O ensino da história local: um grande desafio para os educadores Natania Aparecida da Silva Nogueira A preservação da memória sempre foi um desafio para o historiador e para os educadores, comprometidos com a disseminação e construção do conhecimento histórico. A memória muitas vezes se perde quando não se dá a devida atenção à documentação, aos monumentos e aos costumes locais. No caso específico de Leopoldina (MG), a história da cidade se resume a um punhado de recortes e anotações que ficam a disposição de alunos da rede escolar municipal. Todos os anos os professores pedem que os alunos façam pesquisas sobre a história da cidade e é sempre o mesmo material que aparece reproduzido. Mas será que a história da nossa cidade se resume a apenas isto? Onde estão nossos mais de 150 anos de documentação? Onde está o relato das experiências de nossos avós e bisavós? Será que damos a devida atenção ao nosso patrimônio material e humano? Aí se apresenta o grande desafio do educador: como ensinar História do Município quando faltam dados concretos e material de pesquisa? Em municípios maiores da Zona da Mata, como Juiz de Fora, cidade universitária, existem centros como o "Espaço Murilo Mendes", a Biblioteca "Murilo Mendes", o Museu Mariano Procópio, o Arquivo Histórico da UFJF, o Arquivo Histórico Municipal, dentre outros, que fornecem instrumentos e fontes para que seja produzido material historiográfico e que esse material possa ser utilizado pelas escolas, tanto da rede pública, quanto da rede privada. Esses mesmos espaços são abertos ao público em geral e, através de um trabalho de educação patrimonial, criam condições para que a história de Juiz de Fora seja não apenas resguardada, mas principalmente, partilhada com a comunidade. Infelizmente os cursos de licenciatura no interior da Zona da Mata não parecem preocupados com a formação do pesquisador. O professor e o historiador encontram-se em mundos diferentes. Esta postura conservadora nos leva à reprodução de um tipo de conteúdo tradicionalista e positivista nas salas de aula. Muitos dos professores da rede pública local foram formados nas universidades ou faculdades particulares e a maioria deles se afasta do ambiente acadêmico logo após a formatura. Se por um lado as universidades públicas privilegiam a formação dos bacharéis, as particulares dedicam-se à licenciatura, colocando o estímulo à pesquisa em segundo plano. O professor que atua na sala de aula acaba ficando desatualizado, enquanto que o pesquisador fica alheio às necessidades do ensino e às dificuldades dos jovens estudantes em assimilar o conhecimento histórico por eles produzido. Para Macedo, é necessário que haja um amplo diálogo entre universidade e escolas.[1] Os desafios do professor do Ensino Fundamental A escola, a que quem foi incumbida a tarefa de formar o cidadão, acaba esquecendo que a cidadania começa a partir da valorização do regional para então remeter-se ao nacional. A valorização da memória do município favorece o surgimento de um espírito crítico e comprometido com o bem comum. O professor que trabalha com as séries iniciais precisa introduzir as noções básicas de Português, Matemática, Ciências, História e Geografia a crianças que vêm de realidades sociais diversas e possuem ambientes familiares distintos. São lançadas a um mundo de símbolos e abstrações que difere do mundo concreto onde foram criadas até então. Elas têm que aprender a viver em grupo, a se socializarem fora do ambiente familiar ou comunitário e passar cerca de 4 horas por dia confinadas em um espaço limitado, o da sala de aula. O professor é seu guia nessa jornada. Mas ele está pronto para isso? Embora fala-se muito em renovação curricular, pudemos perceber que o ensino de História nas primeiras séries não sofreu grandes alterações. Na verdade, em Minas Gerais ele praticamente é o mesmo há mais de duas décadas, prendendo o professor a conceitos e métodos superados. Recorremos novamente a Fonseca: “os programas curriculares cumprem a tarefa de universalização do saber, difundido conhecimentos até certo ponto padronizados, definidos e selecionados na esfera competente – os especialistas das Secretarias de Educação.”[2] Nesse sentido, o município é estudado nos dois último ano do 1o ciclo (3a e 4a séries), explorando seus aspectos físicos, econômicos, institucionais e históricos. A criança irá localizar-se dentro do seu Estado e do seu país; irá aprender a identificar a economia local, distinguir atividades como agricultura e comércio de forma mais complexa; irá entender como funciona, a grosso modo, as instituições políticas locais; e finalmente, terá contato com a História de seu município. No entanto, dá-se uma grande ênfase ao ensino de uma história voltada para a exclusão, para a alienação do educando. Uma história de conteúdo fragmentado que divide o território em grandes porções e que valoriza aspectos econômicos em detrimento dos aspectos humanos. Fala-se de população, como dado estatístico e não de povo, enquanto agente social. Mas entendemos que, da mesma forma como somos muitas vezes obrigados a adotar livros didáticos, que em geral são inadequados para o tipo de realidade na qual trabalhamos, e mesmo assim conseguimos transformar esse material em um instrumento positivo de ensino, explorando justamente suas deficiências, também podemos nos libertar da camisa de força que é o currículo. Podemos “desfragmentar” esse conhecimento e ir além daquela história que busca apenas introduzir as primeiras noções de socialização, mas uma história que a coloca como ser que participa de um todo maior, de um grupo amplo de pessoas que tem o estigma de serem cidadãos de um mundo ainda mais amplo e real do que a sua família, a sua escola, o seu bairro. A valorização da História Local é o ponto de partida para esse processo de formação do cidadão, do agente histórico, pois ela irá romper com a noção de história que se prende apenas ao passado, aos grandes nomes e aos grandes feitos. Mas é preciso preparar o professor para isso. O educador consciente procura na criatividade uma forma de romper com os obstáculos que enfrenta no dia-a-dia. Mas ser criativo soluciona apenas uma parte do problema. É necessário um ambiente de trabalho adequado, com material, cursos e treinamentos constantes. Ë necessário que haja um constante acompanhamento desses professores, para que eles possam desenvolver suas capacidades. Entenda-se aqui por acompanhamento, um trabalho envolvendo especialistas e professores de outros ciclos, buscando a socialização de conhecimentos e experiências. Algumas sugestões de trabalho Acreditamos que o método de ensino através da pesquisa é, atualmente, uma das melhores formas de desenvolver no jovem estudante a capacidade de ordenar e criar conhecimento, tirando do professor o ônus de ser o “dono do saber”, fazendo com que ele se torne um orientador, que aprende e produz conhecimento junto com seus orientados. Deste modo a criança poderá organizar suas idéias e aprender através do debate e da descoberta. A pesquisa como forma de “criar” um novo conhecimento deve se sobrepor ao péssimo hábito de nossas escolas de estimular a simples clonagem de um conhecimento já existente. O desenvolvimento dessa habilidade deve começar junto com a aprendizagem escolar, ou seja, já no primeiro ano de escolarização. Segundo Knass: (...) o processo de aprendizagem confunde-se com a iniciação à investigação, deslocando a problemática da integração ensino-pesquisa para todos os níveis de conhecimento, mesmo o mais elementar. A pesquisa é assim entendida como o caminho privilegiado para a construção de autênticos sujeitos do conhecimento que se propõem a construir sua leitura de mundo.”[3] É preciso, no entanto, que se crie uma estrutura mínima para que o professor possa desenvolver novas habilidades, facilitando assim o seu trabalho na sala de aula e o desempenho do educando. Para tanto, seria interessante o desenvolvimento de um trabalho de educação patrimonial dentro da rede municipal de Leopoldina. O primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho de educação patrimonial voltado para o ensino de História Local seria a apresentação do professor ao documento. Ele deverá entender que o documento é um importante instrumento de trabalho que pode ser utilizado de diversas formas na sala de aula. Os jornais, por exemplo. Dos mais antigos – que datam do século XIX – aos mais recentes, encarados como fontes de pesquisa para o professor e para o aluno. O professor deve entender que o documento deve ser trabalho de forma cooperativa, ou seja, junto com o aluno, não como um dado, mas como um instrumento de pesquisa através do qual ele e o aluno alcançarão junto o conhecimento. O trabalho com jornais pode variar desde a análise critica das notícias veiculadas e sua apresentação textual até a confecção de um jornal, pelos próprios estudantes. Trabalha-se também a interdisciplinaridade, através da leitura e da análise do documento, onde o professor poderá trabalhar a questão da evolução da lingua portuguesa, do comportamento social – como as relações afetivas e a violência, por exemplo -, a evolução da propaganda e dos meios de produção. As construções antigas da cidade são outro documento importante. Elas podem ser mapeadas juntos com os alunos, que podem investigar em seus bairros, os edifícios mais velhos, seus antigos donos e suas famílias. Eles podem recriar a cidade a partir de fotos antigas, através de um mapa ou através de uma maquete. Trabalhar com material concreto antecede à criação do conhecimento abstrato. Ele deve criar o hábito de relatar suas experiências e a valorizá-las como forma de registro histórico. Visitas guiadas são uma outra opção, extrapolando o ambiente formal da sala de aula. Elas podem ser realidades no próprio bairro, nas ruas centrais da cidade, incentivando o aluno a observar e a descrever o que vê. Uma visita ao cemitério, algo que pode parecer à primeira vista sem nexo, é uma atividade enriquecedora pois lá a criança poderá ter um contato mais íntimo com o passado. Entre túmulos e mausoléus ela irá observar obras de arte e até mesmo verificar como mesmo as homenagens aos mortos sofrem transformações com o tempo. Ela irá se deparar com túmulos de familiares e de pessoas que possuem o seu sobrenome e que viveram antes dela. Verá que até mesmo o cemitério, enquanto espaço do passado, está sujeito ao dinamismo do presente. Visitas à espaços culturais, no caso de Leopoldina, são problemáticas pois a rigor só existem dois: um mantido por um artista plástico local, o senhor Rafael Domingues Rosa , em homenagem ao poeta Augusto dos Anjos, outro criado recentemente pela Companhia Força e Luz Cataguases /Leopoldina, a “Usina Cultural”. Não existe nenhum museu na cidade nem mesmo um arquivo municipal organizado. A criança poderá explorar o universo da pesquisa, e descobrir que a História é dinâmica e que ela participa da história como sujeito. O professor por sua vez, terá que seguir todos os passos ao lado do estudante e aprender a criar o seu método. Algo simples e prático, mas que poucos fazem é o registro das experiências, mesmo daquelas não alcançaram os objetivos propostos, como referencial para futuros projetos. O planejamento bem feito oferece como retorno o enriquecimento não só do educando, mas sobretudo do educador. Um trabalho de educação patrimonial pode envolver toda a comunidade, mas deve começar pela escola. Um argumento normalmente utilizado pelas pessoas é de que no município - no caso de Leopoldina -, pouca gente sabe o que é cultura, o que é memória e, portanto, qualquer iniciativa nesse sentido estará fadada ao fracasso. Mas não é justamente a ausência desta consciência que deve orientar o trabalho de preservação? A escola deve educar para a vida desde bem cedo. O professor tem o direito e o dever de exigir que isso aconteça e deve aprender a se enxergar com elemento crucial para a formação do indivíduo que enxerga a sociedade como um espaço de realizações. Acreditamos no valor do trabalho do professor do Ensino Fundamental e, por acreditar nisso, tomamos a iniciativa de oferecer algumas sugestões de trabalho e levantamos algumas questões com relação ao sistema de ensino e aos vícios por ele reproduzidos. Defendemos o uso e o desenvolvimento da pesquisa e da história regional ou local como um forma de possibilitar que esse processo ocorra, de tirar da História o estigma de ser uma “matéria de descoberta”, mostrando que não basta apenas saber de cor os fatos para se saber história. Que a história se cria a cada momento. [1] MACEDO, José Rivair. Algumas considerações em torno da pesquisa e do ensino de história. In: Qual história? Qual ensino? Qual cidadania? – Porto Alegre: ANPUH, Ed. Unisinos, 1997, p. 105-154. [2] FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada _ Campinas, SP: Papirus, 1993., p. 65 [3] KNASS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesuisa. In. NIKITIUK, Sônio M. Leite (org). Repensando o ensino de História. – ed. – São Paulo, Cortez, 2001, p. 29-30. Texto original publicado no IV Seminário Perspectivas do Ensino de História, 2001, Ouro Preto. Anais do IV Seminário Perspectivas do Ensino de História. , 2001, sob o título: Ensino de História Local, um desafio para os professores da Zona da Mata de Minas Gerais (o presente texto foi modificado e adaptado). Postado por Natania Nogueira às 11:48 Marcadores: ensino, história