Novas luzes no debate a respeito das LFTs

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Novas luzes no debate a respeito das LFTs
José Luis Oreiro e Breno Lobo
No Brasil uma parcela significativa da dívida pública ainda é
constituída de títulos pós-fixados (as Letras Financeiras do Tesouro,
LFTs) cuja remuneração é dada pela taxa Selic, determinada pelo
Banco Central (BC). A Selic é utilizada para controlar a liquidez do
mercado monetário, de forma que ela é, ao mesmo tempo,
instrumento operacional de política monetária e taxa de
remuneração de parcela expressiva da dívida pública. Como os
objetivos de política monetária e de gestão da dívida são distintos,
existe a possibilidade de que a taxa Selic, ao ser determinada para
fins de política monetária, tenha efeitos negativos sobre a dinâmica
da dívida pública.
Além desse potencial efeito contágio, a existência das LFTs
diminuiria a eficácia da política monetária de duas formas. Em
primeiro lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal de juros na
transmissão da política monetária ao distorcer a formação da
estrutura a termo da taxa de juros. Por terem remuneração diária e
elevada liquidez, as LFTs gerariam incentivos para que os agentes
mantenham parte significativa de sua riqueza financeira no curto
prazo, o que diminuiria o fluxo de recursos disponíveis para
financiar projetos de investimento de longo prazo, cuja
remuneração não estaria muito acima daquela oferecida pelas LFTs.
Em um exercício de simulação, observou-se crescimento do serviço da dívida,
deteriorando a situação fiscal
Em segundo lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal dos
preços dos ativos na transmissão da política monetária. Elevações
na taxa de juros fazem com que o preço dos títulos prefixados
diminua. Essa diminuição implica em perdas de capital para seus
detentores e, portanto, em redução de sua riqueza financeira, o que
tende a diminuir o consumo agregado da economia. As LFTs, ao
contrário, têm seu preço aumentado como decorrência de uma
elevação da taxa de juros, de forma que esses títulos não
sinalizariam corretamente para o consumo das famílias a direção
desejada pela política monetária.
Diante dessas características, espera-se que a extinção das LFTs
aumente a eficácia da transmissão da política monetária e torne os
objetivos de política monetária e de gestão da dívida pública menos
conflitantes. Todavia, existem custos associados a uma eventual
extinção das LFTs. Esses títulos, em geral, têm prazo de emissão
mais longo e remuneração menor que as LTNs, que são títulos
públicos prefixados, devido ao prêmio de risco que as LTNs têm que
pagar com relação às LFTs, haja vista que aquelas estão sujeitas a
perda de capital em função de variações da taxa de juros, ao passo
que as LFTs estão livres desse risco.
Um exercício de simulação numa economia artificial descrita a partir
de um modelo dinâmico com consistência entre estoques e fluxos
(Dynamic Stock and Flow Consistent Model – DSFC) foi realizado
com o objetivo de analisar as modificações na dinâmica dessa
economia decorrentes da implantação de uma política de gestão da
dívida que elimine as LFTs. Observou-se, no longo prazo, o
crescimento do serviço da dívida que deteriorou a situação fiscal do
governo, levando assim a economia a uma trajetória de
instabilidade, com descontrole inflacionário e taxa de juros muito
elevada. No curto prazo, contudo, a extinção das LFTs permitiu a
obtenção de um crescimento econômico mais estável e patamares
menores de inflação e de taxa de juros.
Para se eliminar a tendência à instabilidade macroeconômica
decorrente da extinção das LFTs é necessário coordenar a política
macroeconômica com a política de gestão da dívida pública. Com
efeito, nos experimentos realizados com o modelo DSFC, a
realização de políticas fiscal e política monetária restritivas foram
capazes de controlar o processo inflacionário e estabilizar os ciclos
econômicos. Todavia, o ajuste fiscal, ao restringir os gastos
públicos, resultou em taxas de crescimento mais baixas e, portanto,
maiores taxas de desemprego. Esse efeito, contudo, está associado
à manutenção de uma política fiscal na qual os gastos do governo
crescem a taxas constantes e fixas.
Caso o governo use a política fiscal de forma ativa, associada a
algum objetivo, como a estabilização da relação entre a dívida
pública e o Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, é possível
controlar a inflação e estabilizar os ciclos de crescimento. Essa
simulação sugere que a utilização de uma política fiscal ativa pode
ajudar no processo de controle da inflação.
Além das políticas fiscal e monetária, simulamos o comportamento
dessa economia artificial a partir da utilização de uma política de
rendas que limite o repasse de elevações nos preços para os
salários nominais dos trabalhadores. Essas simulações sugeriram
que uma política monetária restritiva não é a política mais eficaz
para combater o processo inflacionário.
Numa economia em que o processo inflacionário decorra,
principalmente,
do
conflito
distributivo
existente
entre
trabalhadores e capitalistas, a utilização de uma política ativa de
rendas tende a ter um efeito estabilizador sobre a dinâmica do
sistema. Esse resultado sugere que políticas que atuem sobre as
causas da inflação e não apenas reajam a suas variações, como
ocorre no atual sistema de metas inflacionárias, sejam mais
eficientes em seu controle. Isso abre espaço para que a utilização
de algum tipo de política de rendas pelo governo volte a ser
discutida. Um ponto importante a ser destacado é que, no exercício
de simulação, a utilização da política de rendas não esteve
associada a uma diminuição da participação dos salários na renda
agregada, ou seja, a política de rendas não é contrária ao interesse
da classe trabalhadora.
Em suma, os resultados obtidos a partir das simulações do modelo
DSFC sugerem que a extinção das LFTs pode ter um impacto
positivo sobre a economia brasileira se vier acompanhada de uma
política fiscal ativa e de uma política de rendas que diminua o
repasse da inflação passada para os salários.
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia
da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected].
Breno Lobo é aluno do programa de doutorado em economia
da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected].
Este artigo foi publicado no Valor Econômico no dia 26 de
março de 2012.
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