Fabio Ladeira De Zoppa Arquitetura e Comunicação: A influência do espaço físico na comunicação das empresas Trabalho de Conclusão de Curso Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo Curso de Relações Públicas São Paulo, 2005 Fabio Ladeira De Zoppa Arquitetura e Comunicação: A influência do espaço físico na comunicação das empresas Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas, sob a orientação do Professor Paulo Nassar. Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes São Paulo, 2005 Arquitetura e Comunicação: A influência do espaço físico na comunicação das empresas Data da Apresentação: ______/______/______ Banca Examinadora: ______________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ Dedico este trabalho à minha família e amigos, as alegrias da minha vida. Principalmente a meus pais, que sempre me ajudaram e incentivaram a concretizar meus sonhos. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que passaram pela minha vida nesses cinco anos de faculdade e que, mesmo sem saber, me ensinaram mais do que posso dizer em palavras. Agradeço aos meus pais por absolutamente tudo. Dos erros e acertos, tudo me ajudou a ser quem eu sou hoje. Ao meu irmão, que apesar do seu jeito “ogro” eu posso sempre contar, e toda minha família – incluindo os agregados. Aos meus queridos amigos que conheci na ECA e que mudaram minha forma de encarar a vida. Téo e Conras, meus quistos inesquecíveis. Vivi, minha leoa, e Jaime, que se tornou essencial para mim este ano. À Manga Comunicação – nunca um grupo de Projex foi tão entrosado e se divertiu tanto como nós. Ao Klebs, por sua inteligência e pela ajuda nesse trabalho, à Veri, pelas risadas e compreensão, à Manu, a companheira perfeita nas baladas, nos bronzeados no CEPE e na vida, e à Thatá, que mesmo ausente é tão querida. Agradeço ao João, pela diagramação, ao Renato, pelas baladas, à minha prima Marina, pelos livros emprestados, e à Diana, minha gatinha, quem vem sempre pedir comida quando estou concentrado e está sempre no meu colo durante minhas leituras. Ao meu professor e orientador Paulo Nassar e à Agatha, que dividiu momentos de tensão e dúvidas nesse trabalho. Agradeço a Deus pelas oportunidades e a Saint Germain pela orientação. E não poderia deixar de agradecer às temporadas de Friends e Sex and the City, lançadas em DVD, e aos chocolates Hershey’s, que me proporcionaram momentos de prazer frente às tensões desse trabalho. RESUMO Este trabalho tem como objetivo traçar um paralelo entre a arquitetura e a comunicação das empresas através da influência do espaço físico no fluxo de mensagens da organização. Com a observação de uma empresa real, serão ilustrados alguns exemplos de como a estrutura física de uma organização interfere neste fluxo. 7 ABSTRACT This work has as objective to trace a parallel between the architecture and the communication of the companies through the influence of the physical space in the flow of messages of the organization. With the comment of a real company, some examples of how the physical structure of an organization intervenes in this flow will be illustrated. 8 RESUMEN Este trabajo tiene como el objetivo remontar un paralelo entre la arquitectura y la comunicación de las compañías con la influencia del espacio físico en el flujo de los mensajes de la organización. Con la observación de una compañía verdadera, serán ilustrados algunos ejemplos de cómo la estructura física de una organización interferí en este flujo. 9 Sumário Resumo ...................................................................................................... 7 Abstract ...................................................................................................... 8 Resumen .................................................................................................... 9 Introdução ............................................................................................... 11 História da Arquitetura............................................................................ 17 Pré-História ....................................................................................................................... Antigüidade ....................................................................................................................... Antigüidade Clássica .............................................................................................. Idade Média ....................................................................................................................... Idade Moderna ................................................................................................................... Renascimento ......................................................................................................... Maneirismo ............................................................................................................. Séculos XVII e XVIII ................................................................................................. Arquitetura Barroca ................................................................................................. Arquitetura Neoclássica .......................................................................................... 18 19 20 22 23 24 25 26 27 27 Idade Contemporânea ....................................................................................................... Século XX ................................................................................................................ Frank Lloyd Wright .................................................................................................. Le Corbusier ............................................................................................................ 28 30 32 34 Arquitetura e Comunicação ................................................................... 37 Comunicação e Teoria das Organizações ......................................................................... Administração Científica ou Taylorismo .................................................................. Escola de Relações Humanas ................................................................................ Arquitetura ......................................................................................................................... Arquitetura Externa ................................................................................................. Arquitetura Interna ................................................................................................... Fluxos de Comunicação .................................................................................................... Redes de Comunicação .................................................................................................... 39 40 41 43 43 45 46 49 Grupo Accor ............................................................................................ 52 Grupo Accor ...................................................................................................................... 53 Comunicação Accor ................................................................................................ 55 Arquitetura da Empresa .................................................................................................... 56 Considerações Finais ............................................................................ 59 Bibliografia .............................................................................................. 63 Sites .................................................................................................................................. 66 INTRODUÇÃO 11 Quando pensamos em arquitetura, muitas coisas nos vêm à mente. Prédios, grandes construções, desenhos minuciosos e complicados. Pensamos na arquitetura como a arte de criar espaços organizados que abrigam as diversas atividades humanas. Pensamos nela mais pelo lado técnico das edificações e construções. Entretanto, a arquitetura engloba muitos outros aspectos. Ela é, como todas as outras artes, uma forma de expressão do pensamento humano, transmitindo concepções individuais às pessoas e inundando suas percepções com diferentes significados. Segundo Marco Vitrúvio, arquiteto romano de grande influência até os dias de hoje, a arquitetura é uma ciência ornada por muitos conhecimentos e saberes variados, e pelos critérios da qual são julgadas todas as demais artes. Ela não é uma arte restrita apenas a observadores. Todos acabam sendo influenciados por suas obras, sejam estudiosos ou indivíduos comuns. Como arte, a arquitetura expressa algo. Mesmo sem intenção, ela reflete significados. Com isso, por mais despretensiosa que seja, toda obra modifica o contexto onde se insere. Não há como questionar a influência da arquitetura na história da humanidade. Tendo ela como objeto de estudo o que define e modifica o ambiente do homem, é a atividade que prova como a humanidade conseguiu e consegue transformar seu ambiente e tudo que está ao seu redor. Pode-se até afirmar que a arquitetura é o contexto ambiental que apresenta a evidência e o significado da existência da sociedade. “A arquitetura abrange o exame de todo o ambiente físico que circunda a vida humana; não podemos subtrair-nos a ela, até que façamos parte da sociedade 12 urbana, porque a arquitetura é o conjunto das modificações e alterações introduzidas sobre a superfície terrestre, em vista das necessidades humanas (...)” (Morris; 1947, p. 245). A arquitetura tem, portanto, essa peculiar característica de ser não só uma forma de expressão, mas também de satisfazer as necessidades do ser humano. Seu sentido se modificou durante o tempo. Com a evolução da humanidade, o sentido arquitetônico, iniciado com a necessidade básica do abrigo, ganhou o campo social com a intensificação das relações entre as pessoas. Através de sua presença na história da humanidade, apresentada no primeiro capítulo deste trabalho, é possível perceber como a arquitetura é um reflexo da cultura de cada época, sendo desde a proteção e abrigo individual – tanto social quanto da natureza – até objeto de desejo. Essa passagem de abrigo a desejo se dá quando a necessidade de proteção se torna um símbolo maior, seja de status ou realização pessoal. Hoje, os espaços – de trabalho, lazer, moradia – se confundem, e já fazem parte da busca pelo prazer, em qualquer situação humana. A estética – ou a busca pela beleza – prevalece nessa atividade que trabalha as formas, acompanhando os diferentes conceitos de beleza estabelecidos durantes os períodos de nossa história. Por isso, cabe ao arquiteto estar atento aos questionamentos que levanta com sua obra – como ela é compreendida e como estabelece seu vínculo com o contexto onde se insere, sem deixar que sua visão de mundo se torne predominante em detrimento à significação social. 13 “O arquiteto, ordenando formas, realiza uma ordem que é pura criação de seu espírito; pelas formas afeta intensamente nossos sentidos, provocando emoções plásticas; pelas reações que cria, ele desperta em nós ressonâncias profundas, nos dá a medida de uma ordem do mundo, determina movimentos diversos de nosso espírito e de nossos sentimentos; é então que sentimos a beleza” (Corbusier; 2000, p. 3). A arquitetura comunica, com a intensidade das formas e porte, o que o produto de sua concepção realiza. Essa comunicação se dá no sentido de intermediações sociais das mais intrínsecas, que abrangem todas as relações humanas. Ou seja, o espaço é ponto fundamental para o convívio e definição social. A arquitetura invade o contexto das pessoas que por ela são tocadas. Cada elemento arquitetônico cria uma nova interpretação do espaço, e é exatamente o espaço que orienta uma estrutura arquitetônica. A arquitetura tem no espaço um de seus principais elementos, embora nem sempre ele possa ser definido ou conceituado com facilidade. Por meio do espaço de uma construção ou obra arquitetônica, podemos extrair muitos aspectos que nos auxiliam a compreender sua importância e influência em outras áreas. É difícil pensarmos em arquitetura sem pensarmos em espaço. Por mais complicado que seja defini-lo, é fácil entender seu sentido. A missão da arquitetura é exatamente criar espaços que favoreçam o desenvolvimento ou controle da existência humana. De acordo com Michel Foucalt (1987, p. 154), em seu livro Vigiar e Punir: “[a arquitetura] não é mais feita simplesmente para ser vista, ou para vigiar o 14 espaço exterior, mas para permitir um controle interior, articulado e detalhado – para tornar visíveis os que nela se encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador para a transformação dos indivíduos: agir sobre aquele que abriga, dar domínio sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos do poder, oferecê-los a um conhecimento, modificá-los”. Entretanto, o significado de espaço normalmente está atrelado à sua praticidade. Este conceito de prática do espaço se apresenta em duas formas: uma prática física do espaço e uma prática imaginária. O que se estuda geralmente é a prática física do espaço, o que acaba deixando um pouco de lado a determinação da prática referente ao imaginário do indivíduo. “Isso não basta, contudo, pois se o espaço mantém um relacionamento direto com o corpo do indivíduo adquirindo em consciência uma significação precisa, ele alimenta igualmente uma relação não menos direta com o imaginário desse indivíduo (...)” (Netto; 2002, p.118). A determinação da prática do imaginário, devido a toda sua semântica, tem uma detecção e compreensão mais trabalhosa do que a prática física do espaço. Ela envolve o nosso contato com o mundo das coisas que nos cercam e nossa maneira de captar, sentir, perceber e entender os estímulos presentes no ambiente. O meio pelo qual recebemos esses estímulos do ambiente pode ser chamado de comunicação, que se dá ou porque as coisas simplesmente existem no ambiente ou porque há intenção de comunicar o ambiente pelas coisas. Estamos sujeitos a essa comunicação do ambiente, influenciados não só pela estrutura física, mas por tudo que nela se insere e por todas as subjetividades que ela apresenta. 15 Chegamos então ao ponto central deste trabalho, onde o paralelo entre a arquitetura e a comunicação se faz mais evidente. O ambiente comunica, tanto com seu espaço exterior quanto com seu espaço interior. Internamente, o fluxo de mensagens de um ambiente sofre diversas interferências. Uma dessas interferências é sua estrutura física – em outra palavra, sua arquitetura. Este trabalho tem como objetivo mostrar algumas dessas interferências e como a estrutura física do ambiente de trabalho, isto é, o layout da empresa, influencia na sua comunicação. 16 HISTÓRIA DA ARQUITETURA 17 A História da Arquitetura é, na verdade, uma subdivisão da História da Arte responsável pelo estudo da evolução histórica da arquitetura em si, seus princípios, idéias e realizações. Esta área de estudo, como qualquer outra forma de conhecimento histórico, está sujeita às limitações e potencialidades da história como ciência, visto que existiram diversas perspectivas em relação ao estudo da arquitetura, e grande parte delas eram visões ocidentais. Na maioria dos estudos, os períodos estudados pela História da Arquitetura correm paralelos aos da História da Arte, embora existam momentos em que as estéticas se sobreponham ou se confundem. Algumas vezes, por exemplo, uma estética que é considerada vanguarda nas artes plásticas ainda não encontrou sua representação na arquitetura, e vice-versa. As primeiras grandes obras de arquitetura remontam ao período da Antigüidade, por volta de 3500 a.C, mas é já possível observar as origens do pensamento arquitetônico em períodos pré-históricos, quando foram erigidas as primeiras construções humanas. Pré-História Durante a pré-história, período que antecede a 3500 a.C, o ambiente construído pelas sociedades primitivas não passava de uma modificação superficial do ambiente natural. As construções predominantes estavam associadas à idéia de abrigo, que eram na verdade uma cavidade natural ou refúgio de peles sobre uma estrutura simples de madeira. O abrigo era o elemento principal da organização espacial de diversos povos, servindo como ponto de partida para o seu desenvolvimento. 18 “O ambiente das sociedades neolíticas não é apenas um abrigo na natureza, mas um fragmento de natureza transformado segundo um projeto humano: compreende os terrenos cultivados para produzir, e não apenas para apropriar do alimento; os abrigos dos homens e dos animais domésticos; os depósitos de alimento produzido para uma estação inteira ou para um período mais longo; os utensílios para o cultivo, a criação, a defesa, a ornamentação e o culto” (Benevolo; 1999, p.16). Este tipo de construção ainda pode ser observado em sociedades não totalmente integradas à civilização ocidental, como os povos ameríndios, africanos, aborígines, entre outros. A presença do abrigo no inconsciente coletivo destes povos é tão forte que ela marcará a cultura de diversas sociedades posteriores. Antigüidade À medida que as comunidades humanas evoluíam e aumentavam, acometidas pelas ameaças de guerras constantes, a primeira modalidade de construções a se desenvolver foi essencialmente a militar. Nesse período surgiram as primeiras cidades e sua configuração estava ligada à existência de muralhas e proteção a ameaças externas, que, pela primeira vez, excluem o ambiente aberto natural do ambiente fechado das cidades. As cidades não eram apenas aldeias maiores, e sim motores de rápidas transformações e mudanças da composição e das atividades da sociedade. Um exemplo são as cidades de Babilônia e Nínive, situadas na Mesopotâmia, que foram as primeiras grandes metrópoles da civilização, por volta de 2000 a.C, e que durante muito tempo permaneceram como símbolos de toda grande concentração humana. 19 Outro tipo de edificações bastante desenvolvidas foram as construções religiosas. A humanidade confrontava-se com um mundo povoado de deuses e seres mitológicos. O modo como os indivíduos lidavam com a transformação de seu ambiente imediato era então bastante influenciado pelas suas crenças. Muitos aspectos da vida cotidiana estavam baseados no respeito ou na adoração ao divino e ao sobrenatural, fazendo com que os principais edifícios das cidades fossem os palácios e os templos. No Antigo Egito, por exemplo, os monumentos religiosos eram dispostos como uma cidade independente, construída de pedra, que se assemelhava, pela grandeza, com os elementos da paisagem natural. Esta importância do aspecto religioso fazia com que a figura do arquiteto estivesse associada aos sacerdotes ou aos próprios governantes. A execução dos edifícios era acompanhada por diversos rituais que simbolizavam o contato do homem com o divino. Se as cidades marcaram uma interrupção da natureza selvagem, consideradas o espaço sagrado em meio ao natural, os templos dentro das cidades marcaram a morada dos deuses em meio ao ambiente humano. Antigüidade Clássica O período chamado de Antigüidade Clássica engloba as civilizações gregas e romanas no período de 800 a.C a 476 d.C. A Arquitetura e o Urbanismo dos gregos e romanos destacavam-se bastante dos egípcios e babilônios, na medida em que a vida cívica passava a ganhar importância. A cidade torna-se o elemento principal da vida política e social destes 20 povos: os gregos desenvolveram-se em cidades-estado e o Império Romano surgiu de uma única cidade. Durante os períodos e civilizações anteriores, os assuntos religiosos eram o motivo e a manutenção da ordem estabelecida. No período greco-romano, o mistério religioso ultrapassou os limites do templopalácio e tornou-se assunto dos cidadãos, ou da polis. Enquanto os povos anteriores desenvolveram apenas as arquiteturas militar, religiosa e residencial, os gregos e romanos foram responsáveis pelo desenvolvimento de espaços próprios à manifestação da cidadania e dos afazeres cotidianos. A ágora grega definia-se como um grande espaço livre público destinado à realização de assembléias, rodeada por templos, mercados e edifícios públicos. O espaço da ágora tornara-se um símbolo da nova visão de mundo que incluía o respeito aos interesses comuns e incentivador do debate entre cidadãos, ao invés da antiga ordem despótica. Os assuntos religiosos, contudo, ainda possuíam um papel fundamental na vida da população, mas agora foram incorporados aos espaços públicos da pólis. Os rituais populares tomavam lugar em espaços construídos para tal, como a acrópole. Cada lugar possuía sua própria natureza, inseridos em um mundo que convivia com o mito. Os templos passaram a ser construídos no topo das colinas, criando um marco visual na cidade baixa e possibilitando um refúgio à população em tempos de guerra. “Assim, a presença do homem na natureza torna-se evidente pela qualidade, não pela quantidade; o cenário urbano – como o organismo político da cidadeestado – permanece uma construção na medida do homem, circundada e dominada pelos elementos da natureza não mensurável” (Benevolo; 1999, p. 89). 21 Idade Média O período medieval iniciou-se com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Dois fatores são marcantes na produção arquitetônica desta época. O primeiro foi a diminuição da vida nas cidades e a dispersão de seus habitantes para o campo. Nessa sociedade rural, que forma a base da organização política feudal, as cidades não funcionam mais como centros administrativos, e sim como centros de produção e troca. O segundo fator foi a ascensão da Igreja Católica. À medida que o poder do Clero crescia, a Igreja passou a deter o capital necessário ao desenvolvimento das grandes obras arquitetônicas. A tecnologia do período desenvolveu-se principalmente na construção de igrejas, abadias e catedrais. Durante praticamente todo o período medieval, a figura do arquiteto como sendo o criador do espaço arquitetônico e da construção não existe. A construção das catedrais, principal esforço construtivo da época, é acompanhada por toda a população e insere-se na vida da comunidade. O conhecimento construtivo é guardado pelas corporações, as quais reuniam dezenas de mestres-obreiros – os arquitetos de fato – que conduziam a execução das obras e as elaboravam. No final do século X, com o renascimento econômico da Europa e o aumento da população, as cidades voltam a se desenvolver. As novas cidades crescem sobre o traçado das antigas, mas com caráter social e organização de construção diferente. Nesse período, a Cristandade definiu uma visão de mundo nova, que não só submetia a vontade humana aos desígnios divinos como esperava 22 que o indivíduo buscasse o divino. Em um primeiro momento, e devido às limitações técnicas, a concepção do espaço arquitetônico dos templos voltase ao centro. “A unidade era garantida pela coerência do estilo, isto é, pela confiança no futuro, não pela memória do passado. O gótico é justamente o estilo internacional que unifica os métodos de construção e acabamento dos edifícios em toda a Europa, da metade do século XII em diante” (Benévolo; 1999, p.270). Idade Moderna Com o fim da Idade Média, em 1453 d.C, a estrutura de poder européia modificou-se radicalmente. Começam a surgir os estados-nacionais e, apesar da ainda forte influência da Igreja Católica, o seu poder entra em declínio, principalmente com as crises decorrentes da Reforma Protestante. O Renascimento abriu a Idade Moderna rejeitando a estética e cultura medievais e propondo uma nova posição do homem perante o Universo. Antigos tratados arquitetônicos romanos são redescobertos pelos novos arquitetos, influenciando profundamente a nova arquitetura. A relativa liberdade de pesquisa científica que foi conquistada permitiu avanço nas técnicas construtivas, criando novas experiências e a concepção de novos espaços. “Desse modo, a arquitetura muda de significado: adquire um rigor intelectual e uma dignidade cultural que a distinguem do trabalho mecânico, e a tornam semelhante às artes liberais: a ciência e a literatura” (Benevolo; 1999, p. 403). Algumas regiões italianas, e Florença em especial, devido ao controle das rotas comerciais que levam à Constantinopla, tornam-se as grandes potências mundiais e é nelas que se desenvolvem as condições para o 23 desenvolvimento das artes e das ciências. Renascimento Nos primeiros decênios do século XV, alguns artistas – arquitetos, escultores e pintores – descobrem uma nova maneira de projetar os edifícios, de pintar e de esculpir, que muda a natureza do trabalho artístico e suas relações com as outras atividades humanas. Essa mudança foi chamada de Renascimento. O espírito renascentista evoca as qualidades intrínsecas existentes no ser humano. Os progressos científico, espiritual, e social do homem tornamse um objetivo importante para o período. O Classicismo, redescoberto, e o Humanismo surgem como guia para a nova visão de mundo que se manifesta nos artistas do período. A cultura renascentista mostra-se multidisciplinar e interdisciplinar. O que importa ao homem renascentista é o culto ao conhecimento e à razão, não havendo separação entre as ciências e as artes. Tal cultura mostrou-se um campo fértil para o desenvolvimento da arquitetura, uma matéria que da mesma forma não vê limite entre as duas áreas. A arquitetura renascentista mostrou-se clássica, mas não pretendia ser neoclássica. Com a descoberta de antigos tratados da arquitetura clássica, deu-se margem a uma nova interpretação daquela arquitetura e sua aplicação aos novos tempos. Conhecimentos obtidos durante o período medieval, como o controle das diferentes cúpulas e arcadas, foram aplicados de uma nova forma, incorporando os elementos da linguagem clássica. 24 A descoberta da perspectiva – arte de representar os objetos sobre um plano como se apresentam à vista – é um aspecto importante para se entender o período. A idéia de infinito trazida pela manipulação do ponto de fuga – o ponto de convergência das linhas paralelas numa perspectiva cônica – foi bastante utilizada como elemento cênico na concepção espacial dos arquitetos da época. A perspectiva representou uma nova forma de entender o espaço como algo universal, compreensível e controlável através da razão do homem. O desenho tornou-se o principal meio de projeção, assim como surge uma nova figura do arquiteto, diferente da concepção coletiva dos edifícios medievais. Os novos meios de concepção do projeto influenciaram a concepção espacial dos edifícios. O poder da perspectiva de representar universalmente a realidade não se limitou a apenas descrever a experiência, mas também a antecipá-la projetando a imagem de volta à realidade. Maneirismo Com o desenrolar do Renascimento e o constante estudo e aplicação dos ideais clássicos, começa a surgir entre os artistas do período um certo sentimento anticlássico, ainda que suas obras continuassem, em essência, predominantemente clássicas. Neste momento, surge o chamando maneirismo, que se desenvolveu no ano de 1520 até por volta de 1610 d.C. O maneirismo foi um movimento com evidente tendência para a estilização exagerada e um capricho nos detalhes, extrapolando assim as rígidas linhas clássicas. Os arquitetos maneiristas, que rigorosamente podem continuar sendo chamados de renascentistas, apropriam-se das formas 25 clássicas, mas começam a desconstruir seus ideais. Como exemplo de maneirismo podemos citar a construção de colunas. As normas clássicas pregam que as colunas de um edifício não podem ter altura maior do que um andar. Os maneiristas construíram edifícios nos quais as colunas constituem um jogo de verticais, ultrapassando as alturas clássicas, mas mantendo seus detalhes. Séculos XVII e XVIII Os séculos seguintes ao Renascimento assistiram a um processo cíclico de constante afastamento e reaproximação do ideário clássico. “(...) a arte perde seu caráter de método unitário para conhecer e controlar o ambiente físico; a verdade das coisas não coincide mais com a beleza das coisas, mas pode ser afirmada com os métodos objetivos da pesquisa científica. A arte torna-se, assim, o estudo das qualidades não-objetivas, mas subjetivas e sentimentais; serve para controlar os sentimentos coletivos, ou para exprimir os sentimentos individuais, e oscila entre o conformismo e a evasão ou o protesto” (Benevolo; 1999, p.503). Dois estilos, o Barroco e o Neoclássico, marcam este período. O Barroco, em um primeiro momento, potencializa o descontentamento do Maneirismo pelas normas clássicas e propicia a gênese de um tipo de arquitetura inédita, ainda que freqüentemente possua ligações formais com o passado. Da mesma forma que o barroco representou uma reação ao Renascimento, o Neoclassicismo, mais tarde, constituirá uma reação ao barroco e uma forte tendência à recuperação do clássico. Este período de dois séculos, portanto, será marcado por um ciclo de dúvidas e certezas a respeito da validade das idéias clássicas. 26 Arquitetura Barroca O Barroco surge no cenário artístico europeu em dois contextos bem claros durante o século XVII. Primeiramente havia a sensação de que, com o avanço científico representado pelo Renascimento, o Classicismo, ainda que tivesse servido de alavanca para este progresso, não tinha mais condições de oferecer todas as respostas necessárias às dúvidas do homem. A visão do Universo não era mais a mesma, o mundo havia se expandido e o indivíduo precisava experimentar um novo tipo de contato com o divino e o metafísico. As formas luxuriantes do barroco, seu espaço elíptico foram uma resposta a estas necessidades. O segundo contexto é o da Contra-Reforma promovida pela Igreja Católica. Com o avanço das igrejas protestantes, a antiga ordem romana cristã estava sendo suplantada por novas visões de mundo e novas atitudes perante o Sagrado. A Igreja sentiu a necessidade de renovar-se para não perder os fiéis, e viu na promoção de uma nova estética a chance de identificar-se neste novo mundo. As formas do barroco foram promovidas pela instituição em todo o mundo, especialmente nas colônias recém-descobertas, tornando-o o estilo católico, por excelência. Arquitetura Neoclássica No fim do século XVIII e início do XIX, a Europa assistiu a um grande avanço tecnológico, resultado direto dos primeiros momentos da Revolução Industrial e da cultura iluminista. Foram descobertas novas possibilidades construtivas e estruturais, de forma que os antigos materiais, como a pedra e a madeira, passaram a ser substituídos gradativamente pelo concreto e pelo 27 metal. Paralelamente, influenciados pelo contexto cultural do Iluminismo europeu, os arquitetos do século XVIII passaram a rejeitar a religiosidade intensa da estética anterior e o exagero do barroco. Buscava-se uma síntese espacial e formal mais racional e objetiva, mas ainda não se tinha uma idéia clara de como aplicar as novas tecnologias em uma nova arquitetura. Inseridos no contexto do Neoclassicismo nas artes, aqueles arquitetos viram na arquitetura clássica a forma ideal para os novos tempos. Com o Neoclassicismo não se pretendeu, na verdade, um estilo novo, diferentemente da arte clássica renascentista. Ocorria muito mais uma cópia do repertório formal clássico e menos uma experimentação desta forma, tendo como diferença a aplicação das novas tecnologias. Idade Contemporânea A arquitetura que surge com a Idade Contemporânea irá refletir os avanços tecnológicos e os paradoxos sócio-culturais representados pelo advento da Revolução Industrial. As cidades passam a crescer de modo inédito e novas demandas sociais relativas ao controle do espaço urbano devem ser respondidas pelo Estado, o que acabará levando ao surgimento do urbanismo como disciplina acadêmica. O papel do arquiteto e da arquitetura será constantemente questionado com o surgimento de novos paradigmas. “A arquitetura moderna nasce das modificações técnicas, sociais e culturais relacionadas com a Revolução Industrial; portanto, se se pretende falar dos componentes singulares, que depois irão confluir em uma síntese unitária, pode-se 28 dizer que a arquitetura moderna começa logo que se delineiam as conseqüências para a edificação e urbanização da revolução industrial (...). Em um primeiro momento, estes componentes estão contidos em diversos setores da vida social e não se pode fazer uma ligação entre eles se se permanece dentro dos termos da cultura da época; descobre-se sua unidade de tendência quando se considera aquilo que acontece mais tarde”. (Benevolo; 1976, p. 13). Todo o século XIX assistiu a uma série de crises estéticas que se traduzem nos movimentos chamados revivalistas. Os arquitetos do período viam na cópia da arquitetura do passado e no estudo de seus cânones e tratados uma linguagem estética legítima de ser trabalhada, pelo fato das inovações tecnológicas não encontrarem naquela contemporaneidade uma manifestação formal adequada e por diversas razões culturais e contextos específicos. O primeiro destes movimentos foi o Neoclássico, mas ele também vai se manifestar na arquitetura neogótica inglesa, profundamente associada aos ideais românticos nacionalistas. Os esforços revivalistas que aconteceram principalmente na Alemanha, França e Inglaterra por razões especialmente ideológicas, viriam mais tarde a se transformar em um mero conjunto de repertórios formais e tipológicos diversos, que evoluiriam para o Ecletismo, considerado por muitos como o mais decadente e formalista entre todos os estilos históricos. O Ecletismo reunia aspectos de estilos do passado, principalmente aqueles que tinham uma finalidade decorativa. Assim, alguns arquitetos mantiveram, em um mesmo edifício, elementos grego-romanos, góticos, renascentistas e mouriscos. A primeira tentativa de resposta à questão tradição versus industrialização, ou entre as artes e os ofícios, se deu pelo pensamento dos 29 românticos John Ruskin e William Morris, proponentes de um movimento estético que ficou conhecido justamente por Arts & Crafts. O movimento propõe a pesquisa formal aplicada às novas possibilidades industriais, vendo no artesão uma figura de destaque. Para eles, o artesão não deveria ser extinto com a indústria, mas tornar-se seu agente transformador, seu principal elemento de produção. Com a diluição dos seus ideais e a dispersão de seus defensores, as idéias do movimento evoluíram, no contexto francês, para a estética do art noveau, considerado o último estilo do século XIX e o primeiro do século XX. Século XX Logo nas primeiras décadas do século XX tornou-se muito clara uma distinção entre os arquitetos que estavam mais próximos das vanguardas artísticas em curso na Europa e aqueles que praticavam uma arquitetura ligada à tradição. Ainda que estas duas correntes estivessem, em um primeiro momento, cheias de nuanças e meios-termos, com a atividade “revolucionária” proposta por determinados artistas, e principalmente com a atuação dos arquitetos ligados à fundação da Bauhaus na Alemanha, com a Vanguarda Russa na União Soviética e com o novo pensamento arquitetônico proposto por Frank Lloyd Wright nos Estados Unidos, a cisão entre elas fica bastante nítida e o debate arquitetônico se transforma, de fato, em um cenário povoado de partidos e movimentos caracterizados como tal. A renovação estética proposta pelas vanguardas – especialmente pelo Cubismo, Neoplasticismo, Construtivismo e pela Abstração – no campo das artes plásticas abre o caminho para uma aceitação mais natural das propostas 30 dos novos pensamentos arquitetônicos, baseados na crença em uma sociedade regulada pela Indústria, na qual a máquina surge como um elemento absolutamente integrado à vida humana – como podemos ver nas obras do arquiteto Le Corbusier – e no qual a Natureza está não só dominada como também se propõem novas realidades diversas da natural – como é observado nos projetos de Frank Lloyd Wright. De uma forma geral, as novas teorias que se discutem a respeito da Arte e do papel do artista vêem na Indústria, e na sociedade industrial como um todo, a manifestação máxima de todo o trabalho artístico: artificial, racional, preciso e moderno. A idéia de modernidade surge como um ideário ligado a uma nova sociedade, composta por indivíduos formados por um novo tipo de educação estética, gozando de novas relações sociais, na qual as desigualdades foram superadas pela neutralidade da razão. Este conjunto de idéias vê na arquitetura a síntese de todas as artes, visto que é ela quem define e dá lugar aos acontecimentos da vida cotidiana. Sendo assim, o campo da arquitetura abarca todo o ambiente habitável, desde os utensílios de uso doméstico até toda a cidade. Para a arte moderna, não existe mais a questão artes aplicadas versus artes maiores. Todas elas estão integradas em um mesmo ambiente de vida. A arquitetura moderna será, portanto, caracterizada por um forte discurso social e estético de renovação do ambiente de vida do homem contemporâneo. Este ideário é formalizado com a fundação e evolução da escola alemã Bauhaus: dela saem os principais nomes desta arquitetura. A busca de uma nova sociedade, naturalmente moderna, era entendida como universal. Desta 31 maneira, a arquitetura influenciada pela Bauhaus se caracterizou como um algo considerado internacional. “Seu escopo específico era concretizar uma arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade. Seu trabalho se concentrava principalmente naquilo que hoje se tornou uma tarefa de necessidade imperativa, ou seja, impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-lhes novamente sentido prático e vida. (...) O que a Bauhaus propôs, na prática, foi uma comunidade de todas as formas de trabalho criativo, e em sua lógica, interdependência de um para com o outro no mundo moderno” (Gropius; 1997, p. 30 e 32). Dois arquitetos extremamente influentes neste período foram os já citados Frank Lloyd Wright e Le Corbusier. Wright, com suas edificações complexas e ricas de possibilidades em harmonia com a natureza, e Corbusier, com sua nova forma de enxergar a forma arquitetônica baseada nas necessidades humanas, revolucionaram, juntamente com a atuação da Bauhaus, a cultura arquitetônica do mundo inteiro. Frank Lloyd Wright O norte-americano Frank Lloyd Wright é considerado um dos maiores arquitetos de todos os tempos, projetando mais de mil edifícios durantes seus 92 anos de existência. O uso pioneiro que fazia dos espaços habitacionais em plano aberto, sua preocupação com a expressão verdadeira dos materiais, seu interesse pela tecnologia e seu respeito pela natureza permitiram-lhe antecipar quase todos os temas-chave que dominaram a arquitetura no século XX. A natureza é o principal tema do pensamento de Wright, sempre 32 retomado em seus projetos – em motivos decorativos como vitrais, mobiliário e acessórios, assim como em sua preocupação geral em situar seus prédios em harmonia com o ambiente natural. Wright procurou criar uma nova e autêntica arquitetura norte-americana. Rejeitando o estilo das belas artes clássicas da época, ficou conhecido por seu Prairie Style, estilo que se refere às pradarias do meio-oeste americano, onde Wright nasceu e cuja horizontalidade exerceu grande influência em sua obra. As vigorosas linhas horizontais em estilo prairie de suas construções deram lugar a algo que era ao mesmo tempo mais suave e mais orgânico. Em busca do que denominava a “destruição da caixa”, ou seja, a substituição do projeto em forma de caixa da maioria dos edifícios do século XIX por uma organização mais fluente do espaço, Wright fez com que os espaços internos de seus projetos se comunicassem de forma infinitamente mais espontânea. Projetou, entre 1934 e 1937, a Fallingwater, uma casa de verão à beira d’água na Pensilvânia. Ela representa o ápice da proposta de Wright de casar arquitetura e natureza, com o intuito de aproximar o homem de uma compreensão espiritual do mundo. Outra obra de Wright foi o edifício da bem-sucedida Johnson Wax Company, entre 1936 e 1950, que consistia em um novo prédio administrativo e novos laboratórios para a empresa. O complexo foi construído em duas etapas, primeiro o núcleo administrativo, depois a torre de 14 andares dos laboratórios. Rigorosamente distintos um do outro, os dois prédios formam uma composição extraordinária, ambos jogando com idéias de transparência. 33 Seu mais recente e famoso projeto, o Guggenheim Museum em Nova York, subverteu as formas convencionais, como quase todos os outros edifícios que projetou. No lugar de galerias retangulares empilhadas umas sobre as outras, Wright criou um edifício surpreendentemente abstrato. O prédio tem em seu centro um forte elemento geométrico, uma rampa espiralada que forma o principal espaço expositivo. Muitas de suas edificações apresentam falhas estruturais, mas o importante foi a sua visão de arquiteto como, por exemplo, romper o rígido estilo do século XIX, concebido a partir de um volume como uma caixa, e demonstrar que as edificações podem ser muito mais complexas e fluentes, muito mais ricas de possibilidades, muito mais harmônicas em relação à natureza. Com seu estilo pessoal e sua irreverência diante das convenções sociais, Wright antecipou o comportamento desassombrado que é esperado dos arquitetos. Le Corbusier Le Corbusier é o mais reverenciado e criticado dos arquitetos do século XX. A beleza e a amplitude de seu trabalho – da arquitetura ao design de móveis, do planejamento de cidades à pintura – lhe garantem um lugar de destaque. Para muitos, ele é o maior dos arquitetos. Para outros, sua visão totalizante do design é uma megalomania estilística. Para Corbusier, o século XX é a era da máquina, baseada na tecnologia da engenharia e na produção em massa Uma era de internacionalismo, comunicação de massa, democracia e ciência. Entretanto, em vez de avançar com essas mudanças e interagir com elas, a arquitetura ficou parada no século 34 XIX, preocupando-se apenas em discutir qual estilo histórico seria mais interessante retomar. Assim sendo, a missão de Corbusier seria arrancar a arquitetura de seu impasse estilístico, substituindo-o por um movimento cujas formas fossem tão modernas e revolucionárias quanto o novo século. Corbusier não era o único a desejar criar uma nova arquitetura. Suas idéias faziam parte do movimento modernista e sua obra era contemporânea a de outros grandes artistas. Corbusier buscava nos produtos e métodos do engenheiro a inspiração para as formas que a nova arquitetura deveria assumir. Naquilo que chamava “a estética do engenheiro”, ele via uma simplicidade e padronização de formas, assim como um método lógico de design, que buscava a funcionalidade e não o estilo, o que, em sua concepção, constituiria uma nova forma de pensar a arquitetura. Mas ele também insistia na necessidade de combinar a estética do engenheiro com os princípios fundamentais da arquitetura, que não tinham nada a ver com o estilo. Eram os valores permanentes e atemporais que servem de base a toda boa arquitetura: volume, superfície e plano. Para Corbusier, só o casamento do absolutamente moderno com os valores antigos e tradicionais poderia levar a uma revolução permanente no design e à gênese de uma nova arquitetura. O surgimento de Corbusier como um arquiteto moderno pode ser situado no começo da década de 1920, com a publicação do livro Por uma Arquitetura em 1923. O processo pelo qual ele finalmente se encontrou em condições de compreender a necessidade de uma nova arquitetura e de antecipar a sua forma foi gradual. 35 Em Por uma Arquitetura Corbusier escreve que a vida moderna exige e espera um novo tipo de planta, tanto de casa quanto de cidade. Por meio do purismo, a arquitetura poderia pôr-se em sintonia com a vida moderna. Segundo ele, o purismo iria atender às necessidades da vida moderna. Ele oferecia os meios para reformar a arquitetura do ponto de vista espacial e visual, e haveria de constituir o ponto de partida teórico de toda a arquitetura posterior ao seu trabalho. O purismo reflete a combinação que ele buscava entre princípios de engenharia e princípios arquitetônicos, entre os conceitos de modernidade e de tradição, categorias que ele se deparou em seu processo de formação autodidata. Corbusier buscava superar o caos da arquitetura contemporânea. O objetivo final era fazer que o homem, a máquina e a natureza coexistissem em estado de equilíbrio. O resultado foi o que poderia ser definido como o “classicismo da era da máquina”. 36 ARQUITETURA E COMUNICAÇÃO 37 Como já pudemos observar nos capítulos anteriores, a comunicação sempre esteve implícita na arquitetura. “Como meio de comunicação, a arquitetura está presente no cotidiano dos indivíduos como uma forma mediadora da ação e da compreensão” (Martino & Nassar; 2002, p.126). Mais do que isso, a arquitetura nos comunica as visões de uma época, nos ilustra o progresso técnico e sua repercussão na humanidade. Através da arquitetura é possível traçarmos uma análise das relações do homem com os diversos espaços físicos que ele está inserido, entre elas a relação do homem com a sua empresa. Essa relação entre o homem e empresa vendo sendo modificada através do tempo, principalmente com as mudanças ocorridas durante o século XX. Neste período, as tecnologias desenvolvidas geraram uma nova concepção de espaço, e com isso novos sistemas de percepções da sociedade. A imagem da empresa foi alterada junto com essas mudanças, bem como sua forma de compreensão. “As diferentes formas de compreensão da organização objetivam-se em diferentes formas de organização espacial do ambiente de trabalho e, por sua vez, da arquitetura dos ambientes” (Martino & Nassar; 2002, p. 130). A arquitetura das organizações pode ser vista de duas maneiras: externamente, como demonstração da atual etapa econômica, financeira ou cultural da sociedade e da própria empresa; e internamente, estabelecendo os tipos de comportamento e atuação dos indivíduos que ali trabalham. A disposição do espaço físico da empresa cria, portanto, uma percepção 38 social entre os funcionários, influenciando em suas relações. Entretanto, o conhecimento das práticas organizacionais mostra a arquitetura como uma variável de pouca importância na constituição das relações dentro da empresa. “Essa desvalorização vem justamente de sua proximidade cotidiana – é difícil analisar os elementos da configuração do dia-a-dia, sobretudo por sua intrínseca relação com nossos esquemas já formados de percepção do mundo. Em outras palavras, o cotidiano torna-se invisível por sua proximidade, assim como a totalidade de relações sociais existentes no processo de produção. O espaço real, bem como o espaço social, não são fortuitos, e nas suas especificidades estão as possibilidades limitadas de comportamento diante deles” (Martino & Nassar; 2002, p.133). Assim sendo, é necessário traçar um paralelo entre a arquitetura e a comunicação através desses elementos intrínsecos no cotidiano das empresas. Elementos que são de fundamental importância para o entendimento da influência do ambiente físico na comunicação das empresas. Um desses elementos é a linha administrativa que a organização segue. A Teoria Geral das Organizações, campo que estuda a história e a evolução dos modelos administrativos, nos revela elementos que podem nos levar a compreensão das relações entre arquitetura e comunicação. Comunicação e Teoria das Organizações Os estudos voltados para a administração das organizações nos ajudam a compreender melhor os processos de comunicação das empresas. Baseado nesses estudos, podemos traçar um perfil da constituição de seu ambiente físico – sua arquitetura – através da observação da linha administrativa que a 39 empresa segue. Apesar de existirem diversas teorias organizacionais onde podemos verificar a influência da estrutura física da empresa na sua comunicação, iremos nos ater, neste trabalho, apenas no modelo da Escola de Administração Científica, desenvolvido por Taylor, e no modelo da Escola de Relações Humanas. Como esses dois modelos têm fundamentos bem diferenciados, é possível evidenciar as características de cada arquitetura com mais clareza. Antes de abordarmos o reflexo dessas teorias no ambiente físico das organizações, daremos um breve panorama dos aspectos comunicacionais desses dois modelos. Administração Científica ou Taylorismo Essa teoria da administração tem como seu principal teórico o engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor. Ela nasce a partir da necessidade de superar algumas contradições geradas pelo advento da Revolução Industrial. Neste momento, há um grande aumento na produção e na complexidade do funcionamento das empresas com a rápida substituição das pequenas manufaturas artesanais por verdadeiros conglomerados industriais. Essa mudança resultou em diversos problemas relacionados à organização do trabalho, e o estudo de Taylor foi uma resposta a este quadro. Taylor desenvolveu sua visão organizacional sobre três pilares. O primeiro é a estrutura piramidal, onde o poder está centralizado e ocupa o topo da pirâmide, tendo os comandos e ordens emanados de acordo com o posicionamento no organograma. O segundo pilar é a divisão do trabalho, 40 que organiza e especializa as inúmeras funções organizacionais. O terceiro pilar é a autoridade dos quadros, onde a autoridade de um cargo tem como base sua posição no organograma e sua competência técnica. Na visão de Taylor, o trabalho deve ser dividido em tarefas, que devem ter os seus tempos cientificamente medidos e seus movimentos estudados com o objetivo de se chegar a uma produtividade máxima. O estimulo ao trabalhador vem do seu desempenho na produção, sendo melhor remunerado quem produz uma maior quantidade dentro do tempo estabelecido para as tarefas. A teoria de Taylor vê a organização isolada do ambiente em que ela se insere. Os fatores externos ao trabalho devem ser relevados pelos administradores. O processo de comunicação na empresa regida pelas teorias de Taylor tem como emissor a alta direção da organização. O sentido do fluxo de informações é apenas descendente: do topo para a base da pirâmide organizacional. “A informação que desce o organograma vai sendo parcialmente filtrada em cada nível hierárquico. O processo de comunicação voltado ao operário, aos trabalhadores, é visto como algo secundário e restrito à simples difusão vertical de informação” (Nassar; 2000, p.73). Segundo Nassar (2000, p. 71), os princípios da comunicação no modelo taylorista consistem em: desenvolver uma verdadeira ciência do trabalho; promover uma seleção científica dos trabalhadores; promover a educação científica e o desenvolvimento do trabalhador; e promover a cooperação 41 harmoniosa entre a Administração e os trabalhadores. Escola de Relações Humanas A teoria das Relações Humanas surgiu nos Estados Unidos através do estudo de George Elton Mayo, baseado em experiências na fábrica Hawthorne, da Western Electric, em Chicago. Esta teoria inclui novas variáveis ao estudo da administração, tais como liderança, motivação, grupos informais, etc. Ela surge da necessidade de se acabar com a desumanização, mecanicismos e hierarquizações das Teorias Clássicas da Administração, como a Administração Científica de Taylor. Neste período, por volta da década de 20, as ciências humanas eram algo crescente e tinham na Sociologia e na Psicologia os seus maiores expoentes. Como ambas têm como foco de estudo o homem, não foi difícil ver os influentes intelectuais da época tentarem aplicar seus preceitos e estudos na organização industrial. Dessa forma, o homem passa a ser entendido como um ser social, que possui necessidades básicas que deseja satisfazer e que não se resumem apenas em ganhos financeiros. Ao contrário da teoria centralizada apenas nas relações pertencentes à organização técnica da produção, defendida por Taylor, a teoria de Mayo assinala a importância dos fatores pertencentes à organização social da empresa para a eficácia do processo de produção. A teoria das Relações Humanas conserva a pirâmide, a hierarquia e as funções organizacionais descritas por Taylor. Entretanto, essa teoria valoriza o processo de comunicação onde a informação segue também um fluxo 42 ascendente – da base para o topo da pirâmide organizacional –, que proporciona uma maior integração no processo de trabalho e traz uma maior produtividade e uma diminuição nos conflitos organizacionais. Valoriza também a comunicação lateral – entre pessoas de mesmo nível hierárquico –, vista como uma ferramenta integradora e de democratização do ambiente de trabalho. Segundo Nassar (2000, p.77), os princípios da comunicação na Escola de Relações Humanas consistem em: trabalho em equipe; carisma das chefias; e fatores humanos influentes no processo de trabalho. Arquitetura Como já dito anteriormente, a arquitetura de uma organização pode ser analisada tanto externa como internamente. Tendo observado as principais características dos modelos administrativos de Taylor e da Escola de Relações Humanas, podemos agora notar como cada linha influencia na estrutura física das respectivas organizações. Arquitetura Externa O edifício ou construção onde uma empresa funciona já nos diz um pouco sobre sua filosofia. Neste trabalho, não daremos ênfase na arquitetura externa e nas diversas formas que ela pode comunicar a ideologia de uma organização. Entretanto, serão ilustradas algumas características físicas que podem ser observadas quando olhamos de fora, por exemplo, uma empresa que segue a linha administrativa de Taylor e uma empresa que segue a linha administrativa 43 da Escola de Relações Humanas. Quando observamos uma empresa ou fábrica da linha taylorista veremos que externamente elas parecem um aglomerado de blocos. Pode-se até dizer que lembram contêineres ou grandes caixas enfileiradas. Isso acaba remetendo à idéia de padronização transmitida pelo modelo administrativo de Taylor. O concreto armado e o ferro, presentes em suas instalações, acabam passando um aspecto de rigidez, de opacidade, de não integração da empresa ao ambiente que está ao seu redor. É possível compararmos esse tipo de arquitetura com as obras projetadas pelo arquiteto Le Corbusier. A arquitetura de Corbusier tinha um estilo estandardizado, com uma unidade básica de construção que poderia ser repetida indefinidamente. “Para Corbusier, a vida moderna era semelhante a uma máquina. Tão compartimentada, estandardizada e eficiente como uma linha de montagem” (Darling; 2002, p. 15). Podemos ver um exemplo da influência de Corbusier na arquitetura de Brasília. Na época de sua construção, Corbusier foi consultado sobre o projeto por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. O ideal urbano do projeto foi baseado na separação das funções, ou seja, a cidade é separada por setores – ministérios, escolas, hospitais, residências, etc. A arquitetura de uma empresa da linha de Relações Humanas já não transmite essa idéia de padronização e separação por funções. A estrutura física dessas empresas é integrada ao ambiente onde estão inseridas e sua construção não transmite a idéia de funcionalismo. Pelo contrário, a sua 44 arquitetura é desenhada de maneira que seja transmitida a visão dos processos de relacionamento e de comunicação da empresa. Diferente da paisagem rígida das empresas com modelo taylorista, onde o ambiente não poderia desviar a atenção do funcionário, a paisagem dessas empresas muitas vezes se integra à natureza, com jardins e bosques ao seu redor. Um exemplo disso é a arquitetura da fábrica da Natura, em Cajamar (SP). A sede da empresa, especializada no setor de cosméticos, é totalmente integrada no ambiente que ela se encontra – com reservas de árvores e plantas utilizadas em seus produtos. Essa integração entre o ambiente e a natureza pode ser observada nas obras do arquiteto Frank Lloyd Wright. A natureza á o tema-chave do pensamento de Wright, e seus projetos tinham sempre a preocupação de estarem situados em harmonia com os entornos naturais. Seu projeto para a construção do edifício Johnson Wax é um exemplo disso. As colunas do prédio de administração sustentam um teto de vidro que faz a luz natural jorrar para o interior sem aberturas. Arquitetura Interna A arquitetura interna da empresa modela a distribuição dos funcionários na organização e influencia na maneira que eles se relacionam. “Internamente, [a arquitetura empresarial] contribui para estabelecer os modelos de comportamento e atuação de seus funcionários, bem como o grau de comprometimento em relação à empresa” (Martino & Nassar; 2002, p.133). 45 Neste trabalho, a influência da arquitetura interna será mostrada através dos fluxos e redes de comunicação da empresa. Fluxos de Comunicação Como já foi citado anteriormente, existe uma clara diferença entre os fluxos de comunicação no modelo taylorista e no modelo de Relações Humanas. Enquanto no primeiro a informação tem apenas sentido descendente, o segundo valoriza o sentido ascendente e lateral da informação. Essa diferença é percebida quando observamos a estrutura física das empresas que são administradas por cada teoria. Na arquitetura das fábricas administradas pelas concepções tayloristas, as paredes demarcam o início e o fim de cada etapa da elaboração de um determinado produto. Os funcionários são posicionados e separados na linha de produção de acordo com a função que cada um executa. Ou seja, não há integração lateral entre os operários. A arquitetura da fábrica elimina a interação entre os trabalhadores e a visão daquilo que produzem. O fluxo de comunicação horizontal é impedido pela própria estrutura física da empresa. “A administração focada em funções de trabalho sempre refletiu escritórios e fábricas que lembram o desenho de colméias, com poucos vasos comunicantes e paredes espessas que impedem a visão do que acontece fora de seus territórios (...) É fácil entender, então, por que nesse tipo de ambiente o desenho de prédios e processos procurava o menor caminho entre dois pontos, a reta, a maior velocidade, e afastava da sua concepção tudo aquilo que pudesse levar à dispersão dos trabalhadores ou às mensagens complexas (...)” (Nassar; 2003, p. 97). Outro aspecto da arquitetura que podemos observar nessas fábricas é 46 a separação do espaço da administração – ou o topo da pirâmide organizacional – do chamado “chão-de-fábrica”, que representa a base da pirâmide. Se olharmos no desenho dessas fábricas, perceberemos que o espaço administrativo está estrategicamente localizado para observar e controlar o trabalho realizado, deixando bem claro quem está gerenciando e quem é apenas um operário. Se a empresa ou fábrica possuir andares, veremos que eles reforçam seu organograma, como se o desenho do edifício fosse um reflexo da pirâmide organizacional da empresa. Já nas empresas administradas na concepção das Relações Humanas, o tijolo das paredes que impedia o fluxo de comunicação é substituído pelo vidro e por divisórias, transmitindo um aspecto de transparência e flexibilidade, e permitindo um fluxo de comunicação ascendente e horizontal. Em algumas empresas dessa linha administrativa simplesmente não há divisórias. A estrutura física da organização não é delimitada pelo organograma, fazendo com que todos os fluxos comunicacionais – ascendente, descendente e lateral – se processem com eficiência. Em empresas onde existem divisões, a localização da área administrativa nem sempre está no alto, com o intuito de controlar os funcionários ou mesmo reforçar as questões hierárquicas da organização. Muitas vezes a administração dessas empresas está integrada aos outros setores da empresa, permitindo que os fluxos ascendentes de comunicação sejam facilitados. 47 Em algumas empresas dessa linha administrativa, a gerência de um setor da empresa tem uma sala separada dos demais funcionários. Entretanto, o fluxo de comunicação não sofre tantos empecilhos, pois a administração está posicionada em um local físico mais acessível. Quando a empresa é distribuída em um edifício, a comunicação pode sofrer bloqueios dependendo da distribuição de seus funcionários nos andares do prédio. Se pessoas de uma mesma área ou que fazem parte de um mesmo processo da organização forem separadas por muitos andares, o fluxo lateral pode ser prejudicado. Esses impedimentos no fluxo dos processos de comunicação de uma organização causados pela sua estrutura física se encaixam nas chamadas barreiras gerais na comunicação de ordem mecânica, denominadas também de barreiras físicas. Segundo Margarida Krohling Kunsch (2003. p. 74), importante teórica e acadêmica das Relações Públicas: “As barreiras mecânicas ou físicas estão relacionadas com os aparelhos de transmissão, como barulho, ambientes e equipamentos que podem dificultar ou mesmo impedir que a comunicação ocorra. A comunicação é bloqueada por fatores físicos”. Ou seja, os componentes da estrutura física do ambiente de trabalho – como paredes, divisórias, andares, etc – são um dos fatores que podem prejudicar e até bloquear a comunicação de uma empresa. 48 Redes de Comunicação Existem dois tipos de redes de comunicação em uma organização. A rede formal e a rede informal. Segundo Francisco Gaudêncio Torquato do Rego (1986, p.55), especialista na área de Comunicação Empresarial: “A rede formal comporta todas as manifestações oficialmente enquadradas na estrutura da organização e legitimadas pelo poder burocrático. A rede informal abriga as manifestações espontâneas da coletividade, incluindo-se aí a famosa rede de boatos, estruturada a partir da chamada cadeia psicológica de grupinhos”. Em relação à estrutura física do ambiente de trabalho, a rede informal está mais suscetível a sofrer alterações com a arquitetura da empresa. Em uma empresa onde não há tantas divisórias e tanta separação do trabalho, a rede de comunicação informal tem mais condições de fluir do que em uma empresa focada em funções de trabalho. Por exemplo, em uma empresa com modelo administrativo taylorista, a rede informal é impedida, pois os funcionários não estão integrados. Eles realizam suas funções como se estivessem em caixinhas, focados apenas em seu trabalho, impossibilitados de trocar informações triviais ou dar continuidade a uma rede informal de informações. Outro ponto a ser observado é o fato da estrutura dessas empresas ser construída de modo que os funcionários sejam – ou pelo menos se sintam – observados. Esse layout faz com que não haja um ambiente propício para a troca informal de informações. O funcionário não se sente confortável para tanto. 49 Em uma empresa onde o fluxo de comunicação horizontal é mais privilegiado e o espaço físico desenvolvido para essa liberdade de comunicação – como as organizações da linha administrativa de Relações Humanas –, a rede informal tem mais condições de se fazer presente. “A conversa, a livre expressão do pensamento, as manifestações dos trabalhadores sem o controle da direção administrativa são algumas expressões da rede informal, insertas no convívio natural das pessoas e dos grupos” (Kunsch; 2003, p. 83 e 84). A proximidade entre os funcionários da empresa, não separados por paredes ou funções de trabalho, favorece o fluxo dessa rede, mesmo por quê a estrutura física do local permite que eles estejam em contato freqüente com diversos funcionários, e a troca de informações acaba sendo inevitável e benéfica, além de mais flexível e espontânea. Segundo Gary Kreeps (1995, p. 233): “Uma das razões básicas para o sistema de comunicação informal nas organizações é a necessidade de os membros obterem informações sobre a organização e como afetarão suas vidas as mudanças na mesma”. Ou seja, o contato freqüente entre os funcionários permite que eles busquem outras formas de obter informações sobre a empresa, pois muitas vezes os canais formais de comunicação não conseguem informar suficientemente ou com clareza as curiosidades e dúvidas de seus funcionários. Muitas empresas dessa linha têm, por exemplo, espaços destinados a essas trocas de informações, como um local para tomar café ou uma copa onde os funcionários possam fazer suas refeições. Esses espaços são geralmente o ponto de partida para as fofocas e a rede de boatos da empresa. 50 Essa rede de boatos, um dos produtos mais conhecidos da rede informal, é formada muitas vezes por interesses maldosos, mas em grande parte é decorrente da insegurança e da falta de informação dos funcionários. Ela é geralmente denominada como rumor. De acordo com Teobaldo de Andrade (1993, p. 111): “O rumor é, em geral, a explanação de fatos numa distorção intencional ou não da realidade. Essa distorção é, quase sempre, grosseira, mas nem por isso perde seu valor”. Em outras palavras, a presença de locais para a troca de informações entre os funcionários incita a presença de rumores na empresa, o que pode ser prejudicial ou não, dependendo de como a empresa canaliza essa comunicação informal para o lado construtivo. Esses espaços destinados a trocas de informações não se restringem apenas a foco de rumores e boatos. Eles são ideais para a melhor integração entre os funcionários. Um espaço físico adequado e direcionado para a troca de informações ou incentivar o convívio entre os funcionários pode se tornar uma ferramenta muito eficaz na dinâmica e integração dos funcionários da organização. 51 GRUPO ACCOR 52 Para ilustrar como a estrutura física de uma empresa influencia na sua comunicação, usaremos como exemplo o prédio do Grupo Accor, localizado na Avenida Paulista, centro financeiro de São Paulo. A empresa é influenciada pela linha administrativa da Escola de Relações Humanas, e com isso podemos observar as características de sua arquitetura e reforçar alguns aspectos citados anteriormente. Grupo Accor A empresa francesa Accor chegou ao Brasil em 1976, em um cenário econômico de industrialização e urbanização acelerada. Em 29 anos de existência no país, a Accor tem hoje cerca de 30 negócios em Hotelaria, Turismo e Serviços agrupados em 6 unidades de negócios. Dessas unidades, três são administradas em parceria com outros acionistas: a Carlson Wagonlits Travel – agência de viagens especializada em negócios e lazer; a Dalkia Infra 4 – empresa de facilities management, responsável pela infra-estrutura de edifícios comerciais, clubes, shopping centers, universidades, etc; e a GRSA – alimentação e restaurantes de coletividade. As outras três unidades são administradas diretamente pela Accor: a Ticket Serviços S/A – empresa especializada em vouchers, como convêniosalimentação, oferecendo produtos para empresas que completem seus quadros de benefícios; a Accentiv – agência de Marketing, especializada em desenvolvimento de campanhas de incentivo, promoção de eventos, fidelização e premiação; e a Accor Hotels – rede de hotelaria com cinco modalidades de 53 hotéis desde a categoria econômica até luxo e flats. Ao todo, somam-se cerca de 120 hotéis no país. As idéias e valores que permeiam todas as empresas são os mesmos e concentram-se nas chamadas “Áreas Corporativas”, responsáveis por centralizar informações e procedimentos comuns às diversas marcas. São as áreas que compõe: Recursos Humanos, Comunicação, Financeiro, Auditoria, Jurídico e a Presidência. Ou seja, a difusão de valores do Grupo Accor se dá através dessas áreas comuns, centralizadas em um único edifício. O Grupo Accor tem como valores a confiança, a inovação, o profissionalismo, a responsabilidade social e a transparência. A Accor possui entre as suas unidades de negócios o Instituto Accor, responsável pelo controle e desenvolvimento de projetos de responsabilidade social entre as suas unidades de negócios, sendo uma Instituição de Educação e Assistência Social e promoção da Cultura, organizada sob a forma de associação sem fins lucrativos. A missão da área de Responsabilidade Social é desenvolver, aplicar e disseminar o conhecimento e as melhores práticas de responsabilidade social e ambiental, e assim participar no processo de mudança do país. O foco estratégico da área é a educação, em todas as suas conotações: alfabetização, ensino básico e médio, educação ambiental e alimentar, e capacitação profissional. O público-alvo são crianças e jovens, além do público interno. 54 Comunicação Accor A área de comunicação do Grupo Accor é bastante valorizada, principalmente a comunicação interna. É importante para a empresa informar seus funcionários sobre todas as suas atividades, de maneira que eles se sintam cada vez mais fazendo parte do Grupo Accor. Apesar de existirem meios de comunicação próprios em cada unidade do Grupo, existem também os que são de uso comum. São eles: o Jornal D´accor Brasil – com periodicidade mensal –, que é distribuído no início do mês seguinte à data da edição; o Mural D´accor – periodicidade mensal ou pontual –, que é um desdobramento da edição do mês do D´accor Brasil ou uma edição sobre um tema especial, apresentando de forma mais didática as informações estratégicas ao público operacional que não dispõe de computador; o D´accor Express – periodicidade mensal, quinzenal, semanal ou pontual –, que antecipa aos usuários da rede de comunicação online as principais informações da edição do D´accor Brasil em produção e divulga informações pontuais, por questões estratégicas ou emergenciais; e a TV interativa – onde vídeo-conferências são realizadas anualmente em todo o Brasil, promovendo a integração dos funcionários com a alta diretoria da empresa. O Grupo Accor tem, portanto, a preocupação de divulgar atividades e informações estratégicas da empresa para todos que dela fazem parte. Essa transparência na comunicação pode ser percebida quando observamos a estrutura física onde são realizadas as atividades da empresa. Como podemos perceber a partir de alguns exemplos, a arquitetura da empresa favorece muito o fluxo de comunicação interna e procura evitar que este fluxo seja prejudicado 55 com barreiras físicas. Arquitetura da Empresa Como já dito anteriormente, as áreas corporativas responsáveis por centralizar informações e procedimentos comuns às diversas marcas do Grupo Accor estão localizadas em um único prédio. A distribuição dessas áreas no edifício é bastante interessante. No primeiro andar do prédio estão as salas de reunião e a área de manutenção. No segundo andar se encontram a diretoria geral da unidade Ticket Serviços S/A e a Unidade de Performance e Produtividade das Empresas (UNPPE). No terceiro andar estão a Unidade de Benefícios ao Trabalhador (UNBT) e a área de Marketing. No andar de cima ficam as áreas de Recursos Humanos e Vendas ao Governo. No quinto e parte do sexto andar está a área de Tecnologia. Na outra parte do sexto e no sétimo andar está a área de Incentive House. No oitavo andar se encontra o Financeiro da empresa e no nono andar está a área corporativa de todas as marcas do Grupo Accor. No último e décimo andar, com acesso apenas por escada, está a Presidência. Com essa distribuição da empresa, alguns aspectos podem ser observados. Por exemplo, a localização da diretoria geral da unidade Ticket Serviços S/A. A administração da empresa não está centralizada em um único andar ou agrupada nos andares superiores do edifício. Apesar da Presidência estar no último andar, a diretoria de uma das unidades do Grupo está alocada no segundo andar do edifício. 56 Muitas áreas que não estão diretamente ligadas dividem o mesmo andar. Isso favorece a rede informal de comunicação, fazendo com que os funcionários, mesmo não trabalhando no mesmo setor, possam se conhecer e trocar informações tanto da empresa quanto assuntos pessoais. O fato do elevador do prédio só ir até o nono andar e o acesso à Presidência ser apenas por escada, mesmo que seja por questões de segurança, transmitem a idéia de uma área não muito acessível, que não está integrada aos demais setores da organização. O prédio possui uma área destinada aos funcionários fumantes da empresa chamada “fumódromo”. Apesar do local ter como princípio um hábito não muito saudável, ele favorece também a rede informal de comunicação, pois possibilita que funcionários de diversas áreas possam se conhecer e interagir. A distribuição interna de cada área favorece o fluxo de comunicação lateral. As divisórias são bem baixas, permitindo que o funcionário tenha uma visão geral de toda a sua área e possa se comunicar facilmente com seus colegas de trabalho. Algumas equipes ficam em uma sala separada dos demais, bem como alguns representantes da gerência. Nas salas onde ficam as equipes não há divisórias, e seu layout permite que a comunicação entre os membros da mesma equipe possa fluir sem barreiras físicas. Essas salas têm paredes de vidro, fazendo com que, mesmo separadas, elas possam se integrar aos demais ambientes. Além disso, essas paredes 57 transmitem transparência, fazendo com que todos os funcionários tenham uma visão geral da área. As características mostradas nos ajudam a entender como a estrutura física influencia no fluxo de comunicação da empresa. Tendo conhecido a filosofia e a cultura da empresa e observado algumas características de seu espaço físico, podemos ter certeza de que a arquitetura da empresa não só reflete sua cultura e filosofia, como interfere – e muito – em seus fluxos e rede de comunicação. 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS 59 A arquitetura está inevitavelmente presente em nosso cotidiano. A história de sua presença na evolução da humanidade nos mostra que, sem dúvida, ela é uma forma de expressão do pensamento humano em todas as atividades e circunstâncias que o homem está inserido. Como vimos neste trabalho, nas empresas essa expressão não é diferente. A arquitetura reflete o pensamento e filosofia da organização e influi em seus processos de comunicação. Ela é a medida da força simbólica institucional exercida numa espécie de acordo silencioso entre os indivíduos e o poder existente nas paredes. Portanto, estabelecer um paralelo entre o relacionamento desses indivíduos e a maneira que a empresa é administrada é essencial para entendermos essa influência. Não é apenas uma relação de causa e efeito, e sim de um princípio comum entre a elaboração do pensamento de gestão moderno e a arquitetura. É como se a estrutura física da empresa tivesse consciência de seu poder de agregar indivíduos e formas de pensamento. É como se o espaço da empresa estivesse reforçando seu modo de ser administrada. Em outras palavras, uma diferente maneira de perceber a organização ocasiona uma diferente maneira de organizar o ambiente de trabalho, isto é, a arquitetura da empresa. Neste trabalho foram mostrados dois modos de perceber a organização através de suas linhas administrativas – a linha de Administração Científica ou Taylorismo e a linha da Escola de Relações Humanas – e como o tipo de 60 administração modifica a maneira de organizar o espaço de trabalho. O desenho arquitetônico das empresas que seguem essas linhas administrativas não deixa de ser um reflexo da hierarquia da organização. A arquitetura das empresas reafirma o que os organogramas determinam. A hierarquia está presente nas paredes, nos andares, até em sua decoração. Esses elementos transmitem percepções e indicam as possíveis formas de comportamento. Na verdade, essa espécie de poder da arquitetura é invisível, pois ele é exercido constantemente e está presente nas ações quase inconscientes dos indivíduos. Por isso é menos suscetível a observações. A finalidade desde trabalho foi, portanto, fazer um exame mais atento desse poder, relacionando-o com a comunicação da empresa. A distribuição espacial gera uma série de comportamentos e práticas inconscientes, que são estruturadas de acordo com as posições marcadas na distribuição de cargos e funções. Assim sendo, os processos de comunicação da empresa também são influenciados por esta distribuição, ou seja, a arquitetura da empresa. Os fluxos de comunicação – ascendente, descendente e lateral – estão sujeitos a essa influência, assim como as redes formais e informais de comunicação. Através do exemplo de uma empresa real – o Grupo Accor – foi possível avaliar como essa influência se dá através da observação de algumas características de sua arquitetura. Foi possível perceber como a arquitetura é uma variável na constituição das relações dentro da empresa, mesmo que 61 implicitamente. Em suma, a relação entre as estruturas arquitetônicas e as estruturas de ação dos indivíduos no cotidiano de uma empresa é uma complexa rede de símbolos e maneiras de perceber o indivíduo inserido em seu ambiente de trabalho. A arquitetura emoldura os processos de comunicação, influenciando subjetivamente seus resultados. 62 BIBLIOGRAFIA 63 ANDRADE, Teobaldo de. Para entender Relações Públicas. São Paulo: Edições Loyola, 1993. BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976. __________________. História da cidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. São Paulo: Ed. Globo, 1990. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. São Paulo: Mggraw-Hill do Brasil, 1979. COSTA, Joan. Diseño, comunicación y cultura. Madrid: Fudesco, 1994. CORBUSIER, Le. Por uma arquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2000. DARLING, Elizabeth. Le Corbusier. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. FONTENELLE, Isleide Arruda. O nome da marca. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987. FRANCKOWIAK, Irene T. Tiski. Homem, comunicação e cor. São Paulo: Ed. Lua Nova, 1988. GRAVINA, Veridiana Rodrigues. Educar e Transformar – a Filantropia Estratégica das empresas como artigo explorável de Marketing. [Monografia]. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2005. 64 GROPIUS, Walter. Bauhaus: Novarquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1997. KREEPS, Gary L. La comunicación en las organizaciones. Wilmington: Addison Wesley Iberoamericana, 1995. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus Editorial, 2002. MARTINO, Luís Mauro Sá & NASSAR, Paulo. Arquitetura Empresarial e pensamento capitalista, In Communicare Revista de Pesquisa, 2002. MARZOCCA, Luciano. A arquitetura como linguagem comunicacional: a prática fluente em São Paulo . [Monografia]. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2003. MONZEGLIO, Elide. Espaço/Cor – Unidade de Comunicação. [Monografia]. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1979. MORRIS, William. The Prospects of Architecture in Civilization. In: On Art and Socialism. London Institution: Londres, 1947. NASSAR, Paulo. Comunicação e Organizações Brasileiras na década de 1970. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2001. ____________. Tudo é comunicação. São Paulo: Ed. Lazuli, 2003. NETTO, J. Teixeira Coelho. A construção do sentido na arquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002. 65 OKAMOTO, Jun. Percepção ambiental e comportamento: visão holística da percepção ambiental na arquitetura e na comunicação. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2002. POLIÃO, Marco Vitrúvio. Da Arquitetura. São Paulo: Hucitec; Fundação Para a Pesquisa Ambiental, 1999. REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos, estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas. São Paulo: Ed. Summus, 1986. STUNGO, Naomi. Frank Lloyd Wright. São Paulo: Cosac & Naify, 2000. Sites http://www.aberje.com.br/novo/revista/2_2005/entrevista_nara.pdf http://www.cen.g12.br/virtual/edartis/Artes%20moderna/Maneirismo/Web.htm http://www.comintegrada.blogspot.com http://www.guiadebrasilia.com.br/historico/menupat.htm http://pt.wikipedia.org/wiki/Historia_da_Arquitetura 66