715-85.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A SIM Adolescente 20 0066104-64.2015 Art. 180 do CPB c/c Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 21 0019343-72.2015 Art. 157, §2º, II, CPB L.A SIM Adolescente 22 0026934-85.2015 Art. 309 do CTB P.S.C NÃO 61 (continuação) Adolescente Processo Ato Infracional Praticado Medida Socioeducativa aplicada Reincidência Adolescente 23 0068357-25.2015 Art. 146 do CPB P.S.C NÃO Adolescente 24 0167808-91.2013 Art. 155, §4º, VI do CPB P.S.C SIM Adolescente 25 0070577-93.2015 Art. 157 do CPB P.S.C NÃO Adolescente 26 0020044-33.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 27 0110780-34.2014 Art. 155, caput do CPB P.S.C SIM Adolescente 28 0038304-95.2014 Art. 157 do CPB L.A SIM Adolescente 29 0099006-70.2015 Art. 33, caput da Lei 11.343/06 P.S.C NÃO Adolescente 30 0125223-53.2015 Art. 155, §4º, IV c/c Art. 14, II, ambos do CPB P.S.C NÃO Adolescente 31 0124689-12.2015 Art. 33, caput da Lei 11.343/06 L.A SIM Adolescente 32 0056501-64.2015 Art. 28 da Lei 11.343/06 P.S.C SIM Adolescente 33 0125231-30.2015 Art. 28 da Lei 11.343/06 P.S.C NÃO Adolescente 34 0098990-19.2015 Art. 157 do CPB L.A NÃO Adolescente 35 0059984-05.2015 Art. 217-A do CPB L.A SIM Adolescente 36 0046940-16.2015 Art. 155 do CPB P.S.C SIM Adolescente 37 0039492-26.2015 Art. 155, §4º, IV do CPB L.A SIM Adolescente 38 0081061-70.2015 Art. 155 do CPB P.S.C SIM Adolescente 39 0081046-04.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Adolescente 40 0113562-48.2013 Art. 14 da Lei 10.826/03 P.S.C SIM Adolescente 41 0076205-97.2014 Art. 180 do CPB P.S.C SIM Adolescente 42 0133227-79.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 L.A NÃO Legenda: P.S.C: Prestação de Serviço à Comunidade CPB: Código Penal Brasileiro L.A: Liberdade Assistida CTB: Código de Trânsito Brasileiro Da análise da situação de 42 (quarenta e dois) adolescentes em conflito com a Lei, observou-se que 18 (42,8%) foram incursos em condutas análogas a crimes contra o patrimônio; 2 (4,7%) em condutas análoga a crimes contra a pessoa; 1 (2,3%) em conduta análoga a crimes contra a dignidade sexual; 17 (40,4%) em condutas análoga ao tráfico ilícito de entorpecentes; 1 (2,3%) por infração de trânsito; 1 (2,3%) em conduta análoga ao porte de arma de fogo; 1 (2,3%) pela conduta análoga a contravenção penal e 1 (2,3%) incurso em duas condutas cumuladas, sendo pela conduta análoga a receptação cumulada com tráfico ilícito de entorpecentes. 21 (50%) adolescentes eram reincidentes. Nas medidas socioeducativas aplicadas, verificou-se: 18 (42,8%) Liberdade assistida; 22 (52,3%) prestação de serviços à comunidade e 02 (4,7%) Semiliberdade. O panorama apresentado pela Tabela 1 permite observar que os atos infracionais análogos aos crimes ligados à Lei de Drogas (Lei 11.343/06) correspondem a 40,4%, sendo o segundo de maior incidência. Em análise às representações oferecidas pelo Ministério Público, concluiu-se que nos atos 62 infracionais análogos aos crimes de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06) os adolescentes infratores atuam como verdadeiros comerciantes das substâncias ilícitas, não havendo, nos casos analisados, ligação entre o vendedor das substâncias entorpecentes como sendo o próprio administrador do tráfico. Os adolescentes são sempre flagrados nas ruas com a típica característica de quem prestam serviços a terceiros, descartando as substâncias assim que estão na iminência de serem abordados pelas autoridades policiais. A aquisição pecuniária rápida, rentável e desprovido de esforço físico são características angariadas pela venda de drogas, atraindo, portanto, adolescentes à prática ao invés do exercício de atividades laborativas lícitas. É perfeitamente visível que os adolescentes infratores envolvidos com a prática da venda de substâncias entorpecentes não estão inseridos em uma condição de extrema miserabilidade a ponto de que a única alternativa existente seria a prática da conduta analisada. A venda demasiada de substâncias entorpecentes integra o rol de atividades rentáveis da sociedade contemporânea, configurando um comércio efetivo e lucrativo. A outra parte dos adolescentes que praticaram o ato infracional análogo ao consumo de drogas (art. 28 da Lei 11.343/06) tipifica o retrato da sociedade de viciados evidenciado por todo o país, nas regiões mais desenvolvidas até às regiões periféricas do Brasil. O retrato dos juvenis viciados é observado desde o período imperial do Brasil, enquanto que crianças e adolescentes pertencentes às classes miseráveis da sociedade seguiam um estilo de vida de grande desleixo familiar, social e estatal, relacionando-se cada vez mais precocemente com à prática de atividades ilícitas, bem como o uso de substâncias ilícitas impróprias para a faixa etária e ao consumo. Os atos infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio foram os que obtiveram maior incidência, alcançando 42,8% dos atos infracionais praticados, preponderando os delitos de furto e roubo. A análise dos fatos que constam nas representações do Ministério Público obtidos através dos Boletins de Ocorrência Circunstanciados da Polícia Civil permitiu concluir que os atos infracionais análogos aos crimes de furto e roubo têm uma estreita ligação com as condutas análogas aos crimes tipificados na Lei 11.343/06 (Lei de Drogas). Isso se deve ao fato de que as condutas praticadas têm o intuito de sustentar o próprio vício pelo consumo de drogas, seja na compra da substância em si ou no pagamento de dívidas oriundas do tráfico de drogas. 63 As condutas análogas aos crimes contra a pessoa, a dignidade sexual e o porte de arma de fogo, considerados de maior gravidade pela legislação penal e aclamado pela população em geral como sendo de maior incidência, e, portanto, de maior preocupação, foram na realidade os que apresentaram menor incidência, conforme demonstrado pela Tabela 1. Essas práticas sequer alcançaram um patamar mínimo de aproximação com os primeiros atos infracionais analisados. Conclui-se, portanto, que a prática dessas condutas não são as que sobrepõem, ao menos na observação regional da prática de atos infracionais. No que tange às medidas socioeducativas aplicadas, a prestação de serviço à comunidade foi a medida mais aplicada, representando 52,3%; a liberdade assistida representa 42,8% e a semiliberdade 4,7%. Na análise dos processos disponíveis em secretaria nas referidas datas não houve a fixação das demais medidas socioeducativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A prestação de serviço à comunidade se realiza quase sempre através de trabalhos desempenhados junto aos órgãos que integram à prefeitura local. Verifica-se a reincidência em metade dos adolescentes, configurando 50% dos processos analisados. Na Tabela 2 foram analisados 48 (quarenta e oito) novos processos em que foram oferecidos remissão, sendo os únicos presentes em secretaria no período de levantamento dos dados em que houve oferecimento pelo Ministério Público. Constatou-se que apenas dois adolescentes (4,1%) não aceitaram a proposta de remissão oferecida pelo Ministério Público e vinte e dois adolescentes (45,8%) cumpriram integralmente a medida socioeducativa aplicada. No mais, em um novo levantamento acerca da incidência dos atos infracionais praticados, contatou-se que a conduta análoga ao tráfico ilícito de entorpecentes corresponde a 79,1%; contra o patrimônio corresponde a 16,6% e as contravenções penais correspondem a 4,1% dos casos. 64 Tabela 2 – Análise quanto à aceitação e ao cumprimento da remissão proposta pelo Ministério Público na Comarca de Alfenas/MG, no período de 25/01/2016 a 29/01/2016. Medida Ato Infracional SocioeducaPraticado tiva aplicada Aceitação da Remissão Proposta Cumprimento da Medida Aplicada Remissão c/c L.A SIM NÃO Art. 33 da Lei 11.343;06 Remissão c/c L.A SIM NÃO 0118194-49.2015 Art. 42, I da Lei 3688/41 Remissão c/c P.S.C SIM SIM Adolescente 04 0029797-14.2015 Art. 155,§4º, IV do CPB Remissão c/c P.S.C NÃO NÃO Adolescente 05 0078318-24.2014 art. 42, I da Lei 3.688/41 Remissão c/c P.S.C SIM SIM Adolescente 06 0011779-42.2015 art. 157, caput e Remissão c/c §§1º e 2º, I e II L.A do CPB SIM SIM Adolescente 07 0099167-51.2013 Art. 33 c/c art. 35 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 08 0079225-96.2014 Art. 33, caput, Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 09 0155504-26.2014 Art. 33, caput, Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 10 0111400-80.2013 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A NÃO NÃO Adolescente 11 0019343-72.2015 Art. 157,§2º, II, do CPB Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 12 0130309-39.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 13 0034664-50.2015 Art. 155, §4º, I do CPB Remissão c/c P.S.C SIM NÃO Adolescente 14 0130184-71.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 15 0104673-37.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 16 0053110-04.2015 Art. 33, caput c/c art. 35 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 17 0092764-32.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 18 0008080-43.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 19 0024939-37.2015 Art. 155, §4º, I e Remissão c/c IV do CPB L.A SIM NÃO Adolescente Processo Adolescente 01 0078821-45.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Adolescente 02 0144930-75.2013 Adolescente 03 65 (continuação) Adolescente Processo Medida Ato Infracional SocioeducaPraticado tiva aplicada Aceitação da Remissão Proposta Cumprimento da Medida Aplicada Art. 155, §4º, I e Remissão c/c IV do CPB L.A SIM SIM Adolescente 20 0024939-37.2015 Adolescente 21 0112232-79.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 22 0107085-09.2013 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 23 0019080-74.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 24 0078821-45.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 25 0112224-05.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 26 0062186-52.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 27 0079217-22.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 28 0111467-45.2013 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 29 0019205-42.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 30 0016.15.001643-0 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 31 0068100-97.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 32 0089497-52.2014 Art. 157, §2º, II do CPB Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 33 0104384-07.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 34 0118822-38.2015 Art. 157, §2º, II do CPB Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 35 0104632-70.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 36 0155512-03.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 37 0155496-49.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 38 0079241-50.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c P.S.C SIM SIM Adolescente 39 0092905-51.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 40 0016.14.011214-1 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM 66 (continuação) Ato Infracional Medida Praticado Socioeducativa aplicada Aceitação da Remissão Proposta Cumprimento da Medida Aplicada Remissão c/c L.A SIM NÃO Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM 0093051-92.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 44 0104657-83.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 45 0135813-60.2013 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 46 0075702-76.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM NÃO Adolescente 47 0078805-91.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente 48 0078938-36.2014 Art. 33 da Lei 11.343/06 Remissão c/c L.A SIM SIM Adolescente Processo Adolescente 41 0104624-93.2015 Art. 33 da Lei 11.343/06 Adolescente 42 0092756-55.2014 Adolescente 43 Da análise da situação de 48 (quarenta e oito) novos adolescentes em conflito com a Lei, observouse que 8 (16,6%) foram incursos em condutas análogas a crimes contra o patrimônio; 38 (79,1%) em condutas análogas ao tráfico ilícito de entorpecentes; 2 (4,1%) pela conduta análoga a contravenção penal. Proposta a remissão a 48 (quarenta e oito) adolescentes, 2 (4,1%) não aceitaram e 46 (95,8%) aceitaram. Destes últimos, 22 (45,8%) cumpriram a medida. Em resumo, analisando a prática dos atos infracionais presentes nas Tabelas 1 e 2, totalizando 90 (noventa) processos, constata-se que 55 adolescentes (61,11%) se relacionaram com a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas); 26 adolescentes (28,88%) se relacionaram com crimes contra o patrimônio; 3 adolescentes (3,33%) se relacionaram com a Lei de Contravenções Penais; 2 (2,22%) adolescentes se relacionaram com crimes contra a pessoa; 1 (1,11%) adolescente se relacionou com crimes contra a dignidade sexual; 1 (1,11%) adolescente se relacionou ao porte de arma de fogo e 1 (1,11%) adolescente se relacionou em concurso de crimes, sendo por condutas análogas ao crime de receptação (crime contra o patrimônio) e tráfico ilícitos de entorpecentes. 67 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O enfoque único destinado aos infratores deve ser visualizado além da justificativa da prática delituosa sob a convicção retribucionista da aplicação da pena com seus efeitos temporários e imutáveis. A questão do jovem infrator tem suas raízes no descaso e na inépcia estatal em se atentar para a efetivação de políticas públicas bem-sucedidas. O amparo em lidar com os juvenis para a remodelação dos infratores através do fornecimento de condições que pudessem descaracterizá-los como autores da marginalização só foi considerado no país, com a devida amplitude no campo teórico, a partir da segunda metade do século XX. A atuação prática, no entanto, se efetivou décadas mais tarde a partir de um processo dificultoso e demorado. A falta de planejamento e as crises inerentes à tardia reformulação do cenário dos jovens infratores em suas tentativas frustradas de remodelar os infratores foram realidades presentes na história. No campo prático, os infantes não apreciaram as condições educativas e de respeitabilidade que eram preconizadas pelos códigos de menores por causa da carência estrutural de um Estado que não gerenciava com a devida observância social. A realidade fática foi consagrada por um sistema punitivo denso e sem objetivos que equiparava os pobres e abandonados à mesma condição dos infratores. Não houve subsídio que pudesse reverter à situação do país para com os juvenis infratores, haja vista que eles foram produtos de uma realidade social marcada por densos acontecimentos de um país que tentava se reestabelecer a cada nova transformação social e por isso não se atentava à sua realidade interna Vale ressaltar que todo país esteve e sempre estará sujeito ao declínio social na medida em que as transformações sociais internas ditam a gravidade de suas eclosões. O problema da criminalidade juvenil no cenário brasileiro não é uma tendência brasileira, mas uma consequência global. E como toda consequência de âmbito sociocultural, reflete seus efeitos não pelo sistema normativo abstrato em vigor, mas, sim, pelas ações e omissões de agentes sociais que atuam e transformam o meio. A ação transformativa dos entes sociais e a omissão do Estado enquanto detentor da administração e da organização social são a soma de uma realidade que se perpetua desde as origens do Brasil colônia, passando pelo início do período republicano até a atualidade. 68 É necessário focar que o conjunto de leis que formam o ordenamento jurídico brasileiro é resultado de uma realidade social e não o contrário. A manifestação da Constituição Brasileira de 1988 sobre a imputabilidade penal não é resultado de um processo transformativo estático, sem qualquer fundamentação ante os acontecimentos que antecederam sua promulgação. A Constituição Federal de 1988, assim como deve ser com os ordenamentos jurídicos pautados no Constitucionalismo Moderno, é resultado de um processo dinâmico sob a análise das antigas punições destinado à classe juvenil que não geraram bons resultados. A tendência do Direito Penal moderno em se afastar, na medida do possível, do ideal retribucionista, que extirpa as condições de reestruturação educativa, e o Constitucionalismo Moderno são uma realidade consagrada pela atual Lei Maior brasileira não pela perspectiva de serem contribuintes para a omissão estatal. Atentando-se para a interpretação do sistema normativo se evidencia que o ordenamento jurídico busca o bem social em sua amplitude máxima. O que se quer dizer com isso é que o bem maior, em vista do encarceramento desenfreado dos juvenis, é a restruturação por meios que ensejam responsabilidade educativa. Não é de se olvidar, como já observado, que a realidade fática da problemática se evidencia em outro campo de atuação, assim como sempre houve a distinta realidade entre a vontade jurídica dos antigos Códigos de Menores e a aplicação fática. É necessário recordar o passado social e jurídico para vislumbrar que a manifesta vontade de se propor um novo paradigma no tratamento dos juvenis sempre foi aplicado. A problemática rompe com as barreiras jurídicas e está inserido no passado social e na atuação estatal. Logo, o ordenamento jurídico atual não é o problema da criminalidade juvenil, mas ele se torna um problema a partir do instante em que o foco da criminalidade é desviado. É possível que o Estatuto da Criança e do Adolescente cumpra com suas determinações em repreender as praticas delituosas e ao mesmo tempo integre métodos educativos na reversão do problema, ainda que seja necessário condicionar a legislação estatutária com novas reformulações, o que pode ocorrer perfeitamente desde que estejam em conformidade com as premissas constitucionais que integram a legislação estatutária. O atual modelo jurídico é um caminho para que a questão da criminalidade juvenil possa de uma vez ser efetivamente construído. O insucesso da atuação do passado não pode ser tido como a melhor forma de aplicação. 69 Constatou-se que o problema da criminalidade juvenil não era tratado pela sociedade e pelo Estado como uma realidade social digna de atenção, ocorrendo os primeiros desdobramentos teóricos para o tratamento do assunto a partir do século XX. No entanto, a realidade fática do problema continuou sendo objeto de desconsideração por parte do Estado que não angariou esforços para a aplicação de políticas públicas eficientes. O tratamento dado aos juvenis além de contrariar direitos fundamentais, equiparava-se ao tratamento convencional do cárcere e todas as falácias que o entrelaça. Os juvenis abandonados e pobres eram vistos como infratores, sendo-lhes aplicado as mesmas sanções destinadas aos infratores. Logo, a desastrosa atuação do Estado contribuiu para o aumento de adolescentes infratores e a perpetuação da pobreza juvenil. No mais, a história da sociedade brasileira foi fator primordial para o atual contexto infracional. A sociedade moderna atribuí equivocadamente ao Poder Judiciário a responsabilidade da impunidade por não analisar as verdades históricas e sociais que permeiam os juvenis e sua atuação no meio social. A sociedade enaltece o crescente aumento da criminalidade através da prática de crimes violentos por parte dos adolescentes e a falta de controle em que o ambiente urbano está inserido, sendo um verdadeiro equívoco demonstrado pelos resultados obtidos pela pesquisa de amostragem quantitativa realizada no município de Alfenas/MG. A ingerência do Poder Executivo e as antigas falhas do Poder Legislativo caem sobre o Poder Judiciário que suporta críticas indevidas à sua função. Esse torna responsável por acontecimentos que não satisfazem a opinião pública que compõem uma sociedade que se tornou mais dependente do Poder Judiciário e, portanto, espera respostas que nem sempre competem ser solucionadas por ele. No entanto, a atuação do Poder Legislativo a partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente foi reformulada no tratamento destinado aos juvenis infratores ao analisar que os métodos das casas de correção e os dispositivos dos antigos Códigos de menores não foram suficientes para a reparação da criminalidade juvenil. Primordialmente, faz-se necessário que a sociedade rompa com os paradigmas de que o atual sistema normativo brasileiro contribui para a criminalidade juvenil e que a legislação estatutária não fornece elementos sancionatórios com o intuito de repudiar a atuação marginalizante dos juvenis. É mister que os membros da sociedade se atentem para a realidade fática que a história do país evidencia, sendo a atual realidade produto de uma gama de 70 ações e omissões insuficientes e tardias do próprio quadro social do país e da atuação do Estado. 71 REFERÊNCIAS ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. Os menores delinquentes na Legislação Brasileira. In: Revista de Informações Legislativas. São Paulo – Senado Federal – 1975 – jan./mar. – 45:135 – p. 138-179. ALTENFELDER, Mario. “O nascer da Fundação” (discurso por ocasião da instalação do Conselho Nacional do Menor – 24/5/1965). S.1., 1965. ARANTES, Esther Maria de Magalhães. Rostos de crianças no Brasil. In: RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco. (Org.) A arte de governar crianças: a história das políticas sociais da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011. ASSIS, S. G., OLIVEIRA, M. B. Os adolescentes infratores do Rio de Janeiro e as instituições que os “ressocializam”. 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